Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007
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Mau Humor
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É este o caminho? Reclamações, queixas e lamúrias das mais variadas têm sido o prato forte dos moçambicanos… Há, sem dúvida, razões de sobra para todas e muitas mais, pois nunca estivemos tão mal servidos, tão mal conduzidos e tão mal representados em tantos aspectos. No entanto, não deixa de ser preocupante que estas reclamações se façam maioritariamente como tema de conversas informais enquanto esperamos o próximo chapa ou estamos na bicha do pão um pouco por toda a parte, mas poucas são feitas de forma a contribuir para uma mudança, para melhorias. Em eventos públicos sobre temas de interesse público (revisão de políticas e leis nacionais, conflitos de terra, futuro da agricultura camponesa face a esta crescente gana por mega soluções, a dívida “ilegal”) verifica-se cada vez menos interesse e participação dos cidadãos. Ou seja, temos cada vez menos “cabeças” a debater e decidir sobre os mais variados temas que nos afectam a todos. Despretensiosamente, sem elaborar grande análise crítica sobre a questão e com base na mera observação enquanto participante, diria que integram estes encontros cada vez menos cidadãos e (em certa medida) organizações da sociedade civil, e cada vez mais plataformas e redes em sua substituição. E se, por um lado, é compreensível esse afastamento em função do sentimento de que de pouco serve a participação nesses eventos já com estratégias e políticas delineadas e prontas para consumir (e muitos deles realizados apenas para obter o “selo de participação pública”, para fazer de conta que existem processos democráticos no país e que os moçambicanos participam de facto nas discussões importantes sobre o futuro de Moçambique); por outro, este divórcio com estes processos, esta falta de interesse e esta falta de sentimento de dever, agravam as já tão gritantes situações que vivemos em Moçambique.
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Igualmente preocupante é esta silenciosa transferência de responsabilidades das organizações da sociedade civil e dos cidadãos para as plataformas e redes, que obviamente não nos representam a todos e em muitos casos excluem deliberadamente os mais “confusos”, os “radicais”, ou aqueles que simplesmente não aceitam processos fantoche. Para onde ruma este país? Inúmeros estudos e experiências, realizados um pouco por todo o mundo, demonstram que muitas das escolhas e apostas que Moçambique tem feito para assegurar desenvolvimento não são as mais viáveis. Por exemplo, apesar da agricultura camponesa ser, sem dúvida, mais social, ambiental e economicamente sustentável, a nossa aposta continua a recair no agronegócio e em todos os impactos negativos que este traz. Outro exemplo são os corredores de desenvolvimento, que como a própria denominação indica são meros corredores onde se produzem e extraem todo o tipo de comodidades e recursos, na sua maioria para exportação, alheios às necessidades internas, à soberania alimentar… É incompreensível que perante tantas evidências dos sérios impactos que muitas destas apostas trazem, o nosso governo continue a insistir que este é o caminho. A Jindal e a sua comunidade cercada é o caminho? A Vale e a eterna luta dos oleiros por justa compensação é o caminho? O cada vez maior número de hidroeléctricas projectadas para o Zambeze e Púnguè (em detrimento dum sistema energético descentralizado, assente em energias renováveis e que almeje soberania energética), é o caminho? O Prosavana e a imensa contestação dos seus supostos beneficiários, é o caminho? A ocupação de terra fértil, outrora destinada à produção de alimentos, por plantações de pinheiros e eucaliptos da Portucel e Green Resources (num país onde o número de analfabetos continua a crescer) é o caminho? Num país com um índice de desnutrição infantil tão elevado como o nosso, compensará de facto utilizar a nossa terra fértil para “plantar papel” e deixá-lo competir directamente com a nossa produção de alimentos em troca de alguns postos de trabalho? Estas e outras tantas escolhas, apesar de contestadas, avançam… Avançam enquanto protestamos em silêncio. Pois enquanto nos indignamos e nos recusamos a participar nessas tomadas de decisão (convictos de que não nos afectarão), elas vão sendo tomadas sem nós, supostamente por nós. Indiferentes, permitimos que, em nosso nome, escolhas lastimáveis e que comprometem o nosso futuro e o das gerações vindouras vão sendo feitas.
