GESTÃO PARTICIPATIVA DAS ÁGUAS
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Geraldo Alckmin Governador
SECRETARIA
DO
MEIO AMBIENTE
José Goldemberg Secretário COORDENADORIA
DE
PLANEJAMENTO AMBIENTAL ESTRATÉGICO E E DUCAÇÃO AMBIENTAL
Lucia Bastos Riberio de Sena
Coordenadora
As águas são muitas, infinitas. Em tal maneira é graciosa [a terra] que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem. Pero Vaz de Caminha, 1o de maio de 1500.
O mais precioso bem
A água está entre os bens mais preciosos do patrimônio ambiental da Terra. Essencial à continuidade da vida, é também insumo básico para quase todas as atividades humanas e, em conseqüência, para o desenvolvimento de qualquer sociedade. O Brasil tem uma das maiores reservas de água do mundo. Porém essa reserva apresenta distribuição irregular no seu território: 70% estão na Região Norte, habitada por apenas 4,5% da população do País; a Região Sudeste, que concentra o maior contingente populacional, dispõe somente de 6% dos recursos hídricos. Essa distribuição desigual agrava-se na bacia do Alto Tietê, cuja população de 19 milhões de habitantes consome 400% da disponibilidade hídrica do rio. No Estado de São Paulo, outras bacias também são deficitárias em relação à oferta de água: do Pardo, Piracicaba/Capivari/Jundiaí, Baixada Santista, Mogi-Guaçu, Tietê/Sorocaba e Tietê/Jacaré encontram-se em situação crítica no que se refere à disponibilidade hídrica. A diminuição da oferta potencializa os conflitos entre os diversos usos, obrigando a adoção de políticas que promovam o uso eqüitativo e racional dos recursos hídricos. A gestão compartilhada entre órgãos públicos, usuários e a sociedade civil, certamente é a forma mais adequada para o enfrentamento dessas questões. São Paulo foi pioneiro na implantação de um sistema de recursos hídricos tendo como princípio a gestão integrada, descentralizada e participativa. Os comitês de bacia hidrográfica, com a participação dos seus diversos atores, são fóruns privilegiados desse sistema de gestão. Os comitês de bacia, os conselhos gestores das unidades de conservação, os conselhos de meio ambiente, enfim, todos esses espaços colegiados de gestão são reveladores das novas relações que se estabeleceram entre o Poder Público e a Sociedade Civil no interesse do bem comum. Com esta publicação, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente espera contribuir para o fortalecimento da gestão participativa nos comitês de bacia, promovendo a consolidação de um repertório comum de conceitos e práticas entre os seus diferentes atores.
Professor JOSÉ GOLDEMBERG Secretário de Estado do Meio Ambiente
GESTÃO PARTICIPATIVA DAS ÁGUAS
COORDENADORIA DE PLANEJAMENTO AMBIENTAL ESTRATÉGICO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL Lúcia Bastos Ribeiro de Sena Coordenadora
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL Rosely Sztibe Diretora
TEXTO Rosely Sztibe e Lúcia Bastos Ribeiro de Sena
REVISÃO DE TEXTO Wanda E. S. Barbosa
PROJETO GRÁFICO Vera Severo
FOTOLITO , IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (CETESB – Biblioteca, SP, Brasil) S242g
São Paulo (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Coordenadoria de Planejamento Ambiental Estratégico e Educação Ambiental. Gestão participativa das águas / Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Coordenadoria de Planejamento Ambiental Estratégico e Educação Ambiental, Departamento de Educação Ambiental ; texto Rosely Sztibe e Lúcia Bastos Ribeiro de Sena. - - São Paulo : SMA/ CPLEA, 2004. 96 p. : il. ; 31 x 28 cm ISBN 85-86624-32-2 1. Água – gestão ambiental 2. Água – legislação 3. Água – políticas públicas. I. Sztibe, Rosely. II. Sena, Lúcia Bastos Ribeiro de. III. Título.
CDD (21.ed. esp.)
354.36
CDU (ed. 99 port.)
504.4.062 : 347.247
Impressos 2.000 exemplares no outono de 2004
SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE COORDENADORIA DE PLANEJAMENTO AMBIENTAL ESTRATÉGICO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL Av. Prof. Frederico Hermann Jr.,345 São Paulo 05459 010 SP tel 11 3030 6636 www.ambiente.sp.gov.br
Sumário
Capítulo 1 • Panorama dos recursos hídricos A escassez e a degradação como um grave problema do mundo contemporâneo ................................................. 8 Panorama dos recursos hídricos no Brasil ................................................................................................................ 12 As águas subterrâneas .................................................................................................................................................... 12 Os usos múltiplos da água ............................................................................................................................................... 13 A situação dos recursos hídricos no Estado de São Paulo ....................................................................................... 17 Usos e demandas ........................................................................................................................................................... 19 Uso racional, conservação e proteção dos recursos hídricos ................................................................................... 21
Capítulo 2 • Gestão das águas A emergência da água como tema das políticas públicas ....................................................................................... 24 O desenvolvimento do controle sanitário no Brasil ............................................................................................................... 26 O Código de Águas ......................................................................................................................................................... 29 Das autarquias à gestão empresarial das águas ................................................................................................................... 30 O Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa) ............................................................................................................. 31 A gestão dos mananciais metropolitanos ........................................................................................................................... 32 Os novos paradigmas de gestão .............................................................................................................................. 34 A gestão dos recursos hídricos frente à emergência da questão ambiental. ............................................................................... 34 A questão das águas nas grandes conferências internacionais ............................................................................................... 36 A Lei das Águas: um novo marco legal e institucional ........................................................................................................... 38 Os instrumentos para a gestão das águas ........................................................................................................................... 39 O Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos ............................................................................... 46 O Conselho Nacional de Recursos Hídricos ........................................................................................................................... 47 Os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ....................................................................................................................... 48 Os Comitês de Bacia Hidrográfica ..................................................................................................................................... 49 As Agências de Água ....................................................................................................................................................... 50 As organizações civis de recursos hídricos ........................................................................................................................... 50 Da lógica da oferta à lógica da demanda .......................................................................................................................... 52 A experiência paulista ............................................................................................................................................. 55 O Plano Estadual de Recursos Hídricos ............................................................................................................................... 57 O Fundo Estadual de Recursos Hídricos .............................................................................................................................. 58 A cobrança pelo uso da água ........................................................................................................................................... 59 As Agências de Bacia ...................................................................................................................................................... 60 Dez anos do SIGRH ......................................................................................................................................................... 61 Cronologia da evolução da gestão das águas ......................................................................................................... 64
Capítulo 3 • As leis e as águas A evolução da legislação de águas: da visão exploratória ao planejamento ......................................................... 68 As águas nas constituições federais ........................................................................................................................ 71 A Constituição de 1824 .................................................................................................................................................... 71 A Constituição de 1891 .................................................................................................................................................... 71 A Constituição de 1934 ................................................................................................................................................... 71 A Constituição de 1937 .................................................................................................................................................... 72 A Constituição de 1946 ................................................................................................................................................... 72 A Constituição de 1967 ................................................................................................................................................... 73
Planeta Água
A Emenda Constitucional 1/69 ..................................... 73 A Constituição de 1988 .................................................. 74 O Código de Águas ................................................. 76
Água que nasce na fonte serena do mundo E abre um profundo grotão Água que faz inocente riacho E deságua na corrente do ribeirão. Águas escuras dos rios Que levam a fertilidade ao sertão. Águas que banham aldeias E matam a sede da população. Águas que caem das pedras, Do véu das cascatas, fogo de trovão E depois dormem tranqüilas no leito dos lagos. No leito dos lagos. Águas dos igarapés onde Iara a mãe d’água é misteriosa canção. Águas que o sol evapora, pro céu vai embora, Virar nuvens de algodão. Gotas de água de chuva Alegre arco-íris sobre a plantação. Gotas de água de chuva Tão triste são lágrimas na inundação. Águas que movem moinhos São as mesmas águas que encharcam o chão. E sempre voltam humildes pro fundo da terra. Terra, planeta água Terra, planeta água. Terra, planeta água
As águas em geral e sua propriedade ............................... 77 O aproveitamento das águas ......................................... 77 A regulamentação da indústria hidrelétrica ...................... 78 O controle da poluição .................................................. 78 Os usos das águas ........................................................ 79 A Política Nacional de Recursos Hídricos ................ 79 Os instrumentos da política ........................................... 81 A evolução da legislação ambiental e hídrica no Estado de São Paulo ............................................... 85 As águas nas constituições paulistas ...................... 88 A Constituição Estadual de 1989 ..................................... 89 A evolução da legislação de proteção aos mananciais da Região Metropolitana de São Paulo ................. 90 A lei 9.866 de 28 de novembro de 1997 ............................. 91 O Plano Emergencial de Recuperação dos Mananciais da RMSP ............................................... 92 As leis específicas para as áreas de proteção e recuperação dos mananciais ................................................................ 92 Referências ............................................................. 95
Guilherme Arantes
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Água que nasce na fonte serena do mundo • E abre um profundo grotão • Água que faz inocente riacho • E deságua na corrente do ribeirão • Águas escuras dos rios • Que levam a fertilidade ao sertão Águas que banham aldeias • E matam a sede da população • Águas que caem das pedras • Do véu das cascatas, fogo de trovão • E depois dormem tranqüilas no leito dos lagos • No leito dos lagos • Águas dos igarapés onde Iara a mãe d’água é misteriosa canção • Águas que o sol evapora, pro céu vai embora • Virar nuvens de algodão • Gotas de água de chuva • Alegre arco-íris sobre a plantação • Gotas de água de chuva • Tão triste são lágrimas na inundação • Águas que movem moinhos • São as mesmas águas que encharcam o chão • E sempre voltam humildes pro fundo da terra • Terra, planeta água • Terra, planeta água • Terra, planeta água • Planeta Água • Guilherme Arantes Água que nasce na fonte serena do mundo • E abre um profundo grotão • Água que faz inocente riacho • E deságua na corrente do ribeirão • Águas escuras dos rios • Que levam a fertilidade ao sertão Águas que banham aldeias • E matam a sede da população • Águas que caem das pedras • Do véu dasDOS cascatas, fogo de trovão • E depois PANORAMA RECURSOS HÍDRICOS dormem tranqüilas no leito dos lagos • No leito dos lagos • Águas dos igarapés onde Iara a mãe d’água é misteriosa canção • Águas que o sol evapora, pro céu vai embora • Virar nuvens de algodão • Gotas de água de chuva • Alegre arco-íris sobre a plantação • Gotas de água de chuva • Tão triste são lágrimas na inundação • Águas que movem moinhos • São as mesmas águas que encharcam o chão • E sempre voltam humildes pro fundo da terra Terra, planeta água Terra, planeta água • Terra, planeta água • Planeta Água • Guilherme Arantes Água que nasce na fonte serena do mundo • E abre um profundo grotão • Água que faz inocente riacho • E deságua na corrente do ribeirão • Águas escuras dos rios • Que levam a fertilidade ao sertão Águas que banham aldeias • E matam a sede da população • Águas que caem das pedras • Do véu das cascatas, fogo de trovão • E depois dormem tranqüilas no leito dos lagos • No leito dos lagos • Águas dos igarapés onde Iara a mãe d’água é misteriosa canção Águas que o sol evapora, pro céu vai embora • Virar nuvens de algodão • Gotas de água de chuva • Alegre arco-íris 7sobre a plantação • Gotas de água de
capítulo 1
A escassez e a degradação como um grave problema do mundo contemporâneo Frente às imagens de um planeta com extensas superfícies cobertas de água, pode-se compreender a sensação de abundância que sempre acompanhou nosso imaginário sobre esse recurso. Oceanos, rios, lagos, pântanos e áreas alagadas, calotas polares e geleiras cobrem 70% da superfície terrestre, e sugerem quantidades ilimitadas às necessidades e desejos humanos. O desvendamento desse ciclo complexo pelo qual a água circula de um estado para outro, entre os vários sistemas da Terra, agregou, à sensação de abundância, a idéia de infinitude, pela renovação constante da água doce que o ciclo hidrológico proporciona à biota. Aos ritmos dos ciclos de renovação da natureza, contrapõem-se os ritmos das atividades humanas, com sua aceleração progressiva. O suprimento de água na Terra é finito. A água doce eqüivale a 2,5% do total de água do planeta, e apenas 0,5% encontra-se disponível. As demandas de água para atender as populações humanas têm crescido a níveis muito superiores à capacidade de renovação da quantidade e da qualidade que o ciclo hidrológico realiza. A água doce do planeta vem sendo poluída e exaurida. Além do crescimento demográfico e o conseqüente aumento na apropriação de água, o desenvolvimento econômico e tecnológico provocou também o aumento no consumo per capita. Se a população mundial triplicou nos últimos setenta anos, o consumo de água tornou-se seis vezes maior. A oferta de água reduz-se ainda pelo aumento da contaminação. O Informe das Nações Unidas sobre o desenvolvimento dos recursos hídricos (2003) estima que dois milhões de toneladas de dejetos são lançados diariamente nos corpos d’água, incluindo resíduos industriais, agrícolas e domésticos. O relatório destaca que a produção global aproximada de águas residuais é de 1.500 km³. Como cada litro de resíduos pode contaminar oito litros de água doce, a carga mundial de contaminação pode chegar a 12 mil km³. Os efeitos das mudanças climáticas também devem ser considerados no agravamento da oferta, uma vez que podem acarretar a diminuição de 20% na água doce disponível. Esses elementos são fatores determinantes da crise de escassez de água que a humanidade terá de enfrentar no decorrer do século XXI. Atualmente cerca de 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável e 2,4 bilhões ao saneamento básico. Do total de água doce disponível, 54% já estão sendo utilizados; em 2025, esse índice poderá alcançar 70%. Dados da Organização Meteorológica Mundial indicam que um terço da população mundial vive em regiões de moderado a alto stress hídrico, ou seja, com um nível de consumo superior a 20% da sua disponibilidade de água. Se mantivermos os atuais padrões de consumo, as previsões indicam que, em meados do século, cerca sete bilhões de pessoas, em sessenta países, serão afetadas pela crise de água.
