Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007
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Mau Humor
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Um brinde ao relatório da Kroll –Saúde! – brindam os camaradas no seu luxuoso covil, por certo com uma daquelas garrafas de “scotch” que custam (pelo menos) 50 salários mínimos. Em sua defesa, nenhum deles sabe ao certo o preço da garrafa, pois quem banca a sua impressionante garrafeira, bem como quase tudo em seu redor, somos nós: 25 milhões de otários. Engana-se quem pensa que brindam de alívio, como quem contra todas as probabilidades acabou de conquistar um título por pontapés de grande penalidade depois de defender o jogo todo. Não é esse o caso. Brindam sim à golpada bem dada. Tranquilamente, com a serenidade de quem não perdeu sequer um minuto de sono preocupado com o resultado, brindam ao desfecho inevitável que nunca esteve em dúvida. Brindam à vitória combinada, ao jogo que já sabiam que seria ganho na secretaria. Acima de tudo, brindam ao corrupto reino de deboche, usurpação e impunidade que edificaram nos últimos quarenta e poucos anos. Acho que falo por muitos outros comunicadores quando confesso que nem me
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dei ao trabalho de ler o tal do relatório da Kroll na sua integridade. Aliás, admito mesmo que a meia dúzia de excertos do famigerado documento que acabei por ler foram-me impingidos pela redes sociais, e foram suficientes para confirmar o que, ao fim ao cabo, já todos sabíamos há muito: a corja tem o país na mão e enquanto estiver unida jamais saberemos quem fez o quê. A bem da verdade, podemos até nem saber exactamente quem são A, B ou C, mas estamos cansados de saber quem eram os responsáveis pelas pastas em questão, e esses indivíduos, ou “se encheram”, ou a troco de algo estão a encobrir quem “se encheu”. No entanto, morto, encerrado e pronto para ser enterrado, o assunto já é história. É que no país da marrabenta a Justiça não serve o povo. Ela não é cega, enxerga perfeitamente. De copo em riste, sentada à mesa do covil brinda de olho no olho com seus comparsas. Cumpre a sua parte. – Estamos de volta. – diz em tom jocoso o líder da alcateia. E um estarrecedor e depravado coro de gargalhadas rasga a sala. – Então vamos lá falar do gás! – replica um dos outros gordos esfregando as mãos. E assim, até que nos indignemos de verdade e resolvamos acabar com esta pouca vergonha de uma vez por todas, o país continuará nas mãos da máfia que o rege. Tristemente, se não for a tiro (e esperamos todos sinceramente que não seja) só uma profunda emancipação sociopolítica do cidadão nos poderá tirar das garras desta gentalha. Mas com os exemplos para a juventude que temos, com a comunicação social fantoche que temos, e com a educação que não temos, pode demorar ainda um bom bocado… À saída da reunião, já à porta do seu Mercedes-Benz novinho (pago por milhões de cidadãos moçambicanos que andam dezenas de quilómetros a pé todos os dias porque a nossa rede de transportes é uma merda), um dos lobos é interpelado por um jornalista e seu operador de câmara. – Trabalham para quem? – pergunta com altivez. O jornalista responde e ele pára aparentemente satisfeito. – Tens cinco minutos. – diz o bandido enquanto ajeita a gravata e o cabelo. Com a câmara a filmar, o jornalista pede-lhe que comente o recém divulgado relatório da Kroll e pergunta-lhe qual fora a ordem de trabalhos da reunião em que participara. – A divulgação do relatório da Kroll é prova cabal de que o governo está empenhado em apurar responsabilidades e estou certo que a PGR irá agir adequadamente mediante as informações que o documento revela. Quanto à agenda de hoje, estivemos a fazer um balanço do programa de combate à pobreza absoluta. – atira sorridente o hipócrita. Mais tarde, rir-se-á de suas palavras com o resto da gang, que certamente elogiará a sua cara de pau. A pior pobreza é a de espírito, e na cabeça oca dos nossos governantes, infelizmente ela não só abunda como impera.
