Newsletter Abril/Maio 2015

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Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007


“Aquecimento Global” de Jarbas Domingos de Lira Jr.

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NOTA: Caro leitor, Em função do trabalho extraordinário que tivemos com o seminário internacional sobre mudanças climáticas que organizamos em Maputo no final de Abril, não tivemos newsletter. Motivo pelo qual esta edição agrega informação relativa aos dois últimos meses. As nossas sinceras desculpas pela espera. A Equipa da JA

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O COMBATE DO SÉCULO:

Democracia vs

Capitalismo

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O tempo passa, mas os mesmos problemas que nos afligiam ontem, persistem hoje. Menor, só mesmo o espaço que nos é dado para lidar com eles. Este não é um problema exclusivo de Moçambique. Quando participamos em reuniões de plataformas internacionais, como foi o caso da última Assembleia Geral Bianual da Amigos da Terra Internacional, torna-se óbvio que o aumento da captura corporativa de governos, espaços internacionais e do meio ambiente por um pequeno grupo de elites corruptas através de opressão militar, usurpação de terra, contratos secretos, acordos comerciais injustos e inúmeros outros meios, é uma tendência global. Um dado estatístico que retrata o actual estado de iniquidade do planeta é nos dado pela ONG britânica Oxfam num estudo lançado no início deste ano: “Em 2016, 1% mais ricos do planeta terão mais riqueza que os restantes 99%”. Posto isto, é nada mais do que lógico que nos encontremos no seio de uma crise social e ambiental global. Outro indicador deste problema é a expansão do capitalismo em detrimento das democracias populares. Quando duas ideologias muito contraditórias convergem, como é o caso da democracia como sistema político globalmente dominante e do capitalismo como sistema económico globalmente dominante, a sua interacção pode ocorrer de duas formas. As duas podem contrabalançar-se, ou podem entrar em conflito até que eventualmente uma se sobreponha à outra. Originalmente, a noção inclusiva de bens comuns, própria da democracia, era tida como um contrapeso ao foco obsessivamente individualista dado ao crescimento económico pelo capitalismo. Ora, enquanto o capitalismo teve espaço para crescer, a relação entre os dois pareceu ser funcional; no entanto, a diminuição desse espaço exacerbada pelas recentes crises económicas veio revelar a natureza conflituosa da relação entre capitalismo e democracia, e parece-nos óbvio quem está a ganhar a disputa: o capitalismo. Democracias funcionais estão a tornar-se “democracias eleitorais” e o aumento de pósdemocracias, ou “democracias de fachada” ou de quaisquer outros termos académicos que descrevam o capitalismo a empurrar a democracia para um canto na sua busca por um crescimento económico interminável num ecossistema finito. Alguém consegue ver o problema sério que se está a criar? A degradação do estado de saúde da democracia pode ser constatada mundo a fora. Até nos mais básicos fundamentos da democracia como são as eleições nacionais, os sinais são claros e estão à vista. 2014 foi ano de eleições em Moçambique, e um aumento claro de opressão, intimidação e conflito militar fez-se sentir. Muito pode ser depreendido tomando em conta apenas os decrescentes números de aderência às urnas. Inversamente proporcionais, quão mais altos são os níveis de exclusão social, mais baixa é a aderência ao voto. Os números mostram que a não aderência às urnas ocorre predominantemente entre os grupos desfavorecidos e de baixo rendimento. Por exemplo nos EUA, a taxa de aderência ao voto entre famílias com um rendimento anual disponível de mais de US$100,000 é de cerca de 80%, enquanto para aquelas cujo rendimento é de US$15,000 ou menos é de 30%. O que é chocante nestes números é a sua forte semelhança com um apartheid eleitoral, onde a metade inferior da sociedade era forçosamente excluída da participação política. Olhando para Moçambique, o padrão é fácil de ver. Nas nossas primeiras eleições, a aderência às urnas foi de 80%, mas nas últimas três eleições não se atingiu sequer 50%, sendo que as autárquicas de 2013 foram as piores, com menos de 20% de taxa de adesão. Embora dados referentes ao sexo, grupo económico, idade, etc, ainda não estejam disponíveis para comprovar que a fraca adesão às urnas em Moçambique esteja associada a altos níveis de exclusão social, tal parece ser claramente o caso. Por exemplo, o Jornal Savana destacou numa das suas edições após as últimas eleições gerais no país, o facto que, em quase todo o território, ter sido escassa a presença de jovens nas 04


filas de votação. É certo que a democracia é mais do que votar nas eleições, é um sistema em que o poder da maioria é usado para que a sociedade possa alcançar objectivos como um todo. Mas não está a conseguir fazê-lo. Por sua vez, o capitalismo está a ser bem mais sucedido em atingir os seus objectivos, e é aí que o problema começa. Quando um sistema é bem sucedido e o outro não, torna-se muito fácil ter a ideia de transferir componentes do bem sucedido para o outro na esperança de que este tenha mais sucesso. E pode até ser que isso aconteça, embora tal sucesso tenha de ser sempre compatível com os objectivos e a essência do preponderante, que no caso do capitalismo é a criação de riqueza. Não é como essa riqueza é dividida, não é como essa riqueza pode ser usada para melhorar a condição das pessoas e certamente que não é como essa riqueza pode ajudar a proteger o meio ambiente. O capitalismo é nada mais do que a simples, desimpedida, agressiva e contínua procura por criação de riqueza. O sucesso do capitalismo tem sido frequentemente o responsável pela falha de democracias. Fazendo uma analogia com um bairro afligido pelo crime, a mercantilização de serviços sociais e ambientais (bens públicos) seria equivalente a tentar resolver os crimes passando o policiamento para as mãos dos criminosos responsáveis por estes serem melhores a atingir os seus objectivos que a polícia e as estruturas governamentais. Como podemos esperar que a solução venha dos mercados, um dos principais causadores de problemas como o crescente diferencial de rendimentos, a crescente insegurança laboral, a extinção de ecossistemas e crises alimentares entre outros? Com certeza que no papel podemos sempre desenvolver teorias que tentem encontrar formas de usar a energia, força e a falta de escrúpulos dos mercados de forma positiva e sustentável... Como sociedade, temo-nos deslocado gradualmente do prático para o teórico, da realidade no terreno para o que está escrito no papel, do debate cara a cara para os posts nas redes sociais. Gostamos da objectividade (mesmo que seja falsa) dos números e da ordenação de teorias, conceitos e modelos. No entanto, os sistemas naturais são muito complexos para serem geridos teoricamente sem que sejam feitas grandes simplificações. Os primeiros componentes a serem minimizados (simplificados) para o esquecimento, são aqueles que melhor nos caracterizam como humanos (moralidade, cultura, afinidades, ambiente local, etc.), e os mercados estão a liderar o caminho nesta transformação de valores qualitativos para quantitativos, e do que as pessoas dizem para o que os números indicam. Que outra explicação poderíamos encontrar para justificar a fraca reação da sociedade em geral quando as pessoas começaram a perder as suas casas durante a crise económica de 2008? Sim, os números batiam certo, daí a aceitação. Mas os números só batiam certo em virtude da equação em que estavam enquadrados, por sua vez fruto do lobby de corporações, da desregulação dos governos e da impiedosa exploração das fraquezas do sistema pelos mercados. E esse é o problema. Há uma probabilidade alta que uma nova abordagem traga consigo novas fendas e fraquezas que se forem (e certamente serão) identificadas pelos mercados, terão consequências devastadoras. Quando a administração de Clinton, nos EUA, tentou ajudar as famílias com baixos rendimentos a obterem habitação a um preço acessível alterando algumas leis e regulamentos – como por exemplo aumentando a percentagem de empréstimos concedidos a pessoas cujo rendimento era igual ou menor que a mediana da sua comunidade – os mercados encontraram uma fraqueza e depois de algum lobby, seguido por mais algumas pequenas mudanças, criaram uma plataforma que lhes permitiu fazer milhões, e que mais tarde causou que muitos perdessem as suas casas. Há muitos mais exemplos e toda uma tese existe sobre o tópico, mas resumidamente, os riscos são muito altos, o que torna iniciativas como a “economia verde” muito perigosas. De forma simplificada, a “economia verde” está a utilizar mecanismos de mercado para a comoditização e financialização da natureza, da vida e dos serviços ecossistémicos, atribuindo um preço aos serviços gratuitos que as plantas, os animais e os ecossistemas 05


