Newsletter Abril 2016

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Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007


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Mau Humor


Sobre as Plataformas Nacionais Em Moçambique, temos plataformas nacionais dos mais diversos temas, agregando todo o tipo de intervenientes: desde pessoas singulares, a instituições estatais, ONG’s, governo, associações, etc. No entanto, as Plataformas Nacionais, lamentavelmente são “um pau de dois bicos”. E é importante que as pessoas que estas supostamente representam o saibam. Isto não é um ataque a plataforma alguma, ou às plataformas em geral, até porque a Justiça Ambiental faz parte de algumas e sabe muito bem que, seja onde for (mas especialmente neste país), trabalhar sozinho como uma ilha, não leva a lugar nenhum. No entanto, calejados por alguns dissabores, não podemos deixar de alertar o público que segue as lutas em que estamos envolvidos para que fiquem atentos à instrumentalização destes agregados. Se por um lado, estes espaços permitem que se dê voz a colectivos de menor expressão, por outro, permitem igualmente que instituições de maior envergadura, por força do seu contributo ou hipotética importância, se apoderem da representatividade da plataforma, manipulando-a perigosamente a seu bel prazer. Portanto, a próxima vez que ler sobre acções ou posicionamentos de uma qualquer plataforma, questione, duvide, investigue. Nem sempre as coisas são o que aparentam ser.

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Mudanรงas Climรกticas: O Caso de Moรงambique

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Já é bem sabido que, no que diz respeito a mudanças climáticas, Moçambique é um dos países mais vulneráveis do mundo. Facto que nos é confirmado por indicadores como a alteração de padrões de precipitação e temperatura e pelo consequente aumento na incidência de calamidades. Segundo dados do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), há registo da ocorrência de calamidades similares às dos últimos anos nas décadas de 80, 90 e 2000, sendo que na presente década, os mesmos têm ocorrido com maior frequência. O aumento de intensidade e frequência de eventos climáticos extremos como cheias e inundações, secas, tempestades de vento (incluindo ciclones tropicais) e a subida do nível das águas do mar, são manifestações claras dessas alterações climáticas e demonstram quão vulnerável o país é. Em virtude dessas mudanças climáticas, Moçambique tem se debatido com uma recorrente destruição de infraestruturas socioeconómicas, com enormes perdas de produtividade agrícola, com uma avultada degradação ambiental (nomeadamente causada por uma erosão acelerada e por intrusão salina) e até com a perda de vidas humanas. Estas consequências das mudanças climáticas têm tido um impacto significativo sobre a subsistência das comunidades e, de um modo geral, sobre toda a economia do país. Depois das cheias que afectaram sobretudo o centro e norte do país no início de 2015, Moçambique volta agora a ser palco de nova calamidade. Desta feita, uma seca que tem vindo a assolar as três províncias do sul do país, afectando cerca de 200 mil pessoas e dizimando centenas de cabeças de gado devido à falta de água e de pasto. Em termos de custos, são necessários cerca de 12 milhões de Euros (621 milhões de meticais) para assistência alimentar às vítimas até Junho do corrente ano. Convém mencionar também que, embora sem a mesma gravidade de anos anteriores, enquanto no sul do país não chove, as zonas centro e norte já foram fustigadas por cheias que afectaram mais de 500 famílias e mataram dezenas de pessoas. Estes eventos extremos que têm fustigado Moçambique irão agravar-se nos próximos tempos, e tendo em conta que toda a esperança que se depositava na COP 21 e num bom novo Acordo Climático em Paris foi por água baixo, adivinha-se que tenhamos que pagar uma factura muito alta. O acordo firmado é fraco, pois não especifica obrigações concretas para garantir a redução de emissões, nem estipula o financiamento para transformação e justiça para os povos afectados, dando pouca importância às questões de perdas e danos e ao respeito pelos direitos humanos. Segundo a Plataforma Nacional das Organizações da Sociedade Civil para Mudanças Climáticas o acordo de Paris ignora sistematicamente a ciência e os princípios da equidade. Dados da NASA publicados recentemente, revelam que Fevereiro foi o mês mais quente da história desde que em 1880 se começou a tomar registo. Segundo a mesma fonte, a temperatura média global neste mês foi de 1,35 grau mais alta do que os registos entre 1951 e 1980, período usado como parâmetro para medir o aquecimento. O recorde anterior era de Janeiro de 2016, com 1,14 graus. Desta forma, Fevereiro de 2016 foi o quinto mês consecutivo em que a temperatura da superfície terrestre superou a média em mais de um grau, o que demonstra claramente que estamos em uma situação de emergência climática e precisamos de agir com urgência. Estudos mostram ainda que se as tendências de subida de temperatura média