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Impunidade Corporativa: Estratégias de Luta Parte I
2016 foi um ano importante na luta do nosso continente contra a impunidade corporativa: teve lugar a primeira sessão do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) da África Austral, na Suazilândia. Este Tribunal, fundado há mais de 30 anos na Itália, é um órgão independente que examina situações de violações sistémicas de direitos humanos – principalmente casos nos quais as legislações existentes (tanto nacionais como internacionais) não são capazes de salvaguardar os direitos das populações. Embora não tenha o poder de emitir uma sentença obrigatória para a empresa (que, aliás, é algo bastante primordial e para o qual estamos também a trabalhar – mas vamos falar disso mais para a frente), o TPP é, estrategicamente, muito importante: por um lado, permite que as vítimas sejam ouvidas e aconselhadas por um painel de peritos de diversas áreas e estabeleçam parcerias; por outro, é um momento de denúncia e visibilidade dos casos e, portanto, das empresas violadoras. E apesar de, no nosso país, esta impunidade criminosa ser muitas vezes vista como sinónimo da esperteza e do grau de influência dos perpetradores, no plano internacional as coisas não são bem assim. Ter o rótulo de violadora de direitos humanos é algo que preocupa bastante estas corporações, e portanto pode levar a uma mudança de atitude – não porque os seus princípios e valores éticos tenham toda essa importância, simplesmente porque uma má reputação afecta a única coisa que verdadeiramente importa às corporações: os seus lucros. No TPP do ano passado foram apresentados dez casos, nomeadamente da Suazilândia, Zimbabwe, África do Sul, Zâmbia e Moçambique, a maioria dos quais relacionados com a indústria extractiva. Do nosso país, levamos as companhias Jindal e Vale pelos sérios impactos que as suas actividades têm nas comunidades ao seu redor e pelo incumprimento das promessas feitas pelas companhias antes de se instalarem na região (chegando ao ponto de iniciar as actividades mineiras sem reassentar as populações que vivem dentro da área da concessão, conforme temos vindo a denunciar de diversas formas incluindo aqui). Um painel de Jurados ouviu atentamente as queixas das comunidades e a contextualização feita pelos peritos convidados, e depois divulgou as suas deliberações. Este ano, o processo repete-se: em Agosto, sete casos da região da África Austral
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serão apresentados pelas próprias comunidades afectadas e pelas organizações da sociedade civil que com elas trabalham. Desta vez, o tema geral dos casos é terra, alimento e agricultura. Além dos casos da Zâmbia, Malawi, Tanzânia, Madagáscar e Maurícias que denunciarão grandes corporações como a Parmalat e a Monsanto, esta sessão do TPP irá ouvir também a denúncia de dois casos Moçambicanos: a proposta barragem de Mphanda Nkuwa, no já estrangulado Rio Zambeze; e o ProSavana, o programa de parceria triangular dos governos de Moçambique, Brasil e Japão que visa desenvolver o agronegócio no Corredor de Nacala. Estes dois casos Moçambicanos têm a mesma particularidade: são projectos ainda não implementados. No entanto, e é isso que move a escolha de levarmos justamente estes dois casos para o TPP deste ano (porque, sejamos sinceros, o que não falta no nosso país são exemplos de violações de direitos humanos por parte de iniciativas privadas), nem por isso os seus impactos são menos significativos. Em Mphanda Nkuwa, por exemplo, as comunidades locais foram visitadas pela primeira vez no ano 2000 por representantes das empresas responsáveis pela construção da barragem e avisadas que não poderiam construir novas casas naquela região, porque não seriam indemnizadas por estas. Desde então que estas populações vivem em total incerteza e sem poder fazer qualquer plano de longo prazo, sob risco de perderem os seus bens quando iniciar a construção. O ProSavana, por outro lado, tem se caracterizado pelo secretismo, manipulação e deturpação de informações com o objectivo de promover uma falsa ideia de que o projecto promoverá o desenvolvimento agrícola da região norte do país, enquanto na verdade trata-se de uma iniciativa que vai servir para facilitar a usurpação de terras camponesas em grande escala. Este programa irá também destruir os meios de subsistência das populações locais e agravar a sua já precária situação de pobreza, havendo já relatos de manipulação e intimidação dos líderes de organizações locais de camponeses. A mobilização da sociedade civil (Moçambicana, Japonesa e Brasileira) na oposição ao ProSavana foi fundamental para forçar uma paralisação dos planos iniciais deste programa e adiar a conclusão do seu Plano Director. Levar estes dois casos para o TPP tem o objectivo, portanto, de reunir ainda mais elementos que ajudem a travar estes projectos. Espaços como o TPP são também cruciais para a percepção de tendências, identificação de modelos de desenvolvimento, e análise das práticas comuns das corporações transnacionais – bem como as suas estratégias de fuga de responsabilidade. Assim, transportando estas experiências para uma escala mais global, é fácil constatar que estas violações dos direitos humanos fundamentais não são perpetradas por uma ou outra corporação transnacional de forma isolada. Ou seja, não se trata de algumas maçãs podres num saco cheio de belas maçãs. Trata-se, sim, de um comportamento generalizado que é possibilitado por uma arquitectura da impunidade característica do nosso sistema capitalista extractivista de desenvolvimento. Esta arquitectura da impunidade faz com que os direitos corporativos estejam acima dos direitos humanos e faz brotar de todos os cantos exemplos que mostram que o crime corporativo é um negócio bastante lucrativo.
