Newsletter Julho 2018

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Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007


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Mau Humor

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Carta com as demandas das comunidades afectadas pela green resources Antes de ser enviada a seus destinatários, a carta abaixo transcrita foi assinada por cerca de 700 pessoas das comunidades afectadas pelas actividades da Green Resources em Moçambique.

Exmos. Senhores; Administradores do Distrito de Ribaué, Mecuburi e Rapale Governador da Província de Nampula, Sr. Victor Manuel Borges Representante da Green Resources SA, Sr. Arlito Cuco Embaixadora da Noruega, Sra. Anne Lene Dale 5ª Comissão da Assembleia da Republica – Comissão de Agricultura Economia e Ambiente, Sr. Francisco Mucanheia Excia. Ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Sr. Celso Correia Excia. Ministro da Agricultura e Segurança Alimentar, Sr. Higino Francisco de Marrule C.C: Norfund Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique Comissão Nacional de Direitos Humanos

Nampula, 5 de Maio de 2018 Assunto: Direitos e demandas das Comunidades Afectadas pelas actividades da empresa Green Resources, SA , na Província de Nampula I. Contextualização A Green Resources Moçambique é fundamentalmente uma empresa de plantações de monoculturas arbóreas, parte da Green Resources, SA (GR). Estabelecida em 1995, a Green Resources SA, uma empresa de capitais maioritariamente noruegueses, com mais de 80 acionistas é considerada uma das maiores empresas de plantações de monoculturas em África. Em Setembro de 2016 foi lançado um estudo intitulado “O Avanço das Plantações Florestais sobre os Territórios dos Camponeses no Corredor de Nacala: o caso da Green Resources Moçambique”, no qual foram constatadas uma série de irregularidades e impactos negativos que as plantações da empresa Lúrio Green Resources estão a causar nas comunidades locais. O estudo foi elaborado por consultores independentes a pedido de três organizações da sociedade

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civil, nomeadamente Livaningo, Justiça Ambiental e a União Nacional de Camponeses, com o apoio da Afrikagrupperna. No âmbito desta iniciativa, as três organizações produziram ainda um breve documentário que ilustra a situação das comunidades afectadas pelos conflitos de terra com a Green Resources Moçambique. Desde o lançamento público do estudo, as referidas organizações da sociedade civil tiveram dois encontros com Embaixada da Noruega (Julho e Setembro de 2017), onde se pretendia alertar a Embaixada para a necessidade de resolução urgente dos problemas levantados no referido estudo. No primeiro encontro foram apresentadas as constatações do estudo à Embaixada, mas esta não concordou com as mesmas. Neste contexto, convidamos a Senhora Embaixadora a visitar as comunidades referidas no estudo e poder assim avaliar a situação no terreno. Com efeito, no segundo encontro, em que esteve também presente a empresa Green Resources, a Sra. Embaixadora informou-nos que tinha feito uma visita as comunidades afectadas e que verificou não haver conflitos com as mesmas. Porém, a Senhora Embaixadora recusou-se a indicar que comunidades foram visitadas e quando esta visita aconteceu. No âmbito da parceria entre as três organizações acima referidas, uma delegação composta por representantes da Justiça Ambiental (JA!), Livaningo, União Nacional de Camponeses (UNAC), União Provincial de Camponeses de Niassa (UPC Niassa), e representantes das Comunidades de Meparara, Namacuco e Lanxeque, distrito de Ribaué, Província de Nampula, visitaram a Noruega e a Suécia de 26 de Setembro a 4 de Outubro de 2017 onde tiveram encontros com diversos intervenientes como a Norfund, Norad, membros do parlamento Norueguês, representante da Green Resources na Noruega e diversas organizações da sociedade civil. Nestes encontros a delegação apresentou as principais constatações do estudo e foram discutidos os conflitos com as comunidades locais e analisados de que modo estes actores poderão intervir na resolução dos mesmos, mas até ao momento nada foi feito. Foi possível confirmar com o representante da Green Resources que a Lurio Green Resources tem parte da Certificação FSC suspensa, e é importante salientar que a Green Resources Moçambique referiu-se inúmeras vezes a esta certificação como prova de que todos os procedimentos tinham sido cumpridos e que tudo funcionava da melhor forma possível. Acresce que em momento algum referiu que a mesma estava suspensa por terem sido detectadas falhas graves nas suas operações em Nampula. Uma outra questão que tem sido motivo de inúmeras discussões entre as comunidades locais e a empresa são as promessas feitas durante as consultas comunitárias e que constituem a razão principal de muitos membros das comunidades terem aceite ceder as suas terras. A Green Resources recusa ter feito tais promessas e alega ter sido mal compreendida pelas comunidades, e que são infraestruturas sociais sob a responsabilidade do governo e não das empresas. Importa referir que estas promessas constam no Relatório Público de Certificação Florestal Woodmark como uma das questões problemáticas identificadas e que requer atenção por parte da empresa “Aquando das consultas das comunidades, comités e líderes foi repetidamente mencionado que a LGR prometeu construções de infraestruturas sociais, incluindo escolas, furos de água e postos de saúde. Estas promessas ainda não foram cumpridas. Os gestores da empresa dizem que vão honrar os compromissos por fases e de acordo com as prioridades. Como evidência, a empresa mostrou um contrato com a BJ Drilling, Lda, para abertura de 7 furos de água nos 3 distritos onde operam. LGR deverá assegurar que as expectativas da comunidade são geridas e que comunicam regularmente sobre o progresso e planos para cumprir os compromissos sociais.” Além destas acções, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Nampula (CaJuPaNa) e a Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU) lançaram igualmente oficinas comunitárias de mobilização, educação e engajamento popular em defesa