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global que se verificam hoje prevalecerem nos próximos anos, o que é mais do que provável, até 2050 poderá registar-se um aumento de mais dois graus centígrados acima da média global. Para Moçambique, isso significará um aumento de cerca de 4 graus. Esta subida de temperatura, por sua vez, significará precipitação pouco frequente mas em abundante volume, ou seja, teremos chuvas de maior intensidade e com muito poder destrutivo por um lado, e secas mais intensas, mais frequentes e em grandes áreas por outro. Para mais, Moçambique tornar-se-á mais susceptível a ciclones, que também se estima que se tornem mais frequentes e maiores. Estranhamente, embora se tenha tanta informação sobre as condições de vulnerabilidade em que o país se encontra, e apesar das tristes experiências vividas repetidamente ano pós ano, o Governo moçambicano continua sem apresentar planos de contingência ou propor medidas eficazes concretas para garantir a minimização dos impactos desses eventos climáticos extremos que tão frequentemente têm ocorrido no país. Contudo, apesar destes eventos serem causados pelas alterações climáticas, os impactos das mesmas, podem ser evitados, pelo menos a nível de vítimas e infraestruturas. Um relatório publicado recentemente pelo INGC aconselha o Governo a tomar em consideração na sua tomada de decisões os vários estudos e projecções sobre os impactos das mudanças climáticas em Moçambique e na região. Mas os nossos governantes simplesmente ignoram. Decerto não sofrerão na pele as consequências, julgam eles... Deviam apostar-se em políticas de investimento em infraestruturas resilientes, para que não tenhamos que fazer e refazer estradas, escolas, habitações e tantas outras construções públicas e privadas todos os anos, fruto de obras de qualidade duvidosa erigidas em locais impróprios. Isso certamente que reduziria drasticamente os custos e esforços empreendidos em situações de emergência. Sem uma estratégia clara e sobretudo sem vontade política alguma para lidar com os impactos das mudanças climáticas, o Governo continuará a gastar milhões de meticais anualmente para remediar o que deveria ter sido prevenido. Um estudo produzido pelo Banco Mundial em 2010 estima que o custo económico dos desastres ocorridos em Moçambique no período de 1980 a 2003 terá sido de cerca de 1,74 bilhões de dólares. Contudo, este valor subestima as perdas e impactos na população mais vulnerável, que vive maioritariamente nas zonas costeiras e que tem na pesca e na agricultura de sequeiro a sua principal fonte de subsistência. Nestas comunidades, os recursos e as infraestruturas costeiras estão expostas aos ciclones tropicais e à subida do nível das águas do mar. Paralelamente à degradação de infraestruturas e a perdas económicas consideráveis, os cenários climáticos desenvolvidos indicam uma clara redução do bem-estar nacional. O mesmo estudo prevê igualmente perdas financeiras estimadas entre 2 a 7 bilhões de dólares entre 2003 e 2050, o que equivale a uma perda anual que varia entre 0,6 e 1,2 bilhões de dólares por ano até 2030. As maiores perdas continuarão a ocorrer no sector de infraestruturas, com particular destaque para os danos causados por eventuais cheias em estradas e pontes. Por seu turno, os danos causados por eventuais secas recairão preponderantemente sobre a agricultura. Posto isto (e muito também em virtude de não se ter chegado a um acordo sensato na COP 21 em Paris), resta-nos continuar a apelar à sensatez de quem de direito, e reiterar perante estes a nossa preocupação face ao menosprezo que está a ser dado a este tema.

