Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007
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Mau Humor
“Pegada de Carbono”
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Tribunal Administrativo da Província de Tete Admite Violações dos Direitos das Comunidades JUSTIÇA AMBIENTAL, uma organização da sociedade civil moçambicana de defesa do ambiente, dos direitos sobre a terra e das comunidades locais, intentou acção judicial contra o Estado Moçambicano e a Empresa mineradora JINDAL Mozambique Minerals Limitada, em defesa dos direitos fundamentais das famílias camponesas de Cassoca, Luane, Cassica, Dzinda e Gulu, comunidades afectadas pelas actividades de exploração do carvão mineral no Distrito de Marara, Localidade de Chirodzi, na Província de Tete. Esse processo – Providência Cautelar de Intimação para o Comportamento, nº 39/2015/TAPT – foi submetido no Tribunal Administrativo da Província de Tete ao abrigo da Lei nº 7/2014, de 28 de Fevereiro, que regula os Procedimentos Atinentes ao Processo Administrativo Contencioso – LPPAC.
da lei. • Desde o início das actividades da JINDAL até ao presente famílias habitam na mesma área de concessão e exploração mineira supra, uma evidência de violação persistente dos direitos e liberdades fundamentais destas, o que integra a dignidade humana, direitos sobre a terra, habitação e o direito ao ambiente, pela poluição causada pela actividade da JINDAL na mina. Embora necessário e legal pelas circunstâncias existentes, o reassentamento destas famílias nunca foi levado a cabo; tampouco foi posta em prática publicamente outra forma de protecção dos direitos destas comunidades contra os impactos negativos nos seus direitos pela exploração da mina. • Sem a mínima atenção à dignidade humana, estas famílias camponesas vivem num espaço poluído devido à emissão significativa de fumos e poeiras nocivas ao ambiente e à saúde. • Algumas comunidades, como é o caso da comunidade de Chissica, vivem nas proximidades da mina em exploração. A JINDAL alega ter iniciado o processo de reassentamento destas famílias em Maio de 2010, muito antes da aprovação do Decreto 31/2012, de 8 de Agosto -Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas. • Não são publicamente conhecidas as evidências de todas as consultas públicas realizadas para efeitos do processo de reassentamento destas famílias, nos termos da lei. • No dia 02 de Junho de 2015 foi celebrado, com irregularidades, um Memorando de entendimento entre o Governo da Província de Tete, a Sociedade Civil, a Comunidade de Cassoca e a JINDAL. Nos termos
O que moveu a Justiça Ambiental ao tribunal? Esta organização levou a cabo uma actividade de pesquisa documental, trabalho de campo junto às comunidades e contactos com o Governo de Moçambique e a empresa JINDAL, tendo constatado o seguinte e que serviu de base para este processo jurisdicional: • O Governo de Moçambique celebrou um contrato mineiro com a empresa JINDAL, concessão mineira nº 3605, sobre uma área localizada em Chirodzi, Distrito de Marara na Província de Tete, cuja área abrange terras habitadas pelas famílias camponesas. • A área de exploração da mina foi cedida pelo Governo de Moçambique e a mina entrou em funcionamento sem esclarecimentos de ordem processual Estudo de Impacto Ambiental, nos termos
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deste Memorando, a Comunidade de Cassoca está proibida de se manifestar independentemente dos motivos. No mesmo contexto, a JINDAL assume o compromisso de pagar uma renda mensal de 2.000,00Mt (dois mil meticais) a cada família, por um reassentamento provisório, embora não se indiquem os critérios para o efeito, bem como em que consiste tal reassentamento provisório. A Justiça Ambiental contestou a legalidade deste Memorando à Procuradoria da República da Província de Tete, que em resposta reconheceu as ilegalidades e nulidades levantadas pela Justiça Ambiental. Ademais, esta procuradoria recomendou e em virtude das suas investigações e constatações