nos providenciam. Para que isto funcione, tem de se atribuir um valor monetário à natureza, para que por sua vez este possa ser avaliado pelos mercados. Como dissemos anteriormente, a natureza é demasiadamente complexa, por isso, à mercê dos interesses do mercado, é feita uma simplificação drástica do seu valor monetário. Simplificação que invariavelmente ignora a cadeia de valores das nossas sociedades e culturas, e que, como vários especialistas já apontaram, cria as condições propícias para a criação de padrões de mercado que promovem a híper-exploração dos recursos da Terra e o aumento exponencial das desigualdades entre nações, sociedades e povos. Em vez de transferir bens públicos para os mercados, deveríamos estar a reforçar as fronteiras entre estes e os bens privados e a fortalecer leis e regras que regulem o agressivo jogo económico que está a decorrer. Os mercados jamais deverão determinar o rumo do desenvolvimento social e ambiental. No máximo, poderá ser uma roda dentada da máquina, e há mesmo quem defenda que nem isso deverá ser, por ser completamente incompatível com as medidas que são necessárias tomar para lidar com questões importantes como as mudanças climáticas. É lógico que um sistema perca apoio, gere desânimo e que qualquer alternativa se afigure viável, quando este não aborda as necessidades dos povos e quando a qualidade de vida desses povos se deteriora constantemente. Essa é uma reação desesperada que enfraquece ainda mais o berço da solução (o poder do povo) e fortalece o problema (o capitalismo). Todos estes problemas são ainda mais graves em países como Moçambique onde a sociedade civil é fraca. Iniciativas geradas pelos mercados, como os mercados de carbono, o REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) e a “economia verde”, necessitam de uma sociedade civil forte que as contrabalance, estruturas governamentais com a capacidade e a vontade política de implementar, monitorar e regular estas iniciativas, e um vasto conhecimento científico do nosso meio ambiente e ecossistemas. Tais requerimentos pura e simplesmente não existem. Mesmo a nível internacional, a sociedade civil não conseguiu evitar que as entidades corporativas ditassem as próprias regras pelas quais os seus mercados funcionam, com uma tendência crescente de se diluírem regras vinculativas, convertendo-as em fracas diretrizes facultativas. No entanto, no caso específico de Moçambique, ainda estamos a batalhar para traduzir as nossas leis do papel para a prática, e assim sendo, tudo o que é acordado no papel (seja internacionalmente ou a nível doméstico) é secundário, uma vez que já constatámos a nossa inabilidade em forçar as elites corruptas a respeitar as leis mais básicas que governam a nossa nação. Dada esta realidade inabalável, se estas iniciativas de mercado arrancarem, será apenas uma questão de tempo até que esses mercados explorem essas fraquezas e criem impactos sociais e ambientais devastadores. Estas palavras podem parecer extremistas e a JA é frequentemente rotulada como excessivamente crítica e radical, mas a realidade é que, toda e qualquer iniciativa a ser implementada em Moçambique sofrerá em virtude das limitações e problemas da nossa realidade. E não há forma de achar uma solução para isto simplificando, teorizando ou analisando. Há que trabalhar na fundamental fortificação da sociedade civil, que será morosa. O problema é que as iniciativas de mercado de que falamos estão a ser introduzidas e implementadas a um ritmo vertiginoso. Durante 2014, o governo com a ajuda de doadores continuou a promover o REDD, mesmo após a sociedade civil moçambicana levantar inúmeras preocupações em relação ao programa e apesar de um movimento de oposição ao mesmo estar a alastrar-se por toda a África. A “economia verde” também está a ganhar momento, com numerosos fundos a serem disponibilizados à sociedade civil para promovê-la, com grandes grupos internacionais a pressionarem as instituições locais sem lhes dar tempo e espaço para debater o assunto. De um modo geral, os doadores estão a priorizar que a sociedade civil trabalhe com estes 06