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O Sequestro da Energia Renovável Africana Há alguns anos, em Dezembro de 2015, durante as negociações das Nações Unidas sobre as alterações climáticas em Paris, 55 líderes africanos lançaram a Iniciativa Africana para as Energias Renováveis (AREI, na sua sigla em Inglês). A iniciativa prometia seguir uma abordagem centrada nas pessoas para o desenvolvimento de energia renovável e trabalhos de acesso à energia em todo o nosso continente. Falava sobre direitos e equidade, muito importantes para o nosso contexto e para a justiça. Falava sobre posse comunitária e sobre o poder distribuído entre o povo africano, em ambos os sentidos da palavra ‘poder’. Exigia novas e adicionais energias renováveis para o nosso povo – não a dupla contagem de fundos para outros projectos. Era uma iniciativa africana e liderada por africanos. O pessoal da JA! participou nas reuniões da AREI em Paris, em Dezembro de 2015, e em Marraquexe, em Novembro de 2016. A sociedade civil foi incluída no processo desde o início. Poderia isto tornar-se em algo que fosse motivo de orgulho para nós africanos? A AREI era uma abordagem única, num continente marcado pelo crescente desenvolvimento de energias sujas, – como o carvão, o petróleo, o gás e as grandes hidroeléctricas – onde é comum sacrificar o povo, matar a ecologia local, usurpar terras e destruir o clima, tudo ao mesmo tempo. A AREI colocou em vigor critérios fortes e importantes para evitar esses impactos terríveis e disse que os projectos não apoiariam combustíveis fósseis ou nucleares. A AREI realmente prometeu ser diferente. E esta promessa de seguir uma abordagem diferente, baseada nas pessoas, é realmente importante. Afasta-nos de uma abordagem de reparar o sistema, para uma abordagem de mudança de sistema, para mudar os princípios básicos que impulsionam como pensamos sobre a energia para as pessoas. Em Paris, os países desenvolvidos avançaram com US$10 bilhões em promessas
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para apoiar esta iniciativa. Mas esses países realmente deixariam esta iniciativa sobreviver? Ou o dinheiro falaria mais alto? A resposta assustadora veio um pouco mais de um ano depois, e no início de Março de 2017, a AREI já estava em perigo. O primeiro ataque veio da Comissão Europeia (CE) e do governo francês, que ajudou a nascer esta iniciativa nas negociações da ONU no seu país. Como foi o ataque? Eles apresentaram na reunião da directoria um plano para financiar 19 projectos de energia renovável com um investimento de estrondosos €4,8 bilhões. Mas quando algo parece bom demais para ser verdade, geralmente é porque assim é. O crédito de €4,8 bilhões é falso, eles estão a providenciar apenas €300 milhões e ainda esperam alavancar o resto. Não apenas isso, lembra-se do compromisso da AREI com projectos novos e adicionais com critérios fortes para prevenir injustiças ambientais? Bem, esses projectos propostos já existiam parcialmente, com todo o tipo de contagens duplas e contabilidades desonestas a ter lugar no financiamento. Alguns dos projectos – como é o caso de um projecto geotérmico na Etiópia – são de 2014, um ano antes da iniciativa da AREI ter sido finalizada. O pior de tudo é que esses projectos estão a ser explorados alheios a critérios e impactos. Os nossos colegas descobriram que pelo menos um desses projectos envolve interesses de combustíveis fósseis. Ouvimos também dizer que 14 desses projectos foram recentemente carimbados, embora 5 deles nem sequer tenham sido revistos por falta de tempo. Os princípios básicos da AREI foram os primeiros a ser atacados. Até a vaga noção de mudança