intimou – através do Ofício nº 2000/PPT/SA/091/2015 – a empresa JINDAL a implementar o Plano de reassentamento em conformidade com a lei e a ter em conta as características ambientais que devem ser consideradas no local de reassentamento. • Para o reassentamento, foi identificada uma área fora da concessão mineira atribuída à JINDAL, localizada em Nhamatua, Distrito de Marara. No local, as obras de construção das casas para as famílias camponesas afectadas estão numa fase inicial. Tanto é, que em Fevereiro de 2016 estavam em processo de construção as primeiras 10 casas Tipo 3, com casa de banho exterior. Pretende-se construir um total de 289 casas. As infraestruturas necessárias para uma habitação condigna, desenvolvimento social, cultural e económico da comunidade ainda não são notórias. • A compensação às comunidades afectadas ainda não foi satisfeita e no âmbito do presente processo, foi realizada uma inspecção judicial no dia 05 de Fevereiro de 2016 às comunidades em causa, através do qual ficou claro e provado que as referidas comunidades vivem no mesmo espaço em que se está a operar a
mina de carvão mineral pela JINDAL. Governo desconsidera suas responsabilidades de garante dos direitos fundamentais A falta da atitude do Governo de Moçambique e da JINDAL para garantir e materializar a protecção dos direitos fundamentais, sobretudo, por via de um reassentamento justo, da efectivação do direito ao ambiente, à habitação condigna e direitos sobre a terra das famílias em questão, constituiu o fundamento legal para instauração do processo judicial em apreço por parte da Justiça Ambiental. Nos termos da Constituição da República, da Lei de Minas nº 20/2014, de 18 de Agosto, do Regulamento sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas, da Lei do Ambiente, da Lei de Terras e respectivo Regulamento, cabe ao Estado Moçambicano e à JINDAL criar condições para a materialização do reassentamento justo das famílias afectadas, e para que a actividade mineira seja levada a cabo sem violar os direitos e liberdades fundamentais. Tal não está a acontecer no caso vertente. É por isso que se está perante uma conduta lesiva dos direitos fundamentais em causa. Pretensão e pedido da Justiça Ambiental no processo em causa Nesta providência cautelar de intimação para o comportamento, a Justiça Ambiental pede ao Tribunal Administrativo da Província de Tete para, de forma urgente, intimar o Estado moçambicano – através do seu executivo – e a empresa JINDAL a adoptar determinado comportamento no sentido de garantir e efectivar os direitos sobre a terra, habitação condigna, direito ao ambiente e a compensação e correspondente reassentamento das comunidades em causa nos termos a
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legislação aplicável, com celeridade.
efectivação. Por fim, o Acórdão nega a existência de quaisquer violações de direitos fundamentais destas famílias.
Decisão do Tribunal Administrativo da Província de Tete
Resposta da Justiça Ambiental
O Tribunal Administrativo da Província de Tete proferiu o Acórdão nº 03/TAPT/2016; 29 de Fevereiro de 2016, que decide negar provimento e causa de pedir na acção da Justiça Ambiental. Resumidamente, alega este Tribunal que o Estado é parte ilegítima no processo porque o mesmo, ao celebrar o contrato mineiro com a JINDAL, transferiu da sua esfera jurídica o poder decisório, para além de direitos de fruição e os deveres inerentes para a esfera jurídica desta mineradora. Esta alegação é uma evidência de que o presente tribunal admite que o Estado não tem responsabilidades para com as famílias camponesas em causa no contexto do reassentamento pela actividade mineira em apreço. Além disso, alega o Acórdão que a Providência Cautelar de intimação para o comportamento deve ser proposta contra órgão administrativo, particulares ou concessionários que violem normas de direito administrativo ou direitos fundamentais ao abrigo do nº 1 do artigo 144 da LPPAC e que o Estado não é órgão administrativo, particular tampouco concessionário. No que diz respeito à JINDAL, resulta do Acórdão que esta empresa, embora parte legítima no processo em questão, está a levar a cabo o processo de reassentamento e de pagamento das compensações. Este Acórdão reconhece que as famílias camponesas em causa não foram reassentadas e vivem dentro da concessão mineira em que a JINDAL opera. No entanto, ao mesmo tempo, o Acórdão defende que a JINDAL está a levar a cabo o reassentamento e compensações das famílias afectadas, mas não demonstra quais os critérios e prazo para a sua