processos e colabore com governos e corporações. Por vezes, esta é uma boa abordagem, mas não nos parece ser uma abordagem universal e, a nosso ver, a prioridade deveria ser promover a sociedade civil dando-lhe voz, independentemente de estar a trabalhar em determinada plataforma, num processo de multilateral ou individual. Frequentemente, agentes corporativos ou governamentais têm muito poder e capacidade no seio desses espaços e acabam por dominar os elementos da sociedade civil, usando-os assim para chancelar a verde o seu processo. Estas iniciativas são normalmente forjadas entre governos e o sector privado, e só mais tarde é que a sociedade civil é incluída, o que deixa muito pouco espaço para a sociedade civil ter uma influência significativa. Se o fundamental não pode ser modificado, então a sociedade civil tem de se resignar em participar na esperança de poder fazer mudanças pequenas, ou não participar e não fazer mudança alguma. Este modus operandi está a ter um efeito negativo sobre como a sociedade civil desempenha o seu papel e está a enfraquecer a disposição desta se opor a más iniciativas, conformando-a a participar em todas as iniciativas do género, na esperança de ter alguma voz, ainda que insignificante. Até os espaços criados pela sociedade civil se estão a tornar em plataformas cada vez mais burocráticas que acabam por drenar a energia dos grupos, acabando por permitir que algumas organizações mais activas controlem a sua agenda sem representar verdadeiramente o povo, e tomem decisões unilateralmente mesmo quando existe consenso. Sumariamente, o aumento da opressão governamental, as eleições e os conflitos armados têm causado que as organizações e movimentos se tornem excessivamente precavidas e propensas a evitar confrontações. Os fundos têm se tornado mais escassos e a competição entre as instituições tem impedido que trabalho genuinamente conjunto seja desenvolvido. E estas dificuldades também têm afectado os doadores. Uma vez que em Moçambique os doadores são predominantemente Europeus e que a situação na Europa continua difícil, para mais com o aumento de governos conservadores no poder no velho continente, os doadores são cada vez mais pressionados a justificar os impactos das suas doações em intervalos de tempo cada vez mais curtos. Assim sendo, os doadores estão a privilegiar o financiamento a instituições que edificam dados e censos, em detrimento de organizações que edificam relações e capacitam comunidades. Os calendários são ditados pelos ciclos de financiamento e não pelas mudanças sociais. Ainda, quando se encontram instituições que estejam a desenvolver um bom trabalho, que tenham os números para comprová-lo e se encaixem na agenda, o financiamento é excessivo, a verba excedente provoca um crescimento insustentável, conflitos internos, e chega até a colocar em risco a viabilidade da instituição a longo prazo. Infelizmente, a sociedade civil de Moçambique é fraca e está a passar por um mau bocado, agravado por 2014 ter sido ano de eleições. As comunidades afectadas que estas apoiam são quem, por tabela, mais está a sentir essas dificuldades, e há um crescente sentimento de frustração entre o público em geral. Ao novo governo está a ser dada uma margem de manobra para que se instale, mas se a sua tendência para a arrogância, corrupção e favoritismo corporativo persistirem, a frustração do povo voltará. Já há uma parcela considerável da população jovem que não está contente com a governação do país, e os grupos da sociedade civil precisam de canalizar essa frustração e descontentamento e transformá-los em participação pública. O papel da JA, frontal e sempre vocal, tem sido importante para demonstrar que é possível dar-se voz ao descontentamento e preocupações. Dada a fraca natureza da sociedade civil moçambicana, é importante que dêmos voz às pessoas, particularmente às mais fragilizadas como são as mulheres e os jovens. É mais importante que se façam ouvir as vozes das pessoas e que haja uma vasta diversidade de vozes, do que falar em nome de plataformas da sociedade civil, espaços de diálogo multilateral, grupos ou indivíduos. 07


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Senhor Comandante, 3 “cinzentinhos” e uma lanterna

são uma operação auto-stop?

Como a larga maioria dos problemas que aflige este país, este também não é novo, é mais do mesmo. Mas a verdade é que achamos que já é mais do que boa hora de lançar o repto a quem de direito e convidar os responsáveis da PRM ou mesmo do Ministério do Interior a responder a esta pergunta, que não é só nossa, é, por exemplo, dos muitos habitantes de Maputo que se recusam a fazer determinados trajectos de carro depois das 19 horas por já não terem paciência para as abordagens ridículas, infundadas, inapropriadas, ofensivas, oportunistas e deveras despropositadas da nossa Polícia de Protecção. Não nos interprete mal Senhor Comandante. Este não é um ataque à nossa polícia. Não temos nada contra operações auto-stop quando devidamente realizadas na presença da Polícia de Trânsito, e o patrulhar das artérias da cidade pela Polícia de Protecção é logicamente mais do que bem vinda, é essencial à paz pública de uma urbe como Maputo. No entanto, sermos parados repetida e aleatoriamente pela Polícia de Protecção em autênticas operações auto-stop (dizemos isto porque por vezes são 4 ou 5 carros no acostamento a serem abordados) sem a presença da Polícia de Trânsito é inaceitável. “Estamos a fazer o nosso trabalho”, é a resposta standard quando lhes perguntamos qual o motivo de estarmos a ser parados. Mas que trabalho é esse? – perguntámo-nos nós. Se estivessem à procura de alguém, pediriam somente aos passageiros que se identificassem. Se houvesse suspeitas do carro ser furtado, pediriam para ver o livrete e para que abrissemos o capô para se verificar se o número de motor concordaria, mas não, pedem a carta de condução, querem papéis de inspecção, seguro, triângulos, colete, enfim... E quando algum cidadão menos atento não consegue produzir todos os documentos e artigos solicitados o que acontecerá Senhor Comandante? É que multas eles não passam... Gostaríamos que realmente alguém se dignasse a responder a estas questões. É legítimo que o façam? Se sim, em que situações é que assim o é? Que documentos podem pedir? Que tipo de directrizes é que estão a seguir? O que é que o cidadão pode fazer/dizer/exigir para se proteger? Julgamos que uma pronunciação pública da polícia, devidamente difundida pelos órgãos de comunicação social, sobre esta matéria seria extremamente útil e poderia ajudar a clarificar esta situação. 09


Dia Internacional das Florestas a sua inacção passamos a exigir a sua intervenção, mas o resultado foi o mesmo. Ano após ano temos mantido a esperança de que um dia o governo acorde e decida ouvir o que temos para dizer, que se sente à mesma mesa com o seu povo – cidadãos e cidadãs deste país, organizações da sociedade civil, académicos e todos os demais interessados nesta questão – e conjuntamente discuta os problemas das nossas florestas. Entretanto, os problemas do sector florestal agravam-se, e essa tendência manter-se-á até que medidas sérias sejam tomadas para resolvê-los. Contrariamente ao que temos feito nos últimos anos, este ano, no Dia Internacional das Florestas decidimos não elaborar cartas a apelar ao bom senso ou à consciência de ninguém. Este ano decidimos celebrar o Dia das Florestas com quem realmente dá valor à natureza, com quem ainda pode aprender a fazer diferente, com quem ditará não o hoje mas o amanhã do nosso país: as nossas crianças! O nosso receio é que, à velocidade que as nossas florestas estão a desaparecer

