Newsletter Agosto 2015

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Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007


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Caros parceiros e amigos, A JA! mudou de instalações. Por força dessa mudança o nosso boletim saiu este mês significativamente mais tarde, as nossas sinceras desculpas. E já agora, a nova morada do nosso escritório em Maputo é Rua de Kamba Simango nº 184.

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A Exploração dos Recursos Naturais e os Crimes Contra o Ambiente à Luz do Novo Código Penal

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I. Introdução Em Moçambique, a exploração de recursos naturais em grande escala tornou-se a retórica do dia e matéria de acesos debates públicos. Curiosamente, o novo Código Penal, já em vigor, introduziu alguns novos tipos legais de crime contra o ambiente, quais sejam: (art. 349) Pesquisa e exploração ilegal de recursos minerais, (art. 350) Disseminação de enfermidades, (art.351) Sustâncias Tóxicas e Nocivas à saúde, (art. 352) Exploração ilegal de recursos florestais, (Art. 353) Abate de espécies protegidas ou proibidas e (354) Poluição. A criminalização de determinadas condutas sobre a protecção ambiental traz consigo grandes expectativas de maior protecção do meio ambiente ao mesmo tempo que traz desafios, não só de compreensão destes crimes pela sociedade, mas, sobretudo, de partilha de informação e fiscalização séria das actividades de exploração dos recursos naturais que tem resultado na violação de inúmeros direitos humanos.

II. Responsabilização criminal das empresas por danos ambientais A sociedade civil e as comunidades locais afectadas pela exploração dos recursos naturais em diversificados pontos do País têm reclamado e denunciado uma série de violações de direitos humanos, incluindo o direito ao ambiente por parte das empresas no âmbito dos megaprojetos, no que tange à exploração dos recursos naturais. Tais violações têm sido frequentes e persistentes mesmo na vigência do Código Penal em vigor que criminaliza tais condutas. A título de exemplo, a Justiça Ambiental tem conhecimento através das denúncias feitas pelas comunidades e através das suas intervenções junto às autoridades, de que há graves ilegalidades na implantação e funcionamento da Empresa mineradora JINDAL Mozambique Minerais Limitada, cuja actividade tem resultado na violação dos direitos das comunidades locais afectadas pelo projecto. A JINDAL está a explorar uma das maiores minas de carvão da Província de Tete a céu aberto numa área que abrange as terras das comunidades locais e que estão a habitar na área de exploração da mina de carvão em questão numa situação clara de violação constante dos seus mais elementares direitos e liberdades fundamentais, incluindo os direitos sobre a terra e a violação do direito ao ambiente devido à poluição causada pela JINDAL. A Justiça Ambiental tem conhecimento ainda de que a mina entrou em funcionamento sem que o Estudo de Impacto Ambiental tivesse sido concluído e aprovado nos termos da lei e não houve estudos para efeitos de reassentamento, nem outra forma de protecção dos direitos das comunidades afectadas pela actividade da mineradora JINDAL. Até ao presente, as famílias afectadas vivem no mesmo espaço em que está implantada a mineradora, num ambiente violentamente poluído pelas actividades da JINDAL devido à emissão constante de grandes quantidades de fumos e poeiras para o ambiente.

