País Verde - Junho 2008

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Suplemento

Sexta-feira: 6 de Junho de 2008

O PAÍS VERDE Nota Editorial Exploração de barragens em Moçambique

Das florestas estamos cansados de falar sobre a fraqueza gritante da fiscalização da sua exploração e da ausência de investimento nessa área. Estamos cansados de alertar que, para se conter o galopante desflorestamento, é urgente que o Estado comece a consignar parte das receitas que gera com as emissão de licenças simples e atribuição de concessões ao reforço de meios humanos e materias para que os predadores, muitos dos quais conectados com altas figuras do Estado, deixem de operar num vazio crescente de impunidade. Das pescas, idem. Durante muitos anos, entidades estatais como o Instituto Nacional de Investigação Pesqueira (INIP) vêm alertando sobre os perigos do esforço de captura; perigos que incluem chegarmos a uma fase em que não teremos mais camarão e peixe para capturar, pois os armadores, os detentores das quotas de pescaria de camarão (estranhamente, este é um mercado ainda não liberalizado) sugam tudo o que lhes cai nas redes. Na semana passada, em conversa com um operacional das pescas, este lamentava sobre a falta de camarão nas nossas águas; vociferava contra um negócio que “já não está a dar”, sobre horas e horas gastas no mar sem se conseguir pescar o suficiente para compensar o custos do diesel. Mas lamentava para quem? Eis a questão. Quem são afinal os detentores das quotas de pescaria de camarão em Moçambique? Não são as mesmas figuras que têm a responsabilidade de pôr os travãos nesta engrenagem de delapidação? Massingir é apenas uma das pontas de um iceberg volumoso que ameaça o nosso futuro em termos de uso sustentável dos recursos naturais. A ruptura de Massingir mostra-nos também um outra dimensão dos riscos associados à exploração de barragens. Se a ruptura atingisse aquelas proporções calamitosas que se advinhavam, os principais afectados não seriam as elites decisoras que comandam as políticas públicas nesta área, mas a vastidão de pessoas, bens e culturas à jusante da barragem. Por isso é que vale hoje a pena chamarmos a atenção para a necessidade urgente de Moçambique estabelecer um Regulamento de Segurança para a exploração de barragens, regras de gestão que não sirvam apenas para Massingir, mas para todos os outros empreendimentos similares, incluido a Hidroeléctrica de Cahora Bassa e a putativa Mphanda Nkuwa (para defendermos o Zambeze e as suas gentes e culturas). Esperamos, por isso, que a Comissão de Inquérito criada para apurar as causas da ruptura apresente resultados em curto espaço de tempo e recomende nesse sentido. Para lá dos possíveis bodes expiatórios que se possam caçar – desde as questões de estrutura do empreendimento às questões de exploração e operação – o que nos parece mais importante hoje é a aprovação desse regulamento e, mais importante, que ele depois seja devidamente implementado. ■ Marcelo Mosse

A publicação do País Verde foi possível graças ao apoio da Cooperação Francesa

AMBASSADE FRANCE AU MOZAMBIQUE ET AU SWAZILAND

O conteúdo nele expresso não reflecte necessariamente os pontos de vista da Embaixada da França é da responsabilidade exclusiva da Justiça Ambiental

Propriedade da JA! Justiça Ambiental, Rua Marconi, nº 110, 1º andar - Maputo -Tel: 21496668 E-mail: ja-news@tdm.co.mz; ja-ngo@tdm.co.mz Directora: Anabela Lemos Editor: Marcelo Mosse Periodicidade: Mensal Edição nº 11 * 6 de Junho de 2008

Os problemas ambientais em Moçambique

Regulamento de segurança precisa-se A recente ruptura da barragem de Massingir veio mais uma vez lançar suspeitas sobre as intenções do Governo na criação de capacidades de monitoria e fiscalização ambiental e no enforcement das recomendações que têm sido transmitidas por organismos estatais, instituições académicas, técnicos a título individual e organizações da sociedade civil a este respeito. Das florestas às pescas, Moçambique caminha para uma situação de alerta máximo no que diz respeito à disponibilização de recursos naturais para alimentar um crescimento económico sustentado e manter a imperativa biodiversidada.

