País Verde - Maio 2008

Page 1

Suplemento

Sexta-feira: 9 de Maio de 2008

O PAÍS VERDE Nota Editorial

Sobre a maldição dos recursos naturais… Com a perspectiva de descoberta de petróleo em Moçambique, avolumam-se os receios de que, a par de outros países africanos, o nosso pode também vir a ser amaldiçoado por uma abundância de recursos naturais, neste caso de recursos extractivos, que não beneficia os pobres. Nos últimos anos, Moçambique está a ser “invadido” por multinacionais que investem milhões de dólares na busca do tão apetecível “ouro negro”. São actualmente concessionárias no âmbito de contratos de pesquisa e produção de petróleo as seguintes multinacionais: Companhia

País de origem

Área de pesquisa

ANADARKO

E.U.A

ARTUMAS

Canadá

Bacia do Rovuma - Área 1 Bacia do Rovuma - “onshore”

ENI

Itália

Bacia do Rovuma - Área 4

Statoil Hydro Oil

Noruega

Bacia do Rovuma - Áreas 2 e 5

PETRONAS

Malásia

BANG

E.U.A.

Zambeze “offshore” Bacia do Rovuma - Áreas 3 e 6 Zambeze e Sofala

DNO

Noruega

Zambeze e Sofala

Se vier a ser descoberto petróleo em Moçambique, até que ponto estamos preparados para termos um quadro de gestão transparente em que as multinacionais pagam (o que realmente devem) e exploram os recursos de forma sustentável e o Governo utiliza as receitas para investir em projectos duradoiros que possam vir a beneficiar as gerações vindouras? Estes receios são justificados na medida em que a história mostra que em muitos países, como Angola, o petróleo apenas serve para alimentar as elites e a corrupção. Não é automático que o petróleo resolva os problemas que hoje enfrentamos. De acordo com um relatório do Revenue Watch Institute, baseado em Nova Iorque, as consequências do desenvolvimento baseado na exportação do petróleo tenderam a ser negativas durante os últimos 40 anos. “Os efeitos prejudiciais incluem um crescimento económico menor do que o esperado, uma fraca diversificação económica, indicadores sociais desanimadores, altos níveis de pobreza e desigualdade, impactos ambientais devastadores ao nível local, corrupção desenfreada, governança excepcionalmente insatisfatória e grandes incidências de conflito e guerra”, refere o relatório. Os surpreendentes resultados negativos dos países dependentes de petróleo e recursos naturais são chamados de “maldição dos recursos naturais”, que se refere à relação inversa entre a elevada dependência do recurso natural e as taxas de crescimento económico. Uma série de estudos recentes tem mostrado que os países em desenvolvimento ricos em recursos naturais tiveram pior desempenho quando comparados com os países pobres em recursos. Esperamos que não venha a ser este o caso de Moçambique. Mas tudo depende da criação de sistemas de transparência e de gestão das receitas viradas para o combate à pobreza e para o desenvolvimento de infra-estruturas de que o país tanto precisa. Marcelo Mosse

A publicação do País Verde foi possível graças ao apoio da Cooperação Francesa

AMBASSADE FRANCE AU MOZAMBIQUE ET AU SWAZILAND

O conteúdo nele expresso não reflecte necessariamente os pontos de vista da Embaixada da França é da responsabilidade exclusiva da Justiça Ambiental

1

O País

Propriedade da JA! Justiça Ambiental, Rua Marconi, nº 110, 1º andar - Maputo -Tel: 21496668 E-mail: ja-news@tdm.co.mz; ja-ngo@tdm.co.mz Directora: Anabela Lemos Editor: Marcelo Mosse Periodicidade: Mensal Edição nº 10 * 9 de Maio de 2008

Mphanda Nkuwa, o padrão duplo da Eskom e a comissão mundial de barragens (CMB) As grandes barragens têm já há muito tempo ocupado um importante lugar no pensamento nacional e individual. A dimensão das suas construções e nível com que providenciam fontes seguras tanto de água como de electricidade significa que representam grandes símbolos da ingenuidade humana. Como tal, estas barragens têm sido construídas pelos governos em nome do desenvolvimento. Desta forma, as barragens representam a capacidade que os estados das nações modernas possuem para providenciar aos seus cidadãos altos padrões de vida. No entanto, apesar deste simbolismo, as grandes barragens têm-se provado excepcionalmente problemáticas, pois enquanto a sua dimensão os torna poderosos símbolos do desenvolvimento, é esta mesma dimensão de construção que provoca impactos dramáticos nos ecossistemas ribeirinhos e consequentemente às pessoas, animais e plantas que destes dependem. Ironicamente, devido ao seu impacto negativo, muitas das grandes barragens têm levado à diminuição do bem-estar dos agregados em vez de trazer o desejado desenvolvimento. Como resultado, tem havido um geral afastamento da ideia de ver as grandes barragens como uma panaceia do desenvolvimento. No seu lugar, têm sido consideradas importantes formas de infra-estruturas capazes de providenciar elementos cruciais do desenvolvimento como água e electricidade capazes também de causar grandes infortúnios que, de diferentes formas, retardam o desenvolvimento tanto local como nacional. O resultado desta dupla natureza das barragens levou à formação da Comissão Mundial de Barragens (CMB) pelo Banco Mundial em 1997. A Comissão, presidida por Kader Asmal, pronunciou que, de forma a construir barragens que beneficiassem a todos, e que realmente pudessem trazer desenvolvimento, seria necessário trazer um “etos” diferente para a construção destas. Os efeitos de trickle down ( termo socio-económico que significa partilha de beneficios do topo para a base) resultantes da provisão de energia e água não serão capazes de contrapor o mal que será sentido entre estas comunidades afectadas negativamente pelas barragens. Em vez disso, as barragens deveriam ser construídas de forma a assegurar a protecção de pessoas e ecossitemas, para que não houvesse derrotados neste processo. As recomendações da Comissão foram rapidamente adoptadas pela África do Sul, onde qualquer barragem nova terá que ser construída de forma a preencher todas as condições estipuladas na CMB. A barragem de Mphanda Nkuwa, em Moçambique, é uma das muitas grandes barragens em iminente construção no alvo de controvérsia. Pois embora a sua localização no baixo rio Zambeze crie o potencial para gerar energia hidroélec-

