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Sexta-feira: 19 de Outubro de 2007
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O País
O PAÍS VERDE Propriedade da JA! Justica Ambiental no, Rua Marconi 110, 1º andar - Maputo -Tel: 21496668 E-mail: ja-news@tdm.co.mz, ja-ngo@tdm.co.mz Directora: Anabela Lemos * Editor: Marcelo Mosse * Periodicidade: Mensal * 19 de Outubro de 2007 * Edição nº: 4
Nota Editorial O Governo e o défice de informação sobre a gestão ambiental Apesar de o Programa do Governo (2004-2009) enunciar um forte cometimento do executivo em matéria de gestão ambiental, a informação que é fornecida à opinião pública é ainda omissa no que diz respeito às boas práticas e, sobretudo, ao reforço da integridade e fiscalização no sector. O Balanço do Plano Económico e Social (PES) que o Governo produz semestral e anualmente é a principal fonte de informação oficial sobre o que vai sendo feito nesta área. Mas a qualidade e a quantidade da informação fornecida não permite avaliar se estamos no bom caminho ou se nos vamos enterrando paulatinamente, através da aceitação de projectos comprovadamente perniciosos (como a recente aprovação da construção de Mphanda Nkuwa, um projecto que tem não apenas implicações do ponto de vista ambiental – como temos vindo a dizer – mas também do ponto de vista de finanças públicas, endividamento, etc; e a imparável exploração ilegal dos recursos florestais – que pouco a pouco tem vindo a ser reconhecida pelas autoridades (um reconhecimento mais administrativo que político). Os balanços do PES apresentam apenas as proclamadas boas intenções e têm sempre o condão de quererem mostrar um empenho imaculado do Governo em matéria de gestão ambiental. Os balanços do PES fazem uma tábua rasa aos graves problemas que a sociedade civil e a comunicação social tem vindo a apontar. O mais recente balanço do PES é o referente ao primeiro semestre de 2007. É este documento que serviu de base para a recente reunião entre o Governo e os doadores (joint review) que se destinou a avaliar o desempenho do executivo na implementação do PARPA neste período do ano e fixar as metas para o próximo ano e os indicadores em que se baseará a avaliação anual de 2007, que será feita em Março/Abril de 2008. O relatório final dessa avaliação semestral de 2007 (o aide memoire) é uma fonte crucial para sabermos se o Governo (e os doadores) colocam as matérias ambientais num patamar elevado de importância no que diz respeito ao combate à pobreza. Mas não é o caso. O documento não contém uma única referência sobre o desempenho do Governo nesta área. As questões ambientais, que são consideradas transversais (tal como o HIV-Sida, o Género e o Desenvolvimento Rural) no quadro dos pilares estratégicos do PARPA, são relegadas para um plano secundário. Talvez por isso é que apenas um indicador foi estabelecido como elemento de avaliação do desempenho do Governo em 2007: o Nº cumulativo de planos estratégicos distritais de desenvolvimento (PEDD) com a componente espacial integrada (uso de terra) elaborados e aprovados. Não se tratando de minimizar a importância da gestão da terra no combate à pobreza, a gestão ambiental vive de muitos outros problemas que, se não constam das avaliações conjuntas, deviam, no mínimo, ser alvo de referência nos balanços do PES.
Afinal, petróleo é sinónimo de desenvolvimento? Por Carol d’Essen e Joshua Dimon (estagiário na JA)
Nas últimas semanas muito se ouviu falar sobre assuntos relacionados com a exploração de petróleo em Moçambique. No início do mês de Outubro foi anunciada a construção de uma refinaria de petróleo em Nacala-Velha, província de Nampula, com capacidade para a produção de 300 mil barris de petróleo por dia. Duas semanas depois, foi anunciado que a empresa norte-americana Anadarko, que está investindo 300 milhões de dólares na Bacia do Rovuma para os próximos cinco anos, em parceria com a empresa canadiana Artumas, anunciou que, depois dos trabalhos de pesquisa já realizados, está decidida a começar suas perfurações na área a partir do início de 2008.
substâncias mais importantes da economia mundial e tem alto valor de mercado. Além da gasolina, é do petróleo que se fazem produtos como parafina, GLP, produtos asfálticos, nafta petroquímica, querosene, solventes, óleos combustíveis, óleos lubrificantes, óleo diesel e combustível de aviação. Em resumo: é o motor corrente da economia mundial, actualmente tem um consumo de aproximadamente 83 milhões de barris por dia e movimenta cerca de US $5.5 biliões dólares por dia na economia mundial (do preço médio de 2006).