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da terra e dos recursos naturais no Corredor de Nacala. Na sequência destas actividades, a população das comunidades de Intatapila e Napai II no distrito de Mecuburi, afectadas pelo projecto da Green Resources, em parceria com ADECRU e CAJuPaNa, denunciaram os abusos cometidos por esta empresa, exigindo igualmente às autoridades governamentais o respeito e realização de seus direitos. Na sequência desta denúncia, 10 deputados da Comissão da Agricultura, Economia e Ambiente da Assembleia da República de Moçambique visitaram, em Dezembro de 2016, o distrito de Mecuburi e a província de Nampula, tendo se reunido com a população de Intatapila e Napai II na comunidade de Napai II e com as autoridades governamentais, representantes da Green Resources na Localidade de Nahipa no dia 10 do mesmo mês. Nos referidos encontros, a população destas duas comunidades apresentou as suas preocupações e reivindicações entre os quais o drama resultante da usurpação e expulsão das suas terras. Igualmente, na presença dos deputados, o então administrador de Mecuburi, Dinis Anapacala e o representante da Green Resources em Nampula, Graciano Saial, reconheceram publicamente a existência de erros e de várias irregularidades cometidas durante todo o processo de implantação do projecto, tendo se comprometido a fazer a devida revisão e correcção para que tanto a empresa assim como as comunidades tivessem ganhos. Na ocasião, o presidente da Comissão de Agricultura, Economia e Ambiente, Francisco Mucanheia afirmou que não houve transparência no processo de consultas comunitárias” tendo deixado uma recomendação para que o governo e a empresa corrigissem de forma urgente todas as irregularidades num prazo máximo de dois meses, por entender que a “vinda de um projecto não pode significar aumento de pobreza e de problemas nas comunidades, mas sim trazer desenvolvimento” por isso o assunto deveria ser assumido com muita responsabilidade. Um outro dado novo para nós refere-se à actual situação financeira da empresa, segundo informação confirmada na reunião com o representante da Green Resources na Noruega, a empresa está a atravessar sérias dificuldades financeiras, e esta é a razão principal para não ter ainda levado a cabo os projectos sociais, que incluem as inúmeras promessas que tem sido constantemente citadas e de certa forma contestadas pela Green Resources Moçambique, alegando se tratar de expectativas fora do controle da empresa e não de promessas como as várias comunidades consultadas afirmaram sempre. II. Situação actual das comunidades afectadas A Justiça Ambiental, Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU), União Provincial de Camponeses de Nampula (UPCN) e a Afrikaggruperna estiveram recentemente numa visita de monitoria (28.4.2018) às comunidades afectadas pela Green Resources em Nampula (Regulado de Canhaua, Comunidades de Meparara, Namacuco e Lanxeque) a fim de avaliar se os conflitos reportados foram devidamente sanados, e verificou-se no terreno que a situação permanece na mesma e as plantações estabelecidas estão aparentemente sem o devido cuidado silvicultural. A realidade no terreno espelha claramente os inúmeros conflitos de terra, usurpação de terra comunitária que era utilizada na maioria dos casos para produção de alimentos, pois, as plantações foram estabelecidas em terra fértil das comunidades onde antes se produzia alimentos, junto a rios e fontes de água que segundo as comunidades já se sentem os impactos na escassez de água e ainda segundo as comunidades visitadas vários destes rios sazonais já não têm tanta água e mesmo quando fazem furos para água já não encontram este precioso líquido; as plantações foram ainda estabelecidas junto a estradas e habitações e em áreas onde tinha floresta nativa entre várias outras questões. As situações de conflitos de terra, as queixas referentes ao processo mal conduzido de compensações e a insatisfação das comunidades afectadas na sua maioria permanecem por resolver.

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A Justiça Ambiental, Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU), União Provincial de Camponeses de Nampula (UPCN), na sequência do seu trabalho de advocacia de defesa dos interesses e direitos sobre a terra das comunidades locais, vem, juntamente com própria população afectada, apresentar as principais demandas das referidas comunidades acompanhadas conforme de um abaixo-assinado. III. Principais demandas das comunidades afectadas Nós, camponeses e camponesas, membros das comunidades afectadas pelas plantações da Green Resources Moçambique na Província de Nampula, exigimos: - Antes de mais, que sejam cumpridas todas as promessas efectuadas no processo de consultas comunitárias, nomeadamente construção de escolas, hospitais, reabilitação de estradas, construção de pontes; reabilitação de fontenárias e furos; etc. - Que seja reavaliado e corrigido todo o processo de compensações por estar carregado de falhas graves e por não ter sido efectuado na base de uma negociação com os afectados, mas sim uma imposição da parte da empresa acompanhada de representantes do governo; - Pagamento integral de todas as compensações; - Compensação pelos impactos que estas plantações têm sobre o ambiente e recursos de que a comunidade depende, tais como acesso a água, recursos florestais que antes do estabelecimento das plantações eram utilizados pelas comunidades e mesmo pela redução da fertilidade do solo para produção de alimentos. - Abertura de machambas por parte da Green Resources em substituição à terra cedida pelas comunidades à empresa, conforme prometido em consultas comunitárias; - Que a Green Resources abandone as áreas actualmente ocupadas nas comunidades de Melola e Namacula no distrito de Mecuburi e Messa no distrito de Ribaue para que as mesmas sejam reocupadas palas famílias expulsas enquanto legítimos detentores de Direito de Uso e Aproveitamento de Terra. Por fim e para que todas estas questões sejam devidamente discutidas exigimos ainda um encontro com todos os intervenientes no processo de atribuição de terra à Green Resources SA., nomeadamente: - Administradores de Mecuburi e Ribaué, Governador da Província de Nampula, o representante da Green Resources SA, representantes da 5ª Comissão da Assembleia da República; do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, do Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar e a Embaixadora da Noruega por esta refutar as alegações das comunidades afectadas incluídas no estudo e por ter declarado em encontro com as organizações responsáveis pelo estudo que as comunidades estão satisfeitas e que tudo que foi prometido pela Green Resources foi cumprido. As comunidades pretendem que esta venha então mostrar onde estão as escolas, hospitais e pontes construídas e que venha verificar no terreno se de facto estas comunidades estão em melhores condições de vida. Sem mais de momento e certos de que o assunto merecerá a vossa melhor consideração, aproveitamos a oportunidade para endereçar os nossos melhores cumprimentos.