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A poluição do ambiente pela JINDAL é um manifesto perigo para a saúde da comunidade afectada, uma vez que essa poluição incide mais sobre a água e o ar que a comunidade consome e respira, para além dos efeitos, em certa medida, da degradação do solo. Ora, considerando que as pessoas colectivas podem ser sujeitas a responsabilidade criminal, como é o caso das empresas, a conduta da mineradora JINDAL é passível de uma análise mais cuidada à luz do novo Código Penal, uma vez os factos estarem a demonstrar que os termos em que a mesma está a explorar o carvão mineral em Tete parecem violar a licença mineira que lhe foi concedida pelo Governo Moçambicano. Pelo que, é importante as autoridades competentes averiguarem, em defesa do meio ambiente, se a conduta da JINDAL consubstancia um acto criminal ou não, uma vez haver elementos bastantes para o efeito. Outrossim, é sabido que no ano transato a empresa ANADARKO derramou significativos litros de lama oleosa na sequência de uma perfuração num dos poços desta petrolífera que pesquisa gás e petróleo na Bacia do Rovuma. Todavia, as autoridades competentes trataram esta questão de forma secreta, obscura e leviana, quase que em protecção da conduta da multinacional ANADARKO e em detrimento do direito ao ambiente, do direito à informação e do princípio da transparência. A monitoria do incidente em apreço foi feito através da Anadarko, com base nos dados recolhidos pela Anadarko apenas, numa clara demonstração de fraca capacidade técnica e organizacional das autoridades competentes para avaliar e monitorar as consequências deste incidente. Ademais, não foi dado a conhecer ao público sobre o Relatório de avaliação do ocorrido, a informação sobre os preliminares e concretos danos humanos, ambientais e marinho, bem como o nível de perigosidade que este derrame representa para o meio ambiente. Também, não houve informação sobre as medidas tomadas para apurar as responsabilidades à Anadarko por este derrame.

Conclusão Portanto, é de salutar a introdução dos crimes contra o ambiente no novo Código Penal, mas os mesmos só terão efeito prático apenas se as autoridades competentes deixarem de acobertar as empresas pelas suas violações no âmbito da exploração dos recursos naturais e, na medida que as mesmas autoridades demonstrarem vontade em tornar o processo de exploração de recursos naturais transparente e participativo, num contexto de maior partilha de informação e fiscalização das actividades que afectam o meio ambiente. Caso contrário, estes crimes contra o ambiente transformar-se-ão em normas legais mortas como tantas outras existentes no nosso País e que protegem o meio ambiente apenas no plano teórico.

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Nyusi acarinha a Portucel A Portucel Moçambique é um dos vários projectos de plantações industriais a ser implementado em Moçambique. Pertence ao grupo português Portucel Soporcel, proprietário de grandes áreas de plantações para o fabrico e comercialização de papel e outros derivados da madeira. O grupo Portucel Soporcel detem o DUAT de duas áreas nas províncias de Manica e Zambézia que totalizam cerca de 356 000.00 hectares para plantação de eucalipto. Apesar de ainda estar numa fase inicial já tem havido relatos de alguns conflitos de terra entre a empresa e as comunidades locais. Ficamos de certo modo surpresos ao saber através dos meios de comunicação que o nosso presidente em visita oficial a Portugal visitou o complexo industrial da Portucel Soporcel em Setúbal, e deu a sua benção ao projecto em Moçambique assegurando que o mesmo será implementado em paz e com tranquilidade... porque o mesmo irá entre outros criar 7000 postos de emprego. A nossa questão seria, e quantas pessoas habitam a área em questão? Quantas pessoas terão de ceder as suas terras? A área em questão, os 356 000 hectares, tem cerca de 24000 agregados familiares, podemos supor que serão afectados directa e indirectamente 24000 agregados familiares, correspondem a cerca de 120 000 pessoas. Mas estamos eternamente gratos e iremos compensar com a nossa terra rica, com a qualidade do nosso ambiente, com a nossa água ainda com qualidade, pois teremos 7000 postos de trabalho. É com grandes elogios que temos visto notícias sobre um dos maiores viveiros de plantas da região, referindo se ao viveiro que a Portucel pretende implementar em Moçambique com capacidade de 12 milhões de plantas por ano, no entanto, é preciso lembrar que são 12 milhões de plantas de eucalipto. Um género de planta exótica que se naturalizou em Moçambique e hoje certas espécies pertencentes a este genero de plantas são consideradas invasoras devido à sua capacidade de se implantar rapidamente em habitats tropicais, sem se esquecer dos seus efeitos alelopáticos. O governo de Moçambique tem sido consistente na sua busca por investimentos, tem conseguido atrair sistematicamente os piores investimentos, plantações exóticas, minas de carvão, prosavana, etc... curiosamente e apesar de tanta contestação a nível nacional, apesar de tantos e tão óbvios casos de conflitos de terra, a imagem que passa de Moçambique é esta... um país pronto a receber qualquer investimento, desde que dê alguns postos de trabalho! E os impactos destes investimentos? Quem vai compensar os impactos destes investimentos já que nós moçambicanos teremos de compensar o esforço e investimento com o produto moçambicano? “O nosso sonho de acarinhar este projeto não vai parar por aqui. Teremos de fazer mais coisas como estas. Queremos que a Portucel seja uma realidade em Moçambique. Vamos compensar todo este esforço e investimento com o produto moçambicano”, garantiu Fiipe Nyusi. Esperamos o dia em que o nosso chefe de estado planeie as suas visitas oficiais levando consigo os sonhos, as aspirações e as necessidades do povo que jurou servir, que negoceie o nosso futuro em nosso nome e não às nossas custas.

