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Liberdade, liberdade

E chega abril e no dia 25 a verificação de que nem tudo se cumpriu, ainda, para, a seguir, ficar a promessa de que que todos os desígnios da Revolução vão ser realizados.

Georgina, 70 anos, acabadinha de se jubilar depois de uma carreira de 40 nos Tribunais, lembra a canção de Sérgio Godinho Só há liberdade a sério/Quando houver/A paz, o pão, habitação/Saúde, educação. É sobre isso que falam os jornais: o preço dos alimentos, a crise na saúde e na educação e a falta de casas a preços que um português médio possa pagar.

No curso de direito, Gi teve noções básicas de economia, as suficientes para conhecer a lei da oferta e da procura que dita que quanto mais alto for o preço de um bem, menor será a quantidade que as pessoas estão dispostas a comprar e quanto mais baixo for o preço de mercado desse bem, mais unidades serão procuradas. A ajudar à lei, outras leis e promoções houve que incentivaram a procura de habitações por pessoas com rendimentos disponíveis muito superiores, e que fizeram subir os preços, a ponto de quem vive do trabalho em algumas zonas ter dificuldade em encontrar um teto.

Georgina volta à estrofe que solta um Ai e dita que Só há liberdade a sério (…) e reflete que a liberdade da pessoa se funda no princípio da dignidade humana que, por sua vez, se consolida com a limitação da liberdade a casos excecionais e contados, como resulta do art. 27.º da Constituição. Depois, sim, vem a paz, o pão …

A Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, em atividade desde 4 de janeiro de 2023, discute duas propostas sobre a inclusão da alínea i) ao n.º 3 do artigo 27.º que foram lidas em direto no Canal Parlamento, no dia 2 de março. Georgina assistiu atónita à proposta do PSD e à justificação para aceitar a limitação da liberdade das pessoas: i) Confinamento ou internamento por razões de saúde pública de pessoa com grave doença infectocontagiosa, pelo tempo estritamente necessário, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente. O PS propõe: i) Separação de pessoa portadora de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou infeção graves, determinada pela autoridade de saúde, por decisão fundamentada, pelo tempo estritamente necessário, em caso de emergência de saúde pública, com garantia de recurso urgente à autoridade judicial.

A intervenção prévia ou posterior de um Juiz parece ser irrelevante para as propostas apresentadas, tendo chegado a afirmar-se que, num dia em que houve milhares de casos de covid, os Tribunais não iriam ter capacidade de resposta e que, por isso, a solução passaria por uma possível intervenção posterior, em sede de recurso. PSD e PS somam 197 dos 230 deputados.

Mais de trinta anos ligada ao crime enquanto Juíza, a ponderar com extremo cuidado em que situações é que determinava ou mantinha alguém privado da liberdade, algumas vezes em poucas horas, Gi questiona-se como é possível ao povo e aos meios de comunicação social discutirem o pão, o teto, a saúde e a educação e não debaterem o que está na base da nossa existência, a li-ber-da-de.

Hoje, Georgina tem casa mobilada. Está disposta a abrir a porta, de mãos livres, de rua nova à espera dos seus pés. A mesma rua fica à espera de outros pés.

Flores Na Abiss Nia

Carla Coelho

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