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Diversos elementos e actores constituem esta arquitectura da impunidade. Por um lado, temos o poder económico das corporações – com base no qual estas estabelecem as suas relações com outras corporações e com os Estados – e de instituições financeiras internacionais. O poder político, por seu turno, é o responsável pela captura de políticas e de políticos que deixam de regular em prol dos interesses colectivos da sociedade para servir interesses privados. A arquitectura do comércio, materializada pelos inúmeros acordos de comércio e investimento, facilita o lucro e permite que as corporações movam acções judiciais contra os governos caso estes tomem decisões que afectam os seus lucros antecipados. O poder legal é representado pela capacidade financeira de contratar e dispor de influentes advogados que defendam as corporações em processos intermináveis, bem como por instrumentos legais inadequados e insuficientes que regulem as suas acções. E, por fim, o poder social, que é exercido em todas as esferas das nossas vidas por meio da influência que as corporações têm nos meios de comunicação, espaços académicos, organizações da sociedade civil, entre outros. Foi com os objectivos de debater alguns destes elementos e desenvolver os casos a serem apresentados no TPP do próximo mês que realizámos, no âmbito da Campanha da África Austral para Desmantelar o Poder Corporativo, um Workshop sobre a Arquitectura da Impunidade. Uma vez que são as próprias comunidades afectadas que apresentam os casos ao painel de Jurados no TPP, estas puderam contar com o apoio de diversas pessoas de recurso para debater e aprofundar as especificidades das suas denúncias e identificar também as intersecções com os restantes casos. Mas a luta pelo fim da impunidade corporativa não é travada apenas no campo das sentenças de opinião, nem é o importante parecer de um painel de Jurados a nossa única arma para exigir um comportamento diferente das empresas transnacionais. Uma outra batalha têm sido travada no sentido de desenvolver um instrumento jurídico que tenha, finalmente, o poder de condenar e sancionar as corporações – uma vez que a ausência de tal instrumento é, actualmente, uma das maiores lacunas do direito internacional. Trata-se do Grupo de Trabalho Intergovernamental da ONU, criado em 2014 com o mandato de elaborar um tratado vinculante para empresas transnacionais em questões de direitos humanos, que se reunirá em Outubro deste ano para a sua terceira sessão. Neste momento, as corporações transnacionais têm apenas de seguir normas voluntárias e princípios orientadores que “aconselham” as melhores práticas em questões de direitos humanos. Não restam dúvidas que esta fé cega na boa vontade das corporações tem tido graves e irreparáveis consequências, tanto nas pessoas como no planeta. No artigo do próximo mês aprofundaremos melhor este assunto, entrando mais no debate da urgência de um mecanismo legal que seja acessível por qualquer comunidade afectada pelas operações de uma corporação transnacional. Para já, continuamos de olhos postos no TPP do próximo mês e com a certeza de que este será mais um importante momento de convergência de lutas por um mundo mais justo, mais saudável e mais orientado para o bem comum.