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A Novela da Dívida Eu e os meus comparsas reunimo-nos assiduamente no Clube de Leitura. É assim que com escárnio denominamos o local onde ao fim do dia, “depois do job”, nos encontramos para conviver. Estou certo que muitos de vós farão parte de agremiações fictícias idênticas, e digo isto porque na rua onde moro elas abundam. Discutimos tudo no Clube de Leitura. Ocasionalmente até mesmo um livro ou outro, mas na verdade, são a família, o desporto e a política os tópicos que normalmente imperam. Falamos de política frequentemente. Umas vezes mais apreensivamente do que outras, às vezes à gargalhada e outras vezes nem por isso. Nem sempre concordamos. Nos últimos meses, o clube andou assoberbado com tanto acontecimento digno de discussão: a guerra dissimulada, as crises de água e luz, os refugiados sírios, a crise política no Brasil, as eleições nos Estados Unidos da América, os “papéis do Panamá”, enfim... Ainda assim, nenhum assunto tem assumido papel tão destacado como a novela da dívida. Fez este mês um ano que a bolha estoirou. Para quem anda MUITO distraído, eis uma breve síntese: Empresa Moçambicana de Atum, SA (EMATUM) Criada pelo Estado em 2013, sem concurso público ou aprovação do parlamento Accionistas: Instituto de Gestão de Participações do Estado (IGEPE), com 34%; a Empresa Moçambicana de Pesca, SA (EMOPESCA), com 33%; e a Gestão de Investimentos, Participações e Serviços, Lda (GIPS) – que é participada a 100% pelos Serviços Sociais do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) – com 33%.

Em Abril de 2015 a imprensa nacional noticia que em 2013 a EMATUM, uma empresa de capitais públicos e privados, contraiu à socapa (com o Estado como avalista) um empréstimo no valor de $850 milhões de Dólares ($500M do Crédit Suisse e $350M do VTB Moscow)– operação que terá rendido a intermediários não especificados cerca de 13.6 milhões de Dólares. O empréstimo obrigaria a EMATUM a pagar ao Crédit Suisse e ao VTB Moscow:

77 milhões de Dólares + Juros em Setembro de 2015; 153 milhões de Dólares + Juros (em 2 prestações) em 2016; 153 milhões de Dólares + Juros (em 2 prestações) em 2017; 153 milhões de Dólares + Juros (em 2 prestações) em 2018; 153 milhões de Dólares + Juros (em 2 prestações) em 2019; e 162 milhões de Dólares + Juros (em 2 prestações) em 2020.

No entanto, esses 850 milhões de dólares supostamente destinados a equipar e operacionalizar a empresa, foram usados não só para adquirir 24 embarcações de 06


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pesca mas também 6 modernos barcos de patrulha costeira, bem como radares e respectiva instalação e formação. Especula-se que este material militar tivesse como destino guarnecer a costa norte do país – onde foram descobertas nos últimos anos consideráveis quantidades de recursos minerais – a troco de chorudos contratos de segurança. Conforme o escândalo se foi desenvencilhando, mais óbvio se foi tornando que a EMATUM fora mera “cortina de fumo” para uma golpada gigante. A questionável viabilidade económica e financeira da empresa e o surreal valor das prestações acordadas tornam claro que quem engendrou este empréstimo não tinha a mínima intenção de pagá-lo de volta. Quem o fez, abusou do seu poder dentro do aparelho de Estado com plena consciência e deliberada intenção de lesar os cofres públicos do país. A 18 de Junho de 2015, o Ministro da Economia e Finanças anuncia a intenção do Governo em reestruturar a “sua” parte da dívida, referindo-se aos cerca de 500 milhões gastos em barcos e radares adquiridos para o Ministério da Defesa, e sublinhando que os restantes $350M, referentes às 24 embarcações de pesca, correspondiam a uma “dívida empresarial”. Nas semanas que se seguiram, a sociedade civil e a oposição pressionam o governo e a Procuradoria Geral da República solicitando respostas. O MDM fala mesmo num inquérito parlamentar. Três meses depois, em Setembro de 2015, Moçambique paga a primeira amortização do empréstimo: 105 milhões de Dólares ($77M + $27M de Juros). A 18 de Dezembro de 2015 o Fundo Monetário Internacional (FMI) aprova um empréstimo de 283 milhões de Dólares a Moçambique. A primeira tranche, de 118 milhões de Dólares, é disponibilizada de imediato. Em meados de Março de 2016 Moçambique paga a segunda amortização do empréstimo. A 4 de Abril de 2016 é anunciada a reestruturação dos remanescentes 697 milhões de dívida da EMATUM. A dívida comercial da empresa é convertida em obrigações do tesouro moçambicano emitidas em dólares norte-americanos com uma taxa de juros fixa, e o período de pagamento é alargado de 5 para 7 anos. Assim, em vez de cerca de 200 milhões de Dólares por ano durante 5 anos, o país passa a ter de pagar 76 milhões de Dólares anuais (em 2 prestações de 38 milhões de Dólares cada) durante 7 anos. No mesmo dia, o Wall Street Journal revela outro empréstimo escondido, desta feita no valor de 622 milhões de Dólares, contraído nos mesmo moldes que o primeiro, aos mesmos dois bancos: o Crédit Suisse e o VTB Moscow. Proindicus, SA Criada pelo Estado em Dezembro de 2012. Accionistas: Monte Binga, SA – que é participada a 100% pelo Instituto de Gestão de Participações do Estado (IGEPE), com 50%; e o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), com os restantes 50%.

