Conselho Editorial Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna, Samuel Mondlane e Vanessa Cabanelas Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007
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Mau Humor
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Socorro! Estão a invadir o nosso espaço!
Sou uma pessoa que anda muito a pé, até porque não tenho carta de condução nem carro e isso sinceramente nunca me incomodou muito. Andei e ando sempre pelas ruas da cidade de Maputo com prazer, mas ultimamente tem sido um verdadeiro suplício caminhar nesta cidade. Os passeios, que foram construídos para nós peões foram invadidos por carros. Já
não bastava o perigo dos grandes buracos deixados por todo o lado pelas tampas de ferro das condutas que são roubadas, agora também os carros invadiram o nosso espaço... e só está a piorar dia após dia. Muitas vezes torna-se impossível e não há espaço entre carros e não há também espaço nenhum de passeio para caminhar e lá temos
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nós de sair do passeio (porque o dono do sr. Carro não pensou que há gente que anda a pé) e caminhar no meio da rua com o perigo que disso poderá resultar, geralmente cheios de medo que um carro venha contra nós. Pergunto ao município da cidade de Maputo, se isto é justo? Ter passeios para serem ocupados por carros a ponto de prejudicar o peão que afinal só tem unicamente o passeio por onde poderá caminhar? Pergunto também aos donos destes carros se alguma vez pensaram em deixar um pouco mais de espaço nos passeios para os peões poderem andar? Como cidadã, como peão, deparo-me com esta situação todos os dias, revolta-me! Mas também me questiono como pode o município continuar a permitir que se ergam por toda a cidade como cogumelos prédios enormes sem a devida atenção aos parques de estacionamento. Questiono-me ainda para que serve então a policia municipal, será apenas para extorquir os chapeiros? Fora esta situação caótica e de todos os inconvenientes causados, pergunto também a quem de direito como poderão andar na cidade as mães que tem os seus filhos em carrinhos, as crianças que se expõem ao perigo caminhando pelas ruas por falta de passeios disponíveis, os velhos que já não tem a elasticidade nas pernas para se desviarem rápido dos carros... enquanto os Srs. Carros, donos de todo o pedaço, ocupam passeios e passeios por toda a cidade de Maputo! Esta falta de civismo ainda vai mais além, pois existem outros também que não ficam satisfeitos em ocupar somente os passeios mas também vão ao ponto de quase invadir as portas das nossas casas dificultando a entrada nas nossas próprias casas... Com que direito fazem isso? Com a maior impunidade deste mundo, sem nunca serem multados, nunca bloqueiam esses carros ou os levam a reboque... e nós temos que aturar tudo isto? Por isso termino com um grito: SOCORRO estão a invadir o nosso espaço!
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A contínua falta de uma ampla participação dos cidadãos na feitura das Leis em Moçambique preocupa a Sociedade Civil
O Governo moçambicano, pela mão do Ministério de Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER), está a proceder à reforma legal do Decreto 45/2004, de 29 de Setembro que aprova o Regulamento sobre o Processo de Avaliação do Impacto Ambiental. O objectivo é torná-la mais actual de modo a que possa responder adequadamente aos novos desafios que as questões de ambiente, direitos humanos e que a evolução constitucional hoje colocam. No entanto, preocupa a Justiça Ambiental que a apresentação pública da proposta do novo Regulamento que pretende revogar o Decreto 45/2004, de 29 de Setembro e o decreto nº 42/2008 de 4 de Novembro tenha sido feita apenas no dia 3 de Setembro, com o prazo de apenas até dia 7 do mesmo mês para apresentação de contribuições à entidade competente. Face a esta situação, a Justiça Ambiental escreveu, no dia 8 de Setembro, uma carta para Sua Excelência o Ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, a requerer que este se dignasse a ordenar a dilatação do prazo para