O Dia Internacional das Florestas é celebrado anualmente a 21 de Março com diversos eventos, desde cerimónias onde se plantam árvores a seminários e encontros públicos. A maioria desses eventos são repletos de discursos bonitos e encorajadores, mas que geralmente não passam disso mesmo, pois palavras bonitas não são compromissos. A JA tem demonstrado uma certa aversão a celebrações efusivas de datas como o Dia Internacional das Florestas pois cremos que seria um tanto quanto hipócrita celebrar, neste caso, o actual estado das nossas florestas. Claro que poderíamos sempre argumentar que celebramos as florestas pela sua importância, pelo seu valor ecológico, espiritual e social, mas como podemos celebrar algo que estamos a permitir que seja completamente destruído? Não nos esquecemos da data, não a deixamos passar em branco, mas preferimos enveredar por acções mais comedidas, preferimos alertar para os problemas ao invés de comemorar a sua não resolução. Há muito, começamos por solicitar a intervenção do governo, depois, dada 10


e que os nossos recursos vão sendo pilhados e empilhados em contentores para exportação, em virtude das nossas más escolhas hoje, estejamos a deixar muito pouco “amanhã” para as crianças. Talvez um dia tenhamos de lhes explicar como pudemos nós deixar que isto acontecesse e porquê que não fizemos nada... Ora, organizado pela Justiça Ambiental em parceria com a Associação Livro Aberto, este ano um evento em alusão ao Dia Internacional das Florestas teve lugar no Jardim dos Professores das 10 as 16 horas. Dada a experiência da Associação Livro Aberto na organização de eventos didáticos para crianças, a parceria estabelecida foi sem dúvida uma mais valia. O objectivo desta iniciativa foi, através de actividades lúdicas, consciencializar as crianças da importância das nossas florestas e da conservação em geral e levá-las a pensar na natureza de uma forma mais activa. As actividades que tivemos disponíveis para as crianças foram as seguintes: 1. Fazer pulseiras de pedaços de garrafas plásticas e restos de capulana; 2. Desenhar arvóres e decorá-las através de corte e colagem de revistas velhas; 3. Fazer cobrinhas com o tubo de cartão dos rolos de papel higiénico; 4. Pintura em canvas, onde as crianças podiam pintar um ou mais elementos que compoem as nossas florestas; 5.Havia ainda pintura facial, onde testamos a criatividade dos nossos colegas e demais voluntários; 6. Desenhos com temas ambientais para colorir pelos mais pequenos; 7. E a nossa árvore de mensagens, onde as crianças podiam deixar as suas mensagens coladas. Para além das actividades que a JA e o Livro Aberto organizaram, tivemos importantes parceiros que deram um imenso apoio ao evento: a AMOR (Ass. Moçambicana de 11

Reciclagem) e a Kosmoz. A AMOR esteve presente com imensa boa disposição, trazendo actividades educativas e divertidas como a construção de brinquedos com garrafas de plástico e a introdução e consolidação de importantes conceitos sobre ambiente. A Kosmoz (Plataforma Holística para Florescimento Humano Integral) esteve muito bem representada, com um programa riquíssimo, que incluiu danças em grupo, reiki, yoga em grupo, jogos educativos com enfase para aspectos nutricionais, massagens para crianças, demonstração de aero yoga e hip hop temático, jogos teatrais, xadrez, entre outras actividades. Estiveram disponíveis durante grande parte do dia os vários terapeutas da Kosmoz, prestando aconselhamento e consultas a pais e crianças. Estamos imensamente gratos pela entrega e dedicação dos nossos novos parceiros Associação Livro Aberto, Amor e Kosmoz, por acreditarem na causa e fazer deste dia um dia para recordar! Não podemos nos esquecer do momento das histórias, em que Rafo Diaz encantou as nossas crianças com a sua magia de contar histórias! Muito obrigado Rafo! No evento tivemos cerca de 35 crianças da comunidade do Bairro Triunfo com as quais a Associação Livro Aberto trabalha regularmente e ainda cerca de 10 crianças da Casa do Gaiato. As crianças da Casa do Gaiato trouxeram-nos também uma peça de teatro, que todos adoraram. Numa estimativa conservadora acreditamos que passaram pelo evento cerca de 300 crianças. Todos os parceiros envolvidos dedicaram o seu tempo e conhecimentos de forma gratuita e todas as actividades foram realizadas por pessoal da JA, do Livro Aberto, da Amor e da Kosmoz e por voluntários que dedicaram o seu tempo e boa disposição a este evento. A todos o nosso muito obrigado!


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Semeando Justiça Climática A Justiça Ambiental promoveu em Maputo no fim do mês passado, um seminário sobre mudanças climáticas. O evento foi aberto pela Directora da JA, Anabela Lemos – cujo discurso se focou na necessidade de se tomarem decisões e agir . De seguida e em representação do Ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, a Dr Marilia Telma Manjate fez abertura oficial que cujo discurso focou nas questõess climáticas- e antes de se dar início aos trabalhos, vários participantes fizeram questão de se pronunciar sobre a onda de violência xenófoba na África do Sul (de onde são oriundos alguns dos nossos participantes) sendo que todas essas intervenções foram feitas num espírito de irmandade, fraternidade e união. A primeira intervenção do dia coube a Meena Raman, uma advogada e activista da Amigos da Terra Malásia. Na sua apresentação , Raman frisou a ideia de que as mudanças climáticas são hoje inequívocas e que a influência humana é «provavelmente» a sua causa principal. Disse ainda que crê que «as medidas de adaptação que estão a ser implementadas em África não serão suficientes». Ao fechar a sua intervenção, a activista disse ainda que o tecto de 2ºC de aumento médio da temperatura no planeta (que por certo significará um aumento maior em África) certamente trará mais fome e pobreza ao

continente africano, como resultado da consequente escassez de água. Para melhor comunicar as ideias que este seminário procura dissiminar, cedeu-se então o palco a alguns membros de comunidades e sociedade civil, para que estes partilhassem connosco relatos do que se passa no terreno. 1. António Morais, de Mphanda Nkuwa – Tete, falou da importância do Rio Zambeze para si e para os seus conterrâneos e do receio que sentem face ao hipotético reassentamento a que serão sujeitos caso a barragem de Mphanda Nkuwa seja construida. 2. Armando Henriques da União Provincial de Camponeses de Cabo Delgado abordou o panorama de investimentos na sua província e os conflitos gerados por esses projectos e investidores. 3. Jose Elosegui, do Uruguai, representante do MOVIAC – Movimento de Vítimas, Afectados e Afectadas pelas Mudanças Climáticas e Corporações, por seu turno, tratou de traçar um esboço da realidade Sul Americana, suas acções, mecanismos e os paralelos da nossa luta comum. O activista Sul Africano Bobby Peek foi o orador que o seguiu. Na sua apresentação, Peek propôsse a responder à questão: «Porque é uma transformação energética fundamental para travar a crise climática?» Após a sua intervenção, mais uma vez, deu-se lugar à participação das comunidades, que desta feita se fizeram representar por Maxwell Sithole (RSA), Petros Molokomme (RSA) e Isaque António (MZ). Estes participantes focaram as suas intervenções em torno dos temas: mineração, capitalismo, implementação de políticas e saúde. Depois de uma merecida pausa para almoçar, Meena Raman voltou ao palco, desta feita para nos falar dos 21 anos de COP, do actual contexto das negociações climáticas a nível global e da importância da reunião de Paris face a esse contexto. Seguiu-a Ruth Nyambura, que partilhou com os presentes a sua reflexão sobre o documento «Exigências do Sul para uma partilha de esforços globais justa, equitativa e baseada na ciência para enfrentar a crise climática». 13