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Será que as Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas (INDCs) ajudarão a resolver de forma efectiva os problemas da crise climática? Durante a 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) – denominada COP21 e realizada em Paris em Dezembro de 2015 – vários países de todo o mundo, representados pelos seus respectivos chefes de estado e/ou de governo, adoptaram o novo acordo climático global, hoje amplamente conhecido por “Acordo de Paris”. Antes desse grande e tão esperado momento, os países esboçaram publicamente as acções climáticas que cada um pretendia levar a cabo após 2020 no âmbito do novo acordo climático global – designadas Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas (INDCs). As acções climáticas que constituem estas INDCs determinam, em grande medida, se o mundo irá alcançar os objectivos de longo prazo do Acordo de Paris – cuja principal finalidade é manter o aumento na temperatura média global bem abaixo de 2°C, buscar esforços para limitar o aumento a 1,5°C e alcançar emissões líquidas nulas na segunda metade deste século. Pretende-se que as INDCs criem um ciclo de feedback constructivo entre a tomada de decisão nacional e internacional sobre mudanças climáticas. Elas devem funcionar como o principal meio para os governos comunicarem internacionalmente as medidas que tomarão para lidar com as mudanças climáticas em seus próprios países e deveriam refletir a ambição de cada país para reduzir as emissões, tendo em conta as suas circunstâncias e capacidades domésticas. Alguns países também abordaram como planeiam adaptar-se aos impactos das mudanças climáticas, de que apoio precisam, ou como pretendem apoiar outros países a adoptarem caminhos de baixo carbono para criar resiliência climática. O que se pretende é que as INDCs estejam alinhadas com o definido na política nacional de cada país – sendo que cada país determina as suas contribuições no contexto de suas prioridades nacionais, circunstâncias e capacidades – com uma estrutura global sob o Acordo de Paris que deve impulsionar a acção colectiva em direção a um futuro climático de baixo carbono e resiliente. Contudo, o acordo de Paris é fraco e não contribui em quase nada para a justiça climática tão urgentemente necessária. Além de ter objectivos gerais fracos, o acordo tampouco contempla obrigações específicas e concretas para garantir a redução de emissões, financiamento para a transformação e justiça para os povos afectados, e dá pouca importância à questão das perdas, danos e desrespeito pelos direitos humanos. Para mais, o acordo ignora sistematicamente a ciência e continua de forma recorrente a promover falsas soluções baseadas em mecanismos do mercado como o REDD+ e outras soluções perigosas como a geo-engenharia. Segundo o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER), uma vez submetida e aprovada pelo parlamento, a Contribuição Intencional Nacionalmente Determinada (INDC) passa a chamar-se apenas Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). Ou seja, a partir do momento em que os países a submetem ao seu respectivo instrumento de aprovação, ratificação e adesão ao Acordo, a palavra “intencional” é eliminada. Os países passam então a dever apresentar uma NDC actualizada a cada

