Suplemento
Sexta-feira: 14 de Março de 2008
1
O País
O PAÍS VERDE Propriedade da JA! Justiça Ambiental , Rua Marconi, nº 110, 1º andar - Maputo -Tel: 21496668 E-mail: ja-news@tdm.co.mz; ja-ngo@tdm.co.mz Directora: Anabela Lemos * Editor: Marcelo Mosse * Periodicidade: Mensal * 14 de Março de 2008 * Edição nº: 6
Nota Editorial O Balanço do PES e a fiscalização das florestas No ano de 2007, o Governo não fez nada para melhorar a fiscalização da exploração florestal em Moçambique. Esta é a triste conclusão que se pode tirar da leitura do Balanço do Plano Económico e Social de 2007 (PES), que se pode encontrar em www.pap.org.mz. No PES para 2007, o Governo previa “fiscalizar e controlar a implementação da legislação sobre terras e dos planos de exploração da terra para vários fins (...) e garantir uma redução substancial de 1100 para 880 o número das transgressões florestais e faunísticas, através de acções de prevenção e detenção junto das áreas de corte em todo o país”. Estas metas implicavam um reforço das capacidades de fiscalização e responsabilização dos prevaricadores. Mas o Balanço do PES não apresenta nenhuma linha sobre o que foi feito. O que pode significar que nada foi feito. A ausência de investimento e capacitação na área da fiscalização é um facto aterrador, sobretudo se tomarmos em linha de conta que o número de fiscais de que o país dispõe tende a diminuir. O Balanço do PES é parco no que diz respeito às temáticas ambientais. Das 213 páginas do documento, à área ambiental são dedicadas umas escassas 4 páginas, o que revela um tratamento de segunda sobre estas matérias. No últimos anos, em que se avolumam evidências de exploração ilegal de florestas em Moçambique, o investimento na fiscalização tem sido apontado como uma medida de política urgente para se repor a ordem no sector. A fiscalização é, aliás, o elo mais fraco na cadeia de relações que estrutura a exploração florestal em Moçambique. Todos os anos, o Governo elabora e implementa um PES, operacionalizando assim o Plano de Acção a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA), um documento que compromete Moçambique a lutar pela sustentabilidade social e ambiental, e que identifica a gestão sustentável dos recursos naturais e o aumento da produtividade como objectivos estratégicos chave. Com respeito especificamente à silvicultura, o PARPA reconhece a importância das florestas para o sustento rural e o seu potencial para actuar como um motor para o desenvolvimento rural. As três principais medidas incluídas para atingir este objectivo servem para: (i) operacionalizar o sistema de inventário nacional e provincial; (ii) reabilitar as reservas (destruídas nos anos de guerra); e (iii) reflorestar e reabastecer estas reservas. Podemos questionar o facto de que, a nosso ver, estes objectivos não tenham realmente a ver com gestão sustentável. Em todo o caso, o mais preocupante agora é ver que as boas intenções do PARPA na abordagem da sivicultura não têm sido concretizadas através de acções que ataquem os problemas mais conhecidos no sector. A fiscalização dos recursos florestais e faunísticos é da responsabilidade da DNFT e a implementação no terreno é feita pelos SPFT. A legislação prevê a participação de outros intervenientes, tais como os conselhos locais de gestão participativa de recursos (COGEP), os agentes de segurança pública, as Forças de Defesa e Segurança, agentes de pecuária, os funcionários dos serviços de cadastro em trabalhos de campo e em geral todos os funcionários públicos. Contudo, a participação desses intervenientes é limitada e não está ainda regulamentada e institucionalizada. A colaboração da polícia na fiscalização verifica-se apenas nos postos de controlo de tráfego, nas entradas e saídas das cidades e nas fronteiras inter-provinciais, onde, por conveniência de serviço e segurança, se estabeleceram postos fixos de fiscalização. A outra forma de colaboração verifica-se quando a polícia é convidada a integrar brigadas de fiscalização móveis; quando as brigadas móveis se deslocam em missões de fiscalização nas frentes de exploração e caça.