As últimas exposições do dia couberam a Desmond D’sa da SDCEA e a Samantha Hargreaves da Womin, sobre o tema «organizar a transformação energética», sob o prisma das suas organizações. O segundo dia do nosso seminário sobre mudanças climáticas começou com uma recapitulação do que se passou no dia de ontem. Um “apanhado” feito por Dipti Bhatnagar da Justiça Ambiental. Seguiu-a a aguardada apresentação de Nnimmo Bassey que abriu o painel de falsas soluções. O activista nigeriano falou sobre os podres do extrativismo como instrumento de desenvolvimento, falou do Green Climate Fund e dos 10.2 Bilhões de USD que deveria ter e não tem, e de como a Economia Verde é meramente uma ferramenta económica. Para fechar abordou ainda os mercados de carbono como falsa solução e complementou o que Bobby Peek e Meena Raman haviam dito ontem sobre a necessidade de uma transição energética justa, afirmando que esta além de justa terá igualmente de ser implementada rapidamente. Bryan Ashe da Timberwatch foi o orador que o seguiu. Bryan falou sobre plantações florestais como falsa solução e dos problemas ambientais e sociais que estas trazem. Ruth Nyambura falou então sobre o REDD e de como este está a ser brutalmente implementado no Quénia; e para fechar o painel, o uruguaio Jose Elosegui falou de barragens como falsas soluções energéticas e, mais uma vez, dos problemas ambientais e sociais que os projectos hidroeléctricos trazem. Seguiu-se então um debate, 14


do qual se destacaram as intervenções de Sérgio Sitoe, da Direcção Nacional de Águas, que disse que a sociedade civil tem de exercer mais pressão sobre o estado para acabar com aquilo que denominou de “ilusão de inclusão” referindo-se aos processos de consulta pública; e de Meena Raman que aludiu à necessidade de se elaborarem propostas alternativas às actuais falsas soluções, uma vez que, em sua perspectiva, não basta rotularmos as soluções que nos são apresentadas como falsas e explicarmos o porquê. Nem a propósito, o painel de convidados que se seguiu propôsse a abordar o tema: soluções reais para a crise climática. Abriu a sala o zimbabweano Ndabezinhle Nyoni, da Via Campesina, que falou de agroecologia, comparando os seus princípios com os actuais modelos de produção. Reinaldo Chingore fez então uma pequena intervenção em nome da UNAC, após a qual representantes de projectos de florestas comunitárias de Muzo e Mabu falaram dos seus respectivos programas. Subiu então ao palco Tristen Taylor, da Earthlife para nos falar de soberania energética. Começou por nos dizer que todos os problemas ambientais são problemas sociais e por nos assegurar que as mudanças climáticas ampliarão os problemas políticos, de saúde e sociais que já existem; falou então sobre as políticas energéticas da região e suas consequências. Faith Ka-Manzi da SDCEA fechou o painel falando dos desafios das mulheres afectadas pela mineração de carvão. Os convidados foram então divididos em grupos de trabalho

com o intuito de nestes delinearem diferentes partes de um documento que, quando compilado, reunirá as exigências dos povos para que possamos fazer frente às mudanças climáticas. Michelle Pressend da campanha para desmantelar o poder corporativo encerrou o segundo dia do evento relembrando os presentes do que foi discutido. O terceiro e último dia do nosso evento começou com a tradicional recapitulação do dia anterior, desta feita nas palavras de Komotso Ntuli da 350. org. Meena Raman, que já havia subido ao palco no primeiro dia, voltou hoje a fazê-lo para nos falar do Green Climate Fund: o que é exactamente, como funciona e quais os riscos e desafios a si associados. A sua apresentação despoletou um aceso debate acerca da viabilidade do fundo. Nnimmo Bassey, que também já falara ontem, sucedeu a Raman para dar a conhecer aos presentes o draft do documento que resultou do trabalho de grupo realizado na véspera pelos participantes e que agora é a Declaração de Maputo da Sociedade Civil Africana sobre Justiça Climática. Após a sua intervenção houve uma primeira ronda de perguntas e contribuições sobre o documento. Dipti Bhatnagar e Ruth Nyambura falaram então do caminho para a COP21 em Paris e novo debate sobre como nos mobilizarmos para o evento teve então lugar. Durante o intervalo para almoço, e aproveitando o facto de estarem presentes representantes da sociedade civil de vários países africanos, decorreu uma conferência de imprensa em solidariedade para com as vítimas da violência xenófoba na África do Sul. No período da tarde, a sessão foi reaberta com nova discussão sobre a Declaração que produzimos, e quando chegamos a consenso Nnimmo Bassey voltou ao palco para fazer o seu lançamento. Antes das palavras de encerramento de Anabela Lemos, a Plataforma Moçambicana para Mudanças Climáticas fez uma apresentação sobre o trabalho que desenvolve no país e representantes do campesinato da região voltaram a subir ao palco para partilhar com os presentes as suas experiências e preocupações. Foram três dias longos e extenuantes mas bastante produtivos e agradáveis. Foi para nós um prazer ter em Maputo tantos e tão valiosos companheiros e companheiras de luta. Bem hajam e até breve. 15


Declaração de Maputo

Da Sociedade Civil Africana sobre Justiça Climática

Defensores de Justiça Climática, representantes de comunidades e de movimentos sociais reuniram-se em Maputo, Moçambique de 21 a 23 Abril de 2015, para abordar as raízes, manifestações e impactos das mudanças climáticas em África e para refletir sobre as respostas necessárias para essas crises. No final das deliberações, foi acordado que África está a ser desproporcionalmente afectada pela crise climática, embora não tenha contribuído significativamente para o problema. A conferência também observou que a crise climática é de natureza sistémica e é resultado de sistemas económicos e políticos defeituosos que exigem revisão urgente. Em particular, a reunião considerou que África foi maciçamente saqueada ao longo dos séculos e continua a sofrer os impactos graves da exploração de recursos e conflitos relacionados. No encontro observou-se que a narrativa de Africa Rising (O Levantar de África) baseia-se em falsas premissas neoliberalistas que usam ferramentas como as desacreditadas medidas do PIB que são apresentadas como uma isca para atrair o continente para ainda mais extrativismo e promover o consumismo. Na reunião observou-se ainda que os abusos de direitos humanos e ambientais no continente, bem como todas as crises ecológicas, económicas e financeiras, afectam negativamente os seus povos e prejudicam a sua capacidade de se adaptar, mitigar os impactos e aumentar a resiliência colectiva à mudança climática. Condenou-se também o fosso cada vez maior entre os nossos governos e as organizações de base e o aumento da captura corporativa dos governos africanos e instituições públicas. Factos que constituem obstáculos à obtenção de justiça climática para os nossos povos. A longa caminhada para a justiça climática requer a educação em massa da nossa população, bem como dos nossos decisores políticos sobre os fundamentos da crise climática, a afirmação vigorosa dos nossos direitos e o forjar de alternativas reais, incluindo os de estruturas e sistemas sociais e políticos. Também exige lutas 16