trica, os impactos da barragem serão significativos. Localizada a cerca de 70 quilómetros a jusante da já existente barragem de Cahora Bassa, o reservatório desta irá inundar uma área actualmente habitada por cerca de 1300 famílias. Como resultado da mudança do fluxo do rio, irão também causar enormes impactos a cerca de 250 000 pessoas a viver a jusante da proposta barragem, na sua maioria em regime de subsistência. Estas comunidades, cujos meios de subsistência são a pesca e agricultura de subsistência, terão a sua vivência bastante minada, podendo haver casos onde a agricultura de subsistência seja praticamente impossível. A barragem também representa um risco sísmico significativamente grande devido à sua proximidade a uma falha sísmica. A grande dimensão da barragem implica que a sua construção poderá levar a futuros terramotos, potencialmente grandes o suficiente para destruir a própria estrutura da barragem, o que tornaria as cheias do ano 2000 uma pálida comparação em termos de destruição e impacto. Em Moçambique, o debate sobre barragens continua. Os proponentes argumentam que a barragem irá gerar tanto beneficios internos com a electricidade, como rendimento externo, através da venda de energia ao estrangeiro. Argumentam ainda que ambos são desesperadamente necessários para que Moçambique desenvolva. Por outro lado, os detractores da barragem apontam que os grandes impactos causados pela barragem irão anular o seu potencial de desenvolvimento. Estes realçam o facto de que a energia proveniente da barragem, em vez de favorecer às famílias rurais que tanto necessitam de desenvolvimento, será canalizada para grandes empreendimentos, tais como as fundições de alumínio famintas de energia, bem como para outros países na África Austral. Eles sublinham que, embora a barragem possa gerar receitas externas, na melhor das hipóteses, este dinheiro irá criar beneficios à cidade capital, Maputo, ou, numa perspectiva mais sombria, acabará nos bolsos de políticos de grande poder. Enquanto isto continuar a acontecer às familias rurais pobres no local da futura barragem e a jusante deste, estas irão empobrecer, como efeito da redução da pesca e da agricultura. Estas também estarão expostas a potenciais catástrofes, resultando na ruptura da parede da barragem induzida por actividade sísmicas. Mais concretamente, os detractores sublinham que a barragem não preenche os requisitos estipulados pela CMB, logo, qualquer plano para a construção da barragem é inaceitável. Os proponentes contra argumentam afir-

mando que seguir as directrizes da CMB tornariam o projecto demasiado caro. Eu tenho estado envolvido no projecto de Mphanda Nkuwa há já algum tempo. A minha posição é de um cidadão preocupado com o bem-estar daqueles que provavelmente mais terão a perder com a construção da barragem. Temo que a barragem venha a aumentar o empobrecimento dos que vivem no local e a jusante, enquanto enriquece os já poderosos grupos que vivem na cidade capital. De forma compreensiva, como um cidadão sul-africano que já viveu entre as comunidades no local proposto para a construção da barragem, eu tinha esperança na perspectiva de a Eskom (como a provável maior consumidora da energia a ser produzida pela barragem) aderir rigorosamente às directrizes da CMB. O meu optimismo alterou-se para preocupação quando ouvi dizer que o Banco Mundial recusou o financiamento do projecto porque este não preenchia as especificações determinadas pela CMB, e por isso o Banco Chinês Import-Export concordou potencialmente em financiar a barragem. Inquietado com estes rumores, eu decidi contactar e questionar-lhes até que níveis estariam dispostos a comprar energia à barragem, caso a construção não fosse sancionada na África do Sul. Meus pedidos não tiveram grandes resultados. Os meus primeiros e-mails não obtiveram qualquer resposta, eventualmente, foi-me dito que a informação sobre o envolvimento da Eskom na construção de Mphanda Nkuwa era sensível e não poderia ser divulgada nenhuma informação – nem mesmo se a Eskom iria ter um comportamento responsável, insistindo no cumprimento das directrizes da CMB. No seguimento disto, consegui fortuitamente ter acesso a alguma documentação da Eskom, através da Lei/Regulamento de Acesso à Informação de África do Sul, claro que não antes de ter sido retirado todo o “conteúdo sensível” destes documentos. Após fracassar, como um cidadão sul-africano, na obtenção de uma declaração da Eskom sobre a origem da minha futura energia e que fardo acarretaria esta energia aos pobres agricultores de Moçambique, decidi procurar canais parlamentares. Como tal, contactei um membro do Parlamento, com o pedido de que ele inquirisse o ministro de Obras Públicas de forma a saber se a Eskom compraria energia de Mphanda Nkuwa e, se assim fosse, se insistiria que as directrizes da CMB fossem cumpridas de forma rigorosa na construção da barragem. A Eskom continuou a evitar este assunto, não mencionando nada sobre os padrões a seguir na construção da barragem, dizendo apenas que estava por finalizar um memorando de entendimento entre África do Sul e Moçambique. (Cont. na pág seguinte)


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.