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cinco anos. Nos últimos tempos, muitos países converteram as suas INDCs em NDCs, incluindo Moçambique, que tem realizado encontros com diferentes actores, para actualização e harmonização da mesma. O processo de ratificação do Acordo de Paris deve ter lugar em 2018, durante a COP 24, onde se deverão igualmente finalizar as negociações sobre as metodologias, procedimentos e guiões relativos à sua implementação, sendo que a UNFCCC apela aos países para que tenham NDCs ambiciosas, com vista a resolver os problemas das mudanças climáticas. De acordo com o antigo chefe de departamento de mudanças climáticas do MITADER (actualmente Director Provincial da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural em Nampula), as Contribuições Nacionalmente Determinadas devem ser submetidas até 2019, sendo que para Moçambique a mesma será valida até ao ano de 2030, após sua entrada em vigor a partir de 2020. Para o caso de Moçambique, as NDCs (de modo geral) dividem-se em duas componentes: Adaptação e Mitigação – ambas directamente associadas às prioridades das estratégias sectoriais do Governo. Uma das contribuições propostas pelo Governo é a redução de emissões em 248862 KtCO2 entre 2020 e 2030. Contudo, a proposta não explica que mecanismos serão desenvolvidos para o efeito, de que forma se pretende fazer esta redução, ou ainda que acções serão levadas a cabo para garantir que tal aconteça? A título de exemplo, a promoção de investimentos na extração dos recursos energéticos fósseis existentes no País – tais como o gás ou o carvão mineral – e os planos de continuar a construir megabarragens – ignorando por completo as advertências da ciência, mas também o facto de Moçambique ser um dos países mais vulneráveis e afectados pelos efeitos das mudanças climáticas – continua. Até porque, com base numa análise das INDCs apresentadas e tornadas públicas, verificámos que as de Moçambique são pouco ambiciosas tendo em conta o nível de vulnerabilidade a que estamos sujeitos e o que realmente deveria ser feito. Segundo o MITADER, as NDCs de Moçambique serão operacionalizadas a partir de diferentes iniciativas, nomeadamente: Elaboração e submissão de um relatório de actualização bienal com o apoio de parceiros como o Banco Mundial e o Governo de Portugal; Implementação do Plano Nacional de Adaptação – NAP; Capacitações (avaliação das necessidades tecnológicas no âmbito da adaptação e mitigação, estratégia de desenvolvimento de baixas emissões – modelação dos impactos da agricultura, avaliação dos impactos dos gases de efeito estufa (GEE) antes e depois da implementação); Tornar a NDC mais ambiciosa; Definição de acções claras e transparentes para o período 2020 a 2050 de forma mensurável, reportada e verificada; Mecanismos para envolvimento de todos actores (Governo, sociedade civil, sector privado e academia) na formulação, implementação e avaliação de progresso. De acordo com o Instituto Mundial de Recursos, INDCs bem projectadas sinalizam ao mundo que o país está a fazer a sua parte para combater as mudanças climáticas e limitar os riscos climáticos futuros. Ao preparar as suas INDCs, os países deveriam ter seguido um processo transparente para construir confiança e prestação de contas com as partes interessadas nacionais e internacionais. Uma boa NDC deve ser ambiciosa, levando à transformação nos sectores intensivos em carbono e na indústria; transparente, para que as partes interessadas possam acompanhar o progresso e garantir que os países

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cumpram seus objectivos declarados; e equitativa, para que cada país faça a sua parte justa para lidar com as mudanças climáticas. Igualmente, é importante que as NDCs sejam comunicadas com clareza para que as partes interessadas nacionais e internacionais possam perceber como as acções propostas (e apresentadas) contribuirão de facto para a redução global de emissões e a resiliência climática no futuro. Mais, uma NDC deve também mostrar de que forma o país integra o combate às mudanças climáticas em outras prioridades nacionais, tais como desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza, de modo a fazer com que o sector privado contribua efectivamente para esses esforços. De acordo com Carl Mercer, um especialista em comunicação para mudanças climáticas e redução de riscos de desastres no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), as INDCs são as acções e metas que os países definem como sendo chave para ajudar a evitar que as temperaturas globais subam mais de 2ºC, em média. Este especialista considera ainda as INDCs como sendo a espinha dorsal do novo acordo climático saído de Paris. Apesar dele e muitos outros terem considerado o acordo de Paris um “sucesso”, o verdadeiro desafio será o progresso real no combate às mudanças climáticas, ou seja, os países que realmente cumprem os compromissos assumidos na COP21. Algo que será difícil de alcançar, pois tanto o acordo assim como as INDCs não são juridicamente vinculativos e, portanto, não são compromissos em si. Apesar de cada país definir as suas próprias metas e acções através de uma abordagem “da base para o topo”, esperando-se que isso imponha a propriedade sobre as metas e garantindo que elas sejam realistas e alcançáveis, tais acções são baseadas em actos voluntários e sem qualquer tipo de mecanismos para sancionar ou responsabilizar em caso de não cumprimento. Tudo dependerá da boa vontade de cada Governo/País. Enquanto alguns países concentram-se apenas na mitigação das emissões de carbono, outros (especialmente aqueles que já sentem impactos climáticos, como Moçambique) incluem e focam-se mais na adaptação. Outros ainda, têm levantado dois tipos de abordagem em relação a capacidade financeira: aqueles que são incondicionais; e aqueles que estão condicionados ao apoio internacional (como o financiamento climático). Em todos os casos, o objetivo é estabelecer realisticamente o que pode e deve ser feito para contribuir para o esforço global de fazer com que as temperaturas globais não subam para níveis perigosos. No nosso entender, a COP 21, onde se adoptaram oficialmente as INDCs como resposta para a crise climática, deveria ter resultado num acordo ambicioso, justo, vinculativo e que acima de tudo garantisse que o aumento da temperatura media global não excedesse 1,5ºC – o que só será possível se os países ricos (principais responsáveis pelo problema) fizerem a sua parte justa do esforço necessário, incluindo o reconhecimento da dívida climática e acima de tudo por via de uma abordagem de acções justas, com vista à imediata, urgente e drástica redução de emissões, de acordo com as exigências da ciência e dos princípios da equidade, providenciando apoio adequado para a transformação e garantindo justiça para as pessoas afectadas, bem como a adopção de soluções reais, renováveis e eficientes. Caso contrário, o peso continuará a cair injustamente sobre os países mais pobres e vulneráveis como Moçambique, que apesar de ter contribuído em quase nada para o problema das mudanças climáticas, é um dos que mais irá sofrer com os seus impactos e dos que menos capacidade tem tanto de se adaptar como de mitigar esses impactos.