A Justiça Ambiental não concordando com a decisão proferida no Acórdão supra, por considerar infundada, contrária ao Direito e com significativas contradições, recorreu do mesmo para a Primeira Secção do Contencioso Tribunal Administrativo, em Maputo, no dia 16 de Março de 2016, O recurso –Nº25/2016/1ª – corre os seus trâmites legais, pelo que se aguarda uma decisão independente sobre o caso, em conformidade com a lei e a justiça. Conclusão Neste processo, o Estado Moçambicano goza de legitimidade passiva à luz da Constituição da República, conjugado com o disposto no nº 1 do artigo 144 da LPPAC, na medida em que é responsável pela protecção e garantia dos direitos e liberdades fundamentais e em nenhuma circunstância o Estado transfere estas responsabilidades para qualquer que seja a empresa ou entidade particular. Cabe ao Estado adoptar todas a medidas necessárias para garantir a efectivação dum reassentamento justo nos termos da lei e em tempo útil. O órgão administrativo de que se refere o nº 1 do artigo 144 da LPPAC constitui órgão do Estado. A actuação ou responsabilidades de um órgão do Estado é rigorosamente do Estado. Pelo que, a alegada ilegitimidade passiva do Estado no acórdão carece de fundamentos de Direito. Nos termos da Lei, a justa compensação e/ou reassentamento justo, por motivo de utilidade pública, conforme é o caso, deve ser feita em tempo útil e deve resultar na melhoria das condições de vida com a devido respeito pela dignidade humana.
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Sobre a Sociedade Civil e suas Plataformas e Redes
“Nos dias que correm, em Moçambique, existe uma tendência generalizada por parte das Organizações da Sociedade Civil (OSC) de unirem-se e criar diferentes fóruns, plataformas e redes. Isto porque ao nível local o entendimento comum é da existência de um potencial poder de grupo; agindo juntos a Sociedade Civil (SC)pode fazer com que a sua voz seja mais audível, mais crítica e ao mesmo tempo menos vulnerável às intimidações”. Kepa 2016 Segundo o estudo da Kepa, lançado e publicado em Fevereiro de 2016, em Moçambique, algumas das redes da SC estão institucionalizadas e são, ao menos em teoria, constituídas por um grande número de organizações, compostas por um Conselho de Administração e dirigidas por um Secretariado Executivo. Na prática, entretanto, o que acontece muitas vezes é que o secretariado destas organizações torna-se ao longo do tempo uma unidade autónoma que opera mais como uma organização individual independente do que como representante do grupo. Por outro lado, algumas redes/plataformas tem uma estrutura leve e pouco formal; elas podem ter um corpo coordenador, encontros regulares agendados, um plano de acção ou de actividades e um orçamento, mas essencialmente estas redes somente existem quando os seus membros estão juntos. Nenhum dos membros pode tomar uma decisão ou representar o grupo sem que tenha havido indicação para tal. De um modo geral, a organização em rede pressupõe uma série de princípios base: a troca e partilha de informações; o contributo para o aumento das capacidades dos seus membros; a criação de laços de solidariedade; a realização de acções conjuntas, etc. No entanto, o factor que mais determina a sua eficácia é o seu modelo de funcionamento. Este, deve ao mesmo tempo garantir a sua autonomia e a autonomia dos seus membros; baseando-se em princípios de horizontalidade, de descentralização, de empoderamento e de democracia.