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Fotografia: Peter Steudner

Mineração de Carvão

Das Violações e Empobrecimento à Marginalização e Conflitos Os projectos que têm vindo a ser implementados em Moçambique, promovidos pelo Governo em parceria com investidores estrangeiros e rotulados “de desenvolvimento” e/ou “de interesse público”, têm merecido muita atenção na comunicação social nacional e internacional. Contudo, a ideia de que estes investimentos e de que a exploração de certos recursos é benéfica e constitui um grande contributo para o desenvolvimento do país é relativa, uma vez que, além dos investidores, apenas uma parte da nossa elite política se beneficia desse dito desenvolvimento. A verdade é que a população moçambicana em geral e as comunidades locais em particular, vêem-se mergulhadas em condições de pobreza acentuada e vulnerabilidade agravada como resultado deste modelo de desenvolvimento cujos reais impactos a nível local têm sido ocultados e grandemente ignorados tanto pelos nossos governantes como por alguma da nossa comunicação social, controlada pelo Estado. Ainda assim, o ritmo e a concentração da alocação de investimentos unicamente neste sector têm estado a marginalizar outros sectores chave da economia do país, como é o caso da agricultura. A existência de fragilidades no sistema jurídico e governativo do país, incluindo a corrupção, a falta de capacidade e, acima de tudo a falta de interesse político na fiscalização e monitoria dos diferentes projectos implantados em Moçambique, tem sido um grande atractivo para o investimento directo estrangeiro. Isto, associado aos benefícios fiscais cedidos a esses investidores, torna o investimento e a exploração dos recursos moçambicanos bastante apelativa. Ainda assim, o governo moçambicano continua a tentar vender a ideia de que a exploração dos nossos recursos minerais, por si só, trará desenvolvimento, prosperidade e combaterá a pobreza, ou seja, que projectos como os de exploração de carvão em Moatize, Benga e Chirodzi impulsionarão o crescimento económico e o desenvolvimento de comunidades e do país como um todo. Antes que caiamos no erro de acreditar que a indústria extractiva é realmente uma bênção para Moçambique, é importante lembrar que apesar da performance da economia do país continuar a ser propagandeada pelo Governo e alguns dos seus parceiros internacionais de forma enganosa (como se de um caso de sucesso se 06