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Nós estamos a viver como escravos no Moçambique independente

Dinâmicas de extractivismo da Mozambique Holdings em Lugela, Zambézia, Moçambique

A primeira vez que fui para Límbue, povoado do distrito de Lugela, na Província da Zambézia foi em Junho de 2016. Na altura, ia fazer um prétrabalho de campo sobre as comunidades que viviam com o Monte Mabu. O inverno já se fazia sentir, mas o sol ainda brilhava. A viagem de Mocuba para Lugela leva cerca de 3 horas de camião. Por seu turno, uma viagem até Límbue pode levar cerca de 5 horas. Na altura a estrada era só de terra batida, com muitas subidas e descidas. Voltei para Límbue em meados de 2017, e de novo em Abril de 2018 aquando do meu trabalho de campo. Nesse tempo a empresa Mota-engil já havia começado com as obras de construção da estrada que liga Mocuba a Tacuane com uma faixa de rodagem para dois sentidos. Ao longo da estrada de Mocuba para Límbue podem notar-se os vastos campos de produção de mandioca ou milho pertencentes a pequenos agricultores familiares. Podem igualmente se notar as habitações feitas de barro e palha e algumas aves em redor. As áreas não usadas, normalmente são habitadas por uma vegetação local e riachos cortando terras. O distrito exibe

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um verde e elevações montanhosas em todos os lados. Mas ao chegar em Límbue uma grande diferença se nota na paisagem. Em 2016, uma vasta terra aberta que havia sido prometida para a produção de árvore borracheira se mostrava nua e vermelha em toda a volta. Isto aqui era um mato que assustava, ainda bem que a empresa veio aqui, o meu motorista comentou no momento. O “desenvolvimento” bateu as portas do distrito! Quando regressei em 2017 e 2018, as árvores borracheiras já haviam sido plantadas e haviam já crescido consideravelmente.


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A terra em questão fazia parte do fracassado projecto de colonização portuguesa através de prazos da coroa. A Sociedade Madal foi estabelecida em 1903 pelo capital Mónaco que depois passou para o capital Norueguês em 1926. Esta sociedade começou a operar no norte de Moçambique no âmbito da campanha colonial portuguesa de transformar as terras que outrora pertenceram aos prazos da coroa em fontes de gestão de renda efectivas e de maior intensifição do poder colonial. A Madal foi uma das companhias que tiveram grandes porções de terra na província da Zambézia. Esta companhia, em Lugela, trabalhava na produção de chá. Outras empresas de plantação de chá também existiam em Lugela, nomeadamente a Chá Tacuane e a Chá Palma Mira. Em conversas com os mwenes – líderes locais – e comunidades aprendi que havia um entrosamento muito forte entre os proprietários destas empresas com a vida política, económica, social e simbólica das comunidades locais. Os mwenes sentiam que os seus valores eram respeitados e quando a chuva demorava a cair, os gerentes das empresas aproximavamse dos mwenes para junto destes realizarem o mucutu – cerimónia tradicional – para falar com os matoas – espíritos dos antepassados – e invocar a chuva. As comunidades podiam pedir transporte da empresa em casos de emergências. Essas constatações sombream a distinção estricta entre colonos e colonizados neste contexto. Com a independência de Moçambique em 1975, a Madal foi uma das poucas empresas coloniais que se mantiveram em funcionamento, isso porque os Noruegueses foram considerados “bons colonos” pelo regime do então presidente Samora Machel. Entretanto, o início da guerra civil que teve como um dos principais palcos o disrito de Lugela viria a mudar o quadro social, económico, paisagístico e político da área. Segundo relatos orais, quando a guerra civil iniciou em 19871 na região, muitas das empresas coloniais começaram a fechar. Límbue foi considerada zona da RENAMO e sujeita a fortes investidas militares da FRELIMO. O distrito de Lugela era na altura controlado pela FRELMO. Os soldados da RENAMO atacavam as empresas locais e saqueavam ferros, chapas e outros materiais para vender no Malawi. Os

membros das comunidades locais capturadas transportavam esses bens saqueados por longas distancias até às bases da RENAMO. Nesta região, as comunidades afirmam que fugiam tanto dos homens da RENAMO como dos homens da FRELIMO, pois ambos lados causaram danos a nível das comunidades. Com o fim das hostilidades em 1992, Moçambique era um país enterrado em crises económicas, sociais, políticas e ambientais tais como a fome e a seca. O país já havia abandonado os sonhos socialistas em 1987, e optou por uma viragem neoliberal, abrindo o mercado nacional para investidores internacionais num país que na altura era considerado de grande risco. Isso fez com que o governo fizesse grandes concessões para atrair o investimento internacional. Neste período, muitas terras haviam sido abandonadas em Lugela e as comunidades só começaram a regressar a partir de 1994 para as suas ruínas. Lugela, na altura, havia sido tomado pela vegetação e fauna que saiu dos abrigos das comunidades para as terras por estas abandonadas. Depois de muitas investidas por parte do governo local para relançar o descontinuado sonho capitalista de produzir chá e algodão para o mercado internacional, as terras foram adquiridas em 2015 pelo capital Indiano chamado Mozambique Holdings, Lda, que tem no seu portfólio de actividades a mineração, venda de material militar, construção de estradas, transporte e logística. A empresa quando abriu o seu negócio em Lugela tinha o objectivo de introduzir a árvore borracheira para exportação. Este é o contexto em que entrei em contacto com a empresa e as comunidades desde meados de 2016 até início de 2018. Quando cheguei em Límbue, uma das principais inquietações que as comunidades levantavam em relação à Mozambique Holdings era a falta de respeito e o tratamento desumano dos trabalhadores e comunidades locais que os gestores da mesma tinham. Quando a empresa adquiriu as terras de cerca de 10.000 hectares as comunidades locais já haviam saído dos seus abrigos na montanha e ocupado as terras da antiga Madal para a produção agrícola e habitação. Grande parte da comunidade de Nangaze, por exemplo, estava