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Entendemos que, para que os trabalhos em plataforma/ rede, logrem de facto os efeitos desejados, é fundamental que no seu âmago hajam objectivos comuns devidamente definidos, de maneira que cada membro possa efectivamente sentir-se parte do projecto e possa desse modo participar e contribuir de forma construtiva. Contudo, no contexto moçambicano, apesar de em algumas ocasiões dos trabalhos de advocacia em rede já terem surtido resultados bastante positivos e importantes que provavelmente não teriam sido alcançados se as organizações actuassem de forma individual, ainda existem muitos desafios e o funcionamento das plataformas ainda gera bastantes conflitos entre os membros. Conflitos estes causados essencialmente por opiniões divergentes e capacidades técnicas e financeiras diferentes entre organizações membro. Ou seja, ocasionalmente, algumas organizações tentam manipular as outras usando a sua robustez financeira como forma de intimidação, com vista a ganhar algum protagonismo dentro da mesma. A longo prazo, isto acaba “matando” essas plataformas e fragilizando não só a rede, mas toda a sociedade civil. Para mais num contexto como o nosso, onde vários intervenientes têm agendas obscuras, que servem o sistema e assim incapacitam e inviabilizam os trabalhos da sociedade civil. O relatório de um estudo feito pela Kepa, resultante de um exercício realizado em 2015 e que visava usar as experiências do passado para tornar as redes da SC mais eficazes, colaborativas e funcionando melhor no futuro, conclui que as organizações necessitam ter uma visão clara quando querem trabalhar em conjunto. Quando um grupo de organizações se junta em rede, deve existir um objectivo claro e ambicioso, algo que efectivamente requeira um esforço colectivo para alcançar. Mais, uma rede necessita de visão e objectivos, tanto a curto como a longo prazo. E ainda, uma rede deve sempre trazer um valor acrescentado para os seus membros. Ou seja, fortificar o conhecimento, a voz, a influência, e a visibilidade das organizações membro devia ser um princípio orientador de qualquer grupo, pois uma rede que acrescenta valor aos membros, automaticamente gera coesão interna e mantém os seus membros motivados a permanecerem no grupo. Segundo este estudo, as divergências dentro do grupo devem ser usadas para enriquecer o debate e aumentar o conhecimento. Diferenças de opinião devem ser toleradas desde que não entrem em contradição com o principal objectivo ou propósito da rede. Entretanto, acções conjuntas devem ser tomadas só quando há consenso no grupo. Se as opiniões são divergentes em relação aos valores ou o principal objectivo da rede então não existe nenhum ponto para continuarem juntos.
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A Vala dos Comuns Diz quem sabe do assunto que a proximidade entre o espaço residencial e a área de produção agrícola é uma das principais características das comunidades rurais moçambicanas. Como tal, a deslocação compulsiva de agregados familiares afecta lógica e significativamente o seu espaço produtivo e consequentemente ameaça a sua segurança alimentar. Há pouco mais de uma década os jazigos de carvão na Província de Tete, em Moçambique, tornaram-se alvo da cobiça de várias multinacionais do sector mineiro. Em troca de um alegado precioso contributo para o desenvolvimento do país, a exploração desses recursos foi-lhes entregue. Negligentemente, foi-lhes igualmente entregue o destino de inúmeras comunidades locais que – através da agricultura de subsistência, da pecuária, da olaria ou mesmo do garimpo informal, entre outros – viviam sobre esses jazigos há incontáveis gerações. A JA viajou este mês até Tete para ver como estão alguns