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Acordos celebrados entre Portucel e Comunidades locais denotam Usurpação de Terra A Portucel Moçambique foi constituída em Abril de 2009 e na sequência da aprovação do Projecto de Investimento pelo Conselho de Ministros (Autorização N° 249/2009), obteve o Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) para uma área de cerca de 356 mil hectares. Destes, cerca de 183 mil hectares situam-se na província de Manica, abrangendo os distritos de Bárue, Manica, Mossurize, Gondola e Sussundenga, e cerca de 173 mil hectares na província da Zambézia, abrangendo os distritos de Ile, Mulevala (então posto administrativo) e Namarrói. A área de DUAT da empresa na Província da Zambézia é povoada por cerca de 13 000 agregados familiares e na Província de Manica por cerca de 11 000 agregados familiares. O referido DUAT atribuído à Portucel tem significativo impacto sobre os direitos fundamentais e condições de vida das comunidades afectadas, e o teor integral do processo de emissão dos DUATs a favor da Portucel não é do domínio público. A população abrangida tem-se queixado de usurpação de suas terras por parte desta empresa. Dados indicam que a Portucel obteve o DUATs sobre as supra referidas terras por duas vias, designadamente: por autorização do Governo de Moçambique, e por meio de Acordos celebrados com as famílias abrangidas. “Acordo para uso e aproveitamento da terra – o chamado Acordo de família.” Nas áreas onde a Portucel obteve os DUATs em apreço, a agricultura é a principal actividade de subsistência e de geração de rendimento da população local envolvendo praticamente todos os agregados familiares. A Portucel Moçambique reconhece que firmou negociações para cedência das terras em causa directamente com as famílias legítimas titulares dos referidos DUATs. Essas negociações traduziram-se em Acordos entre as famílias abrangidas e a Portucel. No âmbito desses acordos, refere a Portucel que as famílias em causa não cederam todas as terras sobre as quais tem direitos, na medida em que cada família permaneceu com um mínimo de 2.9 hectares calculado na base das necessidades das mesmas. Para a Portucel Moçambique, os Acordos foram efectuados de boa fé e de livre vontade. A Portucel Moçambique tem registo de cerca de 1779 acordos efectuados na
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Província da Zambézia, e alega que nenhuma família foi coagida nem prejudicada nestes acordos. A forma pela qual a Portucel obteve os DUATs nas áreas onde pretende desenvolver o seu projecto florestal é deveras contestado tanto pelas famílias abrangidas como pelas organizações da sociedade civil, conforme seguidamente se explica. Termos dos Acordos celebrados entre a Portucel as famílias afectadas 2009 - A Portucel refere que obteve do Estado Moçambicano uma autorização de DUAT de cerca de 173 mil ha na Província da Zambézia, cujas áreas estão distribuídas em 22 parcelas de forma não contígua e abrangem dois Distritos (Namarrói e Ile), com a finalidade de estabelecer uma plantação florestal para a futura exploração industrial/ comercial nos termos da Autorização do Projecto de Investimento, aprovada pelo Conselho de Ministro da República de Moçambique, através da autorização 249/2009. 2010 - Nos mesmos Acordos, a Portucel reconhece que dentro das parcelas do DUAT que alega ser titular, existem famílias que utilizam parte da terra para a prática de agricultura de subsistência/rendimento e outras explorações. Importa notar que as referidas famílias são membros das comunidades que sempre foram titulares do DUAT sobre as terras em questão. - A Portucel reconhece categoricamente a necessidade de ter acesso efectivo à terra para o desenvolvimento do seu projecto florestal. 1. Nos Acordos, as famílias em causa assumem o compromisso de ceder determinados hectares de terra a favor da Portucel. E esta empresa, por sua vez, assume o compromisso de ajudar a comunidade e a família a melhorarem a sua qualidade de vida, mediante a aplicação de determinadas medidas com base no seu Programa de Desenvolvimento Social. 2. Mais ainda, a Portucel compromete-se a dar prioridade de emprego aos membros da família, sempre que houver a necessidade de contratação de pessoal para a realização de trabalhos relacionados com as suas operações florestais (preparação do terreno, plantação, rega, sacha, produção de plantas, etc) nas áreas ao redor desta localidade/povoação/povoado. 