Na historiografia oficial a Guerra civil comecou em 1976, um ano apos a independencia nacional, contudo, os efeitos e sentidos da mesma so se manifestaram em 1987 em Lugela. Os relatos orais contam que primeiro os membros da RENAMO não eram violentos com as comunidades so depois comecou a haver matancas de comerciantes e algumas figuras nas comunidades.

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nas terras da Madal. Estes foram retirados mediante pagamento de indemnizações que as comunidades consideraram muito injustas. Houve de facto antes da implementação da empresa consultas comunitárias em que as comunidades foram prometidas empregos, desenvolvimento, construção de escolas e hospitais o que facilitou a aceitação da mesma na comunidade. Os sonhos de modernização conquistaram terreno de novo. Contudo, com o andar do tempo as promessas e juras foram tomando outras configurações, chegando um dos membros da comunidade a gritar: nós estamos a viver como escravos no Moçambique independente. Os trabalhadores e membros das comunidades adicionaram que os trabalhadores são tratados que nem escravos, trabalham das 4h até as 16h, numa taxa diária de 100mts ( aprox. USD1.2). Esta taxa é paga se o trabalhador completar uma determinada tarefa que os trabalhadores consideram inatingível num dia só, sendo normal um trabalhador usar dois dias para terminar uma tarefa diária, recebendo assim 100mts/dois dias. Perguntei a um dos trabalhadores que depois abandonou a empresa e foi para Nampula trabalhar como pedreiro, quanto ele podia ganhar por mês, e ele respondeu 2000mts (USD33) no máximo.

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Porém, esse valor dificilmente era alcançado por mês devido a sucessivos cortes. Os cortes eram feitos em caso de ocorrência de chuvas que impedissem o trabalho. Neste sentido, por mais que os trabalhadores tivessem andado mais de 20km a pé para ir ao trabalho, não eram pagos. Os gerentes às vezes traziam sapatos ou matavam vacas para vender de forma compulsiva aos trabalhadores, para depois descontar dos seus já míseros salários. As ferramentas de trabalho que os trabalhadores usam são pessoais, a empresa disponibiliza apenas o fardamento. As habitações dos trabalhadores são precárias. Os trabalhadores, embora tenham intervalos para as refeições, estas não são disponibilizadas pela empresa. As refeições são trazidas pelas parceiras, que também têm que andar quilómetros a pé até à empresa, fragilizando mais ainda a produção familiar uma vez que a produção agrícola familiar é a principal fonte de renda. A nível de relacionamento com as comunidades, os mwenes afirmam que o gestor lhes falta com o respeito constantemente e quando se aproximam do gestor normalmente são atendidos em pé e não lhes são disponibilizadas cadeiras para se sentarem. Na nossa cultura essa é uma ofensa contra qualquer pessoa não importa a idade e origem. Se alguém


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visita essa pessoa é dada cadeira antes de ser atendida. Ademais, as comunidades sentem que a empresa criou um vácuo social com a comunidade e pouco impacto tem no melhoramento das condições destas. Ao ouvir essas constatações repugnantes, uma das questões que me surgiu à mente foi: já tentaram informar o governo? Um dos líderes da comunidade afirmou que quando foi ter com o gestor para amenizar essas situações, o mesmo disse-lhe que não vai mudar nada pois o empreendimento está ligado a uma das elites políticas em Moçambique. Essa ligação ao que parece serve de proteccão ou inoculação contra qualquer intervenção jurídica ou administrativa local, provincial ou nacional. O facto do distrito estar literalmente a mendigar por investimento e desenvolvimento piora a situação. Os trabalhadores já receberam visitas de oficiais públicos e do próprio Ministro de Agricultura e Segurança Alimentar, Jaime Pacheco, mas estes nunca se manifestavam por recear retaliações e perder empregos. Já houve casos em que os trabalhadores combinaram manifestar as suas inquietações em conjunto mas quando chegasse uma visita ou a empresa selecionava os que poderiam intervir ou os outros depois perdiam coragem. Os que ousaram se manifestar foram expulsas posteriormente. Quando fui ter uma entrevista com o gestor da empresa, que os locais chamam de Rangá e perguntei-lhe sobre a relação que existia entre a empresa e as comunidades este simplesmente disse não existe nenhuma relação entre a empresa e as comunidades, eles são trabalhadores e nós somos empregadores apenas. Esta afirmação diz tudo sobre a lógica do capitalismo e a vida das comunidades carecidas. Não existe de facto nenhuma tentativa da empresa em criar uma relação mais horizontal e benéfica para todas as partes envolvidas, em grande parte devido