Incineração Por Anabela Lemos Incineração é o processo de “queima de um produto” até à sua transformação em cinzas; é um método perigoso, dispendioso e insustentável de tratamento de lixo industrial, hospitalar e municipal (incluindo lixo de projectos turísticos). A incineração não só é feita por incineradoras, como também por fábricas de cimentos, o que se torna ainda mais perigoso. Durante a combustão de resíduos, uma incineradora liberta para o ar cerca de 190 tipos de químicos diferentes, dentre eles as dioxinas que, ao serem libertados, se infiltram no meio ambiente, atmosfera, terra e água, provocando várias doenças, dentre elas o cancro. As incineradoras emitem poluentes tóxicos na forma de fumo de chaminé, resíduos sólidos e por vezes líquidos efluentes. Poluentes perigosos provenientes da incineração incluem os Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), dioxinas e furanos, metais pesados, gases ácidos, partículas e gases do efeito de estufa. Os POPs são particularmente perigosos porque bioacumulam-se, biomagnificam-se, resistem à decomposição e podem alastrar-se por longas distâncias, ameaçando as populações e ecossistemas em todo o mundo. A Convenção das Nações Unidas de Estocolmo (2001) para Poluentes Orgânicos Persistentes é um tratado global que obriga os países participantes a minimizarem e eliminarem certos POPs , incluindo dioxinas e furanos, e identifica a incineração como a principal fonte de dioxinas e furanos, sendo as dioxinas classificadas entre os mais perigosos químicos feitos pelo homem. A tecnologia de mitigação da poluição do ar é extremamente dispendiosa e é raramente utilizada nos países menos industrializados. Adicionalmente, esta tecnologia colecta os poluentes, incluindo dioxinas, concentrando-os nas cinzas, alterando a forma, mas não resolvendo o problema das emissões perigosas. Não importa a tecnologia de controlo da poluição do ar, as cinzas perigosas continuam a representar uma ameaça. De facto, quanto melhor é a tecnologia de controlo da poluição do ar, mais perigosa é a cinza. O aumento da poluição em regiões que já apresentam vários problemas de saúde devido aos
produtos secundários de combustão, tais como partículas, POPs e mercúrio, é particularmente insustentável e representa uma ameaça à saúde pública. A incineração pode colocar o problema do lixo fora das nossas vistas mas não das nossas mentes, dos nossos pulmões, do nosso meio ambiente e dos nossos alimentos. É um engano ou uma ilusão pensar-se que a incineração vai resolver o problema do lixo... pelo contrário vai criar problemas muito mais graves, contaminando o ambiente e a saúde do homem, destruindo as futuras gerações. As incineradoras gastam recursos e criam emissões perigosas.
Existem Alternativas para a Incineração Existem alternativas viáveis para o tratamento de lixo hospitalar, municipal, industrial e lixo perigoso. O lixo hospitalar é essencialmente composto por lixo não infeccioso, que é semelhante ao lixo municipal geral. Manter separados os fluxos para lixo potencialmente infeccioso e não infeccioso é um processo acessível em termos de custos e é económicamente viável porque reduz a quantidade total de lixo potencialmente infeccioso que necessita de tratamento. Existem alternativas de não combustão para o tratamento de lixo hospitalar potencialmente infeccioso. Os programas para a redução de lixo e separação de material descartável em categorias tais como re-utilizáveis, recicláveis e compostos que possam ser transformados e re-utilizados, representam melhores estratégias ambientais e financeiras para lidar com o lixo municipal do que a incineração. A melhor forma de lidar com lixo industrial é a prevenção: reduzindo ou eliminando as fontes de lixo industrial perigoso e produtos de lixo intenso assim como minimizando a quantidade e toxicidade dos restantes residuos. Foram desenvolvidos métodos de tratamento não-combustão para lixo perigoso que já existe, e são menos perigosos do que a incineração. ■
A melhoria da governação florestal, onde se inclui a fiscalização, é central para os desafios de redução da pobreza. Mas os documentos que o Governo publica sobre o que tem vindo a fazer mostram que a fiscalização florestal não é uma prioridade. Devia ser, quanto a nós, pois a situação actual é complementamente incompreensível. Tomemos o exemplo da província de Nampula, que se situa no centro da exploração, no centro do escoamento e exportação e, logo, é igualmente aquela em que os problemas são mais visíveis. O sector de agricultura em Nampula conta com apenas 42 e uma viatura obsoleta para cobrir uma província com vinte e um distritos. A maior parte dos distritos de Nampula têm um único fiscal que funciona sem meios. E até 2006, segundo dados oficias, o país tinha apenas 364 fiscais ajuramentados, distribuídos pelas 10 províncias, para fiscalizarem cerca de 630 operadores em regime de licenças simples e 120 concessões em todo o país. O quadro é dramático. Mas o drama acentua-se mais quando não se sabe o que é que o Governo tem vindo a fazer nesta área. Pior ainda quando não se presta contas sobre o que se prometeu, no ano seguinte. Se no Balanço do PES não podem caber detalhadamente as matérias ambientais e de gestão das florestas, é urgente que os sectores relevantes produzam informação para partilharem com a opinião pública. Marcelo Mosse