dos muitos reassentados da Província. Com o apadrinhamento do governo moçambicano, em 2009 e 2010 cerca de 1500 famílias das comunidades que ocupavam as áreas hoje exploradas pelas mineradoras Vale e ICVL1 foram indecorosamente reassentadas em locais impróprios, onde a escassez de água, a pobreza do solo e/ou o isolamento do local por si só, colocaram a sua sobrevivência em risco de forma flagrante. Apesar das inúmeras denúncias, dos protestos e manifestações e de toda a controvérsia que nos anos subsequentes envolveu os reassentamentos de Cateme, 25 de Setembro e Mwaladzi2, em Agosto de 2013 a Jindal Steel e o
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governo de Moçambique fizeram o que muitos achavam impossível e “subiram a parada”. Na altura, inacreditavelmente, o então Presidente da República Armando Guebuza inaugurou pessoalmente mais uma mina gigante na Província: Chirodzi, uma mina de carvão a céu aberto em cuja área de concessão – à espera de ser reassentadas e sujeitas a condições extremamente insalubres – até hoje vivem centenas de pessoas. Os que tiveram a “sorte” de ser reassentados, hoje, quase sete anos depois, continuam à espera que as promessas de trabalho e de melhores condições de vida feitas pelas mineradoras (e previstas por Lei) se materializem. A maioria, reclama há anos que as suas zonas de origem reuniam muito melhores condições (nomeadamente aquelas oferecidas pela própria natureza, como por exemplo o acesso à água) do que as zonas onde foram colocados. A verdade, é que mineradoras e governo são directamente responsáveis pelas condições deploráveis em que estas pessoas hoje sobrevivem e que tivemos a tristeza de testemunhar. Sem água suficiente para viverem condignamente; sem acesso a uma rede de transporte público minimamente funcional (e como tal privados de aceder a hospitais, tribunais, escolas e fontes de rendimento fora das áreas de reassentamento); servidos por postos de saúde construídos “para Inglês ver”, que nunca têm medicamentos e onde ninguém quer sequer trabalhar, quanto mais ser atendido; estas gentes estão condenadas ao esquecimento. As entidades governamentais competentes, desavergonhadamente, não parecem estar interessadas em zelar pelo seu bem estar. Hipotecado por força das circunstâncias, o futuro das várias crianças desses novos aldeamentos parece hoje muito menos promissor do que antes da chegada dos grandes empreendimentos. Pelo menos então o ar era mais puro, a comida suficiente e a água abundante. Seguindo à risca o modos operandi da sua indústria, para limpar a sua imagem algumas mineradoras estabeleceram nos reassentamentos alguns projectos ditos “de geração de renda”. No entanto, estes padecem dos mesmos males que, à partida, minaram o sucesso dos reassentamentos: mais uma vez as comunidades não foram devidamente auscultadas e não houve transparência na selecção de beneficiários. Aliás, vários relatos que nos foram feitos recentemente denunciam o facto de serem mormente os líderes comunitários os principais beneficiários destes projectos. Algumas denúncias indicam mesmo que pessoas estranhas às comunidades reassentadas estarão a tirar proveito destes programas. Ilhados, apesar de estarem próximos de algumas das zonas “quentes” do actual conflito militar que aflige o país, estes Manyungués não parecem estar muito preocupados com a guerra. Pudera! Ao contrário dos corpos alegadamente encontrados há semanas na Gorongosa, estas gentes foram atiradas para a sua vala comum ainda vivas. E lá permanecem. 1 Mina inicialmente concessionada à Riversdale, vendida à Rio Tinto em 2011, que por sua vez a vendeu à ICVL em 2014. 2 Cateme e 25 de Setembro são dois reassentamentos feitos pela Vale, enquanto Mwaladzi foi feito pela Riversdale.