O website da Anadarko diz que a bacia pode conter entre 250 milhões até 3 biliões de barris métricos de petróleo. Por fim, o Presidente do Conselho de Administração do Instituto Nacional de Petróleo em Moçambique, Arsénio Mabote, disse, no último dia 8, que “dados até o momento recolhidos pelas pesquisas em curso são encorajadores e dão-nos confiança”. A existência de petróleo em Moçambique se aproxima cada vez mais da realidade, o que nos estimula a reflectir: afinal, o petróleo é sinónimo de desenvolvimento?
Além de gerar dinheiro, o petróleo também gera uma série de impactos, não só ambientais, mas também sociais, políticos e económicos. Para citar alguns exemplos dos impactos ambientais de explorações em alto mar, quando um furo é feito são aspiradas 22,000 toneladas de sedimentos, que muitas vezes são depositados no próprio local, diminuindo o número de microorganismos na água e alterando o ecossistema marinho. Outro problema está relacionado com o gás natural, que normalmente vem junto com o petróleo, e em caso de vazamentos,
A primeira associação que a maioria das pessoas faz ao pensar no petróleo é a riqueza. Isso porque é uma das
O outro lado da moeda
(Cont. na pág. seguinte)
Olhando para o balanço semestral de 2007, a ilação que se tira é que o governo continua a alimentar a exploração florestal sem colocar mecanismos de integridade e controlo no terreno. Apesar do crescente abate ilegal de florestas, o Governo tem vindo a aceitar mais operadores no terreno, sem reforçar a fiscalização. De acordo com o balanço do PES, o governo diz que só no primeiro semestre de 2007 foram emitidas 2036 licenças para a exploração florestal de espécies nativas, dentre as quais 608 para exploração de madeira em toro. Quanto a avanços em termos de capacidade de fiscalização nem uma linha. Todos sabemos que uma das formas de se reverter a actual situação da exploração ilegal é através de medidas de prevenção (e não apenas a repressão traduzida pela aplicação de multas). A nossa realidade mostra que a quantidade e qualidade de fiscais no terreno é insuficiente em comparação com a quantidade de operadores e a dimensão do território. Segundo dados do balanço de actividades da Direcção Nacional de Florestas e Terra, para o ano 2006 Moçambique tinha apenas 364 fiscais ajuramentados espalhados pelas 10 províncias do País. Em 2006, o número de operadores em regime de licença simples registou um aumento em cerca de 37% em relação a 2005, mas durante o mesmo período o número de fiscais ajuramentados no terreno subiu apenas em 4, passando de 360 em 2005 para 364 fiscais em 2006. As boas intenções do Governo em matéria de gestão ambiental têm de ser traduzidas em acções concretas. O papel do Governo não termina no mero licenciamento. A fiscalização e a integridade são essenciais para o equilíbrio da gestão. Por isso, os relatórios do Governo também têm de apresentar, neste caso concreto das florestas, o que é que tem vindo a ser feito para evitarmos tomar conhecimento dos desmandos apenas quando os toros ja estão nos portos, a um pé da exportação. X Marcelo Mosse
AMBASSADE FRANCE AU MOZAMBIQUE ET AU SWAZILAND
A publicação do País Verde foi possível graças ao apoio da Cooperação Francesa. O conteúdo nele expresso não reflecte necessariamente os pontos de vista da Embaixada da França, são da responsabilidade exclusiva da Justiça Ambiental
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Sexta-feira: 19 de Outubro de 2007
Breves ★ Breves Breves ★ Breves Efeito estufa no limite!
