País Verde - Setembro 2007

Page 1

Suplemento

Sexta-feira: 14 de Setembro de 2007

1

O País

O PAÍS VERDE Propriedade da JA! Justica Ambiental no, Rua Marconi 110, 1º andar - Maputo -Tel: 21496668 E-mail: ja-news@tdm.co.mz, ja-ngo@tdm.co.mz Directora: Anabela Lemos * Editor: Marcelo Mosse * Periodicidade: Mensal * 14 de Setembro de 2007 * Edição nº: 3

Nota Editorial Mais uma agressão à conservação da natureza Definitivamente, a situação ambiental em Moçambique tende a agravar-se e o Governo parece mostrarse impotente face às investidas das multinacionais que procuram em nosso território o famoso ouro negro (prospecção petrolífera) para alimentar o capitalismo mundial. A situação tende a agravar-se também no que tange à conservação da natureza. A aparente impotência do Governo resume-se numa coisa: uma incapacidade gritante em fazer cumprir a legislação que o Estado estabelece para regular a relação entre o homem e a natureza. Depois da saga das florestas, que ainda vai no adro (nas próximas semanas a Justiça Ambiental vai trazer novas evidências da impiedosa depredação florestal que continua impune no Moçambique profundo), chega o drama da agressão que está a ser feita a importantes zonas de conservação da natureza. Trata-se da zona do Ramsar de Importância Internacional, a sul do rio Zambeze, perto de Marromeu, na Província de Sofala. Uma companhia de prospecção petrolífera, devidamente autorizada pelo Governo, prepara-se para proceder à abertura de poços dentro das Coutadas 11 e 12, zonas oficialmente protegidas pelo Estado. Essa companhia recebeu uma concessão do Governo para fazer prospecção de petróleo no Bloco Onshore Zambeze. Aparentemente, ela está a operar dentro da legalidade em termos de prospecção, mas fora da legalidade e da justiça em termos de conservação da natureza, pois o Bloco Onshore Zambeze tem várias zonas protegidas, nomeadamente a Reserva dos Búfalos de Marromeu, as Coutadas de Caça 11, 12 e 14, e as Reservas Florestais de Nhamitanga e Nhampakwé. É uma zona que recebeu o estatuto de Zona Ramsar de Importância Internacional, um estatuto justamente promovido pelo Governo aquando da adesão de Moçambique à Convenção de Ramsar em Novembro de 2003. Ao que tudo indica, ainda está em processo o obrigatório Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que este tipo de projectos deve cumprir . Entretanto, algumas das partes afectadas e interessadas a nível local estão a ser informadas que o projecto vai devastar zonas de conservação tão importantes como aquelas, abrindo-se estradas no interior das Coutadas 11 e 12, acampamentos para mais de 100 pessoas (pessoal), furos de água, em suma, alterando-se substancialmente o ecossistema local. Aparentemente a publicidade ao projecto e consultar às partes interessadas e afectadas não foi suficiente abrangente. Mais grave ainda é que, como as Coutadas são geridas por operadores licenciados, a companhia petrolífera em causa está a tentar “negociar” directamente com os mesmos uma modalidade que sirva os interesses de ambos. Uma vez que as áreas protegidas são propriedade do Estado, só o estado deverá negociar o que quer que seja no que diz respeito às áreas protegidas. Isto é uma ilegalidade (é o Estado a ser burlado) que deve merecer a atenção urgente da Procuradoria Geral da República. Pior é sabermos que tipo de impactos negativos se pode antever dado à natureza da exploração: abrindo-se novas estradas e ampliando-se as já existentes faz aumentar o risco de acesso de caçadores furtivos e madeireiros; vai destruir-se floresta pristina, que tem sido conservada há muitos anos, numa das poucas zonas de Moçambique onde a floresta ainda está em bom estado. Ninguém está contra a presença dos poderosos tentáculos da indústria extractiva em Moçambique. A exploração dos recursos naturais esgotáveis é pacífica se ela for feita no respeito pela natureza e no respeito pelas gerações vindouras. Por isso vamo-nos opor com veemência sempre que essa presença comportar acções de tamanha agressão ambiental. Moçambique não pode querer descobrir petróleo à força, roubando a establidade do seu futuro!!!■