de sistema é ameaçadora para o sistema. A sociedade civil africana começou a retaliar esta afronta. No início de Abril, a JA! juntou-se a mais de 180 organizações africanas que assinaram uma carta a exigir que este sequestro da AREI fosse revertido. Na semana passada, a 18 de Maio de 2017, nas negociações das Nações Unidas em Bona, 111 organizações internacionais fora de África publicaram uma carta de apoio às demandas africanas para que a CE e a França parassem o sequestro da energia renovável africana. A comunicação social deu considerável visibilidade ao assunto. A CE sabe que está a ser vigiada e agora está com o pé atrás. Os nossos colegas europeus foram convidados a uma reunião com eles em Bona na semana passada, onde descobriram que a CE está a tentar seriamente controlar os danos. Eles estão chocados com a repercussão na imprensa e estão a tratar do assunto como um escândalo. Mas eles ainda não estão a dizer como tencionam fazer as coisas de forma diferente. Esta reunião teve lugar a 16 de Maio de 2017. Algumas pessoas da sociedade civil mais “convencional” – aqueles que acreditam em “reparar o sistema” – já queriam parar a carta internacional, uma vez que a CE estava a dialogar connosco. Outros, disseram que não a parariam de jeito nenhum, que a CE e a França precisavam de ser expostas e certificaram-se que a carta foi divulgada dois dias depois, antes do fecho das negociações de Bona.
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Os Cães Ladram e a Caravana Passa Estamos quase a meio de 2017, e quando olhamos para os primeiros 5 meses do ano e tentamos decifrar mudanças, a única melhoria digna de menção que identificamos é a miraculosa cessação de hostilidades militares no país depois de dezenas de reuniões e conversações de paz ao longo de 2015 e 2016 que nunca resultaram em nada.
intuito de “varrer a porcaria para debaixo do tapete” e seguir caminho sem que se apurem e responsabilizem quaisquer culpados. Até quando vamos compactuar isto? – perguntamo-nos. Até quando vamos permitir que os nossos governantes nos lesem e nos roubem impune e descaradamente?
A verdade é que, apesar de aparentemente retomado o trânsito em segurança nas estradas que unem o país, impera um sentimento de paz fragilizada, uma sensação de que nada ficou resolvido, de que tudo foi adiado para “amanhã”. Assim, sem saber se nem quando a guerra pode voltar, vivemos todos debaixo de uma neblina de incertezas porque FRELIMO e RENAMO decidiram arrumar debaixo da mesa os seus diferendos.
E assim vai andando este “maravilhoso país à beira mar plantado” como dizia o outro… Um país cujo povo, infelizmente, continua faminto, pobre e desgraçado e cujas terras (muitas vezes seu único “ganha-pão”), por sua vez, continuam a ser usurpadas por grandes multinacionais estrangeiras com o conluio de um Estado refém de um sistema corrupto e imoral. O resultado desta autêntica palhaçada institucionalizada em que vivemos é uma sociedade onde a maioria sobrevive com muita dificuldade, a comer o pão que o diabo amassou; enquanto à custa do seu suor uma elite política corrupta até à medula arrota caviar e bebe Dom Pérignon em lençóis de seda de hotéis 5 estrelas.
Para além desta “ilusão de paz” em que vivemos, temos ainda em mão um outro assunto bem grave por resolver: a nossa maravilhosa dívida soberana. A gravidade do problema – minimizada a todo o custo pelos nossos governantes nos últimos 2 anos – e os seus contornos foram objecto de uma ora muito aguardada auditoria, cujo resultado está envolto num secretismo que fede.
A luta continua! – dizem às massas nos palcos onde vivem, cansados de saber que são eles o cancro que a perpetua.
