Era uma vez o Rinoceronte
Fontes e mais informações: www.cfmv.org.br/portal/noticia.php?cod=3768 http://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/meioambiente/2013-05-03/caca-ilegal-mata-ultimo-rinoceronte-de-mocambique-diz-chefe-de-reserva.html www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-extincao-dos-rinocerontes-de-mocambique
Poluição Uma década após a instalação e entrada em funcionamento do primeiro grande projecto de investimento directo estrangeiro em Moçambique – a fundição de alumínio da Mozal – foram e continuam ainda a ser desenvolvidos no país outros projectos de maior ou igual dimensão, com destaque para a exploração de carvão em Tete e as sucessivas descobertas de Gás e Petróleo na Bacia do Rovuma, na província nortenha de Cabo Delgado. Infelizmente para Moçambique, a existência destes projectos não se tem traduzido num bem comum, e pelo menos até ao momento, não tem vindo a contribuir para o bem-estar social e para a melhoria das condições de vida da maior parte da população Moçambicana. Apesar de proclamados pelo Governo projectos de interesse público, os benefícios destes não se têm feito sentir no seio do mesmo. Para além dos vários problemas de ordem social que causam, alguns destes projectos também carregam consigo elevadíssimos custos ambientais resultantes do desenvolvimento das suas actividades durante o seu período de exploração e operação. A título de exemplo, segundo resultados de uma pesquisa realizada na Matola e monitorada pela ONG GroundWork durante três semanas, foi concluído que o nível de poluição que se regista na Matola está muito acima daquele estipulado pela Organização Mundial de Saúde como aceitável. Concluiu-se que o ar que é respirado na zona, principalmente nas redondezas das empresas Cimentos de Moçambique e da Mozal está gravemente poluído. Os problemas não terminam por aí. São várias as preocupações a nível nacional em relação ao impacto
Conselho Editor: Anabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna e Vanessa Cabanelas
Foi com tristeza que no mês de Abril lemos nas notícias, nacionais e internacionais, que Moçambique conseguira uma vez mais a faceta de extingir os rinocerontes do território nacional. Sim, uma vez mais, porque eles já haviam sido dizimados no fim do século passado, e só em 2002, depois de acordado o Parque Transnacional do Grande Limpopo com a África do Sul e o Zimbabwe, é que os rinocerontes foram reintroduzidos no parque e no país. Só que a boa intenção não serviu de nada e a história repetiu-se: voltamos a extinguir o rinoceronte. O que mais nos transtorna é que, desta feita, fizemo-lo dentro duma área de conservação - o Parque Transfronteiriço do Limpopo - que faz fronteira com o Kruger Park e onde supostamente estes deveriam estar protegidos. Ou seja, como se não fosse alarmante o suficiente que em Moçambique se esteja a tornar cada vez mais raro encontrar fauna bravia fora de áreas de conservação, agora não conseguimos protege-los nem nessas áreas. Esta nova extinção dos rinocerontes em Moçambique foi causada pela caça ilegal, que por sua vez foi fomentada pela procura que os chifres deste magnifico animal têm no mercado asiático, onde em alguns países se vive na ilusão que têm propriedades afrodisíacas. Praticamente ao mesmo tempo que se noticiou a extinção dos rinocerontes, surgem várias outras noticias e até um pequeno documentário num canal de televisão moçambicano sobre a matança descontrolada de elefantes no norte de Moçambique, tanto no Niassa como em Cabo Delgado (uma média de 3 por dia). Esta matança descontrolada de elefantes também é pelo valor das suas presas de marfim e também ocorre dentro de parques nacionais. As imagens foram chocantes. Os entrevistados, representantes de organizações nacionais e internacionais, fiscais dos parques e cientistas, foram unânimes em afirmar que se Moçambique continuar a ignorar estes problemas, e a matança continuar a este nível, dentro de cinco anos os elefantes também estarão extintos em Moçambique. Quando será que os nossos governantes vão ter a boa vontade de parar com esta crueldade? Aparentemente, os caçadores ilegais são apanhados muitas vezes, mas devido ao fraco enquadramento legal, eles acabam por ter penas pequenas e mal saem voltam às suas actividades ilícitas. Sabe-se também que, alegadamente em função dos baixos salários de que auferem, alguns guardas florestais são coniventes com os caçadores ilegais. Se os parques e reservas pagassem salários condignos aos guardas pelo trabalho importante que fazem, talvez eles não tivessem a necessidade de se corromperem. Para piorar, a lei de crime Ambiental, que já devia ter sido aprovada à muitos anos, continua perdida nas gavetas dos gabinetes dos nossos governantes. Se não estamos em erro, desde 2008/09 que se fala da necessidade de aprovar uma lei sobre crimes ambientais, mas como esta não é de interesse para os nossos governantes ou para as multi-nacionais a operar em Moçambique, continua sem aprovação e em paradeiro incerto. Em 2009, a JA teve uma reunião com o MICOA e ofereceu-se para ajudar na preparação da lei, mas a resposta que tivemos foi que havia sido entregue a consultores, e que, assim que tivessem um draft para debate nos informavam... Quatro anos depois ainda estamos à espera. Só podemos concluir que não há interesse, pois quando para agradar e acomodar investidores é preciso que se criem ou alterem leis e regulamentos, como entre outras, a do Petróleo, Mineração, Plantações, em menos de seis meses está feito. Dia Mundial do Ambiente em Moçambique? Para comemorar o quê? A falta de leis e regulamentos que protejam as espécies que temos para as futuras gerações? A falta de inter-