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Por Carol d´Essen

Apesar das inúmeras comemorações em torno do dia internacional do meio ambiente, a data também serve para reflectirmos sobre a actual situação ambiental do nosso país. Pensando nisso, a Justiça Ambiental, juntamente com biólogos e ambientalistas, procurou fazer uma lista dos principais problemas enfrentados no território nacional. Esperamos com isso despertar a consciência do cidadão, como sociedade civil, de exigir soluções e monitorar as questões que ainda estão por resolver. Que dessa maneira, nos próximos “5 de Junho”, possamos realmente só ter motivos para celebrar! Poluição A poluição ambiental é um conceito bastante amplo, que consiste, falando-se sucintamente, na adição ou o lançamento de qualquer substância ou forma de energia (luz, calor, som) ao meio ambiente, em quantidades que resultem em concentrações maiores que as naturalmente encontradas. Os tipos de poluição podem ser classificados considerando o meio afectado (poluição do ar, da água, do solo), a natureza do poluente lançado (poluição química, térmica, sonora, radioactiva, etc.) ou o tipo de actividade poluidora (poluição industrial, agrícola etc.). Em Moçambique, os principais problemas relacionados com a poluição estão ligados às grandes indústrias, ao lixo, ao plástico e ao uso do DDT. Confira abaixo cada um destes: Indústrias – A indústria contribui apenas com 12% do Produto Interno Bruto de Moçambique. Deste total, segundo dados de um estudo do Ministério de Indústria e Energia, Maputo cidade e Maputo província concentram 92% da actividade industrial do país. Dentre as indústrias, e seu relacionamento com o meio ambiente, importa mencionar os casos da Mozal e da Cimentos de Moçambique. A Mozal, mega-indústria de alumínios, instalou-se em Moçambique em 2000. Este tipo de indústria caracteriza-se pelo consumo intenso de energia para o seu funcionamento e pela produção de gases que provocam o efeito estufa (de recordar que ambos podem e devem ser monitorados), no caso da Mozal, nomeadamente SO2 e Flúor. Além disso, há o problema de outros resíduos do processo fabril que são lançados no rio Matola e que são nocivos para o meio ambiente. A Cimentos de Moçambique, empresa produtora de cimento, que detém 51% do grupo português CIMPOR, foi constituída em 1994. Possui três fábricas de produção, distribuídas geograficamente por Sul (Matola), Centro (Dondo) e Norte (Nacala). Os seus principais impactos estão relacionados com a poeira emitida para a atmosfera durante os diferentes estágios de produção e

o acondicionamento inadequado do stock de matéria-prima, o que causa impactos na saúde das comunidades locais. Além disso, o cimento é um dos materiais mais perigosos no mundo, o seu processo de produção liberta mais dióxido de carbono para a atmosfera. A fábrica da Matola esteve fechada nos finais de 2006 depois de um longo período de denúncias feitas por ambientalistas e residentes da área onde se situa, de alegada degradação ambiental e doenças relacionadas com gases libertados na produção do cimento. Depois de um período a fábrica foi reaberta, mas as preocupações da população continuam. Lixo – O lixo é um dos problemas mais evidentes em Moçambique. A sua acumulação nas ruas das diversas cidades do país (muitas vezes ao lado de mercados populares que vendem alimentos) e na lixeira do Hulene, em Maputo, aumenta a cada dia. A lixeira, com mais de 30 anos de existência, a 7 km do centro da cidade, é o principal destino do lixo da cidade. Esta causa poluição ambiental devido ao facto de ser uma lixeira a céu aberto e à incineração descontrolada do lixo, um outro problema ambiental. Incineração é o processo de “queima de um produto” até à sua transformação em cinzas; é um método perigoso, dispendioso e insustentável de tratamento de lixo industrial, hospitalar e municipal. Para se ter uma ideia, durante a combustão de resíduos, uma incineradora liberta para o ar cerca de 190 tipos de químicos diferentes, entre estes as dioxinas que, ao serem libertadas, infiltram-se no meio ambiente, atmosfera, terra e água, provocando várias doenças, das quais o cancro. DDT - O DDT é um pesticida utilizado no combate ao mosquito da malária. Tem sido banido largamente em diferentes países devido à sua acumulação em grandes concentrações na cadeia alimentar, onde persiste na gordura de animais e humanos (pode ser encontrado no leite materno humano) e à sua associação a várias doenças crónicas. Moçambique tem evitado o uso do DDT

desde a década de 70. Entretanto, o facto da malária continuar a ser um grande problema no país, fez com que a USAID, Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional, se propusesse a implementar um programa de Pulverização Residual Intradomiciliária utilizando, entre outros químicos, o DDT. Plásticos – Aparentemente os sacos plásticos parecem algo inofensivo e muitas pessoas nem imaginam o mal que estes podem fazer ao meio ambiente. É importante saber que estes provocam índices elevados de poluição atmosférica (decorrente da sua queima, facto agravado por serem fabricados à base de petróleo, gás natural ou seus derivados), poluição visual, bem como causam danos imensuráveis nos sistemas de abastecimento de água e drenagem de águas residuais. Florestas Moçambique possui uma cobertura florestal nativa que ocupa 62 milhões de hectares (78% da superfície do país), dos quais 20 milhões são comercialmente viáveis. Segundo a constituição moçambicana, a importância económica, social, cultural e científica destes recursos florestais e faunísticos visa promover a sua utilização sustentável, bem como a promoção de iniciativas para garantir a proteção e conservação destes de maneira a melhorar a vida dos cidadãos. Entretanto, o que se verifica é uma crescente degradação e exploração ilegal das florestas, tanto por empresas nacionais quanto internacionais. Um exemplo claro dessa realidade foi exposto em 2006 num relatório entitulado “Chinese Take Away” da autoria de Catherine Mackenzie que analisa profundamente toda a situação da madeira na província da Zambézia apresentando dados assustadores. Para além do problema da exploração ilegal, há ainda a questão das queimadas descontroladas que acabam por destruir parte das florestas do país. Biocombustível Em 2005, o governo moçambicano criou uma Comissão sobre os biocombustíveis que já elaborou um estudo e recomendou o uso da cana-de-açúcar, mapira e mandioca para a produção do etanol e jatropha, bem como o uso do girassol, coco, soja e palma africana como matérias primas viáveis para a produção de biodiesel. A região norte de Moçambique deverá contar com uma unidade industrial para a produção de biocombustíveis a partir da jatropha e outras culturas alimentares. O empreendimento, orçado em cerca de 80 milhões de dólares, resulta de (Cont. da pág seguinte)


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