Segundo Flannery, o relatório do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) mostrará que os gases do efeito estufa presentes na atmosfera na metade de 2005 haviam atingido uma concentração de cerca de 455 partes por milhão de dióxido de carbono equivalente — um cenário previsto para instalar-se daqui a 10 anos. Fonte: Reuters
UEM lança instituto de investigação ambiental A Universidade Eduardo Mondlane lançou no início deste mês, em Maputo, o Instituto “O Direito por um Planeta Verde-Moçambique”, virado para a investigação e educação ambiental. O lançamento desta nova área de pesquisa e acção juntou-se às comemorações dos 10 anos da Lei do Ambiente e, segundo o director da Faculdade de Direito, Adelino Muchanga, este novo ramo enquadra-se igualmente no âmbito da reforma curricular em curso na UEM. ”Pela importância deste ramo de Direito que estamos a leccionar na nossa Faculdade desde 2003, pensamos que vamos contribuir bastante para a educação ambiental em Moçambique”, disse a fonte, acrescentado que “este instituto foi criado em colaboração com o Instituto o Planeta Verde Brasil, uma associação sem fins lucrativos, que se dedica à investigação, educação e interacção entre académicos”. Fonte: Jornal Notícias
Al Gore e IPCC ganham o Prémio Nobel da Paz O ex-Vice-Presidente dos EUA, Al Gore, 59 anos de idade, e o IPCC (Painel Inter-governamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês) são os vencedores do Prémio Nobel da Paz 2007. No ano passado, uma longa-metragem estrelado por Al Gore (“Uma Verdade Inconveniente”) arrecadou o Óscar de melhor documentário. Os vencedores foram anunciados dia 12 deste mês, em Oslo, na Noruega, pelo Comité do Nobel da Paz. Com a premiação, o comité disse querer chamar a atenção do mundo para a ameaça representada pelo aquecimento global. O comité destacou os esforços de ambos para “construir e divulgar um maior conhecimento sobre a mudança climática causada pelo homem e para fixarem a base das medidas que são necessárias para resistir a essa crise”. Segundo o Comité Nobel, a mudança climática é um dos factores que podem ameaçar “as condições de vida de grande parte da humanidade”. Fontes: Efe e BBC
Fábrica de biocombustíveis vai operar em Moçambique Foi assinado em Maputo o primeiro contrato de investimento para a instalação de uma fábrica de biocombustíveis. O contrato é avaliado em 510 milhões de dólares americanos e o respectivo empreendimento vai se localizar no distrito de Massingir, província de Gaza, ocupando um espaço de 30 mil hectares. Com capacidade para produzir 120 milhões de litros de etanol por ano, a fábrica vai empregar sete mil trabalhadores, gerando uma receita anual superior a 40 milhões de dólares, a partir de 2010. Assinaram o contrato o Ministro da Agricultura, Erasmo Muhate, e o Director-Geral da Companhia Centro-Africana de Exploração Mineira, Isa Holtzhausen. Fonte: Jornal Notícias
Christian Aid: Tim Hetherington
O boom da economia global levou a emissão de gases do efeito estufa a um perigoso patamar que só era esperado dentro de uma década e que poderá gerar danos climáticos potencialmente irreversíveis, afirmou um dos maiores cientistas da Austrália. Tim Flannery, um especialista em questões climáticas reconhecido mundialmente, afirmou que o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as mudanças climáticas, a ser divulgado em Novembro deste ano, mostrará que os gases do efeito estufa já atingiram níveis perigosos.
Poluição de petróleo na Praia do Delta do Niger, na Nigéria
(Cont. da pág. anterior)
pode penetrar rapidamente nos organismos marinhos afectando seus principais sistemas funcionais. A construção de infra-estruturas para suportar a indústria petrolífera também afecta o ambiente à sua volta. Para a construção de oleodutos em terra, as áreas por onde este passa precisam de ser limpas, interferindo na agricultura local. Além disso, as substâncias emitidas pela queima do gás causam problemas respiratórios nas pessoas que vivem naquela área, incluindo cancro do pulmão e asma. Para dar um pequeno exemplo, demonstrou-se que a poluição do petróleo no Delta do Níger, na Nigéria, causou uma série de problemas de saúde na população local, incluindo leucemia e vários outros tipos de cancro. Além disso tudo, existe também o risco das explosões dos oleodutos que matam centenas de pessoas, devido à falta de manutenção. Entre os principais impactos políticos está a mudança nas prioridades para o desenvolvimento do país. Quando uma grande quantidade de dinheiro que chega ao Governo é proveniente de um só sector, os outros sectores da economia tendem a ser esquecidos, tornando a economia nacional extremamente dependente de uma só actividade económica. Uma das grandes justificativas para o investimento na área do petróleo são os empregos e rendimentos que podem ser gerados na região. Entretanto, o sector contrata poucos trabalhadores temporários, que trabalham poucos meses até a conclusão do projecto. Existem pouco empregos de longo prazo e os que existem são postos de altas qualificações, quase sempre preenchido por estrangeiros. Estes recebem altos salários, muito maiores que os dos agricultores ou pescadores locais, o que contribui para o crescimento do custo de bens básicos, já que os estrangeiros têm um poder de compra muito maior que o resto da população. Sendo assim acabam por desestabilizar a economia local.