colectivas e populares para resistir ao neo-colonialismo, a novas formas de opressão e novas manifestações de violência, incluindo a criminalização de activistas e movimentos sociais e a xenofobia. Reconhecemos que conforme o clima vai piorando, aumentarão a escassez de recursos e as migrações, o que causará mais conflitos entre povos. Reconhecemos igualmente que a exploração de mão-de-obra estrangeira pelas corporações gera frequentemente conflitos entre vizinhos. Com justiça e igualdade como o mínimo irredutível, a conferência observou ainda e declarou o seguinte: 1. Todas as nações devem agir em conjunto para garantir que o aumento da temperatura média global não exceda 1,5 graus Celsius acima dos níveis préindustriais, uma vez que qualquer número acima deste significará África em chamas; 2. Na COP21 de Paris, exigimos que os governos africanos defendam posições que beneficiem os Africanos e Africanas e não o Banco Mundial ou as corporações; 3. Rejeitamos mercados de carbono, a financeirização da terra e dos recursos naturais, o consumismo, a mercantilização da natureza e todas as formas de escravidão de carbono; 4. Rejeitamos todas as falsas soluções para a mudança climática, incluindo a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (REDD), as plantações industriais, a engenharia genética, os agro-combustíveis e a geoengenharia, observando, por exemplo, que o carvão limpo não existe; 5. Rejeitamos a falsa noção de “economia verde”, que nada mais é do que uma manobra para mercantilizar e acelerar a destruição da natureza; 6. A energia renovável que é socialmente controlada deve ser promovida em todo o continente; 7. Apelamos à criação de sistemas financeiros que promovam e facilitem opções de energia limpa, incluindo subsídios de apoio, empréstimos facilitados, pesquisa e desenvolvimento; 8. Exigimos o fim dos sistemas financeiros instituídos com subsídios extensos, externalização de custos, projeções demasiado optimistas, e corrupção; 9. Tomamos a decisão de trabalhar no sentido de recuperar a energia como um bem público que não tem fins lucrativos e rejeita sistemas de energia promovidos pelas corporações; 10. Dizemos não à mineração uma vez que vivíamos melhor sem actividades extrativistas extremas; 11. A nossa terra é o nosso presente e futuro e nós rejeitamos a usurpação de terra em todas as suas formas, em especial os chamados projectos de “investimento” que estão a pavimentar o caminho da usurpação de terras para uma total usurpação

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do continente; 12. Antes do uso de suas terras para qualquer tipo de projeto, deverá haver o completo, transparente e total consentimento informado das comunidades; 13. Em todos os casos, o bem-estar das comunidades locais e o meio ambiente deverão ter prioridade sobre os lucros das companhias de investimento. De acordo com o exposto, e por meio de outras considerações, da conferência resultaram as seguintes exigências: 1. Os governos deverão assegurar que as necessidades e prioridades energéticas das famílias locais, produtores locais e mulheres - incluindo no que diz respeito a serviços sociais, transportes, saúde, educação e assistência às crianças – deverão ser priorizadas sobre as das corporações e dos ricos; 2. Exigimos que não se concedam novas licenças de exploração de petróleo ou minas de carvão a fim de preservarmos o nosso meio ambiente e para que nos mantenhamos em linha com as demandas por parte da ciência que os combustíveis fósseis sejam deixados no subsolo para evitarmos uma mudança climática catastrófica; 3. Apoiamos e solicitamos um controle público e social da transição para energias renováveis, incluindo o de cooperativas de base comunitária, coletividades da sociedade civil e a implantação de infra-estruturas a nível local; 4. Os governos deverão desmantelar as barreiras de privilégio e poder, incluindo aquelas criadas e reforçadas pelas instituições financeiras, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial; 5. Exigimos uma urgente transferência de tecnologia para promover a produção de energia limpa, a abolição da propriedade intelectual e o aumento de fundos de pesquisa e desenvolvimento para combater as alterações climáticas; 6. Exigimos o reconhecimento pleno do saber comunitário local sobre florestas, produção alimentar e uso medicinal e cultural da terra e das florestas; o financiamento de pesquisas nessa área e que este passe a fazer parte do sistema de educação pública; 7. Exigimos uma transição urgente de formas de energia suja para sistemas de energia limpa, que assegurem que os trabalhadores e trabalhadoras estejam devidamente equipados e equipadas e munidos e munidas de novos e saudáveis postos de trabalho, criados por essa mudança; 8. Os governos deverão apoiar a produção alimentar agro-ecológica de produtores de pequena escala, priorizar a produção de alimentos sobre as culturas de rendimento, a fim de promover a segurança alimentar no contexto da soberania 18


alimentar; 9. Os governos deverão garantir a protecção e o reconhecimento do direito dos camponeses e camponesas de guardar, vender e trocar as suas sementes, e ainda rejeitar a engenharia genética e a biologia sintética, incluindo dessas sementes manipuladas e apresentadas como sendo ‘climate-smart’; 10. Garantir o acesso, segurança, controle e direito de uso e aproveitamento de terra pelas mulheres. Reconhecemos a terra como um bem comum; 11. As plantações de árvores não deverão ser falsamente classificadas como florestas e as árvores não deverão ser vistas simplesmente como armazéns, bancos ou sumidouros de carbono; 12. Sistemas de gestão comunitária de florestas deverão ser adoptados em todo o continente, pois as comunidades têm genuíno interesse em preservar a saúde das florestas; 13. O direito à água potável deve ser consagrado nas constituições de todos os países africanos; 14. Os governos devem travar a privatização da água e restaurar o controle público até nas reservas já privatizadas; 15. Os governos devem interromper a construção de grandes barragens, outras mega-estruturas e infra-estruturas desnecessárias; 16. Os governos têm o dever de responsabilizar as corporações pelo ambiente e ecossistemas degradados por actividades poluidoras e extractivas históricas ou em curso. As corporações responsáveis pela degradação do ambiente ou ecossistemas deverão pagar pela sua restauração, mas esse pagamento não lhes dará qualquer direito sobre essas áreas; 17. Os governos deverão garantir que os custos de males sociais e de saúde resultantes do uso de energia derivada de combustíveis fósseis não serão externalizados para as pessoas e para o ambiente; 18. Os governos deverão assumir a responsabilidade de fornecer hospitais, escolas e outros serviços sociais e não deverá deixar que as empresas os providenciem como parte da sua responsabilidade social corporativa ou quaisquer outros actos de green wash (lavagem verde). Os e as participantes da conferência decidiram trabalhar com outros movimentos em África e no mundo para derrubar o sistema patriarcal capitalista promovido e protegido pelas instituições financeiras globais, pelas corporações e pela elite global, para assegurar a sobrevivência dos seres humanos e o direito da Mãe Natureza manter os seus ciclos naturais.