apresentação de contribuições sobre a proposta em assunto para pelo menos 15 dias, uma vez que o prazo estipulado para a apresentação destas resulta deveras insignificante para a análise de um documento de extrema complexidade e importância, que além de ser um documento legal extenso, impacta sobre os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e exige certa perícia e determinados cuidados de interpretação sistemática, actual, histórica e das circunstâncias que a mesma impõe de modo a que a produção de contribuições seja eficaz. Ora, este exercício exige tempo de 30 dias, conforme a Lei 14/2011 de 10 de Agosto no seu Artigo 116, espaço de tempo razoável e em respeito ao trabalho dos dias úteis. Passado quase um mês sem resposta alguma por parte do MITADER, a Justiça Ambiental enviou no dia 2 de Outubro mais uma carta dirigida ao Sr. Ministro, que manifestou no passado recente estar aberto à colaboração e a uma maior participação da sociedade civil. Todavia, no caso em apreço, até ao momento tal abertura e participação não se verificam. 04
Os Impactos das Plantações Florestais em Moçambique já se fazem sentir Parece redundante estarmos insistentemente a falar sobre os impactos das indústrias florestais em Moçambique, sobretudo na região centro e norte, onde nos últimos anos as plantações florestais têm avançado a um ritmo assustador, ocupando grandes extensões de terra de vital importância para a subsistência das comunidades locais e não só, mas a verdade é que ainda que sejam ignoradas, pouco a pouco, já se fazem sentir as implicações sociais e biofísicas do estabelecimento de plantações florestais no território moçambicano. É cada vez mais evidente que no nosso país – a par da prática da agricultura itinerante, da produção de carvão vegetal e da insustentável exploração de recursos florestais pela indústria madeireira, entre outros – o crescimento exponencial 05
das plantações florestais de pinho e eucalipto têm contribuído para o aumento da taxa de desmatamento, fruto das extensões de terras contínuas que são disponibilizadas pelo governo para o exercício desta actividade. O desmatamento é uma prática que contribui significativamente para a fragmentação e perda de habitats, que por sua vez é considerada uma das principais causas da perda da diversidade biológica. Adicionalmente, o desmatamento além de reduzir as alternativas de sobrevivência das comunidades locais, torna o ecossistema vulnerável a eventos naturais, reduzindo desse modo a sua resiliência e capacidade de adaptação às mudanças climáticas. Ao olharmos para o conceito de desmatamento florestal, constatámos que este faz menção à conversão de
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florestas nativas em outros tipos de usos de terra (neste caso, conversão para plantações de monocultura). Na maioria dos casos verificados um pouco por todo país, as plantações comerciais são estabelecidas em substituição de florestas nativas ou de área agrícolas pertencentes a comunidades locais, e não é comum a prática de ocupação de terras marginais (terras degradadas e improdutivas), como tem sido habitualmente argumentado pelos investidores da área e pelo governo. Aliás, mais do que ninguém, estas empresas necessitam de terras aráveis para o aumento da sua produção e para garantir maior produtividade com custos de produção mínimos, como tal, a localização nas proximidades de fontes de água como rios e riachos é uma condição necessária para as suas actividades de manuseamento. Em Niassa, por exemplo, na comunidade de Micoco, em Malica, localizada no distrito de Sanga, o crescimento das árvores das plantações da então Chikweti Forest (hoje Green Resources), já começa a gerar queixas. Para além da escassez de lenha para cozinhar e para se aquecerem, a comunidade reclama também a falta de estacas para construção das suas casas e relata a redução do caudal dos rios e riachos e baixa abundância de peixes também já se fazem sentir – embora este fenómeno esteja a acontecer um pouco por todo o planeta. As empresas florestais proíbem as comunidades locais de aceder a aquelas que são supostamente as suas áreas para adquirir estes produtos, e estas são, consequentemente, forçadas a percorrer grandes distâncias para os poderem encontrar. Ainda em Niassa, o exacto oposto pode constatar-se na comunidade de Bagarila, na