esse dos nossos governantes em monitorar e fiscalizar os crimes ambientais que são constantemente reportados na imprensa, em pesquisas, em relatórios e publicações? Não temos motivo algum para comemorar, mas lançamos um desafio: Que para o ano Moçambique dê aos Moçambicanos um motivo para comemorar, mesmo que seja só um. Talvez um esforço real no sentido de preservar e proteger os elefantes do norte do país, talvez até uma lei sobre crimes ambientais em cima da mesa... A luta da JA continua, para que as futuras gerações de Moçambicanas e Moçambicanos possam usufruir dos nosso recursos naturais, e para que os nossos filhos e netos possam ver a nossa fauna bravia sem ser só por fotografias.
das actividades dos megaprojectos sobre o ambiente, e já foram feitas várias denúncias sobre os níveis de poluição causados por tais empresas. Várias foram também as vezes em que tentámos obter respostas do Ministério para Coordenação da Acção Ambiental (MICOA), que é a instituição, que se diz responsável pelas questões ambientais, mas que nunca sabe responder cabalmente às preocupações levantadas. Contrariando aquela que deveria ser a sua função, o MICOA muitas das vezes apadrinha as ilegalidades dentro das quais tais empresas funcionam, e sem vergonha alguma já por várias vezes se pronunciou em defesa de alguns grandes projectos. O que se tem notado e o que a experiencia nos tem mostrado, é que a pergunta – Porquê que os assuntos ambientais, e em particular a poluição, são ignorados no nosso pais? – tem como resposta óbvia o facto de termos um Governo orientado para e pelo capital. Este, preocupa-se e dedica-se apenas a obter os ganhos financeiros e os benefícios económicos que os megaprojectos trazem (ainda que apenas a um grupo restrito), ignorando o elevado nível de poluição que estas actividades causam ao meio ambiente, e que, de uma ou de outra forma, afectam de forma muito negativa a saúde dos moçambicanos e do planeta. Segundo o académico Castelo Branco, “é preciso que o Governo perceba que, para além da crise internacional económica e financeira, Moçambique também está a entrar numa crise ambiental, daí a necessidade de Moçambique contribuir para a preservação do meio ambiente, através da introdução de medidas severas contra os agentes mais poluidores”. Mas a Mozal, a Vale, a Rio Tinto, a Jindal, a Cimentos de Moçambique e muitas outras que têm surgido de forma clandestina e operam de forma quase ou mesmo sigilosa, acabam sempre sendo traídas pelos níveis de poluição que causam, tais como a empresa “PAIROAFRICA” operando na Matola na rua da Mozal, que se dedica à queima de pneus para produção de Biodiesel, sem qualquer cuidado ou medida de segurança e controle relativamente ao impacto que a sua actividade possa causar quer na vida e saúde dos seus pobres trabalhadores, como nas comunidades e famílias vizinhas. No entanto, a população em volta tem reclamado constantemente sobre o alto nível de poluição a que estão sujeitos e que lhes é imposto pela empresa. Infelizmente, nunca obtiveram nenhuma resposta, nem da empresa e muito menos do Governo. A verdade é que, um Governo não pode apenas olhar para os mega-projectos sob o ponto de vista económico e ignorar ou não tomar em conta a problemática ambiental que esses projectos trazem. Com as experiencias e exemplos já existentes no mundo, é altura de se responsabilizarem as empresas e projectos pelos altos níveis de poluição que têm causado, perigando cada vez mais a saúde e a vida humana, expondo-nos a doenças de vários foros. É fundamental que o país entenda que é importante e que precisa neste momento de enveredar por uma economia em que uma das prioridades seja a preservação do meio ambiente em todos os projectos de desenvolvimento económico; e que hajam e ou se desenvolvam regulamentos claros visando sancionar os que mais poluem. Não se explica por exemplo, o porquê de não se tornarem públicos os planos de gestão ambiental e todas as avaliações que são feitas anualmente para medir a quantidade e o impacto da poluição. O facto de o Ministério para a