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tratasse), no terreno a realidade demonstra o exacto oposto. Os recursos tem sido uma maldição. A violação de direitos humanos, a violência contra membros das comunidades locais, a falta de e/ou o inadequado monitoramento ambiental e social, a danificação do meio ambiente (degradação do meio, contaminação de água, solo e poluição do ar), a destruição dos meios de subsistência das comunidades, os reassentamentos forçados, o desflorestamento ilegal, a usurpação de terra, a destruição de eco-sistemas, a intimidação de grupos sindicais, o incumprimento fiscal generalizado, a obstrução da justiça, a intimidação da imprensa independente, das organizações da sociedade civil e de activistas de direitos humanos, a marginalização e empobrecimento das famílias directamente afectadas, a baixa contribuição aduaneira, etc., são apenas algumas das características dos investimentos neste sector em Moçambique, um dos países mais pobres do mundo, onde a exploração do carvão é o exemplo mais claro do cenário acima retratado e onde as comunidades locais directamente afectadas são a principal vítima deste modelo de desenvolvimento centrado no capital e nas elites políticas. Por outro lado, com este modelo de investimento virado para a exportação – um modelo tradicional-colonial em que o país é visto apenas como fonte de matéria prima – tem se verificado um aumento exponencial de conflitos e um manifesto padrão de manipulação das comunidades locais directamente afectadas. Tais conflitos e manipulações são também acompanhados por ameaças e violações de alguns direitos fundamentais perpetrados não só pelas empresas, mas também pelas lideranças locais, provinciais e por membros de organizações que se fazem passar por sociedade civil, quando na verdade estão a prestar serviços aos investidores e ao governo. Exemplo disso é o que tem estado a acontecer com as famílias reassentadas pela Vale em Cateme e no Bairro 25 de Setembro, com as famílias reassentadas pela Rio Tinto em Mualadzi, com as famílias das comunidades invadidas pela Jindal em Cassoca e com o grupo dos oleiros afectados e marginalizados pela Vale. Tudo na província de Tete. Recentemente, no âmbito do nosso trabalho de monitoria de megaprojectos na província de Tete, uma equipa da Justiça Ambiental visitou as zonas acima mencionadas, tendo concluído que a situação actual das famílias afectadas, com base em depoimentos e no que se pôde observar, é, de modo geral, pior do que era antes da chegada dos investimentos e consequentes reassentamentos. Em Mualadzi, por exemplo, os moradores queixam-se que na maior parte dos dias da semana não sai água dos poucos fontenários que ainda funcionam, que a terra que lhes foi dada para machambas, além de estar distante não é produtiva devido às características do solo, que não há emprego, que não recebem ajuda alimentar como lhes tinha sido prometido, que a escola secundária fica em Cateme, a 10 Km das suas residências – uma distância que nos últimos tempos é percorrida a pé porque a empresa deixou de pagar o transporte. Logicamente descontentes, estas famílias têm estado a tentar organizar-se para se manifestarem, reivindicarem os seus direitos e apelarem assim a quem de direito que intervenha e resolva a situação. Para nosso espanto, fomos informados que sempre que se começam a fazer preparativos para estas manifestações, aparecem indivíduos, alegadamente em representação de organizações da sociedade

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civil, que dissuadem as pessoas de se manifestarem dizendo que em seu nome abordarão governo e empresa e resolverão todos os problemas que lhes têm vindo a tirar o sono. Contudo, depois de frustrarem a realização das manifestações, tais indivíduos nunca mais aparecem a dar qualquer satisfação ou informação, o que deixa as famílias sem saber o que fazer, descredibiliza a sociedade civil e destrói por completo o trabalho de todos aqueles que têm genuína intenção de ajudar a resolver os problemas reais daquelas populações. No ar fica a pairar a dúvida: Estarão estes indivíduos a serviço do governo e/ou das empresas? Porque estarão tão empenhados em manipular, destabilizar e dissuadir as comunidades afectadas de reivindicarem os direitos que são consagrados a todos os cidadãos Moçambicanos? Um dos exemplos mais recentes desta forma de actuação aconteceu a 9 de Junho, quando numa acção levada a cabo pela mineradora Jindal, o Governo e esses ditos representantes da sociedade civil, de forma matreira, fizeram com que membros da comunidade de Cassoca assinassem um Memorando de Entendimento com a multinacional Indiana. Esse memorando, denominado Síntese da Audiência entre o Senhor Governador da Província de Tete, a Sociedade Civil, a Comunidade de Cassoca e a Empresa Jindal, foi assinado no dia 2 de Junho na sala de Sessões do Governo da Província sob orientação do Governador e teve como objectivo ¨ouvir as propostas da comunidade de Cassoca com relação ao reassentamento e produzir um Memorando de Entendimento entre a Empresa Jindal e a Comunidade.” Na verdade, este documento deixa as comunidades numa situação de vulnerabilidade, e de forma alguma ajuda a resolver os problemas que estes enfrentam diariamente em função da operação da Jindal na região. É um documento ridículo, que visa apenas proteger a empresa responsável pelas péssimas condições de vida a que estas famílias estão sujeitas de futuros transtornos. Mais uma vez, o governo aparece a defender os interesses dos investidores estrangeiros em detrimento dos direitos do povo moçambicano. Entre vários outros, um dos pontos mais grotescos deste documento é o facto dele violar o Artigo 51 da Constituição da República de Moçambique, segundo o qual todos os cidadãos têm direito a liberdade de reunião e de manifestação nos termos da lei. Segundo o documento, a comunidade jamais poderá voltar a manifestar-se a ponto de paralisar as actividades da Jindal, independentemente das motivações que possa haver. Em conversa com as famílias de Cassoca e com alguns dos membros da comunidade que participaram dos encontros com o Governo, a empresa e os tais membros de organizações da sociedade civil, e que levaram à assinatura desse famigerado memorando, ficamos a saber que muitos dos pontos enumerados no documento não correspondem ao que havia sido proposto pela comunidade, cuja noção de muito do que foi acordado por escrito no memorando nos pareceu bastante limitada. Algo que nos tem deixado cada vez mais preocupados e revoltados nesta luta em defesa dos direitos humanos, justiça ambiental e climática, é o crescendo de intervenções danosas de organizações que se dizem da sociedade civil, mas que na verdade estão a serviço do governo e das empresas multinacionais. Estes grupos não só descredibilizam as organizações, movimentos sociais e