AMBASSADE FRANCE AU MOZAMBIQUE ET AU SWAZILAND
A publicação do País Verde foi possível graças ao apoio da Cooperação Francesa. O conteúdo nele expresso não reflecte necessariamente os pontos de vista da Embaixada da França é da responsabilidade exclusiva da Justiça Ambiental
O País
2
Suplemento
Sexta-feira: 14 de Março de 2008
As barragens representam perigo de cheias num planeta em aquecimento Por: Patrick McCully*
Num período em que Moçambique enfrenta as piores cheias desde a independência, o Presidente Guebuza afirma que a solução é construir mais barragens. No entanto, as barragens são tão boas quanto os seus operadores, desenhistas e técnicos de manutenção – e nenhum destes foram particularmente bons em Kariba. E não existe nenhuma garantia que as barragens que já possuímos sejam capazes de suportar um clima em constante mudança. As nações do Zambeze devem aprender com os erros das outras nações e adoptar um conjunto de técnicas mais flexível, efectivas e sofisticadas, de forma a melhor lidar com as cheias.
ocorrem de forma espectacular, e por vezes são catastróficas. É criada uma falsa percepção de segurança que encoraja projectos de desenvolvimento arriscados em planícies aluviais vulneráveis.
falhas devem ser planeadas. O “caminho suave” também é baseado num entendimento de que alguma inundação é necessária para a saúde dos ecossistemas ribeirinhos.
Em demasiados casos de controlo de cheias através de barragens, os habitantes a jusante são colocados em risco por agências que estão mais interessadas em espremer a maior quantidade possível de energia ou de água para irrigação dos reservatórios, do que manter os níveis de água baixos o suficiente para absorver as águas das cheias.
Em vez de gastar biliões de dólares em vão a tentar erradicar as cheias, nós devemos reconhecer que as cheias irão acontecer, e aprender a viver com este facto da melhor maneira possível.
As limitações das formas de controlo convencionais irão tornar-se mais evidentes à medida que se realizarem testes às barragens e represas, de forma a testar
Isto significa proteger os nossos bens mais valiosos, construindo casas em montes ou sobre pilares, defender áreas urbanas com represas planeadas e mantidas de forma cuidadosa. Isto também significa fazer tudo o que for possível para sair do caminho destrutivo das cheias através de um aviso atempado e medidas de evacuação.
As cheias são, entre os desastres naturais, as mais destrutivas, mais frequentes e com maior custo. E este facto piora a cada dia. As cheias no Zambeze já afectaram centenas de milhares de pessoas. Mais pessoas morrem a cada dia, na sua grande maioria por doenças causadas pela água contaminada. Ao menos parte deste sofrimento tem prevenção.
Tais práticas estão em uso em várias partes do mundo. Na China, estão em curso esforços para efectuar a restauração de 20.000 quilómetros quadrados do mangal de Yangtze, de forma a actuar como área de absorção de inundações.
No entanto, parece que actualmente, a barragem de Cahora Bassa tem vindo a ser operada de forma mais cuidada, o que não acontece com a barragem de Kariba. Foi admitido pelos operadores da barragem de Kariba que no pico da nossa época de chuvas, a barragem estaria 100% cheia, de forma a maximizar a provisão de energia eléctrica às minas. Os residentes a jusante irão sofrer com esta má gestão. Este não é o primeiro caso da má gestão de barragens que aconteceu em África. Centenas de pessoas foram mortas e centenas de milhares foram afectadas quando, em 1999 e em 2001, os operadores da barragem Nigeriana abriram as suas comportas sem aviso prévio. O desastre das cheias do ano passado no Gana tornou-se bastante pior quando os operadores de Burkina-Faso abriram as suas comportas para impedir que a barragem de Bagre transbordasse após intensas chuvas. Esta água libertada correu a montante, em direcção ao Gana, pelos rios Volta Branco e Negro, embatendo com grande intensidade nos habitantes à margem do rio. Neste caso – bem como em outros por todo o Mundo – as barragens que supostamente iriam auxiliar a diminuir as cheias tornaram a situação pior. Os danos causados pelas barragens têm pairado internacionalmente nas últimas décadas, em parte devido ao facto de o aquecimento global estar a causar tempestades
Estão a ser realizados testes com descargas hídricas artificiais na Nigéria como meio de reavivar os ecossistemas dos mangais a jusante, desde as Barragens do Tiga e de Challawa Gorge. Neste momento, estão a ser propostas alterações na gestão de águas para a Barragem de Cahora Bassa que poderão reduzir o impacto de grandes inundações e restaurar os ecossistemas a jusante. cada vez mais intensas, e também porque cada vez mais pessoas vivem e trabalham em planícies aluviais.