Deste segundo empréstimo sabe-se apenas que terá sido igualmente contraído para a obtenção de navios e radares militares, que terá sido também avalizado pelo Estado e que vence em 2021.

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Dia 12 de Abril de 2015, a RENAMO propõe na Assembleia que o Governo seja chamado ao Parlamento para explicar as dívidas ocultas. Descaradamente, a FRELIMO chumba a proposta em bloco. A 18 de Abril de 2015 o FMI cancela o pagamento da segunda tranche do empréstimo concedido em Dezembro – 165 milhões de Dólares – alegando que, ao omitir esta dívida, o governo violou as condições do empréstimo. No dia seguinte, o Primeiro Ministro voa de emergência para Washington. Dia 22 de Abril de 2015 a Reuters noticia que Moçambique assumiu ao FMI mais de 1.350 Milhões de Dólares em dívidas ocultas. Ou seja, assumiu que fora a EMATUM, além da Proindicus, há mais dois empréstimos milionários contraídos com a garantia do Estado à revelia dos moçambicanos. O que se sabe sobre esses dois “novos” empréstimos por enquanto, é que um foi concedido a uma tal de Mozambique Asset Management, no valor de 535 milhões de Dólares e cuja finalidade seria construir um estaleiro naval em Pemba, e o outro, que se estima avaliado entre 130 a 200 milhões de Dólares, foi contraído pelo Ministério do Interior. Aguardam-se então ansiosamente os próximos episódios... Ora, estas manobras vieram só exacerbar a já deveras preocupante situação económica de Moçambique. Como se já não bastassem os constrangimentos causados pela retracção gerada pela tensão político-militar no país e pelo período de hiato que atravessa o sector de recursos minerais dada a queda de valor das suas matérias primas, só nos faltava agora mais esta. Tendo em conta o quão dependente o país é de ajuda externa, Moçambique está agora na corda bamba. Tudo porque o governo decidiu cuspir descarada e insolentemente no prato onde, muito por sua incompetência, todos ainda comemos. A situação está má, mas ainda pode piorar muito, pois a escassez de divisas no mercado está a afundar o Metical vertiginosamente, e como o país não produz quase nada, o preço de tudo está a subir. O Clube de Leitura anda ao rubro de tanto alvoroço. Ninguém tem dó do governo. Sobre o futuro, no entanto, as opiniões dividem-se. Uns têm medo que este escândalo coloque o país numa situação económica sem precedentes, que parceiros e doadores nos tirem o financiamento por falta de confiança e nos deixem entregues à nossa sorte; outros, porém, temem mais ainda que esses parceiros e doadores nos ajudem a “tapar o buraco”, permitindo assim que a flagrante pilhagem da coisa pública por uma elite política desavergonhadamente corrupta se perpetue. Sim, porque a Procuradoria Geral da República já há muito se assumiu como marioneta do sistema... No entanto, numa coisa concordamos todos: Estes mais de 2.000 milhões de Dólares em empréstimos contraídos clandestinamente são a cereja em cima do bolo que foi a governação de Armando Guebuza. E ao recusar-se a prestar esclarecimentos no Parlamento, o actual governo presta-lhe vassalagem e mostra-se comprometido. Afinal de contas, o actual Chefe de Estado era Ministro da Defesa. De uma coisa estou certo, tão cedo dirigente algum deste governo terá a coragem de acusar a sociedade civil de ter “agendas ocultas”.