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sindicais, mas acima de tudo ajudam na marginalização e violação dos direitos das comunidades, tornando-as cada vez mais vulneráveis. É curioso constatar que as organizações que participaram do processo são as mesmas que foram chamadas a intervir para apaziguar os membros da comunidade de Cassoca em Junho, quando estas paralisaram as actividades da Jindal com manifestações reivindicando os seus direitos. Então, encurralada, a Jindal por via do Governo, tratou de contactar quem na sociedade civil estivesse disposto a calar a população com promessas de resolver a situação. Este memorando é o culminar do trabalho desenvolvido. Outro exemplo de nefastas consequências da má gestão do Estado destas situações de conflito ocorreu dia 11 de Julho na Vila de Moatize, onde um dos líderes do movimento de oleiros que reclama por justas indemnizações por parte da Vale, um homem bastante vocal e activo, foi violentamente agredido por outros supostos oleiros, tendo ficado gravemente ferido. A policia foi chamada a intervir, tendo detido os supostos agressores. No entanto, sem qualquer fundamento, os acusados foram soltos horas após o ocorrido apesar de, mesmo dentro da esquadra, terem alegadamente continuado a ameaçar a vitima e o colega que o acompanhava. E as ameaças não pararam por ai... Dois dias depois, a 13, durante um encontro entre oleiros, empresa e Governo distrital – que se fez representar pela Administradora, a quem os oleiros deveriam entregar então a versão final da lista de nomes de oleiros que reclamam o pagamento de indemnizações – na administração, outro colega da vítima, também activo líder nas negociações, diz ter sido ameaçado de morte e pressionado a assinar a lista proposta, na qual constavam, entre outros, os nomes dos agressores, alegadamente parte de um grupo de 124 supostos oleiros que , em Maio, dois anos depois de se ter iniciado o processo de negociações entre a empresa e os oleiros, apareceram como que do nada, e que caricatamente se identificam como pertencentes ao Partido FRELIMO. Convém mencionar que no dia 9, horas antes da agressão, o agredido comunicou receoso à Administradora, que um grupo de indivíduos o tinha procurado na igreja e que se encontrava à sua espera em sua casa naquela manhã. Por sua vez, a Administradora garantiu-lhe que providenciaria segurança policial que o acompanhasse até a casa, o que não veio a acontecer. A policia só foi chamada a intervir após o oleiro ter sido espancado em sua casa e depois arrastado para uma mata isolada nas proximidades. Segundo nos foi narrado, no momento em que este era espancado, os agressores gabavam-se que ninguém intercederia a seu favor. E assim foi. Não só foram soltos prontamente, como continuam a participar de encontros de negociação com a empresa brasileira e o governo. Surpreendenos ainda o facto de, no meio de conflitos desta natureza, o processo continuar a decorrer sem qualquer tentativa de esclarecimento do sucedido nem de clarificar a credibilidade das listas submetidas. Esta é uma situação que levanta muitas questões e deixa a comunidade de oleiros numa situação de medo e incerteza, uma vez que os agressores continuam soltos e a sentar-se na mesma mesa de negociações, sem que justiça seja feita. Todo este imbróglio parece ser nada mais do que um “recado” e uma forma de tentar desbaratar o grupo de oleiros, que apenas tenta defender os seus direitos. Na província de Tete, estas e outras injustiças ocorrem quase que diariamente.