Sucessivos adiamentos na sua divulgação e a já sabida omissão do nome dos responsáveis na versão que eventualmente será tornada pública pela PGR indiciam o
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Moçambique não é o país mais Amigo do Ambiente Quando no dia 26 de Abril a Lusa noticiou: “Moçambique é o país do mundo mais amigo do ambiente“, – notícia que foi logo amplamente difundida especialmente no mundo lusófono – o nosso queixo caiu. A meia dúzia de linhas de corpo de notícia que acompanharam o vistoso cabeçalho desse artigo da agência de notícias portuguesa citaram como fonte um ranking da Moneysupermarket.com – empresa que opera o portal britânico que lhe dá o nome, e cujo objecto é a indexação/revenda de serviços como seguros, empréstimos, cartões de crédito e outros, mas que a Lusa optou por chamar de “consultora britânica”.
Se nos pedissem para adivinhar qual o país no mundo que é mais amigo do ambiente de acordo com um qualquer estudo recente de uma qualquer organização competente, logicamente procuraríamos responder partindo do princípio que o país em questão seria aquele cujo esforço para respeitar o ambiente e fomentar boas práticas ambientais lhe valeria o título. Nesse prisma, que julgámos ser o único plausível para conferir tal rótulo, Moçambique não é certamente o melhor amigo do ambiente. Aliás, figurativamente falando, o Ambiente é o miúdo que toda a gente goza lá na escola. Na turma dele ele até tem alguns amigos, mas mesmo esses gozam com ele. Moçambique é de outra turma. Não é seu amigo. Só o conhece “de vista”. Mas analisemos mais cuidadosamente este lamentável episódio:
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Para começar, o título sensacionalista dado à notícia difere do seu conteúdo. O ranking da Moneysupermarket.com não é de quais os países que são mais amigos do ambiente, é de quais os países cujos cidadãos têm menos impacto sobre o ambiente, o que é significativamente diferente! Ainda assim, em nossa opinião, Moçambique encabeçar essa lista é anedótico, e só é possível fruto da utilização de critérios que talvez até se adequem para quantificar os impactos da acção humana sobre o ambiente nos países ditos desenvolvidos, mas claramente não servem a realidade africana. A parca informação disponibilizada pela Moneysupermarket. com em relação a metodologia, bem como a credibilidade de algumas fontes usadas para compilar o ranking são evidência do que argumentamos. Os critérios da Moneysupermarket.com O ranking foi calculado com base em 7 critérios: percentagem de Energia Verde em relação ao total de energia consumida; consumo energético per capita, emissões de CO2 per capita, tratamento de águas residuais, resíduos sólidos municipais (kg/ per capita/ por dia), poluição atmosférica e desflorestação. Energia verde O documento não determina o que é energia verde nem indica a fonte para os seus dados. Barragens são energia verde? Termoeléctricas também? Certo é que, de acordo com os dados do ranking, 99.87% da energia que consumimos é “verde”.