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Região/País
África Argélia Botsuana Burundi Cabo Verde Djibuti Egito Quênia Líbia Mauritânia Tunísia Oriente Médio Bahrein Israel Jordânia Kuait Qatar Arábia Saudita Síria Emirados Árabes Iêmen Outros Barbados Bélgica Hungria Malta Holanda Singapura
Suprimentos de águas renováveis (m3pessoa)
População (milhões)
Tempo de duplicação da população (anos)
730 710 620 500 750 30 560 160 190 450
26.0 1.4 5.8 0.4 0.4 55.7 26.2 4.5 2.1 8.4
27 23 21 21 24 28 19 23 25 33
0 330 190 0 40 140 550 120 240
0.5 5.2 3.6 1.4 0.5 16.1 13.7 2.5 10.4
29 45 20 23 28 20 18 25 20
170 840 580 80 660 210
0.3 10.0 10.3 0.4 15.2 2.8
102 347 – 92 147 51
A conseqüência mais direta para essa população com reduzido acesso à água potável e saneamento é o quadro atual de doenças transmitidas pela água. No ano 2000 mais de dois milhões de pessoas foram afetadas por essas doenças. Cerca de seis mil crianças morrem diariamente por doenças relacionadas à qualidade da água ou à ausência de saneamento e higiene. Dados do Instituto Worldwatch revelam que, nos países pobres, 80% de todas as doenças são disseminadas por meio de consumo de água imprópria.
Os ecossistemas de água doce também são impactados com a redução e deterioração da qualidade da água. Perda da biodiversidade, da cobertura vegetal, drenagem das áreas úmidas e, como conseqüência, a geração de mais danos ambientais: desastres naturais, inundações, perda de solo, erosão, assoreamento dos corpos d’água. O círculo vicioso dos danos parece atingir crescimento exponencial.
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Fonte: Tundisi (2003) - Países com suprimentos de água renováveis com menos de 1.000m³/ano. Não inclui água que flui de países vizinhos.
Países com escassez de água
Destacam-se nesse quadro de escassez e degradação dos recursos hídricos, os conflitos potenciais entre os usuários que compartilham um mesmo aqüífero ou bacias transfronteiriças. Como os usuários de jusante dependem da quantidade e qualidade da água rio acima, somente uma gestão cooperativa, eqüitativa e sustentável poderá equacionar os conflitos entre os diversos usos e usuários. Atualmente existem 261 bacias internacionais e 145 nações têm seus territórios em bacias compartilhadas. Embora esse potencial de conflitos tenha resultado em mais casos de cooperação que de disputa acirrada, estudo realizado sobre esse tema identificou os seguintes indicadores de conflitos para as águas compartilhadas: • bacias internacionalizadas que incluem países de recente independência política; • bacias com projetos unilaterais implantados e nas quais os regimes políticos não buscam estratégias de cooperação; • bacias em que os governos são hostis por outras questões. O relatório da ONU admite que vivemos uma crise hídrica e que, embora ela se manifeste de modo diferente em cada país, é uma crise de gestão, de governabilidade dos assuntos públicos. Conservação e racionalidade do uso, melhor aproveitamento da água e fim dos desperdícios são questões vitais. Para enfrentar essa crise, recomenda que a gestão busque um equilíbrio entre as necessidades socioeconômicas e ecológicas, que considere as implicações éticas e as dimensões políticas ao enfrentar a multiplicidade de interesses envolvidos com a água. Recomenda ainda que a gestão inclua a participação de todos os interessados e que a transparência, a eqüidade, a responsabilidade financeira, a coerência e a capacidade de reação sejam adotadas como princípios básicos pelos organismos de gestão.
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Recursos hídricos compartilhados • Há 261 bacias hidrográficas que atravessam as fronteiras políticas de dois ou mais países. Estas bacias cobrem 45,3% da superfície da Terra, afetam cerca de 40% da população mundial e representam aproximadamente 60% dos caudais dos rios do planeta. • 145 nações possuem territórios que pertencem a bacias hidrográficas internacionais. Vinte e uma delas ficam inteiramente situadas nessas bacias internacionais. • As bacias de 19 rios são compartilhadas por cinco ou mais países. A bacia de um deles, o Danúbio, é partilhada por 17 países. • Apesar da água poder gerar conflitos, os últimos 50 anos só assistiram a 37 diferendos graves que envolveram violência. No mesmo período, foram negociados e assinados 157 tratados. Os diferendos registram-se em geral entre tribos, setores que utilizam a água ou estados provinciais. Nos nossos dias, não se travou nenhuma guerra por causa da água.
Informe de las Naciones Unidas sobre el desarrollo de los recursos hídricos en el mundo (2003.)
Ilustração Thereza Nisi
O Ciclo Hidrológico O ciclo hidrológico é a forma como a água circula pelos sistemas da Terra, de uma altura de 15 quilômetros acima do solo para uma profundidade de cerca de cinco quilômetros. É um sistema químico quase estável e auto-regulável, que transfere a água de um “reservatório” para outro em ciclos complexos. Estes reservatórios incluem a umidade atmosférica (nuvens e chuvas), os oceanos, rios e lagos, os lençóis freáticos, os aqüíferos subterrâneos, as calotas polares e o solo saturado (a tundra ou as áreas alagadas). O ciclo é o processo de transferência da água de um estado, ou reservatório, para outro através da gravidade ou da aplicação de energia solar, ao longo de períodos que variam de horas a milhares de anos. O sistema todo funciona somente porque mais águas evapora dos oceanos do que retorna para ele diretamente na forma de chuva ou de neve. Esta diferença cai na Terra sob a forma de chuva ou neve, e é esta diferença que torna nossa vida possível, pois quando a chuva cai, ela o faz em forma de água doce. Há uma renovação não só quantitativa, mas também qualitativa: o processo purifica a água de suas impurezas e a devolve potável, uma água utilizável pela biota, na qual estamos incluídos. Qualquer criança sabe que, quanto mais quente e seco o tempo, mais rápido ocorre a evaporação: os principais fatores são a temperatura, a umidade, a velocidade do vento e a radiação do sol. Por motivos óbvios, a maior parte da evaporação vem do oceano. Mas também ocorre evaporação de lugares como lagos e rios, do solo e até mesmo da neve e do gelo, e neste caso é chamada, por razões obscuras, de sublimação. As plantas também exalam água: a evaporação da água através dos diminutos poros encontrados nas folhas das plantas, os estômatos, é chamada de transpiração. A maioria dos hidrólogos simplesmente reúne transpiração, sublimação e evaporação e chama tudo isso de evapotranspiração. Marq de Villiers (2002)
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Panorama dos recursos hídricos no Brasil Estima-se que do total de água doce disponível no planeta, entre 10% e 12% estejam em território brasileiro, caracterizando o país como um dos mais ricos em termos quantitativos. Entretanto, esse patrimônio, fruto das peculiaridades hidroambientais do Brasil, não se distribui igualmente pelas regiões hidrográficas. Se consideramos as vazões médias de cada região, veremos que 73% estão na Região Hidrográfica do Amazonas, onde vive 4,5% da população nacional, ao passo que na Região Hidrográfica do Paraná, com 32% da população brasileira, a vazão média eqüivale a 6% do total do país (ANA, 2002). Além dessa variação na distribuição hídrica em relação à densidade populacional, em algumas cidades e áreas metropolitanas, onde as demandas por abastecimento e dissolução de esgotos são maiores, o problema da oferta é agravado pela poluição urbana e industrial das águas. Da mesma forma, nas regiões onde as atividades agroindustriais estão muito desenvolvidas, a poluição dos recursos hídricos tem sido significativa. Nessas áreas os conflitos de uso estão entre os problemas prioritários a ser enfrentados por um sistema de gestão integrada. O semi-árido brasileiro é outra região afetada pela distribuição hídrica. Abrangendo 86,5% da Região Nordeste, 11% do norte de Minas Gerais e 2,5% do Espírito Santo, no semi-árido os índices de pluviosidade não ultrapassam os 800 milímetros anuais. Segundo dados do IBGE, nessa área vivem mais de 19 milhões de pessoas e se concentra o maior contingente de pobres do território nacional. As águas subterrâneas As condições de ocorrência das águas subterrâneas no Brasil são muito variadas. Segundo Rebouças (2003), isso ocorre devido à grande complexidade do quadro geológico,
tencial hidrogeológico varia de menos de 1 a mais de 10 m³/hm (Rebouças, 2000). Sua exploração condiciona-se aos seguintes fatores: • quantidade, relacionada à condutividade hidráulica e ao coeficiente de armazenamento dos terrenos; • qualidade, dependente da composição das rochas e condições climáticas e de renovação das águas; • econômico, dependente da profundidade do aqüífero e das condições de bombeamento (Setti, 2001). Estima-se que atualmente existam trezentos mil poços tubulares em explotação e que dez mil novos poços sejam perfurados por ano. A explotação da água subterrânea vem crescendo de forma acelerada nas últimas décadas, seja para o abastecimento de núcleos urbanos, seja para o suprimento de indústrias, hospitais, hotéis, propriedades rurais e de outras atividades. No Maranhão, mais de 70% das cidades são abastecidas por águas subterrâneas e no Piauí esse percentual supera 80% (ANA, 2002).
preenchendo os vazios milimétricos dos sedimentos arenosos, dos arenitos e outras rochas sedimentares, do manto de intemperismo das rochas compactas genericamente denominadas de cristalinas, bem como de suas fissuras, fraturas, planos de contato e falhas(pg. 202).
Considerando as similaridades nas condições de estocagem (porosidade), de fluxo (permeabilidade) e de recarga natural (infiltração das chuvas) as águas subterrâneas estão agrupadas em dez províncias hidrogeológicas: Escudo Setentrional, Amazonas, Escudo Central, Parnaíba, São Francisco, Escudo Oriental, Paraná, Escudo Meridional, Centro Oeste e Costeira. Estima-se a reserva total de água subterrânea no Brasil em 112 mil km3 . Desse total, aproximadamente 90% estão nas bacias sedimentares. Esse po12
Reservas de água subterrânea no Brasil
Substrato aflorante Substrato alterado Bacia Sed. Amazonas Bacia Sed. São LuisBarreirinhas Bacia Sed. Maranhão
Bacia Sed. PotiguarRecife Bacia Sed. AL/SE Bacia Sed. JatobáTucano-Recôncavo Bacia Sed. Paraná (Brasil)
Depósitos diversos Totais
Área(km2)
Sistema Aqüífero Principal
600.000 Zonas fraturadas (PE) 4.000.000 Manto rocha alterada e/ou fraturas (PE) 1.300.000 G. Barreiras (TQb) F. Alter do Chão. (K) 50.000 F. São Luis (TQ) F. Itapecuru (Ki) 700.000 F. Itapecuru (Ki) F. Cordas-Grajaú (Jc) F. Motuca (PTRm) F. Poti-Piaui (Cpi) F. Cabeças (Dc) F. Serra Grande (Sdsg) 23.000 G. Barreiras (TQb) F. Calc. Jandaíra (Kj) F. Açu-Beberibe (Ka) 10.000 G. Barreiras (TQb) F. Marituba (Km) 56.000 F. Marizal (Kmz) F. S. Sebastião (Kss) F. Tacaratu (SDt) 1.000.000 G. Baurú-Caiuá (Kb) F. S erra Geral (Jksg) F. Botucatu-Piramboia-Rio do Rasto (Pr/TRp/Jb) F. Furnas/Aquidauana (D/PCa) 773.000 Aluviões, dunas (Q) 8.512.000
Reservas (km3) 80 10.000
Interv. Vazão Poço (m3/h) <1-5 5 – 10
32.500
10 – 400
250
10 – 150
17.500
10 – 1000
230
5 – 550
100
10 - 350
840
10 - 500
50.400
10 - 700
411 ≈112.000
2 - 40
Os usos múltiplos da água Além de ser componente essencial à vida e ao meio ambiente, a água está presente em quase todas as atividades humanas. Quando começa a se tornar escassa para atender a tantas demandas, começam a surgir os conflitos entre os diversos usos e usuários, requerendo um sistema integrado de gestão, normalizador dos usos, que promova uma distribuição eqüitativa, e responda pelo controle e proteção dos recursos hídricos.