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Afinal a quem beneficia

a Exploração de Madeira?

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Nos últimos anos tem se constatado um crescente fluxo de informação a reportar e denunciar situações flagrantes de violação e destruição da biodiversidade um pouco por todo País, com destaque para a exploração ilegal de florestas e para o abate ilegal de elefantes e rinocerontes. Estudos e relatórios publicados por instituições académicas e organizações não governamentais nacionais e internacionais têm, de forma recorrente, alertado que a exploração florestal no território nacional tem sido acima daquilo que é anualmente licenciado, chegando mesmo em alguns anos a ultrapassar o Corte Anual Admissível. A título de exemplo, a Universidade Eduardo Mondlane publicou em 2014 um estudo no qual relata que entre 2007 e 2012, 66% de toda a exploração de madeira em Moçambique – correspondente a 2,666,942 m3 – não foi licenciada. Por sua vez, dados reportados pela ONG inglesa EIA (Environmental International Agency), dão conta que apesar do consumo doméstico ter crescido consideravelmente, a exportação de madeira para a China (que é destino de 90% da madeira exportada pelo nosso país) é o principal factor que estimula o corte ilegal e a exploração insustentável de florestas em Moçambique. Lamentavelmente, cerca de metade dessa madeira não é licenciada, ou seja, é ilegal. Para mais, inclui toros de espécies ditas “de primeira classe”, cuja exportação é proibida por lei.

Em 2013, a discrepância entre a exportação licenciada em Moçambique e a importação declarada na China foi de 46%, o equivalente 235, 550 m3 de madeira contrabandeada. Sabe-se que o sector florestal contribui com cerca de 2% para o PIB e que essa contribuição se pretende maior, todavia, o que este cenário evidencia é que o problema não é a escassa procura (antes pelo contrário!), é sim a incompetência do governo em transformar essa procura em tão necessárias receitas para os cofres do Estado. No entanto, desde o inicio de 2015 que têm sido notórios os esforços do Governo – particularmente do Ministério de Terra Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) – em melhorar as suas acções para dignificar e desenvolver o sector. Aliás, após anos de advertências de Organizações Não Governamentais e da Sociedade Civil sobre o perigo do acelerado desmatamento e degradação das nossas florestas, e dos recorrentes apelos por uma urgente intervenção com medidas e acções duras, finalmente, com muita coragem, foram recentemente anunciadas pelo MITADER a legislação que bane a exportação em toro de todas as espécies nativas em Moçambique e uma moratória sobre a emissão de novas licenças de corte. Estas importantes medidas para o bom funcionamento do sector são de salutar, mas é importante que durante este período se façam uma análise e

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requalificação das actuais políticas florestais, bem como uma capacitação dos quadros afectos ao sector, e ainda que se crie um sistema nacional de critérios e indicadores para a monitoria. A China é logicamente a principal visada por este conjunto de medidas. Sabendo que dificilmente voltará a importar madeira em toros de Moçambique, a China tem vindo a exercer pressão sobre as nossas autoridades numa tentativa de fazer valer a sua política de importação sobre a nossa política de exportação de madeira, mais concretamente no que concerne à espessura mínima de madeira para ser considerada madeira serrada. De acordo com alguns órgãos de comunicação da praça moçambicana, certas empresas que operam na província da Zambézia estão agastadas pelo facto do mercado internacional, sobretudo o chinês exigir madeira processada com espessura mínima de 20 cm e não de 12.5 conforme previsto na legislação moçambicana. Todavia, em concordância com a nossa legislação, ao abrigo das alíneas a) e b) do Artigo No 1 do Diploma Ministerial No 142/2007 de 14 de Novembro, o Ministro da Agricultura determina que os padrões para transformação primária de toros de todas as espécies florestais produtoras de madeira passam a ser os seguintes: Tábuas: madeira serrada com espessura até 7.5 cm, largura superior a 7.5 cm e comprimento igual ou superior a 80 cm;