3. Nos termos do mesmo acordo, foi dado um prazo de 15 dias às famílias em questão para pedir a modificação ou revogação do Acordo, sem necessidade de apresentar qualquer fundamentação ou justificação para tal, e a empresa, por sua vez, comprometeu-se a rever o acordo ou revogá-lo em consonância com a vontade manifestada pela família. - Resulta dos Acordos em apreço que o não cumprimento do mesmo por uma das partes ou em caso de litígio deverão tais casos ser resolvidos pela via administrativa, isto é, o problema deve primeiramente ser apresentado às lideranças locais para que arbitrem uma solução. Não havendo entendimento, o problema é apresentado ao chefe da localidade, depois ao Chefe de Posto Administrativo e, por último, ao Administrador do Distrito. Caso persista o conflito, o Centro de Arbitragem e Mediação
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de Conflitos decidirá o caso, em última instância. - Os Acordos foram redigidos em língua Portuguesa, não havendo registo de nenhum documento de teor igual redigido em língua local e de percepção da família ou comunidade em causa e os Acordos foram testemunhados pelas autoridades tradicionais que também os assinaram nessa qualidade. Segundo os Acordos, cada uma das partes ficou com uma cópia. No entanto, uma terceira cópia ficou depositada no Posto Administrativo da respectiva jurisdição, para além da obrigação dos Acordos serem ractificados pela autoridade Tradicional de primeiro escalão, por um representante do Serviço Distrital de Actividades Económicas (SDAE) e pelo Chefe do Posto Administrativo. Breve reflexão sobre os referidos Acordos e legalidade dos DUATs da Portucel A maneira como a Portucel obteve os DUATs sobre as terras em apreço e conforme supra exposto levanta várias questões de índole jurídico-legal, se não vejamos: É estranho e juridicamente incoerente a empresa Portucel ter obtido DUAT através do governo de Moçambique para a implementação do seu projecto florestal, e sobre a mesma área celebrar Acordos com as famílias e comunidades para que estas cedam os seus DUATs a favor da Portucel. Importa lembrar que, para a celebração dos acordos, as famílias não beneficiaram de nenhum apoio ou orientação jurídica. Essas famílias ou comunidades são titulares do DUAT em causa, porque ocuparam e habitam essas terras há muitos anos e a lei os protege, conforme o disposto na alínea a) do artigo 12 da Lei nº 19/97, de 01 de Outubro – Lei de Terras, que determina que o DUAT é adquirido por ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais, segundo as normas e práticas costumeiras no que não contrariem a Constituição. Importa referir ainda que a falta de título não prejudica o DUAT das famílias em causa conforme dispõe o nº 2 do artigo 13 da Lei de Terras. Ademais, no processo de titularização do DUAT, o Estado reconhece os direitos adquiridos por herança ou ocupação, salvo reserva legal ou se a terra tiver sido legalmente atribuída a outra pessoa ou entidade. (Cfr. artigo 111 da Constituição da República). Se a Portucel obteve o DUAT em questão através de uma concessão Estadual ou autorização do pedido apresentado ao governo moçambicano, significa, em princípio, que foram observados todos os requisitos legais para o efeito de aquisição do DUAT por esta empresa. Trata-se pois, de aquisição do DUAT à luz da alínea c) do artigo 12 da Lei de Terras. A ser assim, não há razões, nem faz sentido, que a Portucel tenha celebrado Acordos para obtenção das terras em causa através de negócios obscuros junto às referidas família e comunidades. Este é, pois, um procedimento desnecessário e estranho à lei para a transmissão de DUAT. Atenção que esses acordos não se traduzem em nenhuma forma de transmissão do DUAT previsto no artigo 16 da Lei de Terras e nos artigos 15 e 16 do Decreto nº 66/98, de 08 de Dezembro que aprova o Regulamento da Lei de Terras. Na legislação sobre a terra em vigor em Moçambique não está prevista nenhuma forma de aquisição de direitos sobre a terra, em especial das comunidades, por via de Acordos com características dos celebrados entre a Portucel e as famílias e comunidades em apreço. Portanto, trata-se de um acordo nulo e de nenhum efeito.