a lógica capitalista de maximização de lucros e diminuição de despesas, embebida num contexto de carência, fragilidade do governo e elites económicas e politicas nacionais que permitem que seus concidadãos sejam tratados como escravos para os seus ganhos económicos. Todos os trabalhadores sazonais da empresa são camponeses, o que significa que enquanto estão a trabalhar ou têm que abrir mão das suas machambas ou pagar alguém para trabalhar nelas num contexto de emprego precário e desumano. Nestas condições abandonar o emprego significa abdicar de toda a fonte de renda que possa alimentar os trabalhadores e seus agregados familiares. Muitos trabalhadores que foram expulsos ou deixaram o emprego devido a essas condições tiveram que ir procurar emprego noutros lugares pois perderam uma campanha agrícola. Esta situação torna a ideia de Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar uma contradição, uma vez que este aposta em agricultura comercial virada para exportação que acaba absorvendo a terra, a água e os camponeses que deviam produzir para poder alimentar os seus agregados familiares, por conseguinte, criando uma situação de insegurança alimentar e enfraquecimento da vida comunitária em Lugela. Enquanto a solução para os membros da comunidade é mudar a gerência da empresa, eu pessoalmente acredito que enquanto o maior foco do governo for a agricultura de rendimento para exportação, o Ministério pouco faz pela segurança alimentar que faz parte do seu nome. Texto e Fotos de:

Anselmo Matusse PhD Candidate in Social Anthropology University of Cape Town, South Africa

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Por uma transição ecofeminista justa O mundo está a enfrentar muitas crises interligadas. Aquela de que mais ouvimos falar é a crise climática. A terra está com um nível de CO2 nunca visto em 3 milhões de anos e o nosso continente, África, terá de enfrentar as pesadas consequências desta crise. Ainda assim, enquanto lamentamos a crise climática, não devemos esquecer todas as outras crises que estamos a enfrentar. Estamos diante de uma crise energética – números de meados de 2017 mostram que mais de 60% da população de África não tinha acesso à eletricidade. Estamos diante de uma crise de biodiversidade, uma crise de desemprego, uma crise de desigualdade como o mundo nunca antes viu. Enquanto as elites empresariais rumavam a Davos para o Fórum Económico Mundial em Janeiro de 2018, a Oxfam divulgava um relatório afirmando que os 1% da população do planeta que são mais ricos, detêm 82% da riqueza do planeta. De março de 2016 a março de 2017, o número de bilionários aumentou em um a cada dois dias! A Oxfam relata ainda que, em quatro dias, um Director Executivo da indústria da moda ganha o mesmo dinheiro que uma operária têxtil de Bangladesh ganha em toda a sua vida. As mulheres ganham menos que os homens e ocupam os empregos mais mal pagos e mais inseguros. Se isto não é uma crise de proporções planetárias, o que será? Por que precisamos analisar as crises interligadas? Não podemos simplesmente lidar com a crise climática agora e depois lidar com as outras? A base da justiça climática é que devemos lidar com as crises interligadas de uma só vez, porque se tentarmos enfrentar somente a crise climática, apenas exacerbaremos as outras crises. A base da justiça climática é que, ao lidar com a crise climática, devemos também aliviar as outras crises. As mudanças climáticas são um sintoma mas também uma causa da disfunção do sistema. Então, precisamos de uma transição, mas essa transição tem de ser adequada, tem de ser justa. Precisamos de construir um mundo diferente. Como Arundhati Roy escreveu no seu livro “War Talk” há 15 anos atrás, “um outro mundo não é apenas possível, ela está a caminho. Num dia calmo, posso ouvi-la respirar.” Qual é o papel das mulheres neste sistema e na resistência? Por que se refere Roy a “outro mundo” no feminino? De forma idêntica, por que chamam os movimentos latinoamericanos a Terra de “madre tierra” (mãe Terra)? Esta noção é baseada no entendimento de que existe uma dependência entre os seres humanos e a natureza,e que devemos viver nesta terra em conjunção com a natureza e não contra a natureza. O ecofeminismo também afirma que o capitalismo explora as mulheres e a natureza, portanto, há que resistir a essas opressões simultaneamente. O capitalismo organiza o mundo na esfera pública e na esfera privada, com base na divisão sexual do trabalho. Os homens geralmente dominam a esfera pública, o mercado, onde o dinheiro é administrado e as decisões económicas são tomadas. Esta é também a esfera em que são tomadas todas as decisões que matam o planeta, como a exploração de combustíveis fósseis, a construção de barragens em rios, a modificação genética de colheitas, etc. As mulheres são frequentemente relegadas à esfera privada do lar, onde ocorre a reprodução do trabalho. Isso também inclui a maioria dos empregos precários e de baixa remuneração que as mulheres costumam ter. Em nossa opinião, a questão não é a divisão do trabalho em si, mas os diferentes valores atribuídos a diferentes tarefas. A esfera pública predominantemente dominada por homens é considerada importante,