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Pranchas: madeira serrada com espessura 7.5 cm a 12.5 cm, largura superior a 12 cm e comprimento igual ou superior a 80 cm. Este Diploma Ministerial garante o incremento da taxa de sobrevalorização da madeira moçambicana, permite uma maior arrecadação de receitas para o cofre do Estado, e ao mesmo tempo garante que mais postos de trabalhos sejam criados através do crescimento da indústria de transformação da madeira no país. Diante deste cenário, é necessário que se faça o exercício diplomático de relembrar o governo Chinês que Moçambique é um pais soberano e independente, onde existe uma legislação vigente, à qual ninguém está isento. Ou seja, se a China estiver interessada em importar a madeira de Moçambique, deverá fazê-lo em observância às leis da República de Moçambique. Ademais, para combater e dissuadir a exportação ilegal, o governo deve igualmente investir no apetrechamento do sistema de fiscalização; na sofisticação do nosso sistema de exportação de madeira, sobretudo através de tecnologias de informatização; e na capacitação do pessoal das alfandegas em matéria de cubicagem e identificação de espécies.


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Notícias Internacionais Japão Retoma Caça às Baleias O Japão vai retomar a caça às baleias com “fins científicos” no Mar da Antártica até o fim de março deste ano de 2016, informa a imprensa japonesa. O Japão havia sido obrigado a renunciar à caça às baleias no oceano antártico na temporada 2014-2015 por uma decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ). A agência japonesa de pesca informou à Comissão Baleeira Internacional (CBI) a retomada da caça, mas com uma limitação a 333 animais, dois terços a menos que o teto anterior. O comitê científico da CBI afirmou que o Japão não havia explicado o interesse em caçar quase 4.000 baleias no oceano antártico nos próximos doze anos. As organizações de defesa do meio ambiente da Austrália rejeitaram a decisão japonesa e pediram ao governo australiano que interceda junto ao governo japonês contra a retomada da caça às baleias. Agência France-Presse)

Monsanto revela que milho transgênico pode fazer mal à saúde Um artigo publicado no International Journal of Biological Sciences mostrou que o consumo da semente modificada tem efeitos negativos principalmente sobre fígado e rim, órgãos ligados à eliminação de impurezas. Embora suas propriedades nutricionais sejam mantidas, [referência retirada]#, o estudo francês revelou que os grãos do milho transgênico apontam claros sinais de toxidade. O biólogo molecular Gilles-Eric Séralini e sua equipe puderam divulgar a pesquisa depois que um decisão judicial obrigou a Monsanto revelar sua própria análise dos grãos que manteve em sigilo impedindo que a informação se tornasse pública. Os franceses então divulgaram a comparação dos efeitos das sementes MON 863, NK 603 e MON 810 sobre a saúde de mamíferos, sendo as duas últimas permitidas no Brasil, bem como sementes resultantes do seu cruzamento. No caso do NK 603, os dados apontam perda renal e alterações nos níveis de creatinina no sangue e na urina, que podem estar relacionados a problemas musculares. É por esse motivo que os pesquisadores destacam que o coração foi afetado nos ratos alimentados com esta variedade. O quadro para o MON 810 não muda muito. Embora os machos em geral demonstrem maior sensibilidade a tóxicos, foram as fêmeas que apresentaram ligeiro aumento do peso dos rins, que pode corresponder a uma hiperplasia branda, geralmente presente quando associada a processos imunoinflamatórios. Os autores do artigo publicado no International Journal of Biological Sciences concluíram que os dados sugerem fortemente que estas três variedades de milho transgênico induzem a um estado de toxicidade, que pode resultar da exposição a pesticidas (glifosato e Bt) que nunca fizeram parte de nossa alimentação. A Comissão Técnica de Biossegurança, a CTNBio, informa que “o milho NK603 é tão seguro quanto às versões convencionais”, que a modificação genética “não modificou a composição nem o valor nutricional do milho”, que “há evidências cientificas sólidas de que o milho NK 603 não apresenta efeitos adversos à saúde humana e animal” e que “o valor nutricional do grão derivado do OGM referido tem potencial de ser, na realidade, superior ao do grão tradicional”. A CTNBio também avalia que no caso do MON 810 “os efeitos intencionais da modificação não comprometeram sua segurança nem resultaram em efeitos não-pretendidos” e que a “proteína é tóxica somente para lagartas”. http://www.revistaecologica.com