localidade de Nsauca, também no distrito de Sanga, onde por força dos seus líderes comunitários, as comunidades resistiram e rejeitaram partilhar as suas terras com a empresa, e hoje, satisfeitos, não têm os problemas de que as outras comunidades se queixam. As suas machambas continuam nas proximidades das suas casas e a lenha continua abundante, a ponto de membros de outras comunidades migrarem para as suas áreas. No distrito de Ribaue, mais concretamente em Miparara, posto administrativo de Namigonha, a população local, incluindo líderes comunitários e ex-trabalhadores da empresa Lurio Green Resources, queixam-se de indemnizações injustas da empresa pela tomada de posse das suas machambas para plantio de eucalipto, e da interrupção de trabalho de cerca de 50 trabalhadores, sem justa causa, após uma manifestação dos ex-proprietários das machambas. Aquela população reclama também o cumprimento das promessas feitas durante as consultas públicas, nomeadamente a construção de pontes, de furos de água, o melhoramento das vias de acesso, a construção de uma escola e de um hospital. Segundo aquela comunidade, das duas fontes de água prometidas em 2009 aquando da chegada da empresa, apenas uma foi construída. 06
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Outro fenómeno que também se tem verificado é o estabelecimento de plantações “cercando famílias”, que algumas empresas como a Portucel Moçambique denominam de sistema de mosaico de plantações. Este sistema para além de invadir os campos agrícolas das comunidades locais, dificulta e limita o alargamento ou extensão dos povoados devido às árvores que circundam a área. Exemplos deste sistema podem ser encontrados tanto nas províncias de Zambézia e Nampula, como também em Niassa, mais concretamente nos povoados de Naume em Mugulama e Socone Sede, distrito de Ile; Regulo Nicala em Namina e Miparara em Namigonha, distritos de Mecuburi e Ribaue respectivamente; Maniamba Sede, distrito de Lago. “Entreguei minha machamba de 2.5 ha à Portucel e me deram emprego na minha própria machamba para fazer trabalhos de derruba até o plantio durante 5 meses a receber 2500 MT. A machamba entreguei por minha livre vontade porque me prometeram emprego para muitos anos, mas não tenho contrato só assinei uns papeís que estão com eles. Hoje estou arrependido por entregar minha machamba porque aquele dinheiro não serviu de nada e as pessoas que põem nome para trabalhar tem que pagar um valor às pessoas que contratam se não o nome não sai.” – Contou-nos um camponês, membro de uma das comunidades de Socone Sede. A nosso ver, esta é uma estratégia cuja finalidade é lentamente ir “empurrando” as famílias para áreas menos acessíveis, usando os impactos das árvores de rápido crescimento, que quando adultas dificultam a entrada do sol para os campos agrícolas, tornando-os menos produtivos e consequentemente expondo as famílias susceptíveis à insegurança alimentar e fome. Além disto, algumas espécies de eucalipto são consideradas invasivas, e, pela acção do vento, das chuvas ou mesmo de pequenos animais, podem facilmente propagar-se pelos campos agrícolas adjacentes, concorrendo com as culturas alimentares para aquisição de nutrientes do solo. Adicionalmente, os eucaliptos são conhecidos pelo seu efeito alelopático, ou seja, libertam substâncias tóxicas que impedem que outras espécies vegetais compitam com eles por nutrientes e sol. Estes aspectos aqui abordados são claramente demonstrativas dos impactos das plantações florestais junto às áreas das comunidades. Apesar de tudo isto, a situação continua a ser ignorada, como se estes problemas fossem de outros e não nossos. Por via desta, apelamos a quem de direito para que tome providências urgentes de forma a garantir uma vida condigna às comunidades rurais, e não só; de forma também a evitar a contaminação genética da biodiversidade do país e a proliferação de pragas e doenças de diversas espécies vegetais, para além do empobrecimento dos solos para a prática da agricultura. 07
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Um Olhar Crítico sobre a aplicabilidade do Regulamento sobre a Gestão e Controlo do Saco de Plástico
I.
Mais um reforço legal de protecção ambiental?