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Ora, o DUAT adquire-se nos termos previstos no artigo 12 da Lei de Terras e os Acordos em análise não se enquadram nesta disposição legal. Considerando que as famílias e comunidades ainda residiam de forma legal nas terras em causa, significa que essas terras não estavam livres ou desocupadas para que prosseguisse um processo de titulação do DUAT a favor da Portucel, e significa ainda que a obtenção dos DUATs pela Portucel devia-se se enquadrar na questão da necessidade ou motivo de interesse público, com a devida compensação das comunidades afectadas para a efectiva conformidade com a lei. Não tendo sido observados estes requisitos, significa que os DUATs em causa a favor da Portucel são ilegais. É grave e estranho ainda o facto dos referidos acordos terem sido assinados por autoridades locais e com recurso a insígnias ou carimbos do Estado, o que leva a pensar que as autoridades públicas ajudaram no processo de usurpação de terras em questão. Ademais, os acordos apresentam prazos de 15 dias para modificação ou revogação dos mesmos, mas esse prazo e para esse efeito não tem suporte legal. Mais do que isso é que as famílias e comunidades, com todas as dificuldades que têm para perceber a língua, a natureza e o teor dos referidos acordos, não tiveram nenhum tipo de representação ou assistência jurídica, que lhes devia ser concedida pelo próprio Estado com vista a proteger e salvaguardar os seus direitos sobre a terra. Mais estranho ainda é que os critérios de compensação indicados nos Acordos pela cedência de significativos hectares de terra das comunidades não se mostram justos, claros, nem de harmonia com a legislação sobre a terra aplicável ao caso. Concluindo Os acordos celebrados entre a Portucel e as famílias ou comunidades serviram de um mecanismo ou artifício enganador para usurpar as terras das mesmas, uma vez que não existe nenhum fundamento legal que sirva como sustentabilidade desses acordos. Assim sendo, estes Acordos são nulos e de nenhum efeito por serem contrários à Constituição da República e à Lei de Terras. Em bom rigor, tais Acordos denotam um processo de cedência ilegal de terras pertencentes a comunidades, na medida em que os termos de concessão dessas terras que abrange as machambas das famílias afectadas não reflectem os termos estabelecidos na lei para o efeito. As promessas de compensação em benefício das comunidades afectadas feitas pela Portucel, ainda que injustas, nunca chegaram a materializar-se. A Portucel nunca cumpriu a sua promessa de melhorar as condições de vida das famílias afectadas. Nestes termos, sabendo que nos termos da Constituição da República o Ministério Público é o garante da legalidade, e o que o Provedor de Justiça é o órgão que tem como função a garantia dos direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da administração pública conforme plasmado no artigo 256 da Constituição e na Lei 7/2006, de 16 de Agosto, devem estas instituições de justiça, dentro das competências que lhes são conferidas por lei, investigar as ilegalidades, violações e injustiças no contexto da aquisição dos referidos DUATs pela Portucel, com vista a repor a legalidade e a justiça pelos direitos violados e ameaçados das Comunidades em causa. 10
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Notícias Internacionais
Especialistas da ONU pedem libertação imediata de ativistas presos na Turquia Grupo de especialistas independentes em direitos humanos das Nações Unidas pediu que governo turco liberte imediatamente nove ativistas e outros dois instrutores, interrogados por suposto envolvimento em um grupo terrorista. Dez dos detidos, incluindo a diretora da ONG Anistia Internacional na Turquia, Idil Eser, participavam de um workshop para defensores dos direitos humanos no início de julho quando foram presos. https://nacoesunidas.org/especialistas-da-onu-pedem-libertacao-imediata-de-ativistas-presos-na-turquia/
O sagrado rio Ganges está a morrer e a culpa é da poluição Para muitos crentes da religião Hindu, o rio Ganges, na Índia, é um local sagrado onde podem limpar o corpo e a alma de todos os pecados. No entanto aquele espaço “sagrado” tem vindo a morrer ao longo dos anos, a poluição e a expansão industrial são as principais suspeitas. Além do lado espiritual, o Ganges representa também o sustento de muitas famílias que, aproveitam a margem do rio para plantarem alimentos como o trigo e o arroz. A água é também usada para beber, cozinhar e para higiene pessoal. Em alguns pontos do Ganges, o nível de bactérias por cada 100 mililitros chega aos 31 milhões. Com este números pode concluir-se que a poluição representa assim um perigo para as milhares de pessoas que frequentam o Ganges e vivem “dele”. http://sicnoticias.sapo.pt/mundo/2017-07-10-O-sagrado-rio-Ganges-esta-a-morrer-e-a-culpa-e-da-poluicao
Hidrelétrica no Tapajós está cancelada
Decisão do Ibama de cancelar o processo de licenciamento inviabiliza a construção da usina
O Ibama cancelou o processo de licenciamento da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que estava prevista para ser construída no coração da Amazônia, no Pará. O ato é um reconhecimento da inviabilidade ambiental do empreendimento. Sem a licença ambiental é impossível realizar o leilão da usina. “Nós, Munduruku, estamos muito felizes com o cancelamento da usina. Isso é muito importante para o nosso povo. Agora vamos continuar lutando contra as outras usinas no nosso rio”, afirma Arnaldo Kabá Munduruku, cacique-geral do povo. http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Hidreletrica-no-Tapajos-esta-cancelada/
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