os seus limites programados, através da indução dos efeitos do aquecimento global.
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que até 2050, o número de pessoas em risco de desastre de cheias irá aumentar até 2 biliões. Um factor importante por detrás destes desastres em espiral são as mesmas medidas de controlo que supostamente deveriam proteger contra estas calamidades.
O autor Jacques Leslie descreve de forma apta as barragens como “armas carregadas apontadas aos rios”. As barragens matam, não só pela negligência e falha dos operadores de barragens em avisar as pessoas a jusante quando as comportas são abertas subitamente, mas também porque estas se desmoronam (em 1975, na China Central, pelo menos 230,000 pessoas morreram devido a uma sequência de falhas de barragens).
As barragens e represas não conseguem ser sempre à prova de falhas, e quando estas falhas acontecem,
Breves ★ Breves ★ Breves ★Breves ★ Breves ★ Breves★ Breves
Biocombustíveis ameaçam anular progresso no combate à fome, diz “Financial Times” O jornal britânico “Financial Times” adverte que o progresso alcançado entre 1990 e 2005 no combate à fome, principalmente entre as crianças, está ameaçado pela subida do preço dos alimentos, impulsionada, entre outros factores, pelos subsídios pagos à produção de biocombustível. Segundo o “FT”, o preço de comodidades como trigo, soja e milho duplicaram, ou até triplicaram nos últimos anos. “O resultado é a pobreza para milhões; a duplicação do preço significa escassez e o aumento da desnutrição.” O “FT” afirma que muitos dos factores que provocaram a alta dos alimentos são temporários, “mas a maior mudança estrutural são os biocombustíveis. No espaço de alguns anos, os Estados Unidos destinaram cerca de 40 mil toneladas de milho para a produção de bioetanol, cerca de 4% da produção global de grãos. Este rápido crescimento é em grande parte resultado dos subsídios que têm que ser cortados”.
Isto significa tomar medidas de forma a diminuir a sua rapidez e tamanho dos rios (por exemplo, restaurar os mangais e o serpentear do curso do rio) e duração (melhorando por exemplo a drenagem).
“Os benefícios ambientais do bioetanol de milho são ambíguos, na melhor das hipóteses, e não deveriam ser favorecidos em detrimento da plantação de milho para fins alimentares.” (Fonte: BBC Brasil)
Humanos já alteraram 100% dos oceanos Quem olha de uma praia para o oceano e imagina, além do litoral, vastidões de mar intocadas pelos seres humanos vai levar um balde de água fria: o primeiro levantamento global já feito do impacto da humanidade sobre os mares mostra que não existe um metro cúbico sequer da vastidão azul que seja realmente “virgem”. O estudo foi feito por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Santa Barbara (EUA) e publicado na revista “Science”. O estudo compilou as bases de dados existentes sobre 17 impactos humanos de 20 dos 24 grandes tipos de habitat marinho. Não só não existem áreas intocadas, mas também pelo menos 40% do oceano está fortemente afectado. Factores como poluição inorgânica, acidificação, elevação global da temperatura
Várias barragens de grande porte desmoronaram na Nigéria com consequências mortais, destacam-se a Barragem Bagauda no estado de Kano, em 1988; a Barragem de Cham no estado de Gombe, em 1991 e, a Barragem de Bagoma no estado de Kaduna, em 1994. Os planos de controlo convencionais de “caminho duro” costumam ignorar os trajectos complexos dos rios e costas. As barragens, represas, o estreitamento e dragagem dos rios desencadeiam mudanças profundas no fluxo da água e sedimentos ao longo das bacias. Os danos das cheias aumentam quando os engenheiros dos projectos reduzem a capacidade dos canais dos rios, bloqueiam os escoamentos naturais, aumentam a velocidade das inundações, causam subsidência dos deltas e erosão costeira. Adicionando a isto, os planos de controlo convencionais de “caminho duro” normalmente diminuem a saúde ecológica dos rios e estuários. Existe uma forma de lidar com estas inundações – o “caminho suave” na gestão de risco de cheias. A gestão de risco de cheias assume que todas as infra-estruturas anti-cheias podem falhar, e, estas