Mensagem da Direcção O projecto da barragem de Mphanda Nkuwa voltou a ser notícia nos jornais locais e regionais como um projecto fantástico, que vai resolver o problema da pobreza em Moçambique, fornecer energia para tudo e todos, fazendo do nosso país uma das maiores fontes de energia da região. Há vários anos que a JA tem trazido a público e aos nossos governantes as grandes preocupações que temos em relação a esta barragem: o potencial perigo sísmico da área, as dúvidas quando ao impacto social, nomeadamente se a barragem vai, de facto, ajudar as comunidades locais e lhes dar uma vida melhor no quadro a tão proclamada luta contra a pobreza; se os impactos ambientais são controláveis; sobre a falta de planos de contingência e de planos de realocação das comunidades, etc. Até agora não temos visto nenhum interesse do Governo em analisar se as nossas preocupações são reais, se existe fundamento ou não; nesta matéria nunca houve a mínima abertura para um diálogo franco e transparente com a sociedade civil. Mas com a andar do tempo, as nossas inquietações vão aumentando. O que queremos são apenas respostas claras e informadas a questões como a de saber se, de facto, as necessidades de energia do nosso país justificam a construção desta barragem e se existem garantias de que esta barragen é a melhor solução para o País e para as comunidades do Vale do Zambeze. Que benefícios se projectam para essas comunidades, sobretudo quando sabemos que elas não estão, até hoje, a receber qualquer benefício proveniente da Hidroeléctrica de Cahora Bassa? O projecto de construção da nova barragem está a ser divulgado num momento em que abundam evidências de que a HCB é actualmente mal gerida em termos ambientais e as melhorias à sua gestão ainda não foram postas em prática, mesmo com os constantes apelos que temos vindo a fazer. Do ponto de vista da sociedade civil, falta ainda apurar até que ponto é que a nova barragem será economicamente viável. Por outro lado, a falta de transparência neste projecto é evidente a partir do momento em que um tão proclamado estudo realizado em 2005 ainda continua no “segredo dos

deuses”. Do nosso lado, procuramos várias vezes obter esse estudo, enviamos várias cartas a quem de direito, sempre dentro do espírito da Lei do Ambiente – que nos dá esse direito à informação – mas até agora nada nos foi disponibilizado. O silêncio sobre este projecto continua a ser longo e pesado, nada se sabe para além do pouco que aparece nas nóticas, como já dissemos acima, notícias que se parecem mais com pura propaganda. Em suma, se realmente estão a ser feitos estudos à volta do novo projecto, nós não estamos a ser informados sobre isso!. A JA! acredita que a transparência é a melhor arma para não só lutarmos contra a pobreza mas também contra a corrupção. Mas não é isso que se está a passar no nosso País: falta transparência, as decisões são tomadas com arrogância e sem se ter em conta a realidade de Moçambique e as necessidades reais dos moçambicanos. Sobre a pobreza? Bom, os meninos de rua continuam a crescer em número. Quando viajamos pelo País fora é chocante o que ouvimos e vemos das condições de vida nas comunidades rurais. E dizemos que estamos a caminhar para o desenvolvimento!!! Meus senhores e minhas senhoras!!! Vamos lá por as mãos na nossa consciência e começar a deixar de usar adjectivos sem sentido e que nada tem a ver com a realidade de Moçambique. Quero terminar com umas palavras do Presidente Nelson Mandela, proferidas durante a apresentação do Relatório Mundial das Barragens em 2000: “O problema não são as barragens mas sim a fome, a sede, a escuridão nas vilas; são as vilas e comunidades rurais sem água, luz e saneamento; é o tempo perdido a ir buscar água à mão”. Por isso, e de facto, o desenvolvimento deve ser centrado nas necessidades do homem (“PEOPLE CENTERED DEVELOPMENT”) e não em megaprojectos que pouco ou nada são relacionados com o desenvolvimento das necessidades humanas. A decisão de se construir uma barragem deve ser tomada tendo em consideração as necessidades do País e do nosso povo. Temos de avaliar se os beneficios serão superiores aos impactos para Moçambique e não por interesse de terceiros. A luta continua Anabela Lemos

A publicação do País Verde foi possível graças ao apoio da Cooperação Francesa.

AMBASSADE FRANCE AU MOZAMBIQUE ET AU SWAZILAND

O conteúdo nele expresso não reflecte necessariamente os pontos de vista da Embaixada da França, são da responsabilidade exclusiva da Justiça Ambiental


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
País Verde - Setembro 2007 by Justiça Ambiental - Issuu