Em Moçambique, a protecção do ambiente tornou-se, nos últimos anos, uma das principais matérias de acesos debates públicos e aparentemente colocado como prioridade na agenda pública de governação. Recentemente, a par da criminalização no novo Código penal de determinadas condutas contrárias à protecção ambiental e demais criação e introdução de normas no âmbito da protecção ambiental, o governo aprovou o Regulamento sobre a Gestão e Controlo do Saco de Plástico que entrou em vigor em Agosto do ano corrente e tem por objecto estabelecer normas e procedimentos sobre a gestão e controlo do saco de plástico, no que respeita a sua produção, importação, comercialização e uso, com vista a reduzir os impactos negativos na saúde humana e no ambiente em geral. Este Regulamento aplica-se a todas as pessoas ou entidades, envolvidas na produção, importação, comercialização e uso do saco de plástico no território nacional. Trata-se, pois, de um Regulamento que levanta enormes expectativas sobre maior protecção do meio ambiente ao mesmo tempo que traz desafios de fiscalização séria, profunda e activa da actividade comercial em protecção do ambiente e saúde pública, bem como da sua efectivação tendo em conta as barreiras práticas de falta de cultura de respeito pela legislação ambiental que caracterizam a actividade comercial no País, sobretudo no sector informal. Importa notar que este Regulamento traz consigo algumas proibições essenciais, quais sejam: a. A produção, comercialização a retalho ou a grosso de saco de plástico cuja espessura seja inferior a 30 micrómetros; b. A distribuição gratuita do saco de plástico em todos os locais onde se exerce a actividade comercial; c. A comercialização ou distribuição do saco de plástico que contenham acima de 40% de material reciclado em estabelecimentos que comercializem 08
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produtos alimentares. Nos termos do artigo 7 deste Regulamento, as transgressões às proibições supracitadas estão sujeitas a penas de multas dependendo do tipo de infracção cometida. Ora, resulta do Regulamento em apreço que quem violar a proibição referente à distribuição gratuita do saco de plástico em todos os locais onde se exerce a actividade comercial incorre a uma pena de multa correspondente ao valor de 25 salários mínimos. O presente artigo concentra a sua reflexão na questão da distribuição gratuita do saco de plástico e na aplicabilidade do regulamento em apreço, sobretudo no mercado informal. II.
Desafios de aplicação do Regulamento nos mercados informais
Os locais de exercício de actividade comercial, incluem o sector informal, os chamados mercados informais – dumba-nengues e vendedores ambulantes – que muito distribuem gratuitamente o saco de plástico à medida que realizam as suas vendas. Aliás, é bem sabido pela sociedade – vendedores e compradores – que sobretudo no campo de comercialização de produtos alimentares, a prática da distribuição gratuita do saco de plástico é antiga, altamente consolidada e fonte de angariação de clientela. Até ao presente, desde que o regulamento em causa entrou em vigor, não foram dadas a conhecer ao público quaisquer evidências de redução ou quaisquer actos concretos de controlo da prática de distribuição gratuita do saco de plástico, pelo menos nos mercados informais. Aliás, não há sinais nenhuns da presença de fiscalização de quem de direito nos locais de exercício de actividade comercial para fazer valer as proibições resultantes do Regulamento. Este Regulamento, ainda que cheio de boa intenção, aparentemente bem estruturado e ousado em termos de protecção do ambiente e da saúde pública, pelo menos na sua perspectiva teórica, não parece ser, do ponto de vista funcional, realístico e exequível à luz da prática comercial no sector informal enquanto não for acompanhado de estratégias claras e bem definidas com vista a garantir a efectivação das suas proibições no plano prático, sob pena de se tornar mais uma “Lei Morta.” Afinal, quem neste momento está a controlar, na prática, se a distribuição 09