Nos Estados Unidos, está em curso no rio Napa, na Califórnia, um projecto de 10 anos, que tem como objectivo reduzir as cheias e restaurar as marés pantanosas, bem como retirar alguns edifícios da zona de inundações e recuar represas de forma a dar mais espaço ao rio para este se estender. As comunidades que vivem ao longo do rio mais longo da França, o rio Loire, conseguiram persuadir o governo a esboçar um plano de “controlo de inundações” que favorecesse à restauração do rio e com um sistema de prevenção. Apesar do consenso Mundial crescente de que a única política realística de controlo de cheias é a mitigação e não a eliminação, persistem ainda facções poderosas devotas a métodos de controlo de cheias “duros” e obsoletos. Existe um triângulo de políticos, burocratas e construtores de barragens que continua a prometer a salvação através de represas e barragens após ocorrência de cheias (mesmo quando as cheias se tornaram piores – ou foram causadas – por barragens ou represas já existentes). No lugar de seguir métodos de gestão de inundações que fracassaram em outros pontos do Mundo, África pode aprender através dos erros de outras nações, e adoptar um conjunto de técnicas mais flexíveis, efectivas e sofisticadas, de forma a lidar melhor com as cheias.■ *Autor de “Depois do Dilúvio: Lidando com cheias num Clima em Mudança”, que foi publicado pelo International Rivers Network (IRN)- Rede Internacional de Rios . Pode baixar este relatório na seguinte morada electrónica http://tinyurl. com/yo3oug
Suplemento
Sexta-feira: 14 de Março de 2008
3
O País
Refugiados ambientais: um rótulo legítimo?
Ao mesmo tempo que estes argumentos são compostos, existem outros indivíduos que procuram contestar a noção de “refugiados ambientais”. Estas contradições assentam no facto de não existir nenhuma evidência de pessoas que tenham sido forçadas a sair das suas casas de forma similar como a que é descrita no parágrafo acima. Eles suportam esta ideia proferindo que o ambiente tem vindo sempre a modificar e que esta migração é uma forma clássica de lidar com estas mudanças. Alegam ainda que é pouco sincero referir como refugiados a pessoas que fazem da migração um método antigo de sobrevivência. Também contestam que a subida do nível do mar irá levar a migrações em grande escala. Estas pessoas argumentam que as pessoas expostas a inundações regulares, migram apenas de forma temporária e com distâncias curtas como resposta a este fenómeno. Argumentam ainda, que as pessoas que já viveram com a situação das cheias por muito tempo, encaram as inundações como uma oportunidade, no sentido de que as cheias conseguem restaurar a produtividade do solo, alegando por isso que, os números actuais de “refugiados ambientais” são um grande exagero. As pessoas que refutam a ideia de “refugiados ambientais”, não só refutam os números existentes de refugiados ambientais, mas também, desaprovam os próprios fundamentos teóricos da existência destes. Elas fazem isso argumentando que, a forma como ocorrem as alterações ambientais influencia a migração e pouca diferença tem com os constantes incentivos económicos, logo, de entre os agentes impulsionadores das migrações, torna-se difícil de diferenciar o peso das mudanças ambientais e o dos factores sociais ou económicos. Desta forma, alegam que o termo “refugiados ambientais” não tem sentido. Tal como estes, outros também discutem que não são as mudanças ambientais que estão a comprometer o sustento das pessoas, mas sim o desenvolvimento insustentável, que transformou as pessoas mais vulneráveis às pequenas mudanças do seu ambiente, pois em condições mais sustentáveis, estes seriam capazes de suportar melhor estas mudanças. Como tal, defendem que a causa básica de migração não são as mudanças ambientais, mas sim pobres práticas de desenvolvimento.