Coordenação da Acção Ambiental (MICOA) continuar a manter refém tais documentos, dá a entender que esta instituição está a garantir que as empresas continuem a poluir sem qualquer restrição. Não se justifica ainda, o porquê de em pleno século XXI, o governo permitir ainda que se desenvolvam no país projectos de exploração de carvão a céu aberto, mesmo sabendo dos graves problemas ambientais que este modelo causa, com destaque para a poluição atmosférica e a contaminação dos cursos de água. Não se deve, olhar para os impactos dos grandes projectos de forma isolada. É preciso que se avalie a contribuição de cada um desses projectos e seus impactos tendo em conta as emissões feitas por outras empresas já existentes no mesmo sector e não só. Não se pode esquecer ou ignorar o facto de Moçambique constar da lista de países mais afectados pelas mudanças climáticas. Portanto, ao escolhermos um modelo de desenvolvimento, neste caso económico, temos de o fazer responsavelmente e ter consciência que estamos inevitavelmente a escolher uma estratégia ambiental. Por sua vez, só com uma boa estratégia ambiental poderemos caminhar rumo a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
A Preservação do Ambiente e a Vontade Política Desde 1972 a esta parte, anualmente, a 5 de Junho tem-se celebrado o Dia Mundial do Ambiente. Esta data foi estabelecida pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas com o intuito de tratar de assuntos ambientais que englobam o planeta, por via desta chamar atenção à acção política dos governos e povos dos países para aumentar a consciencialização e a preservação ambiental. A importância desta data estaria supostamente relacionada directamente com as discussões que surgem em relação a diversas formas de poluição, desmatamento, redução da biodiversidade e da disponibilidade de água potável para o consumo humano, efeito de estufa e degradação do ecossistema como um todo, mas, no entanto, a falta de consciencialização dos males causados pela degradação do meio ambiente, bem como a falta de políticas alternativas para reverterem o actual cenário, poderá a médio longo prazo afundar o tal desenvolvimento que tanto se almeja. Curiosamente, nos últimos anos sempre que se aproxima o Dia Mundial de Ambiente, questionamo-nos: Será digno para com os moçambicanos (especialmente para os cerca de 70% que vivem em zonas rurais) que Moçambique adira à celebração desta memorável data? Numa altura em que Moçambique vem testemunhando vergonhosas violações ambientais de todo tipo – ora é a Mozal a poluir o ar sem os filtros adequados, ora são as indústrias de mineração a poluírem os rios e a contaminarem os solos, ora são os frequentes e vergonhosos casos de branqueamento de madeira pondo em causa a sustentabilidade das florestas e dos que delas dependem– há que reflectir sobre a questionável mentalidade e consciência em relação ao futuro do País em particular, e do planeta em geral por parte dos decisores. O relatório do EIA (Environmental Investigation Agency) recentemente publicado é um exemplo de falta de comprometimento para com o ambiente por parte de estruturas que governam, a fim de querer obter “ganhos” individuais prejudicando uma gama de cidadãos moçambicanos que dia-a-dia sacrificam dignamente as suas vidas para a sobrevivência das suas famílias. Com vari
adíssimos casos reportados de destruição de florestas com recurso ao corte ilegal, o relatório faz sugerir que todas as dificuldades que o sector florestal enfrenta, tais como a insuficiência no número de fiscais, a falta de incentivos, os baixos salário e os equipamentos de trabalho obsoletos, entre outros, são dificuldades criadas propositadamente para se estar perante um sistema ineficiente de fiscalização abrindo espaço para desmandos, intimidações e corrupção dentro do sector. Os dados apresentados pela EIA são assustadores, na medida em que se refere que em 2012 cerca de 48% da madeira exportada para a China não foi registada, ou seja foi abatida e exportada de forma ilegal. Adicionalmente, o mesmo relatório estima que em Moçambique um fiscal está para cerca de 83.000 ha de floresta, ao invés do recomendado que é um fiscal para cada 5.000 ha. Com estes número está mais que evidente, que nem por milagre o fiscal florestal moçambicano conseguirá exercer com zelo a sua missão, por mais dedicado que seja, e se esta situação continuar assim as condições de vida da maioria da população vivendo na zona rural e que depende quase que exclusivamente deste precioso recurso estará cada vez mais empobrecida e entregue à sua sorte. Deparamo-nos hoje em Moçambique com situações em que a qualquer custo se procura atrair investimento privado estrangeiro em busca do chamado desenvolvimento económico. São milhares de hectares de florestas nativas a serem derrubadas e convertidas em plantações florestais, numa altura em que o planeta vem dando sinais claros do fenómeno de aquecimento global e mudanças climáticas. A que desenvolvimento se referem, uma vez que milhões de pessoas perdem as suas terras férteis para a agricultura, e em troca recebem empregos precários, salários magros agravando a instabilidade social, expondo a sua condição de vida às incertezas? Podia-se sim, por ocasião deste dia reflectir sobre a questão da sustentabilidade das grandes indústrias a operar no País, que em vários casos fomentam a degradação ambiental, com sérios riscos para a saúde pública e com perspectiva de uma minimização exagerada dos custos de produção das indústrias impostas particularmente às comunidades rurais locais, através de medidas de intervenção arbitrárias dos ocupantes de cargos públicos.