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Consumo energético Exemplo da disparidade do que explicámos há pouco: no primeiro mundo, um baixo consumo per capita indica um uso racional e bem sucedido do recurso, em Moçambique (e na maioria dos países ditos em via de desenvolvimento) esse baixo consumo é resultado de uma taxa de electrificação baixa. Não é eficiência. O problema é que o baixo consumo energético calculado é falso, porque outros recursos naturais são depredados para colmatar essa lacuna. Neste critério, mais uma vez, não é indicada qualquer fonte para os dados usados. Emissões de CO2 e Poluição Atmosférica Admitimos que – porque desprovido de uma indústria significativa – em comparação a outros, Moçambique não tenha uma pegada de carbono e poluição atmosférica elevadas (embora não possamos deixar de dizer que, porque não reguladas adequadamente, para as poucas indústrias que temos poluímos mais do que devíamos). Foram usados para o ranking dados da Agência Internacional de Energia. Tratamento de águas residuais e resíduos sólidos municipais Estes dois critérios não sei como terão sido incorporados no caso de Moçambique e outros países como o nosso. No caso dos resíduos sólidos, por exemplo, a quantidade de lixo produzida por cada cidadão é, nos países desenvolvidos, calculada com a ajuda de quem gere esses serviços. Alguém acredita que há como saber ao certo quanto lixo produzimos nós em Moçambique? E o modo como gerimos esse lixo? (Que é, por exemplo, bem diferente do modo como a Noruega e a Suécia o fazem) Não deveria ser igualmente indicativo do impacto que temos sobre o ambiente? Desflorestação Quanto à desflorestação, os dados usados estão claramente desfasados. Estudos mais recentes apontam para números bem diferentes e muito mais alarmantes. Resumidamente, a Moneysupermarket.com não é uma organização com know-how, competência e credibilidade para compilar este tipo de rankings. O ranking produzido é prova disso e é quase tão irresponsável quão a forma como a Agência Lusa (propositada ou inadvertidamente) fez dele notícia. Muito nos orgulharia se um dia, com mérito e justiça, encabeçássemos a lista de países com menos impacto sobre o meio ambiente, mas a verdade é que um qualquer ranking ou estudo elaborado de forma minimamente inteligente e criteriosa contrariaria taxativamente os resultados ridículos da moneysupermarket.com.
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Governo viola a Lei ao não penalizar as mineradoras VALE Moçambique e JINDAL pelo incumprimento dos seus Planos de Reassentamento Em Moçambique, o não cumprimento do Plano de Reassentamento aprovado constitui infracção administrativa, violação cuja consequência é a penalização traduzida em multa no valor igual a 10% do valor do projecto ou empreendimento, conforme resulta da disposição contida na alínea c) do nº 2 do artigo 25 do Decreto 31/2012, de 08 de Agosto que a prova o Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas. De acordo com o que dispõe o artigo 24 do Regulamento em referência, a entidade competente para fiscalizar o processo de reassentamento é a Inspecção do Ambiente, sem prejuízo das outras inspecções em função da matéria específica.
empresas serem anteriores à aprovação do Decreto 31/2012, de 08 de Agosto. Não cumprimento Reassentamento no Moçambique
do Plano de caso da Vale
Na sequência do contrato mineiro celebrado entre a Vale e o Governo de Moçambique a 26 de Junho de 2007, foi aprovado um plano de reassentamento da população afectada no Distrito de Moatize. No ano de 2009 deu-se início ao processo de reassentamento de cerca de 1365 famílias – 750 das quais se enquadraram na comunidade de Cateme, e as restantes na Unidade 6 do Bairro 25 de Setembro. A Justiça Ambiental, por meio do seu trabalho de investigação e monitoria, documentou evidências e recolheu testemunhos de como a população afectada não beneficiou das compensações na totalidade; de que as condições de habitação proporcionadas são impróprias à dignidade humana; de que as terras com que foram compensados são pedregosas e inadequadas à prática de agricultura, de que não foi desenvolvido qualquer sistema de regadio; e de que estas populações enfrentam hoje problemas sérios de acesso à água, transporte e fome aguda. Actualmente, existem inúmeras evidências e denúncias de vária ordem, incluindo relatórios, estudos, notas e comunicados de imprensa, processos judiciais, debates públicos e seminários da sociedade civil nacional e internacional, que demonstram várias violações dos direitos e liberdades fundamentais daquelas famílias afectadas
A Justiça Ambiental tem acompanhado e monitorado o processo de reassentamento das comunidades afectadas pela exploração do carvão mineral tanto pela empresa mineradora Vale Moçambique como pela mineradora JINDAL Mozambique Minerais Limitada (JINDAL), nos distritos de Moatize e Marara respectivamente. Neste contexto, a Justiça ambiental teve conhecimento de várias irregularidades e situações que revelam o não cumprimento do Plano de Reassentamento aprovado no contexto das actividades desenvolvidas pelas duas empresas em questão. O Governo de Moçambique defende nunca ter instaurado qualquer processo de penalização tanto à Vale Moçambique como à JINDAL pelo facto de, por um lado, o reassentamento ser um processo novo e de aprendizagem no país; e por outro lado, pelo facto dos processos de reassentamento destas
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pela Vale e reassentadas de forma injusta num processo que não teve desfecho nos termos da lei. Dos dois hectares a que tinham direito, as famílias reassentadas em Cateme apenas receberam um, tendo cada família, recebido um valor monetário de 119.000.00M (Cento e dezanove mil meticais), em substituição do segundo hectare de terra – não obstante haverem relatos de famílias que alegam não ter recebido esse valor. Segundo as comunidades afectadas, os critérios que determinaram tal substituição e a fixação do aludido valor não foram transparentes nem acordados com a comunidade, tratouse de uma espécie de imposição. O projecto de exploração de carvão mineral pela Vale afectou também um grupo de oleiros que foram reassentados em Cateme e no Bairro 25 de Setembro, em Moatize. Esses oleiros reclamam por compensações justas e por terem sido reassentados em condições deploráveis.