expandir esta definição de forma a incluir mais géneros de migrantes forçados, tais como os que são forçados a mover-se devido a mudanças ambientais, ou pela construção de barragens, é algo imprudente por duas grandes razões. Primeiro, uma definição demasiado abrangente poderá levar à falência de estados (especialmente em África), que poderão ver-se obrigados a abrir as portas a um grupo demasiadamente vasto de pessoas a necessitar de apoio governamental. Segundo, porque os migrantes forçados terão diferentes necessidades, sendo importante compreender que nem todas estas necessidades poderão ser atendidas da melhor forma possível. Por exemplo, as pessoas em busca de asilo político necessitam de protecção fora do seu estado/país, por outro lado, pessoas em fuga de catástrofes ambientais poderão ser melhor auxiliadas se permanecerem no seu estado de origem, onde as acções tais como alívio a desastres podem ser melhor dirigidas.
direitos humanos. Então, a preocupação das pessoas que procuram negar a existência destes refugiados ambientais, centra-se nos países que já estão a tentar restringir o acesso aos refugiados. Estes irão usar o argumento que as pessoas que alegam ser refugiados são realmente refugiados ambientais, e não os refugiados descritos na definição. Isto irá facilitar a estes países a esquivar-se às suas obrigações de providenciar protecção aos refugiados ambientais.
Logo, enquanto a expansão do termo desta definição de refugiados, de forma a incluir estes indivíduos em fuga de um meio ambiente hostil possa parecer à primeira vista positiva, por assegurar que grupos vulneráveis cujos estados não consigam suportálos, possam receber ajuda internacional, poderá, por outro lado, devido aos diversos tipos de necessidades de migrantes forçados, fazer quase impossível a escrita à lei internacional, no que concerne às obrigações políticas respeitante aos refugiados. Isto não quer dizer que não haja uma base moral por parte das convenções internacionais que tornam mandatária a provisão de assistência internacional a grupos que tiveram experiências de mudanças ambientais dramáticas. Muito pelo contrário, estes argumentos detêm um peso moral enorme. A principal questão é que estas necessidades devem ser dirigidas no seu próprio fórum, não devendo ser exploradas dentro de um termo legal já controverso, no qual os governos burocráticos continuam a manipular de forma a diminuir as suas obrigações para com os refugiados.
Foto: Daniel Ribeiro
A questão dos “refugiados ambientais” já mostrou ser um tema polémico desde meados de 1980, quando este termo entrou em uso popular pela primeira vez. Desde então, o termo tem sido usado tanto por pessoas como por organizações quando querem se referir a grupos (normalmente de grande dimensão) de pessoas em que se pensa terem sido forçados a sair da sua terra natal, como resultado de destruição ambiental. Actualmente, não existe nenhuma contagem oficial do número de “refugiados ambientais” existentes, (aliás, este artigo irá mostrar, que a existência destes tem sido bastante contestada), mas as estimativas assentam entre 10 a 25 milhões, com previsões futuras para 2050 tão altas quanto 250 milhões. Pensa-se que os maiores causadores destes valores poderão ser a escassez de água, a desertificação e o aumento do nível do mar, prevendo-se que estes fenómenos venham abalar o sustento das pessoas de tal forma que estas não terão grande escolha senão migrar para outros locais, à procura de terra, alimento e água.
Por: James Morrisey
Estas críticas são relevantes. Admite-se que é um pouco absurdo alegar a existência de 25 milhões de pessoas sem que haja qualquer tipo de prova que suporte estes números. Também é oportuno criticar a forma simplista de como as mudanças ambientais foram capazes de prever um aumento de centenas de milhares de refugiados. Por outro lado, os argumentos que subestimam os impactos possíveis das mudanças climáticas globais, utilizando como justificação os anteriores padrões de cobertura da terra e as inundações ribeirinhas confluentes com as permanentes inundações de água salgada são simplesmente insuficientes: as crescentes evidências da proporção de mudanças ambientais induzidas pelo clima esperadas nos próximos cinquenta a cem anos, deverão fazer-nos reflectir muito sobre o potencial impacto na população. Ainda relativamente a estes argumentos, só com a visão muito turva é que se pode ignorar a ligação entre os processos ambientais, económicos e sociais. Ao unir todas estas questões, ficamos incapazes de ver a forma marcante de como estas interagem. Se, por exemplo, tiverem sido os fracos projectos ambientais que conduziram à degradação ambiental, que consequentemente levou à alteração dos incentivos económicos, então, é importante ponderar sobre estas ligações, para que, no futuro, nós possamos avaliar os projectos de desenvolvimento propostos quanto aos seus impactos ambientais, de forma a prevenir impactos económicos negativos sobre as comunidades, impedindo assim a sua migração.