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gratuita do saco de plástico ocorre em conformidade com este regulamento no mercado informal? E quem no mercado informal já foi multado pela distribuição gratuita do saco de plástico? Ademais, parece não resultar claro sobre como e para quem devem ser feitas as denúncias de violação da proibição em causa. Mais do que isso, não se sabe que estruturas de serviços funcionais foram criadas e alocadas ou montadas nos locais de actividade comercial para efectivar as proibições constantes deste regulamento. Se até ao presente ninguém foi multado pela distribuição gratuita do saco de plástico nos locais de actividade comercial, duas ilações podem ser tiradas: a primeira é a de que os comerciantes estão a cumprir escrupulosamente o regulamento não havendo por isso lugar a penalizações de multa, o que é muito duvidoso atendendo que tal prática é corrente e bem enraizada; e a segunda é a de que quem de direito não está a fiscalizar esta prática para fazer cumprir o Regulamento, o que é o mais provável. Sendo assim, a questão que se coloca é sobre que medidas foram adoptadas e estão a ser postas em prática para a efectivação deste Regulamento com vista a satisfazer o seu fim último que é a protecção do ambiente e da saúde pública nos termos neste definidos. Considerando que este Regulamento é importante para a protecção do meio ambiente e sabendo que são visíveis as dificuldades de implementação que o mesmo acarreta, é mister lançar-se uma estratégia de campanha clara de sensibilização sobre o Regulamento para granjear apoio por parte da sociedade civil e público em geral com vista à sua efectiva implementação e respeito por parte do grupo alvo. III. Conclusão Portanto, é inquestionável a importância deste Regulamento na nossa ordem jurídica para a salvaguarda do meio ambiente e da saúde pública. No entanto, o mesmo só terá efeito prático se houver autoridade para implementá-lo de forma correcta, sábia, sem discriminação e sem violar outros direitos nem criar injustiças. Para o efeito, é preciso que existam os serviços de fiscalização nos locais de exercício de actividade comercial, embora tal seja de difícil realização no mercado informal dada as suas especificidades e o custo desses serviços para o efeito de controlo e gestão do saco plástico. Caso contrário, o Regulamento em questão será mais um simples papel ou documento sem efeito prático e apenas para confirmar que em Moçambique, pelo menos, há muita legislação sobre o ambiente. 10
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Diz-me com Quem Andas, Dir-te-ei Quem És Anadarko Petroleum Corporation Quando em Maio de 2014 a Anadarko veio a público assumir a responsabilidade por um derrame de 30.000 litros de sedimentos oleosos na Bacia do Rovuma, ficámos intrigados mas não surpresos. – Onde está o Governo? – questionámo-nos em primeira instância. – E porque estará a Anadarko a assumir responsabilidade por um derrame alegadamente imperceptível? – questionámonos depois. A resposta à primeira pergunta, que todos sabemos retórica, era óbvia: o Governo estava “a leste do paraíso”, e se na altura a Anadarko não sabia quão alheio este estava, desde então sabe-o perfeitamente. Quanto à segunda pergunta, espelha fidedignamente a fé que temos na idoneidade da multinacional Texana: absolutamente nenhuma. E se pensa que estamos a ser injustos, se o mea-culpa que esta fez prontamente em Maio do ano passado sem esperar que lhe imputassem responsabilidades o convenceu, certamente não conhece o seu triste legado ambiental. Legado do qual, aliás, num futuro bem próximo podemos vir a fazer parte... as condições estão todas reunidas. Formada em 1959 após a descoberta de grandes jazigos de gás natural na bacia Norte Americana da qual ganhou o nome, a Anadarko opera hoje em mais de uma dúzia de países. Em Moçambique, na Bacia do Rovuma, detém através da sua subsidiária Anadarko Moçambique Área 1 (AMA1) os direitos sobre 2.1 triliões de metros cúbicos de gás natural (equivalentes a mais de 13 triliões de barris de petróleo) – uma das maiores (e a nosso ver mais lamentáveis) descobertas deste combustível dos últimos 20 anos. Numa área de actividade “suja” por natureza, a Anadarko é mais um investidor sem escrúpulos, de créditos firmados, que o nosso Governo escolheu.
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O DUAT ilegal Feitos um para o outro, Governo e Anadarko não tardaram em dar um ar de sua graça. Afinal, nada como começar com o pé direito... Um relatório de avaliação jurídica independente de Maio deste ano veio finalmente dar razão aos vários focos da sociedade civil que há muito apontavam diversas irregularidades ao Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) dos 7000 hectares na Península do Afungi em Palma, onde em parceria com a Italiana Eni, a Anadarko pretende edificar uma fábrica de gás natural liquefeito (GNL) entre outras infra-estruturas complementares ao projecto. Mas comecemos pelo início: Primeiro, o DUAT é atribuído à Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), uma empresa pública. Segundo, por intermédio do primeiro “contrato de cessão de exploração” de um DUAT na história, a ENH cedeu o DUAT à Rovuma Basin LNG Limitada (RBLL), uma sociedade composta pela Anadarko e... pela ENH, que assim se tornou também na primeira empresa a celebrar um contrato consigo mesma! Mas a embrulhada não ficou por aí... Quando o Estudo de Impacto Ambiental do projecto foi apresentado, ficámos a saber que a “AMA1 detém actualmente direitos exclusivos ao uso da terra abrangida pelo DUAT para o desenvolvimento de uma fábrica de GNL” e que na altura já estava “a decorrer um processo para permitir que a Eni tenha direitos de uso da terra em termos de igualdade com a AMA1”. “Tendo estes dados em mente, algum exercício de associação de ideias pode levarnos à seguinte conclusão: a constituição da RBLL, como uma sociedade com o único objectivo de adquirir um DUAT para a GNL pode não ter passado de mera prestidigitação jurídica, engendrada com o único propósito