Alguns exemplos em África Para entendermos com mais clareza esses impactos vale a pena voltar os olhos para alguns exemplos de países africanos produtores de petróleo. A Nigéria, 8º maior exportador de petróleo mundial, descobriu o ouro negro em 1956 e começou a sua produção dois anos depois. Desde a sua descoberta, a indústria petrolífera gerou cerca de 400 biliões de dólares e actualmente compõe cerca de 80% da receita total do governo nigeriano. Entretanto, entre 1972 e 1989, o Banco Mundial estimou que mais de 68 bilhões haviam sido roubados do país por ditadores sucessivos, tendo as companhias petrolíferas como cúmplices. Tais companhias frequentemente
suportavam regimes ditactoriais e “fechavam os olhos” para os roubos dos governos. Na Nigéria, mais de 90% dos campos de petróleo estão no Delta do Níger, a maioria sob terra. Apesar da grande quantidade de dinheiro proveniente do petróleo, a qualidade de vida da maioria das pessoas nesta região caiu. A electricidade, por exemplo, não foi trazida à cidade de Oloibiri, local onde foi descoberto petróleo pela primeira vez no país, até 1994. O caso de Angola não é muito diferente. Lá, a maioria da extracção é marinha. Muitos dos pescadores de Soyo e Cabinda, duas áreas produtoras de petróleo, afirmam que seus peixes diminuíram de tamanho e que a quantidade também decresceu nos últimos 40 anos desde que o país começou a produzir petróleo. Como na Nigéria, muitos oleodutos no país não foram substituídos por mais de 40 anos. Hoje, estão a enferrujar e a vazar constantemente. Ainda em Angola, muitas companhias usam depósitos a céu aberto perto dos seus poços para depositar os restos de petróleo que não são úteis para estas. Estes restos contém uma série de componentes químicos extremamente tóxicos. Quando encerram suas actividades, enterram ou queimam esses depósitos. Além dos impactos ambientais, o petróleo, juntamente com os diamantes, ajudou a fomentar a guerra civil e a estendeu, num momento em que esta provavelmente já teria terminado. Questionamo-nos então: como fugir deste caminho? As alternativas são muitas, mas precisam de ser levadas a sério em todo seu conjunto. A começar pela educação. Depois é preciso que as comunidades se organizem local, nacional e internacionalmente e criem consciência de todos os benefícios e malefícios que a exploração do petróleo pode trazer para a sua região. Uma vez conscientes, devem formar alianças transnacionais com outras comunidades e ONGs que enfrentam e lidam com os mesmos problemas. Além disso, a pressão por novos regulamentos e leis que considerem os problemas que o desenvolvimento de petróleo e gás trazem consigo, juntamente com a obrigatoriedade e cumprimento destas, são outros instrumentos importantíssimos para a sociedade civil monitorar o sector. Por fim, as contas de dinheiro gerado pelo petróleo devem ser apresentadas em público e em audiências públicas. Na teoria, tais medidas não parecem ser tão complicadas de serem tomadas, entretanto são. Principalmente quando começam a ser tomadas depois que a indústria petrolífera já se instalou e começou a provocar estragos nas comunidades locais, na economia e política do país. É necessário estar um passo à frente deles e tomar todas essas medidas antes dos problemas começarem a surgir. ■
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Parque Nacional do Gorongosa, onde Noé deixou a sua arca Por Carol d’Essen