Então por que não podemos expandir esta definição de “refugiado” de forma a incluir pessoas em fuga de meio ambientes hostis? A resposta a esta questão assenta na compreensão do relacionamento entre o governo e os seus cidadãos. As acções persecutórias direccionadas aos cidadãos por parte dos estados representam uma violação fundamental do contracto entre os cidadãos e o estado. Esta violação torna o governo ilegítimo. Logo, os estados que conseguiram a sua legitimidade no direito
Desta forma, como é possível fazer sentido destes pontos de vista tão divergentes, onde ambos parecem ter fundamentos válidos. Será que devemos considerar um meio-termo, ou repensar a nossa motivação no uso do termo “refugiados ambientais”? O termo refugiado tem um significado muito específico. Este termo é actualmente definido como a pessoa que “devido a um medo bem fundado de ser perseguido, por questões de racismo, religião, nacionalidade, filiação a um determinado grupo social ou opinião política, se encontra fora do país da sua nacionalidade, e, devido ao medo, é incapaz e relutante em beneficiar da protecção do seu país ”. Nesta definição, é óbvio que não existe nenhuma menção de pessoas pressionadas por ambientes hostis. Também é claro que os “refugiados” são um grupo de definição muito estrita. No entanto, esta restrição da definição é importante na atribuição de obrigações específicas aos países e na garantia dos
universal de legitimar as necessidades do governo terão que se mostrar dispostos a receber os indivíduos que são forçados a sofrer nas mãos de um estado ilegítimo. Este é o raciocínio teórico por detrás dos direitos a asilo e explica por que estamos a definir os refugiados desta forma. A ideia de
Logo, acredita-se ser de pouca utilidade falar de “refugiados ambientais”. Mas isto não significa que as mudanças ambientais deixarão de surtir efeito nos padrões de migração. Muito pelo contrário, as mudanças ambientais induzidas pelo clima poderão ter um impacto significativo na localização das pessoas, e este aspecto poderá criar imperativos morais em todos nós. O mais importante a reter é que nós não invocamos termos como “refugiados ambientais” ou “genocídio climático”, o que pode levar a obscurecer a real relação que existe entre as mudanças ambientais e as migrações, fazendo na realidade, pouco mais do que servir de instrumentos que as organizações de caridade podem usar para puxar pelas emoções de doadores abastados do Norte Global 1. De preferência, é necessário uma maior compreensão de como os sistemas sociais poderão responder às mudanças ambientais. Para tal, é necessário efectuar um primeiro passo e gerar políticas adequadas, de forma a melhor lidar com este problema global, que é uma preocupação crescente.■ 1 Divisão socio-económica e política, na qual os países desenvolvidos são comunalmente conhecidos como “O Norte”, por se encontrarem todos no Hemisfério norte.
O País
4
Suplemento
Sexta-feira: 14 de Março de 2008
É extremista não ser verde Por: Lori Pottinger
Os ecossistemas de água doce estão em particular mau estado e, portanto, também estamos nós. Os primeiros quatro anos de estudo da avaliação do milénio (disponibilizada em 2005) descobriram que os mangais providenciam serviços à humanidade calculados em montantes tão altos quanto 15 triliões de dólares por ano, incluindo o fornecimento de água, da qual dependem três biliões de pessoas. No entanto, as práticas humanas estão a degradar e a destruir estes mangais a um ritmo mais acelerado, quando comparado com a destruição de qualquer outro ecossistema. Quanto aos rios canalizados, o relatório indica que estes estão bastante mais aptos a causar danos extremos resultantes de inundações; mais de 100,000 pessoas foram mortas por cheias na década de 90, com danos a atingirem os 243 biliões de dólares.
doce do que qualquer outra intervenção humana. A Avaliação do Milénio indica que o montante de água confinada nas barragens já quadruplicou desde 1960, e existe agora seis vezes mais água retida em reservatórios do que a fluir nos rios naturais.