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Não Podemos Contar com o Acordo de Paris para Travar as Mudanças Climáticas Justiça Ambiental (Amigos da Terra Moçambique) Amigos da Terra Internacional 21 de Abril de 2016
No dia 22 de Abril, espera-se que os representantes de mais de 130 países compareçam à Cerimónia de Assinatura do Acordo de Paris na Sede das Nações Unidas, em Nova York. Aparentemente, Moçambique confirmou informalmente a sua participação na Cerimónia de Assinatura. A elite global está a celebrar este acontecimento, ao mesmo tempo que se congratula mutuamente. Mas o que isto realmente significa? Aquando da adopção do Acordo de Paris, a 12 de Dezembro de 2015, a Justiça Ambiental e a Amigos da Terra Internacional condenaram fortemente este acordo, considerando-o um acordo fraco que não conseguiu atingir a escala de acção necessária para prevenir perigosas mudanças climáticas. “Os cientistas afirmam que entrámos agora na ‘década zero’. As decisões tomadas nos próximos 10 anos – investimentos em mega infraestruturas poluentes, exploração de novas fontes de combustíveis fósseis, mobilização e distribuição de finanças públicas, a escala de redução das emissões adoptada – irão determinar se vamos ou não transpôr o limite de segurança de 1,5°C”, afirmou Sara Shaw, Coordenadora de Justiça Climática e Energia da Amigos da Terra Internacional. “No caso de Moçambique, se o governo continuar a levar adiante projectos de energias sujas como o carvão na Província de Tete, o gás natural na Bacia do Rovuma e a barragem de Mphanda Nkuwa, isto será completamente incompatível com a tentativa de travar as mudanças climáticas. Nós reconhecemos que Moçambique não tem qualquer responsabilidade histórica com a criação desta crise. Mas exigimos que o nosso governo pare já com as energias sujas e prejudiciais, pois devemos contribuir para a solução e não para o problema” declarou Daniel Ribeiro, Oficial de Programas da Justiça Ambiental. Nem o Acordo de Paris nem a sua assinatura formal esta semana protegerão o nosso planeta das devastações da catástrofe climática.
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Entretanto, estamos preocupados que a menção feita no Acordo de Paris de “neutralidade climática” vá encorajar o desenvolvimento de geoengenharia perigosa e não testada e a implementação de falsas soluções como mais mercados de carbono, a perigosa energia nuclear e uma usurpação global de terras para os agrocombustíveis. Este acordo não pode ser usado para continuar a bombar carbono para a atmosfera, enquanto se finge que é possível, por meio da tecnologia, sugar o carbono do ar. O que necessitamos para travar a crise climática é uma mudança do sistema, uma revolução energética e uma acção transformadora. Mais especificamente, se pretendemos impedir as perigosas mudanças climáticas: • Necessitamos de uma transformação energética global e justa, que inclua o cancelamento de projectos de energia suja, a resolução de questões relacionadas com o acesso à energia e uma mudança em direcção às energias renováveis comunitárias. É inconcebível esperarmos estar dentro do nosso orçamento de carbono sem passar por tal transformação energética. • Necessitamos de pôr um fim à era dos combustíveis fósseis nas próximas décadas. • Necessitamos de financiamento dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento, para ajudar-nos a abandonar as energias sujas. • Necessitamos que os países reduzam as suas emissões na fonte, e não se escondam por trás de mercados de carbono, REDD, e demais falsas soluções. Nos próximos 10 anos, à medida que acabam as nossas oportunidades para permanecermos abaixo do limite de segurança de 1,5°C, ajudaremos a criar um movimento dos povos que impulsione esta transformação. A simples assinatura do Acordo de Paris sem qualquer conteúdo de implementação ou ambição é irresponsavelmente insuficiente. Não podemos contar apenas com tal Acordo para atingir a justiça climática. PARA MAIS INFORMAÇÕES: • Daniel Ribeiro, Oficial de Programas , Justiça Ambiental (Amigos da Terra Moçambique) , +258 21496668 ou daniel.ja.mz@gmail.com • Sara Shaw, Coordenadora de Justiça Climática e Energia, Amigos da Terra Internacional, +44 7974008270 ou sara.shaw@foe.co.uk