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Organizações e Movimentos Sociais de Moçambique e Brasil discutem com o governo Brasileiro propostas de Cooperação para Moçambique


No âmbito de uma cooperação em defesa dos direitos das comunidades desfavorecidas e atingidas pelas injustiças causadas pela avalanche de investimentos privados no sector agrário em Moçambique, e especificamente em virtude dos grandes projectos e programas de desenvolvimento de participação Brasileira em Moçambique como o ProSavana, organizações da sociedade civil e movimentos socias dos dois povos reuniram-se na capital Brasileira – Brasília – com representantes da administração Brasileira entre os dias 26 e 27 de Março. O encontro visava essencialmente a criação de um espaço de diálogo entre os responsáveis do governo Brasileiro e as organizações e movimentos sociais dos dois países sobre cooperação agrícola e segurança alimentar e nutricional em Moçambique, e permitir que as organizações da sociedade civil moçambicana presentes apresentassem uma proposta sobre o modelo de cooperação que acreditam ser o mais adequado às necessidades e características do seu sistema de produção alimentar e não colocar em causa a soberania alimentar das comunidades rurais. No encontro, as organizações moçambicanas presentes propuseram uma cooperação que fosse levada a cabo a dois níveis: a nível das Organizações da Sociedade Civil e a nível dos dois Estados. No que diz respeito à cooperação a nível das OSC’s, destacamse o apelo a um maior engajamento e entrega dos dois povos a programas que visem fortalecer o campesinato moçambicano, tais como o PAA-África, programas de produção, conservação, melhoramento de sementes nativas, e a elaboração de propostas de políticas viradas para o apoio ao campesinato. O encontro serviu também para reiterar o apelo aos governos de Moçambique e Brasil para que não fomentem programas e projectos que ponham em causa a soberania dos povos, particularmente no que diz respeito à segurança na posse de terra dos camponeses, sustentabilidade do meio ambiente e exploração racional dos recursos naturais de Moçambique; e para solicitar a criação de condições para a importação de boas práticas de produção alimentar baseadas na agroecologia, de modo a garantir segurança alimentar e nutricional ao povo moçambicano de forma sustentável. Em relação à cooperação entre os dois Estados, a delegação moçambicana solicitou que os dois governos incentivem políticas agrárias centradas no apoio à agricultura camponesa, cujas prioridades sejam o acesso ao crédito rural, serviços de extensão agrária, sistemas de irrigação, valorização das sementes nativas e resistentes às mudanças climáticas, infra-estruturas rurais ligadas à criação de capacidade produtiva, e políticas de apoio à comercialização rural. Solicitou também que o governo do Brasil apoie igualmente políticas de preservação de recursos florestais e faunísticos e não promova a remoção de extensas áreas de vegetação natural para conversão em campos agrícolas de produção de monoculturas ou commodities, e ainda que todo e qualquer projecto de cooperação traçado pelos dois executivos inclua uma componente de responsabilidade social que garanta e respeite o tecido sociocultural de cada país. No final do encontro, após o cumprimento da agenda prevista e de realização de reflexões importante em volta das pautas dos dois países, as organizações e movimentos sociais de Moçambique e de Brasil acordaram de forma unânime dar continuidade aos seus trabalhos em duas frentes distintas: (i) manter viva a Campanha Internacional Não ao ProSavana e, (ii) avançar na construção de uma Agenda Propositiva de Cooperação entre ambos os países. De referir que a reunião contou com a participação de representantes da ActionAid, CONTAG, CPT, FASE, FBSSAN, FES, INESC, MMC, MPA, MST e Oxfam – do Brasil e ADECRU, Justiça Ambiental, LIVANINGO e UNAC – de Moçambique, e ainda de representantes das seguintes instituições do governo Brasileiro: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – CONSEA, Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CONDRAF, Assessoria Internacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Coordenação-geral de Ações de Combate à Fome do Ministério das Relações Exteriores – CGFome. 21


Economia Verde O que parece... afinal não é!

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A 21 de Junho de 2012, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio +20), no Brasil, o Governo de Moçambique assumiu o compromisso de guiar o país rumo a uma economia verde. Nesse sentido, foi elaborado o ‘Roteiro para uma Economia Verde’, um documento contendo os elementos base de uma estratégia de transição que vaticinava que esta estaria implementada até 2030. As orientações vinculadas nesse Roteiro indicavam que o processo de transição para uma Economia Verde em Moçambique, seria feito por etapas, sendo que na primeira fase (2013 – 2014) estabelecer-se-iam os alicerces que permitiriam a integração da economia verde nos processos de elaboração de orientações macro do governo, ou seja, no programa quinquenal do governo (2015-2019), recentemente aprovado. De acordo com o Roteiro, Moçambique considera a economia verde uma ferramenta que ajudará o país a alcançar desenvolvimento sustentável e dela deverão resultar: (i) Crescimento económico sustentado, baseado no uso racional e eficiente dos recursos naturais; (ii) Justiça social, através de políticas e desenvolvimento de estratégias, fortalecimento do quadro legal e institucional que assegurem a igualdade de oportunidade, transparência, confiança e promovam o melhoramento e acessibilidade dos serviços públicos como a educação, a saúde e infra-estruturas; (iii) Protecção ambiental através da preservação da biodiversidade e dos serviços ecossistémicos. Segundo a Organização das Nações Unidas, para além de ser de baixas emissões de carbono, eficiente no uso de recursos e socialmente inclusiva, a Economia Verde produz um bem-estar humano melhorado e igualdade social, enquanto reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica. Foi neste âmbito que entre Setembro de 2012 e Abril de 2013, foi desenvolvido o Plano de Acção para a Economia Verde de Moçambique (PAEV), um processo liderado na altura por um grupo de coordenação composto pelos extintos Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental (actual MITADER), Ministério da Planificação e Desenvolvimento, Ministério das Finanças e Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação e pelo Conselho Nacional para o Desenvolvimento Sustentável (representado no Grupo pelo seu Secretariado), conforme estabelecido pelo Roteiro. Como pilares do roteiro constavam ainda, nas suas respectivas áreas de actuação, o Ministério da Administração Estatal, o Ministério da Agricultura, o Ministério da Energia, o Ministério dos Recursos Minerais e o Ministério dos Transportes e Comunicações. Além do Plano Quinquenal do Governo 2015-2019, este PAEV 2013-2014 tem também por objectivo influenciar e assegurar uma componente de Economia Verde no Plano Nacional de Desenvolvimento Económico 2015-2030. Com o objectivo de tornar Moçambique num “país inclusivo, de rendimento médio, baseado na protecção, restauro e uso racional do capital natural e dos serviços do ecossistema, garantindo um desenvolvimento inclusivo e eficiente, dentro dos limites planetários”, o PAEV abraça o crescimento verde (CV) como parte fundamental e integrante da economia verde (EV), usando-o como estandarte para combater a pobreza e procurar equidade social.