As grandes barragens fizeram mais danos aos ecossistemas de água
A Avaliação expressa que “qualquer progresso alcançado ao dirigir-se à
Não só tem ocorrido a degradação do ambiente e o declínio dos recursos hídricos, mas também tem vindo a aumentar a lacuna entre os ricos e os pobres. As avaliações indicam que os níveis de pobreza permanecem altos e as desigualdades crescem: mais de um bilião de pessoas sobrevive com menos de 1 dólar por dia, e mais de 2 biliões de pessoas são afectadas pela escassez de água. Cerca de 1.8 bilião de pessoas morrem anualmente devido a sanidade e fornecimento de água inadequados.
Foto: Anabela Lemos
A Avaliação do Milénio do Ecossistema é uma análise do estado geral de saúde do planeta. Está actualmente em curso e é patrocinada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Esta avaliação revela como o nível de destruição do mundo natural está a ameaçar a nossa capacidade de prosperar no planeta. Esta análise (a maior avaliação de sempre das mudanças ambientais e seus impactos no bem-estar humano) revela a degradação rápida e crescente do ecossistema, que é essencial à vida na Terra.
erradicação da pobreza e da fome, melhoria da saúde e protecção ambiental, provavelmente, não será sustentável se a maioria dos serviços dos ecossistemas com os quais a humanidade conta continuar a ser degradada. “ Invoca-se por mudanças extremas na forma como a natureza é tratada a qualquer nível das tomadas de decisão, bem como novas formas de cooperação entre o Governo, o sector empresarial e a sociedade civil.” Têm sido realizados esforços notáveis para melhorar a qualidade dos projectos de desenvolvimento – por exemplo, as linhas de orientação desenvolvidas pela Comissão
Mundial de Barragens (CMB). A abordagem transparente e participativa da CMB na tomada de decisão iria auxiliar a afastar os planos de investimentos das grandes barragens, e levar em direcção a uma abordagem que ajude os pobres a serem donos do seu próprio desenvolvimento, enquanto reduz os impactos ambientais do consumo de água e energia. Esta abordagem aumentaria o nível de consciência pública das vantagens de alternativas descentralizadas e iria forçar os projectistas a tomar responsabilidade pelos custos de uma avaliação, mitigação e compensação adequada dos impactos negativos provocados pelas grandes barragens.
No entanto, o aclamado relatório do CMB foi considerado demasiado extremista por muitas pessoas dentro do forte grupo de pressão de barragens. Actualmente, após uma década, durante a qual o conceito de construção de grandes barragens tem estado em declínio constante, o Banco Mundial, numerosos governos da África Austral e a indústria de barragens têm vindo a pressionar para uma revitalização da construção de grandes barragens, colocando as recomendações da CMB em segundo plano. Esta reacção é realmente extremista. O retorno dos maus velhos tempos das grandes barragens (bem como outras abordagens de “negócios como de costume” no desenvolvimento humano) irá agravar a queda ecológica, o prejuízo social das economias em desenvolvimento e a lacuna entre os ricos e os pobres. A indústria das barragens não está só na oposição à “mudança extremista”. Os obstinados em promover a abordagem de “negócios como de costume” – as indústrias petrolíferas, mineiras e madeireiras são apenas algumas – irão lutar para encontrar novas formas de fazer negócio e trazer o desenvolvimento sem destruir o meio ambiente dos países pobres. É esperado que os entrincheirados defensores do estado actual das coisas continuem a sua luta de marginalizar o movimento do meio ambiente “demasiado extremista”, de forma a acomodar o progresso humano. A maior parte de nós, que trabalhamos árduo nas “trincheiras verdes”, tem sido rotulado em determinadas alturas, de extremistas, por vezes, somente por possuir uma opinião divergente dos detentores do poder. Estes esforços de rotular as ONG de extremistas têm sido muito intensificados no actual clima político. O que a Avaliação do Milénio mostra é que a luta contra a protecção ambiental e pelo desenvolvimento “statu quo” é que é uma posição extremista. Se a comunidade internacional quiser reduzir a pobreza e a degradação ambiental, vamos necessitar de ferramentas para desencorajar a abordagem “negócios como de costume” no desenvolvimento, e promover planos inovadores a favor dos pobres e do desenvolvimento. É momento de virar a mesa no que é rotulado de extremista, e no que são consideradas as correntes predominantes. Aqueles que se recusam a prestar atenção às recomendações de órgãos progressivos como a CMB e a Avaliação do Milénio do Ecossistema é que são os verdadeiros extremistas, que devem ser marginalizados.■