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Notícias Internacionais
A Elevação do Nível do mar, provocou o desaparecimento de cinco ilhas inteiras no Pacífico: primeira evidência científica dos impactos da Mudanças Climáticas. Recentemente, pelo menos cinco ilhas de recifes nas Ilhas Salomão desapareceram completamente devido à subida do nível do mar e erosão costeira, e mais seis ilhas ficaram severamente erodidas. Estas ilhas, de um a cinco hectares, com uma densa vegetação tropical, existiam há pelo menos 300 anos. http://www.iflscience.com/environment/sea-level-rise-has-claimed-five-whole-islands-pacific-first-scientific-evidence
Precisa de trocar constantemente o seu celular? A pressão dos consumidores (ou as campanhas das corporações) a quererem trocar os seus celulares por modelos mais modernos pode estar a afetar o meio ambiente. As companhias só pensam no lucro e os anúncios fazem as pessoas quererem mais e mais… E mesmo a reciclagem de aparelhos antigos minimiza, mas não resolve o problema. Pare e pense antes de trocar o seu celular. Preciso mesmo dum celular novo? http://www.revistaecologica.com/voce-precisa-mesmo-de-um-smartphone-novo/
Pesquisa revelou um nível alto de mercúrio nos índios na área de Yanomami na Amazonia. Um estudo sobre contaminação por mercúrio em índios da Terra Indígena Yanomami, no Norte de Roraima, revelou altos niveis de mercúrio, principalmente em mulheres e crianças. Uma das razões é a presença de garimpeiros que usam o mercúrio para a extração do ouro. http://amazonia.org.br/2016/03/pesquisa-revela-nivel-alto-de-mercurio-em-indios-de-area-yanomami-em-rr/
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Sem título Quando éramos novos, minha irmã Moçambique e eu não tínhamos quereres. Fazíamos como mandavam nossos pais adoptivos. Por vezes, em confidência, sonhávamos o futuro. Não tínhamos quereres mas tínhamos sonhos. Ainda adolescente, Moçambique apaixonou-se pelas ideias revolucionárias de seus amigos artistas. Partilhou-as à mesa de jantar e foi dormir mais cedo. Então, o sonho virou querer e juntos fugimos de casa. Na casa de um amigo conhecemos Regime. Ela toda irreverência. Ele todo doutrina. Toda ela liberdade. Todo ele disciplina. Foi amor à primeira vista. Casaram em Junho. Os primeiros anos foram atribulados. Moçambique, mulher bonita e interessante, tinha vários pretendentes. Regime, possessivo, inseguro, não a deixava sair de casa. Cativa, aos poucos Moçambique foi perdendo fé nos poéticos e revolucionários princípios e ideais que outrora tão efusivamente celebrara com Regime. Agora via suas lacunas. Regime também, mas preferia viver em contra-senso. Tudo mudou quando Democracia nasceu. De olhos postos na criança, Regime voltou a deixar Moçambique respirar. Agora tudo girava à volta da menina. Como toda a criança, Democracia adoecia ocasionalmente e aprontava das suas frequentemente, mas cresceu sadia. Moçambique também cresceu. Agora trabalhava. Sentia-se útil e finalmente independente. Regime relaxara, tudo corria de feição. Mas nada dura para sempre. Democracia crescera rápido demais. Tornara-se uma mulherzinha e já olhava para os rapazes. Já não era a menina do papá. Assustado, Regime fez o que sabia: “Escola casa, casa escola” – ditou. A mãe fingiu que não percebeu. Mas não se pode tapar o sol com a peneira, e algures entre a porta de casa e o portão da escola, Democracia conheceu Inconformismo. Regime trancou-a em casa e Moçambique, ainda que em pezinhos de lã, tentou defender a filha. De nada serviu. Como em tempos fizéramos eu e sua mãe, Democracia fugiu de casa. Perdido, hoje Regime desconta suas frustrações em Moçambique. Violência. Opressão. Sufoco sem fim. Nem em casa de nossos pais era assim. Sem força e sem esperança, Moçambique esmorece dia após dia. Triste, sabe que enquanto Regime for vivo Democracia não volta.
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