Segundo os vários usos e fins a que se destinam, os recursos hídricos são classificados em usos consuntivos e não consuntivos. No primeiro caso, parte da água captada retorna ao curso d’água, e nos usos não consuntivos, toda a água captada retorna. Essa classificação é importante para as avaliações entre disponibilidade e demanda. Nos usos consuntivos estão o abastecimento humano, a dessedentação, o abasteci-
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Fonte: Rebouças (1999)
Domínio Aqüífero
Regiões hidrográficas do Brasil: disponibilidades e demandas
Amazonas Costeira do Norte Tocantins
Va
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zã
D
o
D
em
46,5 1 11
3.988.813 98.583 943.006
Nordeste Ocidental Parnaíba Nordeste Oriental
3 4 8
256.098 344.248 685.303
4.908.161 3.586.739 33.355.989
1.695 1.272 2.937
10.891 11.183 2.777
20 45 263
São Francisco Costeira Sudeste Costeira Sul
8 2 2
645.000 209.000 192.810
14.161.434 26.225.376 11.686.492
2.850 3.868 4.842
6.347 4.651 13.066
224 215 344
2 10 4
177.494 856.820 363.592
3.829.292 54.575.194 1.839.050
4.150 11.000 1.340
34.177 6.269 22.663
179 515 56
Uruguai Paraná Paraguai
7.575.333 134.119 558.335 59.466 3.253 1.715.592 7.788.163 11.800 47.126
mento industrial e a irrigação; e entre os usos não consuntivos estão a geração de energia, a navegação, a pesca, a recreação e a diluição, a assimilação e o transporte de resíduos líquidos. Entre os usos consuntivos, o maior percentual de volume captado é utilizado pelo uso agrícola, com um volume captado da ordem de 33,8 km³/ano, correspondendo a 72,5% do total. Em seguida vem o setor de abastecimento, com 8,4 km³/ano, equivalente a 18% do volume total captado. Para o uso industrial são captados 4,4 km³/ano, que correspondem a 9,5% do total. Representando o maior percentual de consumo por tipo de uso, a irrigação ainda utiliza métodos pouco eficientes. Dos quase três milhões de hectares irrigados, 56% são por espalhamento superficial, 19% por pivô central e 18% por aspersão convencional (REBOUÇAS, 2003). No setor de saneamento básico, os dados da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio
209 0.9 73
9 0,4 12 10 9 78 28 105 18 8 105 4
2 0,1 2
190 – 52
8 0,4 7
2 2 53
5 32 118
3 2 14
29 78 11
160 28 309
7 4 6
5 113 1
157 253 41
9 44 10
Fonte: Agência Nacional de Águas (2002)
Te rr Re itó gi rio ão N H ac id io ro na gr l(% áf ica )
Ambiente (1998) revelam que houve melhoria sensível no grau de cobertura: o abastecimento de água cobre 91% dos domicílios urbanos e 49% dos esgotos são coletados. Quanto ao abastecimento, o grande problema ainda é o desperdício, com um índice de perdas de 45%, o que representa 3,78 km³/ano de um total de 8,4 km³/ano distribuídos para o abastecimento no Brasil. Com relação ao esgotamento sanitário, a conseqüência mais direta desse baixo índice de cobertura são as altas taxas de doenças intestinais e outras relacionadas à inadequação dos serviços de saneamento básico, resultando em 65% de internações hospitalares e cinqüenta mil morte de crianças por ano provocadas pela diarréia (Setti,2001). Quanto ao setor industrial, essa atividade encontra-se mais concentrada nas regiões Sudeste e Sul, nas bacias do Paraná e do Atlântico Sudeste, correspondendo à demanda de 74% do total.
14
Usos da água
Com derivação de águas
Forma
Requisitos de Qualidade
Efeitos nas Águas
Abastecimento urbano
Abastecimento Baixo (de 10%), sem Altos ou médios, doméstico, industrial, contar as perdas nas influindo no custo do tratamento comercial e público redes
Poluição orgânica e bacteriológica
Abastecimento industrial
Médios, variando Sanitário, de proces- Médio (de 20%), so, incorporação ao variando com o tipo com o tipo de uso produto, refrigeração de uso e de indústria e geração de vapor
Poluição orgânica, substâncias tóxicas, elevação de temperatura
Irrigação artificial de Alto (de 90%) culturas agrícolas segundo diversos métodos
Médios, dependendo do tipo de cultura
Carreamento de agrotóxicos e fertilizantes
Doméstico ou para dessedentação de animais
Baixo (de 10%)
Médios
Alterações na qualidade com efeitos difusos
Estações de piscicultura e outras
Baixo (de 10%)
Altos
Carreamento de matéria orgânica
Acionamento de turbinas hidráulicas
Perdas por evaporação do reservatório
Baixos
Alterações no regime e na qualidade das águas
Manutenção de calados mínimos e eclusas
Não há
Baixos
Lançamento de óleos e combustíveis
Irrigação
Abastecimento
Aqüicultura Geração hidrelétrica Navegação fluvial
Sem derivação de águas
Tipo de Uso
Finalidade
Uso Consuntivo
Natação e outros Não há esportes com contato direto, como iatismo e motonaútica; lazer contemplativo
Altos, especialmente Não há recreação com contato direto
Com os fins comerci- Não há ais de espécies naturais ou introduzidas por meio de estações de piscicultura
Altos, nos corpos d’água, correntes, lagos ou reservatórios artificiais
Alterações na qualidade após mortandade de peixes
Assimilação de esgotos
Diluição, autodepuração e transporte de esgotos urbanos e industriais
Não há
Não há
Poluição orgânica, física, química e bacteriológica
Usos de preservação
Vazões para assegurar o equilíbrio ecológico
Não há
Médios
Melhoria da qualidade da água
Recreação, lazer e harmonia paisagística
Pesca
Fonte: Barth (1987) e Setti (2001). 15
Região
Área Irrigada
Água Derivada
Água
Água Derivada
Água
Eficiência de
(ha)
dos Mananciais
Consumida
dos Mananciais
Consumida
Irrigação
(mil/m3/ano)
pelos Cultivos
(m3/ha.ano)
pelos Cultivos
(mil/m3/ano)
Norte Nordeste Sudeste Sul CentroOeste
86.660 495.370 890.974 1.195.440 201.760 2.870.204
839.900 8.114.586 9.497.223 13.696.405 1.602.183 33.777.297
(m3/ha.ano)
461.320 5.340.146 6.223.402 8.521.624 492.667 21.039.159
9.657 16.380 10.659 11.457 7.941 11.768
5.323 10.780 6.985 7.128 2.442 7.330
55,1 65,8 65,5 62,2 30,8 62,3
Produto Boi Ovelhas e cabras Carne fresca de boi Carne fresca de ovelha Carne fresca de frango Cereais Cítricos Azeites Legumes, raízes, tubérculos
Unidade Cabeça Cabeça Quilograma Quilograma Quilograma Quilograma Quilograma Quilograma Quilograma
Água (m3)
4.000 500 15 10 6 1,5 1 2 1
Fonte: UNESCO(2003)
Quantidade de água para produzir alimentos
Fonte: Cristofidis, D. (1999), Lima et al. (2000) e Setti (2001)
Demanda anual de água para irrigação por regiões brasileiras (1998)
Amazonas
Bacia
Principais indústrias Mineração, madeira, eletro-eletrônico, mecânico
Tocantins
Metalurgia, alimentos, madeira, couros, laticínios, cerâmica
Atlântico Sul
Cerâmica, carbonífera, eletro-metal-mecânico, têxtil, pesqueira, química, informática, material elétrico, comunicações, automóveis, couro, alimentos
Atlântico Leste
Petroquímica, mineração, siderurgia, celulose, automóveis, aeronáutica, têxtil, construção naval
Atlântico Norte/Nordeste
Metalúrgica, têxtil, alimentação, extrativa, mineral, química, vestuário e calçado
Paraná
Maior parque industrial do país: automóveis, informática, alimentos, agroindústria, têxtil etc.
São Francisco
Agroindústria, minerais, química, vestuário, calçado, metalúrgica
Paraguai
Alimentos, couro, mineração, agroindústria
Uruguai
Mecânica, agroindústria, alimentos
16
Fonte: FGV (1998)
Tipos de indústria por bacia
A situação dos recursos hídricos no Estado de São Paulo A maior parte do território do Estado de São Paulo está na Região Hidrográfica do Paraná. Uma outra parcela encontra-se na Região Hidrográfica Costeira Sudeste e na Costeira Sul, conforme a divisão hidrográfica adotada pela Agência Nacional de Águas. São Paulo compartilha bacias hidrográficas com os estados de Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro. Para a gestão das águas, o território paulista foi dividido em 22 Unidades de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (UGRHIs). A área total de drenagem no Estado é de 248.809 km², com uma vazão média de 3.120 m³/s e uma vazão mínima de 892 m³/s. Quanto às águas subterrâneas, a disponibilidade total é da ordem de 351,3 m³/s, incluindo-se nesse valor 15,2 m³/s correspondentes ao Sistema Aqüífero Guarani (PERH, 2000). Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos - UGRHIs
As 22 UGRHIs caracterizam-se pelos seguintes usos predominantes: • uso industrial - Paraíba do Sul, Piracicaba/Capivari/Jundiaí, Alto Tietê, Baixada Santista e Tietê/ Sorocaba; • processo de industrialização - Pardo, Sapucaí/Grande, Mogi-Guaçu, Baixo Pardo/Grande e Tietê/Jacaré; • uso agropecuário - Turvo/Grande, Tietê/Batalha, Médio Paranapanema, São José dos Dourados, Baixo Tietê, Aguapeí, Peixe e Pontal do Paranapanema; e • conservação - Mantiqueira, Litoral Norte, Ribeira do Iguape/Litoral Sul e Alto Paranapanema.
17
Caracterização geral e física do Estado de São Paulo
Mantiqueira Paraíba do Sul Litoral Norte Pardo
Área da MunicíGeomorfologia bacia (km2) pios 679 3 Planalto Atlântico 14.547 34 Planalto Atlântico 1.987 4 Província Costeira 9.038 23 Depressão Periférica 14.314
57
5.985 2.886 9.170
34 9 22
Mogi-Guaçu
15.218
38
Tietê/Sorocaba
11.708
34
Ribeira de Iguape/ Litoral Sul Baixo Pardo/Grande Tietê/Jacaré Alto Paranapanema
16.607
23
7.249 11.749 22.795
12 34 34
Turvo/Grande Tietê/Batalha
16.037 13.151
64 33
16.829 6.732 15.787 13.068 10.780 12.493 248.809
42 25 42 32 26 21 645
Piracicaba/Capivari/Jundiaí Alto Tietê Baixada Santista Sapucaí/Grande
Médio Paranapanema São José dos Dourados Baixo Tietê Aguapeí Peixe Pontal do Paranapanema Total
Depressão Periférica e Cuestas Basálticas Planalto Atlântico Província Costeira Cuestas Basálticas e Planalto Ocidental Cuestas Basálticas e Depressão Periférica Depressão Periférica e Cuestas Basálticas Província Costeira Planalto Central Depressão Periférica Planalto Ocidental e Depressão Periférica Planalto Central Planalto Ocidental e Cuestas Basálticas Planalto Ocidental Planalto Central Planalto Ocidental Planalto Ocidental Planalto Ocidental Planalto Ocidental
18
Sistemas Aqüíferos Cristalino Cristalino/Cenozóico Cristalino/Cenozóico Cristalino/Tubarão/Guarani/ Serra Geral Cristalino/Tubarão/Guarani Cristalino/Cenozóico Cristalino/Cenozóico Guarani/Serra Geral Cristalino/Tubarão/Guarani/ Serra Geral Cristalino/Tubarão/Guarani Cristalino/Cenozóico Bauru/Serra Geral Bauru/Serra Geral/Guarani Cristalino/Tubarão/Guarani/ Serra Geral Serra Geral/Bauru Bauru Bauru/Serra Geral Bauru Bauru/Serra Geral Bauru Bauru Caiuá/Bauru/Serra Geral
Fonte: Relatório de situação dos recursos hídricos do Estado de São Paulo (1999)
UGRHI
Disponibilidade Hídrica no Estado de São Paulo Águas Superficiais Vazão Média (m3/s)
Mantiqueira Paraíba do Sul Litoral Norte Pardo Piracicaba/Capivari/Jundiaí Alto Tietê Baixada Santista Sapucaí/Grande Mogi-Guaçu Tietê/Sorocaba Ribeira de Iguape/Litoral Sul Baixo Pardo/Grande Tietê/Jacaré Alto Paranapanema Turvo/Grande Tietê/Batalha Médio Paranapanema São José dos Dourados Baixo Tietê Aguapeí Peixe Pontal do Paranapanema Estado de São Paulo
22 217 109 140 174 86 158 147 202 106 511 86 97 255 122 98 155 51 114 96 82 92 3.120
Vazão Mínima (m3/s)
7 72 28 30 43 20 39 28 49 22 157 21 40 84 26 31 65 12 27 28 29 34 892
Usos e demandas
Águas Subterrâneas Disponibilidade Total (m3/s)
2,0 20,1 8,2 10,0 24,0 19,1 15,0 10,8 16,8 7,8 57,9 11,0 12,9 25,0 10,5 10,0 20,7 4,4 12,2 10,9 11,6 15,2 336,3
drica já é considerada crítica, uma vez que o volume das captações supera 50% da vazão mínima. Na bacia do Alto Tietê as demandas superam as disponibilidades em mais de 60 m³/s. No balanço entre disponibilidade e demanda é preciso considerar também as vazões transferidas (importação / exportação de água) entre UGRHIs. Da UGRHI do Piracicaba/Capivari/Jundiaí são revertidos em média 28,5 m³/s para a do Alto Tietê, para o abastecimento público; da bacia Alto Tietê são revertidos 22,5 m³/s para a Baixada Santista para gerar energia. Também há transferência de vazões entre as UGRHIs Baixo Tietê e São José dos Dourados, nos dois sentidos, para a navegação. Ainda em termos de aproveitamento dos recursos hídricos, cabe destacar as obras hidráulicas (bar-
A demanda global do Estado para as águas superficiais é de 352 m³/s. Desse total 111,09 m³/s destinam-se ao uso doméstico, 93,27 m³/s ao uso industrial e 147,93 m³/s à irrigação e outros usos rurais. A demanda total para as águas subterrâneas é de 59,75 m³/s. Cerca de 20 m³/s desse total destinam-se ao abastecimento público, sendo que 67% dos municípios paulistas, com população inferior a dez mil habitantes, são totalmente abastecidos com água subterrânea. O Estado de São Paulo utiliza cerca de 40% da disponibilidade hídrica superficial para atender às suas demandas. Nas bacias do Pardo, Piracicaba/Capivari/ Jundiaí, Alto Tietê, Baixada Santista, Mogi-Guaçu, Tietê/Sorocaba e Tietê/Jacaré a disponibilidade hí19
Fonte: Relatório de situação dos recursos hídricos do Estado de São Paulo (1999)
UGRHI
UGRHI Paraíba do Sul Piraciaba/Capivari/Jundiaí Alto Tietê Baixada Santista
Carga Inorgânica (t/ano)Potencial
Carga Inorgânica (t/ano) Remanescente
1.894 1.761 1.725 6.909
395 252 342 0
Demanda global de água no Estado de São Paulo UGRHI
Domésti- Industrial ca
Mantiqueira Paraíba do Sul Litoral Norte Pardo Piracicaba/Capivari/Jundiaí Alto Tietê Baixada Santista Sapucaí/Grande Mogi-Guaçu Tietê/Sorocaba Ribeira de Iguape/Litoral Sul Baixo Pardo/Grande Tietê/Jacaré Alto Paranapanema Turvo/Grande Tietê/Batalha Médio Paranapanema São José dos Dourados Baixo Tietê Aguapeí Peixe Pontal do Paranapanema
0,38 3,35 2,49 0,97 14,68 61,11 9,18 1,27 4,28 2,57 1,01 0,65 1,99 1,51 0,80 0,25 1,03 0,19 1,43 0,30 0,82 0,83
Irriga-
Rural
Total
ção
0,04 6,50 0,00 5,58 16,40 16,47 11,70 0,17 16,00 4,09 0,00 2,12 6,81 2,01 0,60 1,38 0,53 0,26 1,37 0,26 0,79 0,18 93,27
0,10 10,42 0,01 12,91 9,90 2,63 0,00 9,86 18,74 7,84 0,59 6,69 12,71 18,03 7,69 3,17 3,65 1,13 9,97 3,22 2,02 2,13
20
Lançamento Total
0,63 0,00 0,50 0,44 0,54 0,00 0,02 0,08 0,63 0,00 0,00 0,36 0,26 0,71 0,12 0,10 0,00 0,01 0,11 0,00 0,00 0,01 4,52
1,15 20,27 3,00 19,90 41,52 80,21 20,90 11,38 39,65 14,50 1,60 9,82 21,78 22,25 9,21 4,90 5,21 1,59 12,88 3,78 3,63 3,15 352,29
0,77 10,18 0,09 6,43 15,18 37,66 6,80 1,18 20,58 5,34 0,44 1,39 7,27 2,10 2,19 1,88 1,30 0,59 1,78 0,08 0,27 0,68 124,17
% da Vazão Mínima UTILIZADA
16,50 28,15 10,71 66,33 96,60 401,05 53,58 40,65 80,91 65,92 1,02 46,78 54,44 26,49 35,41 15,81 8,02 13,28 47,69 13,50 12,52 9,26 39,50
CONSUMIDA
5,46 14,02 10,40 44,89 62,40 212,75 36,14 36,43 38,92 41,65 0,74 40,17 36,26 24,00 27,00 9,74 6,02 8,34 41,11 13,21 11,59 7,26 25,60
Fonte: Relatório de situação dos recursos hídricos do Estado de São Paulo (1999)
tados, contribuem para diminuir a oferta de água com qualidade para outros usos. São Paulo tem um índice de cobertura de 97% para o abastecimento de água. Entretanto, no caso do afastamento dos esgotos esse percentual cai para 79%, e para 25% com tratamento. O potencial de carga orgânica biodegradável lançado é de 1.713.190 kgDBO/dia para o uso urbano e 9.310.491 kgDBO/dia para o uso industrial. O tratamento dos efluentes reduz 25% da carga urbana e 96% da industrial. Algumas bacias recebem ainda quantidades significativas de carga inorgânica:
ragens, estações elevatórias, usinas hidrelétricas e reservatórios). São 73 obras hidráulicas, a maior parte na Bacia do Alto Tietê. Em termos de geração hidrelétrica, a capacidade instalada nos limites do Estado totaliza 18.078 MW. O potencial hidrelétrico remanescente estimado é de 2.600 MW. Quanto à navegação, São Paulo dispõe de uma rede hidroviária de 1.700 km e o potencial de 4.166 km. E por fim, a diluição, a assimilação e o transporte de resíduos líquidos que, mesmo sendo um uso sem perdas consuntivas, quando os efluentes não são tra-
Uso racional, conservação e proteção dos recursos hídricos As pressões da demanda somadas à deterioração da qualidade têm deixado algumas bacias em estado crítico em relação à disponibilidade hídrica, principalmente aquelas de maior densidade demográfica e industrial, e de intensivo uso agrícola. Nas bacias do Alto Tietê e do Piracicaba/Capivari/ Jundiaí a necessidade de programas voltados ao uso racional da água é uma imposição. Em algumas bacias, tanto a demanda superficial quanto a subterrânea já estão em estado crítico; em outras, esse balanço é considerado preocupante. Promover o uso racional e a economia de água, evitando consumos exagerados, desperdícios e perdas, deve ser diretriz e objetivo permanente da gestão das águas, e não somente recurso utilizado durante os períodos de crise e estiagem. Além das campanhas publicitárias e educacionais, dirigidas aos usuários domésticos, um programa de uso racional de água deve envolver amplos setores, incluindo todos os tipos de usuários: urbano, industrial, rural. As campanhas de esclarecimento e divulgação de informações devem vir acompanhadas de políticas de incentivo à redução da demanda e de financiamentos para a modernização de sistemas e troca de equipamentos. Uso racional da água Recomendações para campanhas informativas e educacionais • As campanhas devem ter continuidade; não podem ser campanhas esporádicas, desenvolvidas apenas em momentos de crise. • A educação para a conservação deve ser iniciada nas escolas, para ir sensibilizando desde cedo as crianças. • As campanhas devem ser segmentadas de acordo com o perfil da população, para atingir públicos diferenciados quanto ao nível de escolaridade, faixa etária, renda e outras categorias relevantes. • Utilizar meios de comunicação e linguagens diferentes para públicos diferenciados: as campanhas devem considerar que a necessidade de se segmentar implica produzir material informativo e persuasivo, que vai atingir públicos com diferentes habilidades cognitivas, motivações e capacidade de atenção. Grupos formais e informais, associações e sindicatos devem ser pensados como agentes disseminadores e como alvo de campanhas específicas.
• As informações veiculadas devem ter formato atraente e conteúdo mínimo objetivo: é preciso que chamem e prendam a atenção, envolvendo a audiência, e também que contenham as metas e economia, a justificativa das metas, e o que cada um pode fazer para que se consiga atingi-las. As campanhas devem mostrar claramente as relações entre o comportamento individual e as conseqüências coletivas desse comportamento, tanto no que tange à economia quanto no que diz respeito ao desperdício. • É preciso avaliar que órgão ou instituição deve assinar essas campanhas, ponto considerado fundamental para o seu sucesso ou insucesso. • As campanhas de informação e de educação devem enfatizar de maneira clara e simplificada os argumentos em favor da conservação. Não basta se dizer que os equipamentos eficientes têm bom desempenho; é necessário mostrar que melhoram a qualidade de vida das pessoas e o meio ambiente. Nancy Cardia (1998)
21
Harith, o Beduíno, e sua esposa, Nafisa, indo de
Um programa de uso racional e economia deve promover também o reúso de água. O reúso é a utilização do mesmo recurso, mais de uma vez, depois do tratamento adequado ao fim a que se destina. A água pode ser empregada para os usos urbanos e industriais, a agricultura e a aquicultura, para recarga de aqüíferos subterrâneos e a manutenção da vazão dos corpos d’água. A água produzida nas estações de tratamento de esgoto da Sabesp, por exemplo, é reaproveitada nas próprias instalações da empresa; o excedente é comercializado para indústrias e prefeituras da Região Metropolitana de São Paulo, e para a lavagem de ruas. Nessas práticas são aproveitados 34 milhões de litros de água mensalmente, a custo reduzido. A realização de estudos de viabilidade técnica, econômica, social e cultural para o reúso da água é uma forma importante de incentivar e divulgar essa prática, e o seu ordenamento legal e regulatório.
um lugar para outro, erguiam sua tenda esfarrapada onde quer que encontrassem tamareiras, ervas para alimentar seu camelo ou um poço de água salobra. Esta vinha sendo sua forma de vida por muitos anos, e Harith raramente variava sua rotina diária: caçando ratos para aproveitar-lhes a pele, trançando cordas de fibras de palma que vendia aos caravaneiros que por ali passavam. Um dia, contudo, surgiu um novo manancial no areal, e Harith levou um pouco daquela água aos lábios. Teve a impressão de estar provando a verdadeira água do Paraíso, pois era muito menos suja do que aquela que estava acostumado a beber. A outros teria parecido desagradavelmente salgada. – Devo levar isto à alguém que irá apreciá-lo, disse Harith. E foi assim que partiu rumo a Bagdá, em busca do palácio de Harun el-Raschid, viajando sem deter-se a não ser para mastigar algumas tâmaras. Harith levou consigo dois odres de couro cheios daquela água: um para ele e outro para o califa. Dias depois chegou a Bagdá, e logo se dirigiu ao palácio. Ali os guardas ouviram sua história e, somente por ser esta a norma usual, deixaram-no participar da audiência pública de Harun el-Raschid. – Comendador dos Crentes, disse então Harith, eu
Conceito de reúso de água
sou um pobre beduíno e conheço todas as águas do deserto, embora saiba pouco acerca de outras coisas. Acabo
Reúso indireto: ocorre quando a água já usada, uma ou mais vezes para uso doméstico ou industrial, é descarregada nas águas superficiais ou subterrâneas e utilizada novamente a jusante, de forma diluída. Reúso direto: é o uso planejado e deliberado de esgotos tratados para certas finalidades como irrigação, uso industrial, recarga de aqüífero e água potável. Reciclagem interna: é o reúso da água internamente às instalações industriais, tendo como objetivo a economia de água e o controle da poluição.
de descobrir esta água do Paraíso e, julgando-a uma oferenda digna de vós, vim logo oferecê-la. Harun, o Íntegro, provou da água, e, como compreendia seu povo, ordenou aos guardas palacianos que levassem Harith e o mantivessem detido por algum tempo, até tornar conhecida sua decisão sobre aquele caso. Depois chamou o capitão da guarda e lhe disse: – O que para nós não é nada, para ele é tudo. Portanto, devem levá-lo deste palácio durante a noite. Não deixem que veja o poderoso rio Tigre. Escoltem-no até sua tenda no deserto, sem permitir que prove água doce. Então dêem mil moedas de ouro a ele, juntamente com os meus agradecimentos por seu serviço. Digam-lhe
Darcy Brega Filho e Pedro Caetano Sanches Mancuso (2003)
que é o guardião da água do Paraíso e que a distribua gratuitamente, em meu nome, a todos os viajantes.
Histórias da Tradição Sufi
A Água do Paraíso
22
A Água do Paraíso • Harith, o Beduíno, e sua esposa, Nafisa, indo de um lugar para outro, erguiam sua tenda esfarrapada onde quer que encontrassem tamareiras, ervas para alimentar seu camelo ou um poço de água salobra. Esta vinha sendo sua forma de vida por muitos anos, e Harith raramente variava sua rotina diária: caçando ratos para aproveitar-lhes a pele, trançando cordas de fibras de palma que vendia aos caravaneiros que por ali passavam. Um dia, contudo, surgiu um novo manancial no areal, e Harith levou um pouco daquela água aos lábios. Teve a impressão de estar provando a verdadeira água do Paraíso, pois era muito menos suja do que aquela que estava acostumado a beber. A outros teria parecido desagradavelmente salgada. – Devo levar isto à alguém que irá apreciá-lo, disse Harith. E foi assim que partiu rumo a Bagdá, em busca do palácio de Harun el-Raschid, viajando sem deter-se a não ser para mastigar algumas tâmaras. Harith levou consigo dois odres de couro cheios daquela água: um para ele e outro para o califa. Dias depois chegou a Bagdá, e logo se dirigiu ao palácio. Ali os GESTÃO DAS ÁGUAS guardas ouviram sua história e, somente por ser esta a norma usual, deixaram-no participar da audiência pública de Harun el-Raschid. – Comendador dos Crentes, disse então Harith, eu sou um pobre beduíno e conheço todas as águas do deserto, embora saiba pouco acerca de outras coisas. Acabo de descobrir esta água do Paraíso e, julgando-a uma oferenda digna de vós, vim logo oferecê-la. Harun, o Íntegro, provou da água, e, como compreendia seu povo, ordenou aos guardas palacianos que levassem Harith e o mantivessem detido por algum tempo, até tornar conhecida sua decisão sobre aquele caso. Depois chamou o capitão da guarda e lhe disse: – O que para nós não é nada, para ele é tudo. Portanto, devem levá-lo deste palácio durante a noite. Não deixem que veja o poderoso rio Tigre. Escoltem-no até sua tenda no deserto, sem permitir que prove água doce. Então dêem mil moedas de ouro a ele, juntamente com os meus agradecimentos por seu serviço. Digamlhe que é o guardião da água do Paraíso e que a distribua gratuitamente, em meu nome, a todos os viajantes 23 Histórias da Tradição Sufi
capítulo 2
A emergência da água como tema das políticas públicas A proximidade a uma fonte de água sempre foi condição determinante na escolha do local dos assentamentos humanos. Nossa história está ligada indissociavelmente à gestão desse recurso essencial ao desenvolvimento e à continuidade da vida. As obras hidráulicas estão presentes nos mais antigos registros dessa história, revelando os esforços da humanidade para controlar a água, principalmente os problemas gerados pela escassez ou pelo excesso, sejam provocados pela sazonalidade das vazões, por condições climáticas adversas, ou resultantes das próprias ações humanas. Desde a Antiguidade as sociedades organizaram-se e desenvolveram-se em função da dinâmica dos grandes rios. Os primeiros documentos escritos, dos sumérios, cerca de 4.000 anos a.C., já continham instruções sobre a irrigação da agricultura em terraços. Entre os registros históricos mais antigos (AZEVEDO NETTO, 1984) encontram-se as grandes obras de controle das vazões do rio Nilo para irrigação e abastecimento, construídas pelos povos egípcios, as obras de saneamento de Nippur, na Índia (3.750 a.C.), as obras para abastecimento, esgotamento e drenagem no Vale do Indo (2.750 a.C.), o conjunto de obras hidráulicas realizadas pelo imperador Yú, o Grande, na China (2.200 a.C.), e o uso do sulfato de alumínio na clarificação da água de abastecimento pelos egípcios (2.000 a.C.). Os conhecimentos e técnicas desenvolvidos por esses povos sobre os recursos hídricos levaram os historiadores a chamar essas sociedades de civilizações hidráulicas. Se a construção de grandes obras hidráulicas foi uma das características que marcaram as civilizações da Antiguidade, o mesmo não se pode dizer da Idade Média. Quando comparado ao desenvolvimento de algumas cidades da Antigüidade, o período medieval representa considerável retrocesso sob o ponto de vista sanitário. As grandes epidemias que assolaram esse período, em parte, podem ser atribuídas ao baixo consumo de água, que em algumas localidades chegava a menos de um litro por habitante (SILVA, 1998). Em comparação, sob o governo do imperador Trajano (98 a 117 d.C.), a água de Roma, transportada e disponível para a população, correspondia a mil litros diários por habitante. 1 Contudo, a partir dos séculos XII e XIII, nas cidades que se formavam às margens dos rios, começaram a ser construídas as primeiras obras portuárias - barragens, eclusas, canais artificiais e portos - permitindo o uso dos cursos d’água como via de transporte. A água passa então a ter importância cada vez maior para o crescimento econômico. Sua utilização como força motriz para os moinhos impulsionou o desenvolvimento da urbanização pré-industrial. Sobre essas transformações, Silva (1998) observa que: A economia deste período coincide com a concentração das habitações e a infra-estrutura artesanal, onde o abastecimento era feito pela captação direta da água nos rios. A introdução do processo de moagem teria contribuído com a primeira urbanização, a qual necessitava de um afluxo de mão-de-obra destinada aos trabalhos pesados. O crescimento das manufaturas em tecidos e couro consideradas a base da riqueza urbana da época, aumentou a dependência da água em quantidade e qualidade para vários fins e parece ter orientado a distribuição das manufaturas ao longo dos cursos d’água, de forma a evitar prejuízos e competições pelo recurso hídrico entre as diversas atividades (pg. 32). 1
www.unesco.org.uy /phi/libros/histagua/tapa.html
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fabril, o acelerado crescimento populacional e as altas densidades populacionais que se aglomeravam nos distritos mais pobres das cidades produziram um ambiente urbano até então não imaginado. As aglomerações urbanas somadas à ausência de saneamento básico não tardaram a ser associadas com as doenças, epidemias e altos índices de mortalidade. Os comitês e comissões que por essa época foram criados para estudar e propor soluções para os problemas das cidades, e de seus pobres, não tardaram em indicar, como solução, regulamentar a situação sanitária das grandes comunidades urbanas e criar um novo departamento governamental para esse fim (ROSEN, 1994). Essas condições eram comuns a países da Europa e aos Estados Unidos. Além das transformações radicais produzidas pelo modo de produção urbano-industrial, as cidades também recebiam intensos fluxos migratórios que contribuíam para disseminar as doenças e agravar as condições de saúde da população. Esse quadro comum mostrou a necessidade de se criarem mecanismos de cooperação internacional, de uma organização internacional de saúde: em 1851, realizava-se, em Paris, a primeira conferência sanitária internacional (ROSEN, 1994). Promovido pela emergente área da saúde pública, no século XIX o saneamento ambiental das cidades passou a ser a principal atividade no controle das doenças contagiosas (ROSEN, 1994):
O período renascentista vê surgir uma arte hidráulica inspirada na tradição greco-romana, que dará tal importância às fontes (chafarizes), a ponto de conceder o título de superintendente dos rios e águas aos mais famosos fontanieri (responsáveis pelas fontes), em reconhecimento ao seu virtuosismo no controle hidráulico (SILVA 1998): Os princípios baseados na hidráulica alexandrina serviam, ao mesmo tempo, para fins estéticos e para resolver questões práticas de abastecimento de água. Apesar de preocupados com a questão técnica (corrosão dos canos ou novas concepções de moinhos d’água), alguns engenheiros se viam como magos a ponto de serem tratados como hereges (pg. 35).