Reza a lenda que quando o régulo Chitengo morreu o seu corpo foi enterrado na região do Parque Nacional do Gorongosa e de uma noite para outra desapareceu. “Ele transformou-se num grande leão branco, com manchas no corpo que só ele tem. É impossível não reconhecêlo, não só pela sua aparência, mas principalmente pela sua imponência e seu olhar penetrante”, explicou um dos funcionários do Parque, que afirma a pés juntos já tê-lo visto. Desde então, o leão estaria a rondar o Parque mantendo seu espírito vivo e tendo baptizado com o nome do seu ancestral, Chitengo, o acampamento principal da área de conservação ambiental. O Parque Nacional da Gorongosa é assim: um lugar de beleza única, encravado no centro de Moçambique, na província de Sofala, e recheado de lendas e mitos, que lhe confere uma atmosfera ainda mais mágica. Sua história oficial começa em 1920 quando a Companhia de Moçambique ordenou que 1000 km2 da região fossem conservados como uma reserva de caça para os administradores da companhia e seus visitantes. Depois de 20 anos, com uma nova administração e um campo turístico, a reserva já era bastante conhecida no país. Em 1960, o governo colonial português decretou a reserva como Parque Nacional (o primeiro de todas as colónias portuguesas) e as instalações de Chitengo foram alargadas. Um ano depois da independência, em 1976, o Parque e os adjacentes do delta do rio Zambeze contavam com aproximadamente 6.000 elefantes e cerca de 500 leões, provavelmente a maior população de leões em toda África, além de búfalos, bois-cavalos, zebras, pivas, impalas, hipopótamos, elandes, pala-palas e gondongas. Foi a época áurea do Parque. Entretanto, em Dezembro de 1981, o Parque testemunhou a chegada da guerra civil, quando os soldados atacaram o acampamento de Chitengo. “Eu estava na região do Parque quando começaram os grandes ataques. A partir de então, a violência só aumentou. Dois anos depois, o Parque foi encerrado e abandonado”, disse Baldeu Chande, administrador do Parque. Até o final da guerra civil inúmeros elefantes foram
abatidos para retirar o marfim, que era vendido para obtenção de mais armas e outros equipamentos bélicos. Milhares de zebras, bois-cavalo, búfalos e outros animais morreram para servirem de alimento para os soldados famintos. Os leões e outros grandes predadores foram mortos em caçadas desportivas ou morreram de fome por causa do desaparecimento das suas presas. Em 1992, quando a guerra civil chegava ao fim, enormes populações de mamíferos de grande porte, incluindo elefantes, hipopótamos, búfalos, zebras e leões, já tinham sido reduzidos em 90% ou mais. Em 1994, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) iniciou um plano de reabilitação a longo prazo e nos cinco anos seguintes a caça furtiva foi reduzida, a infra-estrutura começou a ser reabilitada e cerca de 80 fiscais foram treinados. Em 2001, muitas populações de animais das espécies mais importantes, incluindo pala-palas, godongas e pivas estavam a ressurgir. Em 2004, o Governo de Moçambique, a Carr Foundation e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) acordaram um Projecto de Restauração para o Parque com 30 anos de duração. Um dos objectivos do projecto é reintroduzir todos os animais que existiam na época do seu apogeu. O resultado já pôde ser observado em 2006 com a conclusão dos 60 km 2 do santuário para fauna bravia e a introdução de 50 búfalos comprados ao Parque Nacional de Kruger na África do Sul. Os números também mostram que o desenvolvimento do Parque está crescendo: em 2005, o parque foi visitado por mil turistas, em 2006 por cinco mil visitantes e a meta para 2007 é de dez mil. Quanto às nacionalidades dos visitantes, no ano passado, a maior parte eram moçambicanos, seguidos por sul-africanos, portugueses e zimbabweanos.