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Banco Mundial Desenvolvimento a interesse de quem?

(Artigo de Kristina Remy, publicado no nosso Boletim “O País Verde” em Setembro de 2007)

O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional surgiram no pós-segunda Guerra Mundial e a sua missão não era, como se acredita, reduzir a pobreza nos países em desenvolvimento. A sua missão inicial era a de reconstruir a Europa como um aliado contra a União Soviética e fortalecer a economia dos países do Sul, muitos dos quais ainda se encontravam na forma de colónias e eram alvo de exploração. A missão depois ficou conhecida como uma missão de “desenvolvimento”; porém, este desenvolvimento tem sido e ainda é baseado nos interesses da maioria dos países industrializados, com os Estados Unidos como o maior accionista e membro com maior influência a dominar as duas instituições. O alvará do Banco Mundial proíbe explicitamente os membros de fundamentar as operações do Banco em considerações políticas e não económicas. Contudo, desde a sua formação que o Banco Mundial tem se desviado destas provisões, seguindo continuamente os interesses políticos, principalmente dos Estados Unidos, apoiando países e regimes que sustentam políticas que violam os Direitos Humanos básicos. O facto de muitos destes regimes terem cometido crimes contra a humanidade não teve qualquer impacto nas decisões do Banco. Para além de apoiar várias ditaduras com o objectivo de fortalecer o modelo neo-liberal, o Banco Mundial apoiou o regime do Apartheid na África do Sul, indo mesmo contra a resolução das Nações Unidas que decretara sanções económicas contra aquele regime. Para acrescentar, o Banco Mundial tem continuamente cedido empréstimos a colonizadores, permitindo que estes explorem os recursos naturais e as populações das suas colónias a favor das classes dominantes. E, desde sempre, os Estados Unidos têm sido a principal influência nas políticas do Banco Mundial. O que os críticos chamam de “agenda secreta”, ou consenso de Washington, retrata o desvio dos objectivos declarados de redução da pobreza, interacção livre das forças de mercado, comércio livre e uma intervenção limitada por parte das autoridades públicas. Estes objectivos promovem a subordinação dos países endividados, re- produzindo-se a pobreza e fomentando-se a dependência externa dos pobres em relação a nações industrializadas. Esta dependência serve depois como base para ajustes económicos e políticos específicos, chamados de Programa de Ajustamento Estrutural ou Estratégia de Redução da Pobreza, para “integrarem” o país devedor no sistema económico mundial neo-liberal. Isto acontece de forma muito específica, fornecendo as fundações para a exploração, abrindo as economias de recursos naturais e mão de obra barata para o mundo industrializado. Uma citação de um livro publicado a favor do próprio Banco Mundial, em comemoração dos seus primeiros 50 anos de existência, ilustra explicitamente a influência sistemática dos Estados Unidos nas políticas e funcionamento do Banco Mundial: “O apoio e a pressão dos Estados Unidos e as críticas do Banco tem sido centrais no seu crescimento e evolução das suas políticas, programas e práticas. O resultado foi uma forte e duradoura marca americana em todos os aspectos do Banco, incluindo a sua estrutura, direcção política geral e a forma de concessão de empréstimos.” Esta influência norte-americana, porém, não tem sido evidente apenas nas políticas de concessão de dinheiro. Sempre que o cancelamento de dívidas providenciava bases para o avanço dos interesses americanos, o Banco não hesitava em cancelá-las, como foi o caso, por exemplo, da Alemanha imediatamente após a segunda Guerra Mundial. Porque os Estados Unidos (e os seus principais aliados ocidentais, o Reino Unido e a França) viram