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Importa lembrar que – na sequência do não cumprimento do processo de reassentamento e, consequentemente, das constantes revoltas e reivindicações da população afectada face às precárias condições de vida a que foi submetida, bem como da violação dos seus direitos fundamentais – a Vale assinou, em Julho de 2012, um Memorando de Entendimento com o Governo da Província de Tete, para a reestruturação do reassentamento e materialização dos direitos reclamados pela população afectada. Todavia, até ao presente, esse memorando não resolveu o problema do reassentamento em questão. O processo de reassentamento da população afectada pelas actividades da Vale no Distrito de Moatize, embora iniciado antes da aprovação do Decreto 31/2012, de 08 de Agosto, não respeitou a Constituição da República e não observou os requisitos legais, nem a nível da legislação de minas, nem a nível da legislação sobre a terra e ambiente. Assim, resultou do processo
um reassentamento injusto, inacabado e altamente contestado, não só pela população afectada mas também pela sociedade civil, por académicos, etc. E porque houveram e continuam a haver processos de negociações e levantamentos de problemas com vista a solucionar este reassentamento, claro está que estamos perante um processo contemporâneo ao Decreto 31/2012, de 08 de Agosto.
a saúde e a vida das famílias afectadas. Ora, embora o plano de reassentamento em questão tenha sido aprovado antes da aprovação e entrada em vigor do Decreto 31/2012, de 08 de Agosto, é indubitável que o processo deste reassentamento é contemporâneo deste Decreto e uma vez que tal reassentamento não teve ainda lugar, é, no mínimo, falacioso considerar que o mesmo não é abrangido pelo Decreto em alusão.
Em Moçambique, o reassentamento das famílias afectadas pela actividade da Vale em Moatize, com destaque para a comunidade de Cateme, é o reflexo paradigmático de um reassentamento injusto resultante das actividades económicas e de exploração dos recursos naturais, que ficou marcado por ilegalidades e violações dos direitos fundamentais das famílias afectadas, sobretudo no que diz respeito aos direitos sobre a terra, a habitação condigna, segurança alimentar e fontes instáveis de sustentabilidade. Não cumprimento do Plano reassentamento no caso da JINDAL
Concluindo: Os casos supra apresentados, constituem casos flagrantes de não cumprimento do Plano de Reassentamento e, em virtude disso, violação da lei, neste caso, da alínea c) do nº 2 do artigo 25 do Decreto 31/2012, de 08 de Agosto. A posição do Governo de Moçambique de que os casos de reassentamentos da população afectada tanto pela vale Moçambique como pela JINDAL não deram lugar a nenhum processo de penalização traduzida em multa a estas empresas por se tratarem de processos de reassentamento anteriores à aprovação do Decreto 31/2012, de 08 de Agosto não deve proceder por falta de fundamento legal. Ademais, atendendo às regras da aplicação das leis no tempo, à luz do nº 2 do artigo 12 do Código Civil, é evidente que se está perante processos de reassentamento de cunho jurídico que se prolongam no tempo e que são abrangidos pela entrada em vigor do Decreto 31/2012, de 08 de Agosto, porque estes processos subsistem à vigência deste Decreto.