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Derrame do Golfo do México em 2010. Wikipedia
de permitir à ENH transferir o DUAT para a Anadarko, seguindo caminhos sinuosos.” – escreveu Tomás Vieira Mário num artigo publicado pelo jornal O País em Março de 2014. Embora por outras palavras, é exactamente isso que diz o relatório de avaliação jurídica independente acima mencionado. O documento, solicitado pela Plataforma da Sociedade Civil sobre Recursos Naturais e Indústria Extractiva e elaborado por alguns dos juristas mais conceituados do país, explica que, de acordo com o nosso código comercial, uma sociedade não pode ter como objecto a aquisição de um DUAT. O objecto de uma sociedade comercial tem de ser uma actividade económica produtiva qualquer. O documento realça ainda que os direitos das comunidades locais sobre a área em questão ainda não haviam sido cessados, uma vez que a RBLL não havia celebrado qualquer contrato com estas. Convém mencionar também que a interacção entre os proponentes do projecto, o Governo e estas comunidades locais já conta com vários momentos tensos, desde altercações em consultas públicas, a caricatas detenções arbitrárias de funcionários de organizações da sociedade civil que se encontravam no local
a aconselhar e consciencializar a população. Pelo que sabemos, se o projecto realmente sair do papel, o reassentamento promete ser “quente”... Porque é conhecida a Anadarko? Conforme mencionamos no início deste texto, a Anadarko tem um currículo ambiental que fala por si, mas há um evento em particular que marca a sua história recente: Em 2010, no mesmo ano em que descobriu gás na Bacia do Rovuma, houve um gigantesco derrame de petróleo no Golfo do México – o maior derrame marítimo acidental da história da indústria petrolífera. Durante 87 dias, estima-se que tenham jorrado do fundo do oceano cerca de 780 mil metros cúbicos de petróleo. A Anadarko detinha 25% do investimento e foi, com a BP, condenada a pagar bilhões de dólares em indemnizações, multas e serviços a diversas entidades. Escusado será dizer que os danos e consequências ambientais foram incalculáveis. Perguntamo-nos: E se fosse aqui em Cabo Delgado? Como seria? Estaremos a salvaguardar-nos adequadamente para que não aconteça? Estaremos adequadamente salvaguardados caso aconteça?
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Mais Uma Vez a Vale Moรงambique 13
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Nos últimos anos, a Vale Moçambique tem enveredado por uma política de franca desconsideração dos direitos das comunidades locais. A sua postura é agressiva e exacerba conflitos sociais e ambientais. As comunidades de Kankope vivem no seu dia-a-dia o drama da intoxicação, da asfixia, da sua saúde em risco devido à poluição do seu meio ambiente e à contaminação das suas machambas. Foi este drama que as levou a manifestarem-se no passado dia 30 de Setembro. Quando em finais de 2014 o sistema de drenagem de águas negras da mineradora, instalado na sua localidade, entrou em ruptura, dejectos eram visíveis nas imediações das residências, bem como nas machambas das comunidades, contaminando assim os solos e destruindo todas as culturas, larga fonte de subsistência das comunidades. A comunidade fez chegar esta informação à Vale Moçambique e funcionários da multinacional fizeram-se ao local, procederam ao levantamento das machambas atingidas e, na altura, prometeram que a empresa tudo faria para resolver a situação e ajudar as famílias. Bastaria somente que fossem discutidas e aprovadas pelo Governo as modalidades e procedimentos a seguir para a implementação deste plano de compensações e indemnizações. Porque até Fevereiro de 2015 nada tinha sido feito e não se vislumbrava luz alguma ao fundo do túnel, a população voltou a contactar a mineradora. Desta feita, esta limitou-se a informar que todo o processo tinha sido encaminhado ao Governo e que também se encontravam à espera de resposta. Ou seja, a regra do costume: sempre que há situações de conflito, aproveitando-se dos débeis canais de comunicação estabelecidos entre os intervenientes (Governo local, Empresa e Comunidade), o Governo e a Empresa fogem à responsabilidade acusando-se mutuamente. Encurralados e cansados de serem ignorados tanto pela Empresa como pelo