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Segundo o PAEV, as acções a implementar de 2013 a 2014 incluíam o mapeamento, valoração e planeamento do capital natural, bem como a capacitação técnicoinstitucional para a implementação da abordagem de economia verde no país, incluindo a já mencionada integração desta nos processos de planificação e na identificação de políticas sectoriais que pudessem contribuir para o crescimento verde e sua priorização. Ainda segundo o PAEV, os planos subsequentes deverão consolidar o processo de crescimento verde através de uma avaliação periódica do progresso dos planos anteriores e da contínua integração da abordagem de Economia Verde nos instrumentos de planificação e orçamentação macro, com vista a assegurar que, em 2030, a economia moçambicana esteja transformada numa economia verde centrada nas pessoas, onde o capital natural seja utilizado de forma sustentável e eficiente, respeitando os limites do planeta e contribuindo para a equidade social. Ora, olhando de relance para todos estes planos e documentos, chega a parecer tudo muito bonito. Chega até a parecer que a economia verde é a solução real para todos os problemas da crise climática que vivemos hoje. E quando os governantes de todo mundo (incluindo os de Moçambique) corroboram e propalam essa ideia, fica difícil não acreditar. A verdade é que a economia verde não é a solução. Pior, a maioria dos Governantes, se não todos, sabem bem que não é. Sabem também que a sua “solução” só irá acelerar a já iniciada corrida rumo a uma catástrofe global sem precedentes que coloca em risco a própria humanidade. O problema é que a economia verde, ao fim do dia, acaba por ser mais uma ferramenta do sistema capitalista, que para superar a sua crise pretende intensificar o modelo energético-extrativo, que perpetua o papel de fornecedores de matéria-prima atribuído aos países em vias de desenvolvimento como Moçambique, aprofundando inevitavelmente a precariedade do trabalho, violando os Direitos Humanos e tornando vulneráveis as condições de vida das comunidades locais e camponesas. Tal tem resultado uma constante perda de poder sobre terras, água, energia, florestas, zonas costeiras, biodiversidade e culturas. Sem querermos parecer simplistas, o capitalismo é incompatível com a forma de vida das comunidades locais de todo mundo. Ou seja, a economia verde alega ser tudo o que não é. Apresenta-se como sendo diferente do modelo económico vigente, daí o discurso de baixas emissões de carbono que contrasta com a realidade de elevadas emissões da economia “não verde”. Similarmente, a igualdade e a inclusão social da economia verde, por exemplo, são confrontadas pela realidade da desigualdade e exclusão social que caracterizam a globalização. Este contraste acentuado entre a conveniência de um e o desagradável do outro, não é uma coincidência. A ideia é “vender” a economia verde como a única alternativa ao actual modelo económico, retratando-a como a mais desejável, apropriada, e como a real solução para a crise que vivemos. Dissimuladamente, a economia verde é assim apresentada como um novo modelo económico totalmente distinto do modelo actual. A economia verde não é, nem independente, nem nova. Pelo contrário, é apenas uma extensão do mesmo sistema económico que é responsável pelas mudanças climáticas. O mesmo sistema em que a concorrência por lucro leva a um crescimento interminável e ilimitado. A economia verde simplesmente estende esta competição por lucro para actividades associadas à amenização e contenção da destruição ecológica.

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Na prática, este modelo não contesta nem suplanta a economia que usa combustíveis fósseis. Em vez disso, ela oferece um tecto ideológico para albergar a reprodução e perpetuação dessa economia, criando a ilusão de que algo está a ser feito em relação às mudanças climáticas. A verdade é que o impacto que a economia verde tem na redução e mitigação das mudanças climáticas é totalmente insignificante quando comparado com o que é realmente necessário fazer para prevenir uma terrível crise global que afectará tanto a humanidade como o planeta. Em suma, a economia verde distrai-nos das mudanças radicais que precisamos de fazer para prevenir que o pior aconteça, tornando-se assim parte do problema e não da solução. É lamentável e preocupante que, como meio para sair da crise, governos e corporações continuem a promover e impor a economia verde, abrindo assim caminho para a mercantilização de todos os nossos bens comuns, e ao mesmo tempo promovendo grandes mineradoras, megabarragens, a intensificação da extracção agressiva de combustíveis fósseis e de combustíveis não convencionais, a privatização da água, da terra e da energia, a incineração e os aterros sanitários, as monoculturas, a produção de energias por via de agro-combustíveis, a energia nuclear e outras soluções aparentemente verdes. A verdadeira solução não passa apenas por mudanças tecnológicas, é fundamental que haja também uma mudança de paradigma. Se os governos fossem idóneos, estivessem genuinamente preocupados e se a dita economia verde fosse a solução real para as mudanças climáticas que assolam e ameaçam desolar o planeta, concentrar-se-iam em reduzir o uso de combustíveis fósseis e, desse modo, reduzir drasticamente a emissão de gases de estufa responsáveis pelo aquecimento global que alimenta as mudanças climáticas. Logicamente, tal só seria tangível através de um modelo económico com base em energias renováveis, cujos recursos (sol, vento, ondas, etc.) são inesgotáveis e vão durar tanto tempo quanto a própria terra. Adicionalmente, conforme as energias renováveis fossem substituindo os combustíveis fósseis, outras medidas para aumentar substancialmente a eficiência energética poderiam ser tomadas: promover a eficiência energética, reciclar e combater os produtos e materiais descartáveis, promover uma cultura e consciência comum da necessidade de usar a energia racionalmente (por exemplo, promovendo o uso de transportes públicos, equipando casas com painéis solares e exigindo que todos os novos edifícios fossem projectados de modo a serem energeticamente o mais eficientes possível). Concluindo, a economia verde é mais uma máscara de um sistema económico fundamentalmente errado porque alimentado pelo uso de energias sujas que estão a destruir o equilíbrio ambiental do planeta, e obsoleto porque incapaz de se transformar. Em virtude essencialmente da queima de combustíveis fósseis fomentada por este sistema, a terra está a tornar-se cada vez mais quente e África é o continente mais afectado. É inaceitável que governos democraticamente eleitos (ou não), cientes da problemática das mudanças climáticas, adiram conscientemente a estas falsas soluções em nosso nome. “Não há maior demonstração de insanidade do que fazer a mesma coisa, da mesma forma, dia após dia, e esperar resultados diferentes.” Albert Einstein

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