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O Governo de Moçambique celebrou um contrato mineiro com a empresa JINDAL, que está a explorar uma das maiores minas de carvão da Província de Tete, a céu aberto, localizada em Chirodzi, Distrito de Marara, na Província de Tete – concessão mineira nº 3605C, cuja área abrange as terras comunitárias de centenas de famílias. No âmbito do projecto de exploração mineira pela JINDAL foi aprovado um Plano de Reassentamento da População afectada. No entanto, o reassentamento das famílias afectadas pelo empreendimento ainda não foi realizado, ou seja, até ao presente, o plano de reassentamento ainda não foi cumprido, tanto é que as centenas de famílias afectadas estão a viver dentro da concessão mineira atribuída à JINDAL, enquanto esta empresa leva a cabo a sua actividade de exploração mineira num ambiente de poluição, que periga
Nestes termos, a Justiça Ambiental exige que o Governo de Moçambique cumpra com o estatuído na alínea c) do nº 2 do artigo 25 do Decreto 31/2012, de 08 de Agosto, penalizando as duas empresas em multa no valor igual a 10% do valor do projecto do empreendimento, por não cumprimento do plano de reassentamento, conforme supra demonstrado.
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Notícias Internacionais O Equador põe fim a acordos de investimento com 12 países. O Congresso do Equador controlado pela maioria presidencial, denunciou os acordos com a China, Chile, Venezuela, Holanda, Suíça, Canadá, Argentina, EUA, Espanha, Perú, Bolívia e Itália. Esses acordos que protegem os investidores estrangeiros foram declarados inconstitucionais pelo tribunal constitucional equatoriano. Quito considera que são atentados à soberania económica do país, pois permitem às grandes empresas recorrer a tribunais arbitrais internacionais contra os orçamentos do país. O presidente Rafael Correa, no poder desde 2007 e cujo mandato termina agora em Maio, ataca esses tribunais baseados nos EUA e Europa, defendendo a criação de uma arbitrariação sul-americana. No entanto, esses tratados bilaterais permanecem em vigor por um certo número de anos, 10 em certos casos, conforme os termos dos mesmos. O Equador já denunciou 18 acordos no passado, dos 30 que assinou. A presidente da Comissão de legislação internacional, Maria Augusta Calle, sublinhou que esses tratados de investimento já levaram a 30 litígios e a $12 biliões de indemnização…. O tribunal arbitral do Banco Mundial já condenou o Equador em 2015 a indemnizar em um bilião a companhia petrolífera americana Oxy, por ruptura antecipada de um contrato de exploração. Essa soma representa 3,3% do orçamento de estado de 2016. Luc Dau, CADTM International, L’Orient le Jour, 5/5/2017 http://www.bilaterals.org/?l-equateur-met-fin-a-des-accords-d&lang=en
Boas Notícias para a Grande Barreira de Coral O banco WESTPAC, anunciou que não vai financiar o projecto ADANI: a concessão mineira na Bacia Galilee, no norte de Queensland, o estado onde se encontra a Grande Barreira de Coral. O porto Abbot, de onde se pretendia que viessem a sair os navios para a Índia, está localizado aproximadamente no centro de Queensland, ou seja, o recife está tanto à frente como para sul e norte do porto. O carvão seria exportado para a Índia, visto que a empresa é indiana. De acordo com o discurso do Governo Australiano, o povo indiano precisa do carvão de qualidade que a Austrália possuí para mais gente ter energia. Leia mais sobre o assunto em: http://www.sbs.com.au/news/article/2017/04/28/ westpac-coal-refusals-blow-adani
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