Exploração descontrolada Esta é a altura do ano em que mais se ouve falar no ambiente, vários eventos e encontros são organizados de modo a celebrar o 5 de Junho, Dia Mundial do Ambiente... Para a celebração, para a festa, estamos sempre prontos. Muitas vezes nem sequer sabemos o porquê de estarmos a festejar, mas é festa, não é? Então vamos embora! É assim que o dia do ambiente é encarado por muitos, com certeza não todos, desta forma leviana e hipócrita, e sim, sabendo que o povo moçambicano é alegre e festeiro, poderíamos até rotular a sua hipocrisia de carica-
ta, rir também e festejar... Mas festejar o quê? A verdade é que nos últimos tempos o povo também não tem razões para festejar. Então vamos festejar o quê? Orgulhamo-nos e falamos vezes sem conta da nossa riqueza, da diversidade biológica que temos, do potencial que esta mesma diversidade biológica representa para Moçambique, e de tudo que é belo e natural... Mas afinal estamos a falar de quê? De que riqueza? Das nossas lindas e dinâmicas praias onde a cada dia que passa a paisagem muda e se veem mais e mais construções empoleiradas sobre as dunas que nós consideramos ecossistemas frágeis? Como seria então se não fossem frágeis? Algumas leis existem, mas não servem nem para todos nem para tudo. Muito está previsto na lei, mas na maioria dos casos ninguém vê a casa a ser erguida em cima da duna. Parece que surge do dia para a noite e depois, já lá está... o que fazer? Outras vezes até existe toda a documentação para a construção da casa... – Mas como é isto possível? – perguntámo-nos. Ninguém sabe, ninguém viu nem ouviu nada! E os nossos mangais cada vez mais tímidos? E as várias espécies marinhas importantes que são abusiva, excessiva e impunemente pilhadas sem licença nem controle? Milhares de tubarões que são mortos pelas suas barbatanas para satisfazer os devaneios da cura milagrosa e ilusões de grandeza de alguns povos que permanecem imersos na ignorância cega ditada por tradições ultrapassadas. Quem tem culpa? O pescador pobre que vê nesta prática uma oportunidade para assegurar comida para sua família? Um estudo recente denominado Global catches, exploitation rates, and rebuilding options for sharks estima que cerca de 100 milhões de tubarões são mortos anualmente a nível global, valor considerado demasiado elevado considerando a biologia da espécie. O mesmo estudo refere que esta é uma estimativa conservadora, podendo o valor real chegar a 273 milhões de tubarões mortos anualmente. E os magajojos que se viam aos montes aqui mesmo na praia da costa do Sol e que hoje para que nos entendam temos que falar em holotúrias e por vezes até explicar o que são, ou para nós o que eram? E as nossas tão mal protegidas tartarugas marinhas que mesmo com estatuto de protegidas continuam a acabar numa panela? É desta riqueza que nos devemos gabar? Será esta a razão de festejar o Dia do Ambiente? Se é esta a nossa riqueza, então estamos mal... estamos muito mal. A nossa riqueza está a ser abatida, esquartejada, morta, empacotada e exportada a uma velocidade impressionante. A este ritmo rapidamente teremos que mudar de discurso! Vamos aproveitar o momento, não para festejar mas para ponderar como podemos reverter esta situação e como nós, organizações não governamentais, instituições académicas e de investigação e governo podemos trabalhar juntos para acabar com esta exploração insensata e desregrada? Precisamos agir rapidamente, deixar os festejos e comemorações para o futuro, para quando tivermos razões para isso. Até lá, vamos trabalhar.