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enquanto a esfera privada predominantemente dominada por mulheres é considerada inferior. Acredito que as formas exploradoras do capitalismo se baseiam na exploração do trabalho não remunerado das mulheres. O capitalismo precisa e usa o trabalho “gratuito” das mulheres para tratar dos trabalhadores quando chegam a casa da fábrica, para cuidar dos mineiros quando a doença pulmonar os coloca em seus leitos de morte, para – literalmente – dar à luz a próxima geração de trabalhadores para o capital explorar. Isso não significa que as mulheres não ocupem funções de exploração. Vemos algumas mulheres na esfera pública, muitas vezes tomando decisões que podem ser iguais ou piores para o planeta ou para as pessoas vulneráveis. Também vemos algumas mulheres a ser protegidas pelo patriarcado. É então que nos lembramos que o capitalismo não está apenas entrincheirado com o patriarcado, mas também está entrincheirado com o racismo, o classismo, o neocolonialismo, a economia extrativista dos combustíveis fósseis, etc. Precisamos de desmantelar todos esses sistemas opressores – não apenas um ou dois deles, mas todos eles – porque estes se reforçam mutuamente. Na forma como as nossas sociedades estão estruturadas atualmente, o reforço mútuo entre essas opressões é o que está a destruir o planeta e muitas das suas populações mais marginalizadas. Precisamos de entender o modo como as estruturas operam, não de exemplos individuais, porque estes se sustentam e se reforçam mutuamente. Portanto, as mulheres devem fazer parte da resistência a esse sistema que nos leva arrastados por estas crises interligadas. Devemos passar de um mundo de competição para um mundo de cooperação e de cuidar. O trabalho de cuidar não deve caber apenas às mulheres, deve ser um trabalho de todos. Precisamos de mudar a cultura e os valores deste sistema actual. Como declarado belamente por uma organização chamada Movement Generation na sua publicação sobre transição justa chamada “De Bancos e Tanques à Cooperação e ao Cuidar”: “em humilde cooperação com o resto do mundo vivo, temos de extrair concreto e construir solo; temos que desobstruir rios e tapar poços de petróleo como se as nossas vidas dependessem disso ”. Porque nossas vidas literalmente dependem disso. Este é um pequeno passo em direção ao que uma transição ecofeminista justa pode parecer.

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Notícias Internacionais Draft Zero do Tratado da ONU sobre Corporações Transnacionais e Direitos Humanos Já foi publicado o Draft Zero do Tratado da ONU sobre Corporações Transnacionais e Direitos Humanos, que será a base para as negociações que terão lugar em Outubro deste ano em Genebra. O documento pode ser consultado pelo link abaixo: https://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/WGTransCorp/Session3/DraftLBI.pdf

Governo Trump suspende normas ambientais impostas aos carros O governo de Donald Trump suspendeu nesta quinta-feira as normas de limite de poluição obrigatórias para os carros, uma decisão qualificada de “estúpida” pela Califórnia, estado pioneiro em veículos “limpos”, que prometeu se opor por todos os meios. As novas regras, menos exigentes, foram propostas em conjunto pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) e pela Agência de Segurança Rodoviária (NHTSA). Estas suspendem a ordem dada pelo governo Obama aos fabricantes de automóveis de construir mais veículos menos poluentes e mais eficientes no consumo de combustível, incluindo carros híbridos e elétricos. Denominadas “CAFE” (Corporate Average Fuel Economy), as normas vigentes até agora previam aumentos graduais da autonomia dos veículos até atingir um objetivo de 54,5 milhas por galão de gasolina (100 quilômetros por cada 4,32 litros) em 2025. Não foram estabelecidas por veículo, mas por linha de cada companhia fabricante. Para cada modelo que consome muito combustível, deveria-se fabricar também um modelo que consuma pouco ou nada (por exemplo, carros elétricos), e a média de consumo das linhas devia cumprir a norma agora suspensa. Os novos padrões limitam o objetivo a 37 milhas por galão a partir de 2021 e estão em linha com a vontade de Donald Trump de desmantelar a maior parte do “plano climático” estabelecido por seu antecessor. O presidente republicano também decidiu retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o Clima, alegando que este prejudica os interesses económicos do país. https://exame.abril.com.br/mundo/governo-trump-suspende-normas-ambientais-impostas-aos-carros/

Sacos de plástico que se desfazem em água? Já esteve mais longe de ser verdade Com uma ligeira alteração na fórmula do plástico, dois investigadores chilenos acreditam ter encontrado uma solução para reverter o consumo mundial de cinco mil milhões de sacos de plástico por ano. Não estranhes, por isso, se um dia destes vires um saco desfazer-se na água. Na tentativa de criar um detergente biodegradável, Roberto Astete e Cristian Olivares descobriram uma fórmula química à base de PVA (álcool polivinílico) que substitui os derivados de petróleo, responsáveis pela alta durabilidade dos plásticos. O resultado? Um saco de plástico não poluente, que se dissolve na água em pouco mais de cinco minutos. “A grande diferença entre o plástico tradicional e este é que o primeiro permanecerá no meio ambiente entre 150 e 500 anos e o nosso apenas cinco minutos. O utilizador decide quando o destrói”, afirmou Roberto Astete, de acordo com o The Santiago Times, em conferência de imprensa. Durante a conferência, os investigadores da SoluBag garantiram que a fórmula pode ser aplicada a “qualquer material plástico”, permitindo a produção de embalagens, pratos ou mesmo talheres. Em caso de chuva, os fabricantes conseguem programar a temperatura à qual o saco se dissolve em contacto com a água. Relativamente ao custo, os investigadores acreditam que a opção não será mais dispendiosa do que os sacos de plástico tradicionais, já que os primeiros podem ser produzidos nas mesmas empresas, alterando a fórmula. O saco hidrossolúvel deverá ser comercializado a partir de Outubro, no Chile, um dos primeiros países da América Latina a proibir o uso de sacos de plástico em estabelecimentos comerciais. Quanto tempo demorará até o resto do mundo adoptar a ideia? https://www.publico.pt/2018/08/02/p3/noticia/sacos-plasticos-1839891

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