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o potencial de mais um elemento chave no Bloco Atlântico contra o Bloco Ocidental, a Alemanha, arrasada pela guerra (que tinha grandemente causado a Guerra e perdido) tornou-se imediatamente o foco de estabilização económica. No Acordo Londrino da Dívida, de 1953, assinado entre os Estados Unidos, Grã-Bretanha e França, os três países concordaram numa redução de 62.6% da dívida alemã, contabilizada em 24.3 biliões de marcos. Para acrescentar ao cancelamento de grande parte da dívida, foram também concedidas à Alemanha condições que muitos dos actuais países em desenvolvimento só podem sonhar. Primeiro, permitiu-se que a Alemanha pagasse as suas dívidas em moeda nacional, uma condição jamais oferecida a qualquer país em desenvolvimento. Em segundo lugar, a Alemanha foi proibida de usar mais do que 5% das suas receitas das exportações no pagamento das dívidas, enquanto os países em desenvolvimento hoje gastam uma média de 12.5%. Em terceiro lugar, as taxas de juro para a Alemanha não ultrapassaram os 5%, enquanto que nos países em desenvolvimento estas chegam a atingir os 11.9%. E por fim, a Alemanha foi autorizada, se não aconselhada, a fabricar qualquer mercadoria que possam importar, algo que os países em desenvolvimento estão completamente proibidos de fazer. E, contudo, os países em desenvolvimento hoje em dia encontram-se numa espiral de dívidas, afundando-se cada vez mais nela, sem qualquer melhoria à vista, quer financeira quer económica. O número de pessoas que vivem na pobreza continua a aumentar de ano para ano, e estas pessoas não vem nada do chamado “desenvolvimento”. Como resultado, as vozes críticas que pedem o perdão das dívidas dos países em desenvolvimento têm se tornado consideravelmente altas nos últimos anos. Em 1996, o Banco Mundial e o FMI lançaram a Iniciativa para os Países Pobres Altamente Endividados (HIPC) com o objectivo de aliviar dívidas impossíveis de serem realizadas para um nível sustentável. Com vista a qualificarem-se para esta iniciativa, os países devem aderir a condições específicas definidas pelas duas instituições internacionais de fundos, tais como programas para o ajuste económico e redução da pobreza. De entre os 38 países africanos a qualificarem-se para esta iniciativa, 32 são da África Subsaariana. Porém, como as críticas apontam, esta iniciativa está de mãos dadas com certas condições, tais como a facilitação de investimentos orientados para a exportação, eliminação de tratamento preferencial para as companhias nacionais, privatização das empresas públicas e a introdução de taxas de uso nos serviços, provando mais uma vez ser uma continuação do fortalecimento do modelo neo- liberal seguido pelo Banco Mundial. Os críticos afirmam também que esta condicionalidade mina a soberania dos países devedores, bem como a habilidade de direccionar a sua atenção e dinheiro para o desenvolvimento social. Uma redução significativa da dívida não está à vista. Talvez o exemplo recente da Noruega possa trazer alguma luz para o problema que os países em desenvolvimento enfrentam devido às políticas de empréstimos do Banco Mundial. Com o título “Empréstimos responsáveis: Noruega cancela dívida ‘ilegítima’”, a publicação da ONU Africa Renewal relata na edição de Outubro de 2006 uma situação completamente nova no âmbito das práticas internacionais de empréstimos. A Noruega cancelou a dívida, acumulada por vários países, fundamentando-se com políticas de empréstimo ilegítimas. A Noruega tinha exportado navios para estes países com vista a reverter a situação de crise a que indústria de navios norueguesa se dirigia, ao invés de fomentar o desenvolvimento. Portanto, não parece mais que evidente quais são os interesses que estão a ser privilegiados aqui? E isto parece ser também o tema que dirige as premissas das políticas de empréstimos do Banco Mundial.




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