“A ideia é gerar empregos e desenvolver a região. Lógico que existem problemas, principalmente em relação à formação e educação ambiental da população; afinal só se pode falar de conservação ambiental quando se tem a barriga cheia e assitência médica. É por estes motivos que estão sendo criados mecanismos para envolver as comunidades nos projectos do Parque”, explicou Vasco Galante, director de Comunicação do Parque Nacional da Gorongosa. “Uma parte da população lembra-se da época boa do parque e anseiam pelo seu crescimento novamente, para que isso lhes possa render empregos. Entretanto, eles passaram muitos anos explorando ilegalmente os recursos naturais do Parque e leva algum tempo para que eles se acostumem novamente às restrições que agora existem”, acrescentou Baldeu Chande. A história do Parque Nacional do Gorongosa é, talvez, o principal exemplo de uma área abandonada e destruída pela guerra que conseguiu se reerguer com força de vontade, parcerias adequadas e envolvimento da comunidade. Um modelo que deve servir de inspiração e uma história que muitas outras áreas de conservação moçambicanas também anseiam por poder contar.■
Porquê Gorongosa? Outra das lendas que fazem parte da região diz respeito à origem do nome Gorongosa. Segundo os moradores, no século XIX, estavam acontecendo algumas revoltas locais na região. O governo colonial português veio para a região tentar conter as agitações e trouxeram com eles soldados indígenas do sul do país. Para chegar ao lugar das revoltas, os soldados tinham que passar por um desfiladeiro localizado na Serra da Gorogosa. Era nesse momento que os locais lhes atiravam pedras e alguns deles acabavam por se desequilibrar e cair no precipício. Os soldados do sul de Moçambique passaram então a se referir ao local como Ngoro (monte) Ngose (perigoso). A junção das palavras NgoroNgose acabou por se transformar em Gorongosa.■
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Sexta-feira: 19 de Outubro de 2007
A urgência da proibição ou restrição do uso do saco plástico Por Carlos Serra
Ao ler uma notícia publicada no jornal Notícias do passado dia 6 de Outubro, tomei consciência da importância de iniciarmos um debate sobre o uso do saco plástico no nosso País. O artigo intitula-se “Uso de sacos plásticos passível de pena de prisão” e é referente ao Uganda. Resumidamente, tornou-se proibida, naquele país, a importação, produção e uso de sacos plásticos (de polietileno) com uma espessura igual ou inferior a 30 mm, independentemente da cor ou tamanho. Mais se refere que, no caso de violação desta regra, incorre o infractor no pagamento de uma multa definida entre 200 e 20 mil dólares norte-americanos ou até um máximo de três anos de prisão. Esta actuação não é inédita no continente africano, pois, cientes das desvantagens ambientais que o saco plástico acarreta, vários países tomaram medidas le-
gislativas para proibir ou restringir o uso deste tipo de embalagem, tendo conseguido êxitos assinaláveis. São os casos da África do Sul, do Quénia e da Tanzânia.
O saco plástico está fortemente associado à emergência da sociedade de consumo, é actualmente perspectivado como um elemento de presença obrigatória nas actividades comerciais, tendo presentes as suas vantagens quanto à leveza, custo baixo e impermeabilidade, sendo ideais para o transporte de compras. Recebemos, a título gratuito, sacos plásticos quando vamos às compras e exigimos que nos ofereçam quando não os encontramos disponíveis. A maior parte dos sacos plásticos acaba sendo descartada, deitada fora, pois são de qualidade fraca ou de tamanho reduzido. Terminam nas lixeiras a céu aberto ou em qualquer ponto do ambiente.
Contudo, os impactos do uso do saco plástico são múltiplos e bastante graves: provocam índices elevados de poluição atmosférica (decorrente da sua queima, facto agravado por serem fabricados à base de petróleo, gás natural ou seus derivados), poluição visual (estão presentes em todo o lado, deixando uma imagem de descuido generalizado nos aglomerados urbanos), bem como causam danos imensuráveis nos sistemas de abastecimento de água e drenagem de águas residuais. As vantagens associadas ao seu uso são largamente inferiores às vantagens inerentes à sua proibição ou restrição: menos poluição, mais limpeza pública
e um melhor funcionamento dos sistemas de abastecimento de águas e drenagem de águas residuais. Urge que haja uma intervenção legislativa por parte das entidades competentes, associada a medidas de sensibilização da sociedade em geral. Propomos assim a proibição do fabrico, importação, venda, oferta ou uso de sacos plásticos contendo uma espessura ou características abaixo de limites a fixar por lei; bem como a introdução gradual de sacos plásticos orgânicos ou biodegradáveis em alternativa aos sacos contendo polietileno. X