É também nesse período que os autores que contribuíram para desenvolver a hidrologia científica começam a se destacar: No nascimento da hidrologia moderna houve um encontro do modelo vitruviano, a partir da tradução dos “Dez livros de arquitetura de Vitrúvio”, em 1673, com os trabalhos de Pierre Perrault, de 1674, que deu origem ao clássico tratado intitulado “Da origem das fontes” 2. (pg. 36).
Mas será no contexto do desenvolvimento urbano-industrial que a tecnologia hidráulica dará um salto tanto quantitativo como qualitativo para responder às crescentes demandas de água. Sobre esse período Silva (1998), observa que: com o desenvolvimento industrial têxtil, dependente tanto de água em abundância como de novos terrenos, as atividades manufatureiras instalaram-se nas regiões mais baixas e pantanosas, fora das cidades. Além disso, o vapor d’água, indispensável à boa qualidade dos tecidos, apareceu como o motor econômico da urbanização ocidental. A revolução termodinâmica, possibilitada pela máquina a vapor, em 1764, tornou-se a principal força geradora de movimento e da aceleração do processo produtivo, causando um forte impacto sócio-econômico e ambiental (pg. 37).
De acordo com a teoria miasmática do contágio, a prevenção era a conseqüência natural da remoção de refugos e água dos esgotos; ao minorar os transtornos sanitários, o objetivo real da administração da Saúde Pública era o de impedir surtos de doenças contagiosas. No entanto, à proporção que os bacteriologistas identificavam os microorganismos responsáveis por doenças específicas, e expunham seu modo de ação, abria-se o caminho para o controle de doenças infecciosas sob uma base mais racional e específica. E as autoridades sanitárias puderam desenvolver essa atividade em uma escala sem precedentes (pg. 258).
A partir de meados do século XIX, no contexto das mudanças produzidas pelo desenvolvimento da sociedade urbano-industrial é que terá início a implantação de um sistema de saneamento e a criação de legislação específica e dos serviços da administração pública correspondentes. Esse período foi decisivo para que se desenvolvesse o movimento sanitário na Europa. Na Inglaterra, centro da Revolução Industrial, a economia de mercado, o sistema de produção
Essa área ganhou novo impulso com o desenvolvimento da bacteriologia, da epidemiologia e da imunologia. O controle das doenças contagiosas, o desenvolvimento das análises físico-químicas, a desinfecção, o saneamento e a gestão dos recursos hídricos constituem elementos fundamentais de um modelo que iria prevalecer por várias décadas do século XX.
Silva destaca ainda outros autores que contribuíram para desenvolver a hidrologia científica. Edmé Mariotte, dando continuidade aos trabalhos de Perrault, desenvolveu uma metodologia para medir as velocidades de escoamento e das vazões no seu Tratado do movimento das águas e de outros corpos fluidos, publicado em 1686. Na Inglaterra, em 1690, Edmond Halley, com interesse particular no problema da medição da evaporação, permitiu explicar o déficit do escoamento evidenciado por seus antecessores, concluindo que os rios, as fontes e as águas subterrâneas originavam-se das precipitações . 2
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O desenvolvimento do controle sanitário no Brasil
O modelo extensivo de exploração dos recursos hídricos
O abastecimento de água torna-se uma questão pública no País, apenas a partir do século XVIII. Durante quase toda a época colonial os problemas de saneamento das vilas não eram objeto de ações do governo da Colônia. Segundo Silva (1998), nesse período,
As preocupações com a qualidade da água distribuída à população seguiram o avanço das ciências e da tecnologia, passando de considerações “estéticas” sobre o gosto e a aparência da água, que prevalecem até meados do século XIX, a análises físico-químicas e bacteriológicas cada vez mais finas. Com o avanço da epidemiologia foi sendo constatado que a contaminação ou a escassez da água estavam na origem dos principais problemas de saúde das populações urbanas e rurais. De fato, buscando avançar cada vez mais no ideal qualitativo de produção de uma água potável sem riscos para a saúde dos consumidores, os estados nacionais passam a reforçar paulatinamente as normas de potabilidade, e a monitorar um número crescente de parâmetros de qualidade da água. Porém, a aceleração do processo de crescimento industrial que ocorre na Europa e nos Estados Unidos após o fim da Segunda Guerra Mundial torna esse processo cada vez mais complexo, à medida que novos poluentes vão sendo incessantemente criados pelas indústrias. Acompanhando este processo, os governos e as instituições científicas investem pesadamente na pesquisa e no desenvolvimento de novas técnicas para detectar e medir a concentração de poluentes na água, bem como para determinar seus efeitos ainda pouco conhecidos sobre a saúde humana. Paralelamente, os engenheiros sanitaristas e outros especialistas consagram-se ao desenvolvimento de novas técnicas para adaptar o tratamento da água bruta aos padrões de potabilidade cada vez mais exigentes que vão sendo adotados. Todavia, a partir de meados dos anos 60, afirmou-se gradativamente a percepção de que esse processo de “fuga para a frente”, que tentava contornar os problemas sanitários de degradação dos mananciais através da estratégia da oferta tecnossanitária, estava se tornando insustentável, seja em termos ecológicos, seja em termos políticos e econômicos.
as soluções relativas ao abastecimento de água e evacuação dos dejetos ficavam sob encargo dos indivíduos. A captação de água para abastecimento era realizada, individualmente, nos mananciais e, as ações de saneamento, voltadas, prioritariamente, à drenagem (pg. 49).
Em 1723 foi construído o primeiro aqueduto do Rio de Janeiro, que aduzia água do rio Carioca, através dos Arcos Velhos, até o chafariz público; data de 1744 a construção do primeiro chafariz público em São Paulo, e, de 1750, a do aqueduto do Carioca, no Rio de Janeiro - os Arcos Novos -, com 13 quilômetros de extensão (AZEVEDO NETTO, 1984). Na província de São Paulo, a distribuição de água por meio dos chafarizes foi adotada para o abastecimento público por mais de um século. Mas foi sobretudo no século XIX que a questão dos recursos hídricos entrou para a agenda políticoadministrativa do governo. Durante esse período foram construídas as primeiras redes de abastecimento e de esgotamento sanitário nas principais cidades brasileiras: em 1860, o sistema de abastecimento do Rio de Janeiro distribuía oito milhões de litros de água por dia; data de 1861 o sistema de abastecimento de água de Porto Alegre; de 1870, o sistema de abastecimento de água de Santos; em 1877, foi constituída a Cia. Cantareira de Águas e Esgotos e também iniciadas obras de adução em São Paulo; em 1880, implantouse uma estação de tratamento de águas em Campos; e em 1891, o serviço de águas de Campinas (AZEVEDO NETTO, 1984). No caso de São Paulo, a atribuição de cuidar do abastecimento público foi concedida à Cia. Cantareira de Águas e Esgotos, empreendimento privado que recebeu concessão para abastecer a cidade. Quando começou a operar, em 1881, a Cantareira era capaz de abastecer até o dobro da população, na época, de trinta mil habitantes. Contudo, em dez anos a população da
Marcelo Coutinho Vargas (1999)
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cidade chegou a 120 mil habitantes, tornando a questão do abastecimento público um dos principais problemas de São Paulo. A empresa, criada para abastecer uma pequena cidade, não consegue atender às demandas da metrópole emergente, levando a Cia. Cantareira à situação de insolvência financeira. Em 1892, foi absorvida pelo Estado; no ano seguinte foi criada a Repartição de Serviços Técnicos de Águas e Esgotos (RAE), que deu origem a um setor da administração pública voltado para o abastecimento de água e o saneamento público. A escassez de fontes mais próximas, as condições climáticas que alternavam períodos de chuvas intensas com outros de estiagens prolongadas e a rapidez do adensamento urbano eram as principais variáveis para equacionar o abastecimento de São Paulo no final do século XIX. Nesse contexto, uma alternativa sempre se colocava em pauta: a captação no rio Tietê. Embora não fosse consensual, vários técnicos a defenderam como mais favorável a uma solução de longo prazo para enfrentar o problema de abastecimento. Gerando polêmicas face ao estado das águas do leito do rio, essa alternativa dividiu as opiniões dos técnicos entre o final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX: alguns defendiam a captação das águas de cabeceiras, em bacias vestidas de florestas, conforme determinava o Código Sanitário da primeira década do século. Outros defendiam o emprego de técnicas de purificação para o aproveitamento em grande escala das águas baixas do Tietê (VICTORINO, 2002). Mas a controvérsia sobre o abastecimento da cidade não se restringia a essas divergências. Essa história é exemplar para a compreensão das disputas pelo uso dos recursos hídricos e pelo poder de influir sobre o Estado oligárquico paulista na sua concessão. No final do século XIX, a capital paulista vivia em franco dinamismo gerado pela economia cafeeira. Além da crescente expansão demográfica, a diversificação de atividades comerciais, industriais e financeiras criou um mercado potencial que começava a se expandir nos mercados internacionais: o desenvolvimento da energia elétrica com aplicações no transporte urbano, na iluminação pública e nos vários usos industriais. Assim, às divergências sobre as alternativas para o abastecimento da cidade de São Paulo vieram so-
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A água não controlada A partir do século XVIII, o abastecimento público de água fazia-se através de chafarizes e fontes próprias. As outras ações ditas de saneamento, tais como remoção de dejetos e de lixo, eram tratadas de forma individualizada pelas famílias. A administração portuguesa determinava que a captação e a distribuição da água era de responsabilidade exclusiva de cada vila, embora as atribuições municipais fossem mal delimitadas e subordinadas à centralização monárquica. O serviço de abastecimento de água era, inicialmente, realizado pelo transporte da água por aquedutos e a distribuição à população feita por meio dos chafarizes. O abastecimento domiciliar por redes foi implantado somente a partir do século XIX. Apesar da construção dos chafarizes, a oferta de água não era satisfatória. Parte da população abastecia-se em fontes centrais, e a água era transportada por escravos ou comprada dos vendedores (os pipeiros). Além disso, à medida que cresciam as cidades, a população mais carente ficava obrigada a realizar longos deslocamentos por falta de chafarizes próximos, ou por serem alguns destes explorados por companhias particulares que comercializavam a água. Tal fato demonstrava que somente uma minoria da população se beneficiava com o atendimento dos serviços básicos. Essa situação tenderia a mudar com a mudança política e a consolidação da República. Elmo Rodrigues da Silva (1998)
mar-se os interesses da empresa canadense criada em 1899, a The São Paulo Railways, Light & Power Company Limited, cujas atividades alteraram de maneira significativa a configuração da bacia hidrográfica do Alto Tietê e acabaram definindo os destinos do rio Tietê para outros usos: geração de energia elétrica e diluição de esgotos. Em 1927, a empresa consegue os direitos de drenar todas as águas urbanas para gerar energia em Cubatão. Era o chamado Projeto Serra. Configurava-se, desse modo, a hegemonia do setor elétrico sobre o setor de saneamento, o que se tornou possível, sobretudo, devido à inexistência de regulamentação e à criação de vínculos com a oligarquia paulista, o que permitiu à Light and Power amplas facilidades na consolidação dos seus negócios. Estava traçado o cenário para a emergência do principal conflito sobre os usos dos recursos hídricos, entre saneamento e geração hidrelétrica, que se estendeu por quase todo o século XX. Entretanto, a expansão urbana, o incremento demográfico e industrial da cidade desenvolviam-se num ritmo tão intenso que os aumentos na oferta eram em pouco tempo superados pelas demandas, gerando progressivas crises de abastecimento de água potável e de fornecimento de energia elétrica.