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Diz-me Com Quem Andas, Dir-te-ei Quem És

Jindal Steel and Power Limited A Jindal Steel and Power Limited é uma multinacional dedicada à produção de ferro e à geração de electricidade, actividades que desenvolve em virtude de várias minas que controla em todo o mundo, muitas das quais aqui na África Subsaariana. Em Moçambique, a Jindal detém há pouco mais de dois anos uma polémica mina de carvão em Chirodzi, a cerca de 100 quilómetros de Tete, numa área adjacente à estrada que liga a capital provincial à vila do Songo. Envolta em várias controvérsias, das quais se destacou no passado recente o mediático escândalo Coalgate, estamos convictos que o hábil “jogo de cintura” que já demonstrou ter para contornar as suas obrigações e responsabilidades é, tristemente, a característica que lhe permite continuar a singrar em países como o nosso, em conivência com governos também em tudo idênticos ao nosso. Quando em Agosto de 2013, o então Presidente da República Armando Emílio Guebuza inaugurou com pompa e circunstância a mina da Jindal em Chirodzi, ficámos estupefactos; incrédulos com o desplante e com a pouca vergonha do nosso governo. Primeiro, porque a mina não tinha sequer (se é que já tem...) o seu Estudo de Impacto Ambiental aprovado – conforme nos foi confirmado posteriormente por altos representantes do extinto MICOA – e segundo, porque dentro da área de concessão da mina viviam (e ainda vivem) cerca de 500 famílias em condições desumanas, e que, por sinal, haviam se manifestado dias antes da inauguração em protesto pelo incumprimento do que lhes fora prometido durante as consultas públicas. Quando abordados sobre esta situação, governo e Jindal enveredaram sempre por uma estratégia que de tanto ser usada já não engana ninguém: a Jindal culpa o governo, alegando que se o reassentamento ainda não ocorreu é porque o governo ainda não determinou a área onde as pessoas deverão ser reassentadas, e o governo, como está entalado, faz a única coisa que sabe: não dá satisfação a ninguém. Ora, conforme é mais do que sabido e fica mais do que claro ao observar o mapa ao lado, o problema é que a Província de Tete está, literalmente, “concessionada”. Especula-se que nem haja onde reassentar esta gente, e a ser verdade, o governo certamente que estava mais do que ciente disto quando deu o seu aval ao projecto de Chirodzi. Um casamento perfeito É óbvio que não vemos com bons olhos a entrada de empresas como a Jindal em Moçambique, pois a nosso ver, além das lógicas razões ambientais, uma empresa capaz de fazer em seu território e aos seus compatriotas o que a Jindal fez e faz na Índia, certamente que é capaz de muito pior na terra de outrém. A título de exemplo, em Angul, província de Odisha, Centro-Este da Índia, 15.000 pessoas lutam ainda hoje pelas indemnizações e empregos que lhes foram prometidos pela Jindal em 2011, quando, em conchavo com o governo indiano, a multinacional os realocou forçosamente e lhes usurpou as suas terras. Em 10