Mulher, Género e Ambiente Por : Benilde Mourana
Em Moçambique, a mulher representa mais de metade da população; também representa mais de metade da população economicamente activa. O homem e a mulher têm lugares diferenciados no mundo uma vez que o homem ocupa a posição dominante, tendo as mulheres desvantagens visto que elas não dispõem das mesmas condições que os homens, os quais concentram a maioria do poder e recursos produtivos. O homem é detentor da terra e do capital, mas acontece que essa mesma terra é preparada pela mulher, que pouco ou quase nada faz em relação à sua gestão, uma vez que a elas não é dado espaço para demonstrarem as suas capacidades e qualidades. Mas se esta mesma mulher é capaz de preparar a terra porque não seria capaz de geri-la? O nosso País dispõe de instrumentos legais que consagram o princípio da igualdade entre homens e mulheres, entre estes a Constituição da República no seu artigo 35. Mas a verdade é que, na prática, isto não acontece. O papel da mulher é ainda considerado como um mero papel de complementaridade à acção masculina. De certa forma, trata-se aqui da reprodução da lógica da dominação masculina, herdada do passado: à mulher foi sempre reservado um papel de educadora, de doméstica, de cumpridoras das matrizes
de dominação masculina que orientavam o casamento. Aparentemente, as mulheres estão na sociedade apenas para reproduzirem ou meramente consumirem os discursos e mecanismos de controle masculinos, só se tornando de facto sujeitos quando adoptam esses mesmos discursos. A partir dessas matrizes, herdaram-se alguns preconceitos, como a ideia de que o homem só deve trabalhar para o sustento da casa; ou seja, o homem não deve ocupar-se de tarefas domésticas pois pode pôr em causa a sua masculinidade, deixando-as para as mulheres, uma vez que elas têm a função de cuidar do lar (gerar e cuidar dos filhos, tratar da cozinha, arrumação da casa, etc). Devido a estes aspectos do passado, algumas mulheres são culpadas pela sua dependência económica e pelo insucesso pois têm em mente que o homem é quem deve sustentar
a casa, deixando de se preocupar com o auto-sustento, ou seja, deixam-se viver à sombra do marido mostrando que não são capazes de conquistar o seu lugar na sociedade, mesmo numa altura em que o mercado do trabalho está virado para a participação feminina. Esta atitude faz das mulheres “eternas submissas”. Sabe-se, de antemão, que a mulher tem o espírito de protectora, este que não foge muito à regra quanto se trata de questões ambientais: a má gestão dos recursos naturais pode prejudicar a própria mulher se tomarmos em consideração a sua relação directa com a terra, lugar onde ela vai buscar a água e a lenha. As mulheres têm, neste sentido, uma percepção muito forte da sua relação de dependência directa com os recursos naturais, pois sabem que estes são a base do seu sustento familiar. A mulher tem, por isso, um papel fundamental na questão ambiental, tanto no presente como no futuro. Tem, sobretudo, um enorme potencial de consciencialização ambiental, dado a sua capacidade de transmitir conhecimentos às crianças, sendo que ela é quem passa maior parte de tempo com os filhos. Dessa maior sensibilização com as questões da natureza, nascem
exemplos femininos de acção pró-ambiental que têm feito a diferença no mundo inteiro. O exemplo mais ilustrativo é o de Wangari Maathai. Em 2004 o prémio Nobel de Paz foi atribuído a Wangari Maathai, na altura Secretária de Estado do Ambiente do seu País (Quénia) pelo seu trabalho enquanto lí-
der do movimento Cinto Verde, o qual cometeu a proeza de fazer o plantio de mais de 30 milhões de árvores em África. A atitude de Wangari provou que a mulher tem um papel de extrema importância em todas as questões ambientais, sejam estas regionais ou mundiais..... a mulher é a mãe de toda a natureza!■
A menina do mar
Era uma vez uma menina que vivia no mar. Certo dia apareceu uma tartaruga que disse: -Ajuda-me tenho um saco de plástico enrolado numa pata. A menina tirou o saco de plástico da pata da tartaruga e procurou saber o que se passou. E ela descobriu que as pessoas é que deitavam lixo na praia. Então a menina disse às pessoas que não devem poluir a praia. Desde então as pessoas não poluiram mais a praia. A tartaruga agradeceu muito à menina e deu-lhe a medalha de melhor salvadora. Depois desse dia tudo voltou a ser como antes, a menina e a tartaruga viveram felizes para sempre fazendo grandes passeios pelos oceanos. 12.10.07 Luana Caravela 8 anos