Governo, que nunca resolveram a situação apesar das inúmeras denúncias e pedidos de intervenção, dia 30 do mês passado os afectados saíram à rua em protesto, tendo colocado barricadas na estrada de acesso aos escritórios centrais da Vale Moçambique, enquanto outros faziam plantão na residência do líder local, de forma a fazerem pressão para que a situação fosse resolvida. Tanto a Vale como o Governo foram informados da manifestação. Informação que foi recebida com desagrado e resultou em ameaças aos organizadores vindas do Comando Distrital de Moatize da Polícia da República de Moçambique. O nosso Governo insiste em usar a força para resolver as preocupações dos mais pobres... Aos ameaçados foi incumbida a tarefa de avisar os restantes que durante a manifestação seriam disparados vários tiros e que os manifestantes deveriam estar cientes das possíveis consequências da realização desta manifestação. Contudo, nem com as ameaças a população se deixou intimidar e, nas primeiras horas do dia 30 de Setembro, as pessoas fizeram-se aos locais combinados. As barricadas colocadas na entrada principal dos escritórios centrais da Vale Moçambique, impediam o funcionamento normal da empresa, tendo esta tentado negociar com base nas habituais promessas de que tudo seria resolvido, mas sem avançar com qualquer data ou previsão para a materialização dessa promessa. Assim, uma vez fracassada a tentativa de negociação, a Vale Moçambique accionou o seu mecanismo de segurança, tendo solicitado a intervenção de sua segurança privada G4S, da Polícia de Protecção e da Unidade de Intervenção Rápida. Pouco tempo depois, devidamente armadas e fardadas (embora houvessem também elementos com roupa civil) as forças policiais chegaram. Foram retiradas as barricadas e os manifestantes foram dispersados e informados que se deveriam dirigir ao Comando Distrital de Moatize no dia seguinte para apresentarem as suas preocupações.
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NotĂcias Internacionais
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Líderes mundiais pedem concretização de acção global para proteger oceanos Os líderes políticos reunidos na Conferência Nosso Oceano 2015 na cidade de Valparaíso, no Chile, pediram nesta segunda-feira a concretização de ações globais para proteger os ecossistemas marítimos e unir esforços para combater a pesca ilegal e a poluição que os castiga. “As soluções a estes problemas têm que ser globais porque o oceano é global. Temos que trabalhar conjuntamente porque os cientistas demonstraram que só existe uma única parte líquida do planeta e que deve ser uma fonte de recursos para todos”, disse à Agência Efe a subsecretária de Estado dos Estados Unidos para o Crescimento Econômico, a Energia e o Meio Ambiente, Catherine Novelli. “Os oceanos são vastos, mas sua capacidade de suportar a degradação é limitada. Trabalhemos juntos de modo coordenado para um futuro sustentável”, declarou o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, através de um comunicado lido hoje pela secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe das Nações Unidas (Cepal), Alicia Bárcenas. Nesse contexto, o príncipe Albert II de Mônaco lembrou que “só trabalhando de forma conjunta se poderá conseguir lutar para a preservação dos mares e garantir que suas riquezas perdurem para as novas gerações. O desafio - que também será debatido na 21ª Conferência da ONU sobre Mudança Climática (COP21) que será realizada em Paris em novembro - vai muito além de fronteiras e obriga a trabalhar de forma “global” e “sustentável”. “Proteger os oceanos também significa limitar os efeitos da mudança climática, porque se verificou que o aquecimento global provoca a destruição dos ecossistemas frágeis, variações nas migrações dos espécies e o degelo dos polos”, salientou. Tudo isso tem um impacto profundo no equilíbrio e na vida dos oceanos e justifica uma campanha “incessante” para conseguir um acordo na COP21 sobre a matéria, acrescentou. Essas afirmações estão sintonizadas com o ponto de vista do diretorgeral da FAO, que ressaltou que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável adotada pela ONU obriga os países a atuar com solidariedade. “Já não podemos seguir trabalhando e pensando de forma isolada (...), não temos tempo a perder, devemos navegar rumo a um futuro transformador. Ou o alcançamos juntos ou ninguém conseguirá”, advertiu o Director Geral da FAO. Fonte: noticias.terra.com.br/ciencia
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JA | Outubro 2015
Escândalo da Volkswagen Denúncia surgiu neste mês, nos EUA, mas investigação começou em 2009.