A proteção dos rios O fato de se ter atualmente condenado doutrinariamente as águas do Tietê, conduzirá ao abandono de suas margens e do seu curso, ao desenvolvimento de povoações para montante, e ao lançamento de impurezas que contaminarão o que com a “lei de proteção” se pode desde já conservar e transmitir sem mácula ao porvir, de modo que as águas sejam cada vez mais potáveis em lugar de se tornarem cada vez mais poluídas. Em conclusão: mesmo que os nossos estudos de atualidade demonstrem que é mais econômico fazer a captação do Cotia e de outras águas altas para satisfazer por completo a cidade, cumpre ao Governo previdente conservar as águas do Tietê, senão melhorar as condições do seu curso desde as cabeceiras, como a fonte abundante e inesgotável que fatalmente atenderá o futuro. Ora, não será preciso argumentar com o abandono pelas coisas públicas, com a instabilidade dos governos ou a sua pouca durabilidade (o quatriênio), para reconhecer que semelhante programa teria vida efêmera e logo se abandonaria o Tietê aos que o quisessem explorar e às tendências da expansão social e industrial. O único meio de manter a integridade higiênica do rio é a lei de proteção e a prática do abastecimento: então velarão por ele os interessados pela pureza das suas águas, e o povo e os governos quaisquer, hoje e para sempre. Mesmo que os estudos definitivos provem a vantagem de ainda se recorrer às águas de cursos menos expostos à contaminação (como sejam os dois Cabussus, o Cotia, etc.), é preciso proteger as águas do Tietê, a grande reserva para São Paulo. Saturnino de Brito (1905)3
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BRITO, 1905 apud VICTORINO, 2002, p.15.
O Código de Águas
Rios e várzeas na urbanização de São Paulo: 1890 -1940
O projeto do Código de Águas foi elaborado em 1907, pelo jurista Alfredo Valladão, a pedido do então ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas. Encaminhado à Câmara dos Deputados, ficou em tramitação por quase três décadas. As razões alegadas para esse longo adiamento foram sua inadequação aos dispositivos constitucionais então vigentes e os problemas relacionados às secas no semi-árido nordestino (ASSUNÇÃO; BURSZTYN, 2001). Esse cenário iria mudar substancialmente frente o quadro político institucional que emerge com a Revolução de 1930. Além da ruptura política e econômica com o Estado oligárquico, o novo projeto político trazia entre suas metas um esforço de modernização técnica e administrativa do aparelho de Estado, e de gestão direta dos serviços públicos. Nesse momento, começa então a ser criado um arcabouço jurídico-administrativo básico para a administração pública, com um sistema burocrático que passa a centralizar e administrar vários serviços antes concedidos a terceiros. A década de 1930 é também um momento de gênese da política ambiental brasileira, quando foi editada a legislação básica sobre o tema: o Código Florestal (Decreto 23.793, de 23 de janeiro de 1934, o Código de Minas (Decreto 24.642, de 10 de julho 1934); o Código de Águas (Decreto 24.643, de 10 de julho de 1934) e o Código de Pesca (Decreto 794, de 19 de outubro de 1938). Na periodização da política de meio ambiente do país, proposta por Monosowski (1989), a abordagem estratégica desse momento inicial, centrada na administração dos recursos naturais4 , baseavase fundamentalmente no controle da exploração e racionalização do uso desses recursos e na definição de áreas de preservação permanente5.
No que se refere à eletricidade, o agente interventor foi a São Paulo Tramway Light and Power Company Limited, que desde o início do século XX deteve o monopólio do setor. Em 1901, a empresa inaugurou uma usina hidroelétrica no rio Tietê, no município de Santana do Parnaíba, a 33 quilômetros da capital paulista. Sete anos depois, para fazer com que a usina de Parnaíba recebesse água suficiente durante o período de estiagem, represou um dos afluentes do rio Pinheiros, o rio Guarapiranga localizado no então município de Santo Amaro, anexado à capital paulista somente em 1935. Na época das chuvas a água era acumulada na grande represa, e nos meses de seca despejada no Pinheiros, chegando por meio deste ao Tietê. Contudo, já na década de 1920, tal sistema não era suficiente para garantir o consumo sempre crescente de eletricidade em São Paulo, o que ameaçava a expansão industrial paulista. Assim, em 1924, é construída no Tietê, a jusante da capital, a hidroelétrica do Rasgão, na altura de Pirapora do Bom Jesus, e incorporada ao sistema Light a usina de Porto Góis. Um ano depois, a empresa iniciou o projeto Serra, que consistiu na formação de um reservatório, ainda maior do que o de Santo Amaro, através do represamento do rio Grande, um dos formadores do Pinheiros. As águas das represas eram enviadas para o leito do rio das Pedras, localizado bem próximo a ela, mas com vertente oceânica, e daí, em tubulações enormes, eram precipitadas em uma queda de mais de 700 metros, acionando as turbinas de uma usina construída no sopé da Serra do Mar, na cidade de Cubatão. Em 1927, a Light recebeu concessão estadual para captar as águas do Tietê e incorporá-las ao complexo hidroelétrico de Cubatão, o que, de fato, começou a ocorrer a partir da década de 1940, com a canalização e a reversão do curso natural do Pinheiros através das usinas elevatórias da Traição e de Pedreira. A empresa obtivera o direito de propriedade sobre as várzeas inundáveis saneadas do Pinheiros, que foram loteadas e vendidas. Janes Jorge, 2003
Monosowski identifica quatro abordagens estratégicas no desenvolvimento da política ambiental brasileira: a administração dos recursos naturais; o controle da poluição industrial; o planejamento territorial; e a gestão integrada dos recursos naturais. 5 Nesse período também foram criados o Parque Nacional de Itatiaia (1937), os Parques Nacionais de Iguaçu e da Serra do Órgãos (1939) e a Floresta Nacional de Araripe-Apodi (1946). 4
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vencionista. Analisando esse período, Silva (1998) conclui que:
A regulação pública sobre os recursos naturais no Brasil, que surge com a Revolução de 1930, foi marcada pelo controle federal sobre a ocupação do território e sobre os usos dos recursos naturais. Esse processo caracterizou-se por uma dinâmica movida pela disputa por hegemonia entre as forças políticas e elites econômicas dos estados e o governo central. A Constituição de 1934, por exemplo, ao estabelecer as condições em que seria possível a exploração dos recursos hídricos, define como competência da União legislar sobre o tema, além de separar a propriedade do solo da propriedade das riquezas do subsolo, bem como da propriedade das quedas d’água e da sua exploração ou aproveitamento industrial que passam a depender de concessão federal. Nessa ocasião, há um deslocamento do centro dinâmico da economia para o mercado interno, o que fortalece o desenvolvimento urbano industrial, declinando a hegemonia política e econômica do latifúndio rural exportador para os setores urbanos emergentes. O Código de Águas, instituído em 1934, reflete esse amplo processo de rupturas com o Estado oligárquico anterior:
Desde então, promoveu-se no Brasil o desmantelamento de quase tudo que fosse identificado com a ditadura do Estado Novo. Diversos órgãos estaduais foram eliminados e tentou-se negar a importância da prática do planejamento centralizado. No setor de saneamento, destacava-se a busca por uma maior autonomia dos serviços através das formas de gestão autárquicas, bem como de novos mecanismos e perspectivas de financiamento, visto que as taxas e tarifas dos serviços de utilidade pública, tais como energia, água e esgotos, eram considerados irreais por parte do governo. Por outro lado, a Constituição de 1946 procurou regulamentar a utilização dos recursos naturais visando à exploração econômica dos mesmos, de acordo com os princípios que a nortearam, dando ênfase à livre iniciativa e à propriedade privada, reservando à União a competência para legislar sobre as águas (pg. 64).
Das autarquias à gestão empresarial das águas O desenvolvimento do saneamento básico no Brasil pode ser analisado pelas formas encontradas nos diversos períodos para a gestão dessa atividade. Monteiro Costa (1994), analisando a história do saneamento, do período colonial até a elaboração do Plano Nacional de Saneamento, identifica seis fases: • período colonial, caracterizado pela ausência quase total do Estado em relação às ações de saneamento; • primeiras concessões de serviços de águas e esgotos à iniciativa privada; • adoção dos serviços de saneamento pelo Estado, tomando-se por base o rompimento das concessões à iniciativa privada; • busca de autonomia dos serviços em relação à administração direta pela criação de autarquias e de mecanismos de financiamento; • busca ainda maior de autonomia por meio da adoção de um modelo de gestão empresarial marcado pela criação das empresas de economia mista, principalmente no nível estadual; • elaboração do Plano Nacional de Saneamento, o Planasa, considerado um divisor de águas no setor. Como visto, essa periodização pode ser observada também no Estado de São Paulo:
O Código de Águas tinha, como objetivo geral, estabelecer regras de controle federal para o aproveitamento dos recursos hídricos, principalmente com fins energéticos. Por outro lado, o código também formulava alguns princípios que podem ser considerados um dos primeiros instrumentos de controle do uso de recursos hídricos no país e a base para a gestão pública do setor de saneamento, sobretudo no que se refere à água para abastecimento (SILVA, 1998; pg.59).
As preocupações com o uso da água para fins energéticos estão presentes na organização institucional do setor. A criação nesse mesmo ano do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE) é exemplo dessa política com forte orientação nacionalista e intervencionista, indicativa da hegemonia que o setor elétrico iria ter sobre a gestão dos recursos hídricos pelas décadas posteriores. Com o fim do Estado Novo e a redemocratização do país, há uma mudança na orientação nacionalista e intervencionista característica do período de governo de Getúlio Vargas. Em seu lugar, a nova ordem instituída orienta-se por uma perspectiva mais liberalizante e uma condução política menos inter-
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• período colonial caracterizando-se pela ausência quase total de ações do governo; • período das concessões privadas, quando a Companhia Cantareira passa a ser a concessionária responsável pela distribuição de água; • após a encampação da Companhia Cantareira pelo Estado, criação da Repartição de Águas e Esgotos (RAE); • criação das autarquias: o Estado de São Paulo institui, em 1954, o Departamento de Águas e Esgotos (DAE), em substituição à RAE. O período de criação das autarquias, orientação que marcou toda a década de 1950, foi marcado também pela busca de maior autonomia dos serviços de saneamento em relação à administração direta. As críticas à administração centralizada dos serviços de saneamento apontavam, por um lado, as interferências e subordinação aos interesses externos e, por outro, a dependência financeira e orçamentária como resultado da ausência de arrecadação própria. Na V Convenção nacional de engenheiros, realizada em 1951, uma moção foi encaminhada a todos os governadores, com a seguinte recomendação (WHITAKER, 1952): É indispensável que os serviços de abastecimento de água e esgoto sejam planejados, executados e operados por intermédio de órgãos de natureza autárquica, que lhes proporcionarão a indispensável autonomia de que carecem, para executar sua missão de interesse coletivo (pg. 111).
Saneamento de Santos (RSS) e os Serviços Públicos do Guarujá, os três da administração direta, com atuação em cinco municípios; • Companhia Metropolitana de Saneamento de São Paulo (Sanesp), criada em 1970, para interceptar, tratar e realizar a disposição final de esgotos dos 38 municípios da área metropolitana. • Superintendência de Água e Esgotos da Capital (SAEC), autarquia criada em 1970, em substituição ao DAE, para administrar e operar os sistemas de distribuição e coleta de águas e esgotos, respectivamente. • Companhia Regional de Água e Esgotos do Vale do Ribeira (Sanevale), constituída em 1972, com atuação em vinte municípios (SETTI, 1998). Contribuíram também para a adoção desse sistema de gestão as exigências do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), condicionando a concessão de financiamentos à autonomia total dos serviços e à realização de estudos de viabilidade econômica, prevendo que as amortizações pudessem ser feitas por meio de receitas tarifárias. Setti (1998) observa que na década de 1960 a gestão do saneamento era realizada por instituições que operavam dentro destes dois modelos, seja por serviço autônomo municipal, seja por intermédio de uma gestão estadual.
O Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa)
Entretanto, os problemas de financiamento para o setor permaneciam, visto que a origem dos recursos continuou sendo orçamentária, tendência que se manteve por toda a década. No período seguinte, caracterizado por um modelo de gestão empresarial, foram criadas várias empresas de economia mista. Com isso, buscava-se uma maior racionalização e eficiência na alocação dos recursos e autonomia orçamentária por meio de receita tarifária. No Estado de São Paulo foram criadas várias empresas para atuar dentro desse novo modelo de gestão: • Companhia Metropolitana de Água de São Paulo (Comasp), criada em 1968 com o objetivo de captar, tratar e distribuir água no atacado para os 38 municípios da área metropolitana de São Paulo; • Companhia de Saneamento da Baixada Santista (SBS), criada em 1970 em substituição ao Serviço de Água de Santos e Cubatão (SASC), a Repartição de
A gestão do saneamento sofreu profundas mudanças com a implantação do Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa), em 1971. Consolidando as tendências de gestão que se desenvolviam desde os anos 1950, o Planasa estabelece como diretrizes a autonomia dos serviços, a auto-sustentação tarifária, o financiamento com recursos retornáveis e a gestão por intermédio das companhias estaduais de saneamento. Com o Planasa, a política de saneamento passa a ser centralizada pelo governo federal. Os arranjos financeiros e operacionais para a viabilidade do Plano já existiam: o Banco Nacional de Habitação, criado em 1965, como órgão gestor; e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), de 1965, como a principal fonte de recursos para a implantação do Plano. O Fun-
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territorial, sempre incorporando áreas mais distantes dos centros urbanizados, mantém as características do processo de expansão urbana da região: desordenado, predatório e especulativo. A conurbação de vários municípios polarizados por uma metrópole, já vinha demandando a atenção do poder público. No âmbito federal, além do dispositivo constitucional6 , que previa a criação de regiões metropolitanas, o governo editou lei complementar criando oito regiões metropolitanas7 . No caso de São Paulo as ações voltaram-se para a criação do Sistema de Planejamento e de Administração Metropolitana, a elaboração do Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI), e, especificamente em relação aos recursos hídricos, a aprovação da Lei de Proteção aos Mananciais da Região Metropolitana de São Paulo. As medidas de proteção preconizadas desde o século XIX, baseavam-se na desapropriação de glebas nas bacias hidrográficas dos mananciais contribuintes. Embora tenha preservado áreas de mananciais da Cantareira (1882), do Alto Cotia (1918) e Rio Claro (1937), esta solução mostrou-se inviável no decorrer do século XX, seja pela extensão das áreas das bacias dos mananciais próximos às áreas urbanizadas, seja pelas atividades econômicas desenvolvidas nessas áreas que elevaram o preço da terra com o avanço da urbanização. Na década de 1950, a solução encontrada toma por base uma legislação que estabelece outros instrumentos de controle: • a Lei 2.182/53 proibiu o lançamento de efluentes que pudessem poluir as águas receptoras, criou um órgão encarregado de sua aplicação – o Conselho Estadual de Controle de Poluição das águas (CECPA) – e previu sua regulamentação para a classificação das águas segundo os usos preponderantes. • o Decreto 24.806/55 estabeleceu a distribuição das águas naturais do Estado em seis classes, indicando as características físico-químicas e biológicas desejáveis, a obrigatoriedade da prévia aprovação de autoridades sanitárias locais para a construção e a ampliação de estabelecimentos industriais, a autoridade dos Departamentos de Saúde e de Produção Animal para fiscalização da lei, e multas para os infratores (NUCCI et al.1976).
do de Financiamento para o Saneamento, de 1967, e o Sistema Financeiro de Saneamento, criado no ano seguinte, dariam a estrutura institucional ao Planasa (SETTI, 1998). Integrando o Plano de Metas e Bases para a Ação do Governo, o Planasa apresentava metas específicas até 1980: atender 80% da população urbana do país com abastecimento de água, e integrar às redes 50% dos esgotos dessa mesma população. Além disso, pretendia também estender o atendimento a todas as sedes municipais e vilas brasileiras com população superior a cinco mil habitantes até o ano de 1985. Só para ter uma dimensão dessas metas é bom lembrar que um levantamento realizado pela Organização Panamericana de Saúde (OPS), em 1967, sobre a situação do saneamento nas sedes municipais, revelou que de um total de 3.938 municípios somente 1.956 tinham sistema público de abastecimento de água. O percentual da população urbana abastecida era de 53%; e da população total do país, apenas 27% era servida por um sistema de abastecimento público. Setti (1998) aponta como características mais marcantes do Planasa a grande canalização de recursos do FGTS, o aumento na cobertura dos serviços de abastecimento de água, a baixa elevação nos índices de esgotamento sanitário, a exclusão de outras ações de saneamento e a centralização autoritária nas companhias estaduais, excluindo o poder local da participação nos processos decisórios. Sem dúvida, o Planasa representou um enorme avanço em termos de atendimento às demandas de abastecimento de água e de coleta e afastamento de esgotos. Entretanto, as conseqüências dessa política foram o aumento extraordinário da carga de efluentes domésticos lançados nos corpos d’água, uma vez que o financiamento dos sistema de tratamento de esgotos quase não foram contemplados.
A gestão dos mananciais metropolitanos Em meados da década de 1970, o processo de metropolização da então chamada Grande São Paulo, mostrava um crescimento populacional que havia saltado da faixa dos quatro milhões de habitantes, em 1960, para quase 11 milhões em 1975, cuja ocupação
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Art. 164 – Constituição da República, 1967. Lei Complementar Federal 14, de 8 de junho de 1973.
Nos anos 1970, seguindo na direção antes apontada, as instituições e os instrumentos de controle definidos baseiam-se na definição e classificação das águas segundo os usos preponderantes; na caracterização físico-química e biológica de cada classe; na fixação da qualidade mínima dos efluentes de esgotos; e no estabelecimento de penalidades aos infratores. Em meados da década, no âmbito das discussões sobre a questão metropolitana, elabora-se uma proposta de controle que toma como partido o zoneamento do uso do solo e que se institucionaliza pelas Leis 898/75 e 1.172/76. Segundo os autores do projeto, a nova proposta de proteção aos mananciais apóia-se, basicamente, no desenvolvimento de um modelo de ocupação do solo, balizado pela qualidade de água desejada, que determina a máxima população equivalente admissível na bacia, sua distribuição espacial e as eficiências dos tratamentos necessários. A distribuição espacial é fixada estabelecendose as máximas densidades equivalentes brutas, em função das distâncias do corpo d’água a proteger e das aglomerações urbanas já existentes. Estabelecem-se, assim, áreas ou faixas de proteção submetidas a restrições diversas, parcelamento do solo, ocupação urbana, tipos de indústrias, densidades etc., prescrevendo-se uma política gradativa de correção dos usos não conformes (NUCCI et al. 1976, pg. 99).
A adoção do zoneamento do uso do solo como mecanismo da política estadual de gestão das águas na Região Metropolitana de São Paulo, conflitou, desde sua aprovação, com a competência municipal para legislar sobre o uso e a ocupação do solo. Além disso, a adoção isolada desse instrumento de controle, somada muitas vezes às ações de outras políticas públicas, antagônicas aos objetivos de preservação, não conseguiu deter o processo de expansão urbana para as áreas protegidas, mantendo quase inalteradas suas característica: condições precárias de habitação, alto grau de clandestinidade no parcelamento do solo e elevadas densidades demográficas. Durante sua vigência de mais de duas décadas, a legislação de proteção aos mananciais sofreu várias tentativas de revisão. Mas a proposta que conseguiu ser aprovada foi a da Lei 9.866/97, instituindo uma nova política de proteção e recuperação dos mananciais do Estado de São Paulo.
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Os novos paradigmas de gestão A gestão dos recursos hídricos frente à emergência da questão ambiental Um olhar retrospectivo sobre o desenvolvimento da questão ambiental no Brasil, mostra que ela vem sendo tratada sob diferentes abordagens e estratégias, consoante o próprio desenvolvimento da história política, econômica e social do país. Alguns autores remontam as origens de uma preocupação com o ambiente ao período colonial, destacando as normas que tentavam restringir o uso abusivo e predatório de algum recurso ambiental8 . Outros autores destacam o esforço pessoal de certos pensadores brasileiros que durante os séculos XVIII e XIX, com uma consciência crítica sobre o processo de exploração do ambiente natural, tentaram alertar seus contemporâneos acerca dos problemas que a degradação ambiental poderia trazer para os destinos do país9 . Outros, ainda, destacam o conjunto de regulamentações editadas nos anos de 1930, e a respectiva criação dos vários órgãos correlatos como o início das preocupações do poder público com o assunto 10 . Entretanto, apesar de todas essas iniciativas, a abordagem da questão ambiental tal como contemporaneamente formulada é bem mais recente, datando dos anos 1970, quando emerge na agenda internacional entre os grandes problemas do mundo contemporâneo. Ascelrad (2001), analisando a política ambiental no Brasil, distingue esses momentos, classificando o período anterior aos anos 1970 como políticas ambientais implícitas e, o período posterior, como políticas ambientais explícitas. Assim, a criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), em 1973, marcaria o início de uma nova institucionalidade política que tem como seu objeto o meio ambiente. Ascelrad observa que
o surgimento desta instituição foi contemporâneo de processos similares em que agências e mecanismos institucionais públicos foram criados em um grande número de países - notadamente industrializados, em paralelo aos debates da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972. No Brasil, a SEMA surgiu em pleno regime ditatorial, de forma reativa, com traços fortemente burocráticos e sem nenhuma articulação com a sociedade, não fora o fato de buscar oferecer resposta formal ao movimento que, no início dos 70, se levantou contra a poluição causada por uma fábrica de celulose localizada em Porto Alegre (pg. 79).
Esse quadro começa a alterar-se a partir da década seguinte. Já em 1981, foi editada a Lei 6.938, instituindo a Política Nacional de Meio Ambiente. Além de definir os vários instrumentos da política, a lei criou também o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), constituído pelos órgãos federais, pelas agências estaduais e municipais e, principalmente, pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), criado em 1984. Ainda no final da década, em 1989, seria criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), integrando vários órgãos ambientais que antes executavam suas políticas de modo isolado. O panorama político brasileiro vinha sendo marcado pelo esgarçamento do Estado autoritário e pelos movimentos de resistência e de construção de uma outra institucionalidade democrática. Esses movimentos foram importantes para a consolidação das novas relações entre o Estado e a sociedade civil. Sem dúvida, as últimas décadas da história do País têm assistido, cada vez mais, essa relação ser permeada pela idéia da participação e controle social na gestão da coisa pública.
8 Como exemplo, podem-se citar as ordens reais editadas em 1698, restringindo as sesmarias em áreas de reserva de madeira e reservando sua exploração à Coroa Portuguesa. A esse respeito Warren Dean (1996) lembra que “embora poucas sesmarias fossem concedidas posteriormente, o corte de madeira tornou-se uma indústria privada fortemente organizada. Ainda que formalmente supervisionada por guardasmores e administradores, estes eram sistematicamente subornados e ludibriados por um pequeno número de madeireiros, serradores e tropeiros que efetivamente decidiam quando e onde a madeira seria cortada” (pg. 151). 9 Sobre este tema é exemplar o trabalho de Pádua (2002) sobre a história do pensamento político brasileiro e a crítica ambiental. 10 O estudo de Monosowski (1989) sobre o desenvolvimento das políticas ambientais no Brasil é um bom exemplo sobre essa abordagem.
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A nova estratégia começa a dar resultados com a criação em 1987 do Conselho Estadual de Recursos Hídricos e do Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos, instituições embrionárias do futuro sistema de gestão que será implantado em São Paulo. Nesse mesmo ano, a Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) realizou em Salvador o VII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos e Hidrologia. No encerramento do encontro foi levada a público a Carta de Salvador, cujas proposições acabaram configurando o novo paradigma de gestão das águas: • usos múltiplos de recursos hídricos; • descentralização e participação; • sistema nacional de gestão dos recursos hídricos; • aperfeiçoamento da legislação; • desenvolvimento tecnológico e aperfeiçoamento de recursos humanos; • sistema de informações de recursos hídricos; e • política nacional de recursos hídricos. Porto (2002), analisando o papel da ABRH na construção do novo modelo de gestão de recursos hídricos, lembra que, além dessa associação, outras entidades da área de recursos hídricos também tiveram atuação decisiva no processo de construção de uma nova institucionalidade para a gestão das águas: a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes), a Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas), e a Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem (Abid). Graças à atuação dessas entidades, sugerindo emendas aos deputados constituintes, a instituição de um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos foi incorporada ao texto constitucional de 1988. Em São Paulo o processo segue dinâmica própria, antecipando-se ao desenvolvimento do sistema de gestão federal. A Constituição Estadual, em 1989, no capítulo sobre o meio ambiente dedica uma seção exclusiva aos recursos hídricos, prevendo a instituição de um sistema integrado de gerenciamento dos recursos hídricos; a gestão descentralizada, participativa e integrada em relação aos demais recursos naturais; e a cobrança pelo uso da água. No ano seguinte, realizou-se o Plano Estadual de Recursos Hídricos; e data de 1991 a edição da Lei 7.663 que estabelece a Política Estadual dos Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gestão dos Recursos Hídricos.
Desde então, o tema da participação pública tem sido constitutivo na questão ambiental. A Constituição de 1988, no capítulo dedicado ao meio ambiente, define que ele é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (Art. 225).
Como observado por Neder (2002), essa concepção marcará uma diferença substantiva em relação às anteriores, fortemente orientadas pelo centralismo na gestão e pela definição dos bens naturais como bens da União, de sua tutela exclusiva. Quando se analisam as políticas dirigidas especificamente aos recursos hídricos, fica claro que a década de 1980 representou um novo divisor de águas para o setor. A degradação dos corpos d’água, as freqüentes crises de abastecimento urbano, os diversos conflitos de uso, a competição entre diferentes setores por sua apropriação são elementos constantes, presentes em quase todos os diagnósticos realizados. A esses elementos acrescente-se uma gestão setorial norteada por princípios exclusivamente técnico-burocráticos e por níveis de decisão centralizados e teremos em linhas gerais um quadro da situação dos recursos hídricos no país. Naquela conjuntura extremamente favorável de reconstrução das instituições democráticas, de surgimento dos movimentos populares e de criação de novas organizações da sociedade civil, as demandas dos cidadãos e usuários reclamando qualidade e oferta para o abastecimento público acabaram somando-se às vozes dos técnicos e especialistas que, por meio de suas associações, lançaram as diretrizes que passariam a orientar a nova política brasileira de recursos hídricos. Na segunda metade dos anos 1980, os debates entre gestores, técnicos e especialistas sobre gestão dos recursos hídricos intensificaram-se. Nesse processo, alguns eventos foram decisivos. Um deles foi a realização em 1986 do seminário Perspectivasdogerenciamento de recursos hídricos no Estado de São Paulo. Na ocasião, os especialistas presentes indagaram ao cientista político Carlos Estevam Martins quais as alternativas para romper o impasse entre as propostas para uma nova política e o desinteresse dos políticos e legisladores sobre a questão. A resposta foi “a mobilização de forças de apoio e a reorganização das estruturas estatais” (BARTH, 2002). 35
A questão das águas nas grandes conferências internacionais
o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer suas próprias necessidades.