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2012, 4000 dessas pessoas, maioritariamente mulheres, marcharam em protesto e foram brutalmente dispersadas pela polícia . Infelizmente, uma história que poderia ser contada na primeira pessoa tanto em Chirodzi como em várias outras comunidades da província de Tete, onde a polícia é frequentemente usada para reprimir as populações. Conforme já afirmámos várias vezes no passado, é o nosso governo o principal responsável pela pobre actuação tanto da polícia, como da Jindal e de outras mineradoras em Moçambique. E no caso específico da Jindal, o executivo demonstrou claramente continuar despreocupado com as consequências de mais um “pontapé nas canelas” dos Manyungués. Desprovido de qualquer sensibilidade, consciência e sem acusar qualquer pressão em virtude dos já graves problemas que a indústria mineira trouxe à província, em Chirodzi, o governo voltou a dar provas de que está pouco se marimbando para o seu povo. Na Jindal, o executivo encontrou o parceiro perfeito para aquela que é, em nossa modesta opinião, a cereja em cima do bolo de desconsideração e desrespeito que este está a servir à região: uma empresa sem escrúpulos, sem princípios, e de créditos firmados no que a irresponsabilidade social e corporativa diz respeito. Por outras palavras, sabendo que seria impossível extrair o carvão de Chirodzi de forma minimamente responsável, o governo encontrou na Jindal um parceiro disposto a fazer o trabalho sujo mediante uma óbvia garantia de impunidade. E que garantia poderia ser mais óbvia e sólida que uma inauguração presidencial? Expirada a garantia (com a mudança de governo), resta saber se o novo executivo tem a coragem e rectidão necessárias para restabelecer a ordem. 11


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Em sua “Encíclica Verde”, Papa convoca Humanidade a mudar seu estilo de vida

O Papa Francisco lançou quintafeira, 18 de Junho, no Vaticano, a sua tão aguardada encíclica sobre o meio ambiente, recheada de críticas aos países ricos e de considerações sobre o aquecimento global fenómeno que, segundo ele, é causado pela humanidade. Para enfrentar o problema, o pontífice convoca as pessoas a “realizar mudanças de estilo de vida, de produção e de consumo”. As 200 páginas do documento vão além da questão ambiental: falam também de tecnologia, política e dívida externa. Esta é a primeira encíclica atribuída completamente ao papa argentino - a anterior havia sido redigida a quatro mãos com Bento XVI. Francisco pede que os países ricos aceitem reduzir o tamanho de suas economias para “travar o consumismo”. Ele diz que é preciso pôr limites ao “insustentável” comportamento dos que “consomem e destroem”. “Chegou o momento de aceitar um certo decrescimento em algumas partes do mundo, aportando recursos para que seja possível crescer de maneira saudável em outras partes”, escreve o papa. O pontífice também denunciou “a submissão da política à tecnologia e às finanças”, o que seria uma das causas dos fracassos para conter o aquecimento global e a deterioração do planeta. O lançamento da encíclica faltando exatos seis meses para o COP 21, o grande encontro do clima que ocorre

em Paris no final do ano, é considerado intencional, para tentar influenciar de alguma forma o evento. Dívida externa Enquanto cardeal Jorge Bergoglio, na Argentina, o papa se confrontou diretamente com a privatização dos serviços de fornecimento hídrico. Na encíclica, a questão se torna alvo de uma profecia: “É previsível que o controle da água por parte de grandes empresas mundiais se converta em uma das principais fontes de conflitos deste século”, escreveu. A encíclica do Papa Franciso também denuncia o atual sistema económico mundial que, segundo ele, usa a “dívida externa como instrumento de controle”. A declaração surgiu a apenas a algumas horas da reunião do Eurogrupo, que decidiu o destino da Grécia. A encíclica ainda critica os países ricos por não reconhecerem a “dívida ecológica” que têm com os países em desenvolvimento. O texto vai ao encontro do que prega, por exemplo, a China nos debates sobre a questão do clima. Os chineses acham que as metas de redução na emissão de gases para os países emergentes devem ser menores do que as impostas aos desenvolvidos, já que estes se industrializaram, em boa medida, graças a práticas insustentáveis do ponto de vista ambiental. Fonte: RFI 12


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A JA foi Premiada! Pela sua dedicação à causa pública, a Justiça Ambiental foi dia 29 de Julho distinguida pela Fundação MASC. Obrigado à MASC pelo reconhecimento e a todos os que com o seu trabalho contribuiram para esta distinção. Bem hajam.

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