A Volkswagen está envolvida em um escândalo de falsificação de resultados de emissões de poluentes que levou, inclusive, à renúncia do presidente-executivo do grupo. O escândalo veio à tona nos Estados Unidos, mas as suspeitas foram levantadas muito antes. Veja abaixo a cronologia do caso. 2004-2007 O governo dos Estados Unidos endurece os padrões para emissão de óxido de nitrogênio (NOx), um dos principais poluentes resultantes da combustão do óleo diesel. Na época, as autoridades reconheceram que os novos níveis seriam difíceis de serem cumpridos. 2009 A Volkswagen começa as vendas dos modelos de carros diesel que possuem um sistema diferente para cumprir regras de poluentes. 2013 O baixo nível de emissões de veículos da Volkswagen com motor a diesel chama a atenção de um grupo independente, o Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT, em inglês), que decidiu estudar o sistema para mostrar como o diesel poderia ser um combustível limpo, junto com a Universidade de West Virginia, nos Estados Unidos. Eles começaram a analisar 3 carros: um Jetta 2012, um Passat 2013 e um BMW X5, rodando por cerca de 4.000 km entre a Califórnia e o estado de Washington. E constataram discrepâncias entre o nível de emissão observado e os números dos testes oficiais dos modelos da Volkswagen. 2014 O ICCT e a Universidade de West Virginia alertam a Agência de Proteção Ambiental (EPA), do governo federal, e o conselho de emissões da Califórnia (CARB) sobre a descoberta. A Volkswagen afirmou que estudo era falho e culpou questões técnicas para os resultados. Mesmo assim, a empresa realizou um “recall branco” (quando não há obrigatoriedade e risco à segurança) de 500 mil carros nos EUA, prometendo resolver o caso, mas sem sucesso. 2015 A EPA descobre que um software instalado na central eletrônica dos carros da Volkswagen altera as emissões de poluentes nesses veículos apenas quando são submetidos a vistorias. O dispositivo rastreia a posição do volante, a velocidade do veículo, quanto tempo está ligado e a pressão barométrica, baixando os poluentes emitidos. Em condição normal de rodagem, os controles do escape são desligados e os carros poluem mais do que o permitido. 18 de Setembro de 2015 O governo dos Estados Unidos acusa a Volkswagen de burlar os dados de emissões de gases poluentes a fim de atender à regulamentação do país, e abre um processo criminal. Segundo a EPA, 482 mil veículos com motores a diesel violaram os padrões federais, entre eles Jetta, Beetle (chamado de Fusca no Brasil), Golf, Passat e o Audi A3 da marca que pertence ao grupo Volkswagen. Os veículos foram fabricados entre 2009 e 2015. 20 de Setembro de 2015 O presidente-executivo da Volkswagen, Martin Winterkorn, divulga nota se desculpando pela má prática. 21 de setembro de 2015 “Ferramos tudo. Nossa empresa foi desonesta”, afirma o presidente da Volkswagen nos EUA, Michael Horn, durante o lançamento do Passat, em Nova York. 22 de Setembro de 2015 A empresa admitiu que um dispositivo que altera resultados sobre emissões de poluentes não foi usado apenas nos EUA, mas em 11 milhões de veículos a diesel em todo o mundo, em modelos de várias marcas pertencentes ao grupo. No entanto, não diz quais são os carros, nem em que países eles estão. 23 de setembro de 2015 Martin Winterkorn renuncia ao cargo de presidente-executivo e pede demissão da Volkswagem. No entanto, diz que não tem ciência de nenhum erro de sua parte. O Conselho empresa também diz que Winterkorn “não tinha conhecimento da manipulação de dados de emissões”. 24 de setembro de 2015 O governo alemão diz que o país tem carros com motor 1.6 e 2.0 a diesel que possuem o software e que pretende refazer os testes de emissões de forma aleatória. França e Reino Unido também anunciam medidas semelhantes. Fonte : G1.globo.com