Na construção desse novo paradigma, que tem orientado as políticas de recursos hídricos no Brasil, além do contexto interno favorável à construção de novas institucionalidades, também influíram na criação de uma cultura propícia ao seu desenvolvimento as conferências internacionais que tiveram como tema o intenso processo de degradação dos recursos naturais e a inserção do meio ambiente como tema de preocupação global. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972, ao manifestar preocupação com o grau de degradação e de esgotamento dos recursos naturais provocado pelas atividades humanas e ao proclamar a responsabilidade de todos os países na defesa e melhoria do meio ambiente, colocou, definitivamente, a questão no âmbito da agenda mundial, como objeto de preocupação global. Nesse mesmo ano foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), representando um papel importante na institucionalização da questão ambiental e na difusão da idéia de que todos os recursos naturais, inclusive os ecossistemas do quais são parte, devem ser protegidos e que seu uso deve ser orientado por um planejamento racional com vistas a evitar as repercussões prejudiciais ao meio ambiente. A posição dos países em desenvolvimento, tão alardeada na ocasião, questionando as restrições ao direito soberano de decidir sobre suas políticas, acentuou outros problemas, contrapondo à degradação gerada pelo desenvolvimento das forças produtivas, a provocada pela pobreza e pelo subdesenvolvimento. Na década de 1980, as relações entre desenvolvimento e meio ambiente passam a ocupar lugar central nos debates. Em 1985, a Assembléia Geral das Nações Unidas cria a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que em seu relatório final – Nosso futuro comum – apresenta a idéia do desenvolvimento sustentável. Nos anos seguintes, esse conceito se tornaria hegemônico, catalisando as discussões sobre meio ambiente e desenvolvimento e gerando uma grande variedade de interpretações. Mas, na verdade, as diferenças são variações sobre a definição sugerida no relatório Nosso futuro comum: 36
Com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro, a idéia do desenvolvimento sustentável consolida-se, passando a permear as negociações internacionais em matéria de meio ambiente. A Conferência do Rio de Janeiro produziu vários documentos; entre eles, ganhou grande destaque a Agenda 21. Em relação ao tema dos recursos hídricos, trata especificamente da questão no Capítulo 18 - Proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos: aplicação de critérios integrados no desenvolvimento, manejo e uso dos recursos hídricos. O capítulo apresenta as principais áreas para o desenvolvimento de programas no setor de água doce: desenvolvimento e manejo integrado dos recursos hídricos; avaliação dos recursos hídricos; proteção dos recursos hídricos, da qualidade da água e dos ecossistemas aquáticos; abastecimento de água potável e saneamento; água e desenvolvimento urbano sustentável; água para produção sustentável de alimentos e desenvolvimento rural sustentável; e impactos da mudança do clima sobre os recursos hídricos. Nele, destacam-se ainda, os princípios e diretrizes orientadores dos programas sobre a água doce.
Declaração da Conferência de Estocolmo - 1972
A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos. Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequados.
Agenda 21 - capítulo 18 Proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos
terras baixas e planícies e outras atividades. Os planos racionais de utilização da água para o desenvolvimento de fontes de suprimento de água subterrâneas ou de superfície e de outras fontes potenciais têm de contar com o apoio de medidas concomitantes de conservação e minimização do desperdício. No entanto, deve-se dar prioridades às medidas de prevenção e controle de enchentes, bem como ao controle de sedimentação, onde necessário. Os recursos hídricos transfronteiriços e seu uso são de grande importância para os Estados ribeirinhos. Nesse sentido, a cooperação entre esses Estados pode ser desejável em conformidade com acordos existentes e/ou outros pertinentes, levando em consideração os interesses de todos os Estados ribeirinhos envolvidos.
Os recursos de água doce constituem um componente essencial da hidrosfera da Terra e parte indispensável de todos os ecossistemas terrestres. O meio de água doce caracteriza-se pelo ciclo hidrológico, que inclui enchentes e secas, cujas conseqüências se tornaram mais extremas e dramáticas em algumas regiões. A mudança climática global e a poluição atmosférica também podem ter um impacto sobre os recursos de água doce e sua disponibilidade e, com a elevação do nível do mar, ameaçar áreas costeiras de baixa altitude e ecossistemas de pequenas ilhas. A água é necessária em todos os aspectos da vida. O objetivo geral é assegurar que se mantenha uma oferta adequada de água de boa qualidade para toda a população do planeta, ao mesmo tempo em que se preserve as funções hidrológicas, biológicas e químicas dos ecossistemas, adaptando as atividades humanas aos limites da capacidade da natureza e combatendo vetores de moléstias relacionadas com a água. Tecnologias inovadoras, inclusive o aperfeiçoamento de tecnologias nativas, são necessárias para aproveitar plenamente os recursos hídricos e protegê-los da poluição. A escassez generalizada, a destruição gradual e o agravamento da poluição dos recursos hídricos em muitas regiões do mundo, ao lado da implantação progressiva de atividades incompatíveis, exigem o planejamento e manejo integrados desses recursos. Essa integração deve cobrir todos os tipos de massas inter-relacionadas de água doce, incluindo tanto as águas de superfície como subterrâneas, e levar devidamente em consideração os aspectos quantitativos e qualitativos. Deve-se reconhecer o caráter multissetorial do desenvolvimento dos recursos hídricos no contexto do desenvolvimento sócio-econômico, bem como os interesses múltiplos na utilização desses recursos para o abastecimento de água potável e saneamento, agricultura, indústria, desenvolvimento urbano, geração de energia hidroelétrica, pesqueiros de águas interiores, transporte, recreação, manejo de
Ainda tratando especificamente da questão da água, realizou-se em Dublin, em 1992, a Conferência internacional sobre a água e o meio ambiente. Promovida pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), fez parte dos eventos preparatórios à Conferência do Rio de Janeiro. Os princípios definidos na Conferência de Dublin refletem-se nos ordenamentos jurídicos e institucionais das políticas das águas de vários países. Conferência de Dublin Princípio 1. As águas doces são um recurso natural finito e vulnerável, essencial para a sustentação da vida, do desenvolvimento e do meio ambiente. A gestão das águas deve ser integrada e considerado o seu todo, quer seja a bacia hidrográfica e/ou os aqüíferos. Princípio 2. O desenvolvimento e a gestão da água deve ser baseado na participação de todos, quer sejam usuários, planejadores e decisores políticos, de todos os níveis. Princípio 3. As mulheres têm um papel central na provisão e proteção da água. Princípio 4. A água é um recurso natural dotado de valor econômico em todos seus usos competitivos e deve ser reconhecida como um bem econômico.
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A Lei das Águas: Um novo marco legal e institucional
Nas últimas décadas, temos assistido a um processo no qual a gestão das águas saiu de abordagens circunscritas aos conhecimentos da engenharia elétrica, da hidrologia, da saúde pública ou de posturas tecnocráticas, que historicamente disputaram a orientação hegemônica do setor. Sua inserção no âmbito da gestão ambiental tenta responder aos desafios colocados por uma perspectiva que considera a complexidade, a heterogeneidade e a diversidade de elementos, de situações, de atores e seu saber no enfrentamento da questão.
A aprovação da Lei 9.433, em 1997, instituindo a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Recursos Hídricos resulta de um longo processo de discussão pública, respondendo aos anseios de amplos setores para que os princípios, diretrizes e instrumentos de gestão das águas fossem incorporados ao novo estatuto. O longo tempo de tramitação do projeto de lei, encaminhado ao Congresso Nacional em 1991, assistiu à implantação de vários sistemas estaduais de gerenciamento dos recursos hídricos: São Paulo criou seu sistema de gerenciamento em 1991; o Ceará, em 1992; Santa Catarina e Distrito Federal, em 1994; Sergipe e Bahia, em 1995. Procurando contemplar as diversidades regionais, em 1996 foi apresentado um substitutivo com um modelo de gestão das bacias hidrográficas mais flexível. Finalmente, em 1997, a Lei 9.433 foi sancionada estabelecendo o novo marco legal e institucional para a gestão das águas no Brasil.
Mudanças conceituais na administração pública do meio ambiente A tomada de consciência da necessidade de se praticar a gestão dos recursos naturais, particularmente da água doce, numa perspectiva integrada se consolidou mundialmente nos últimos vinte anos. A noção de gestão integrada passou a assumir várias dimensões, envolvendo conotações diversas que passaram a contar com o apoio gradual e consensual de cientistas, administradores públicos, industriais e associações técnico-científicas. Trata-se de uma integração, primeiro, no sentido de abranger os processos de transportes de massa de água que têm lugar na atmosfera, em terra e nos oceanos, ou seja, o ciclo hidrológico; segundo, quanto aos usos múltiplos de um curso d’ água, de um reservatório artificial ou natural, de um lago, de uma lagoa ou de um aqüífero, ou seja, de um corpo hídrico; terceiro, no que diz respeito ao inter-relacionamento dos corpos hídricos com os demais elementos dos mosaicos de ecossistemas (solo, fauna e flora); quarto, em termos de co-participação entre gestores, usuários e populações locais no planejamento e administração dos recursos hídricos; e, finalmente, em relação aos anseios da sociedade de desenvolvimento socioeconômico com preservação ambiental, na perspectiva de um desenvolvimento sustentável.
Dos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos I. a água é um bem de domínio público; II. a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; III. em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; IV. a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V. a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI. a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades.
Carlos José Saldanha Machado (2003)
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Os instrumentos para a gestão das águas
Os Planos de Recursos Hídricos Entre os instrumentos de gestão definidos pela Lei 9.433/97, estão os planos de recursos hídricos. Eles se constituem em planos diretores feitos com o objetivo de orientar a implantação das políticas e o gerenciamento dos recursos hídricos. Conforme sua área de abrangência, podem ser concebidos como Plano Nacional de Recursos Hídricos, Plano Estadual de Recursos Hídricos ou Planos de Bacias Hidrográficas. Com base em uma avaliação das disponibilidades hídricas, os planos de recursos hídricos também devem incorporar os planos de usos setoriais, compatibilizando as demandas por saneamento, irrigação, energéticas, de transporte, turismo e recreação, o controle e a proteção das águas. Os planos devem procurar refletir a melhor adequação entre as demandas socioeconômicas e as diretrizes político-administrativas, definindo cenários alternativos e metas para os diversos usos, controle e proteção. A figura da página seguinte ilustra o processo de planejamento dos recursos hídricos, destacando os três meios nos quais se desenvolve. A Lei 9.433/77 estabelece o conteúdo mínimo dos planos de recursos hídricos: • diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos; • análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo; • balanço entre disponibilidade e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais; • metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhora da qualidade dos recursos hídricos disponíveis; • medidas, programas e projetos para o atendimento das metas previstas; • prioridades para outorga de direitos de uso dos recursos hídricos; • diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos; e • propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos.
Podemos entender que a gestão de uma área de atividade humana ou de um determinado recurso constitui-se de um conjunto de procedimentos orientados por princípios e diretrizes que visam atingir fins específicos. Assim, a gestão dos recursos hídricos, em sentido estrito, é a forma como procuramos resolver os problemas de quantidade e qualidade das águas, seus diversos usos e os conflitos daí decorrentes, para atender às exigências de uma sociedade. Mas a gestão também pode ser entendida de forma mais ampla. Sobre essa atividade, Lanna (1999) apresenta a seguinte definição: a Gestão das Águas é uma atividade analítica e criativa voltada à formulação de princípios e diretrizes, ao preparo de documentos orientadores e normativos, à estruturação de sistemas gerenciais e à tomada de decisões que têm por objetivo final promover o inventário, uso, controle e proteção dos recursos hídricos.
O autor faz uma distinção entre gestão das águas e gestão dos recursos hídricos, indicando que esta permaneceria voltada exclusivamente às águas destinadas aos diversos usos, não incluindo aquelas águas que, por questões ambientais, não devem ser usadas. A Lei 9.433/97, ao estabelecer as diretrizes que devem orientar as ações de gestão, incluindo aí sua integração com a questão ambiental e sua adequação às diversidade físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões dos país, expressa essa concepção mais ampla de gestão das águas.
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Meio social e político Diretrizes político-administrativas
Demandas socioeconômicas
Meio técnico Metas de uso, controle e proteção da água • enquadramento qualitativo
Políticas, planos ou intenções setoriais de uso ou controle dos recursos hídricos: • abastecimento público • uso industrial • agricultura (irrigação) • transporte (navegação) • uso energético • controle de cheias • recreação e lazer • outros
• enquadramento quantitativo
Intervenções: Medidas estruturais para: • o uso dos recursos hídricos • o controle das águas • a proteção das águas
Políticas, planos ou intenções relacionadas à proteção ambiental
Instrumentos de gestão: • Outorga • Cobrança • Compensação a municípios • Criação de áreas de proteção
Análise multi-objetivo
• econômicos • de impactos ambientais • de impactos sociais • de viabilidade política • de risco
Indicadores para análise:
Meio decisório Comitê de Bacia
Órgão Gestor de Recursos Hídricos
Aprovam
intervenções
PLANO DE RECURSOS HÍDRICOS
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Óutras entidades com atribuições
Solicitam novas análises
Capacidade de suporte do ambiente hídrico
Cenários alternativos de demandas
O enquadramento dos corpos d’água em classes de usos preponderantes
Ao definir o enquadramento como um instrumento de gestão, a Lei 9.433/97 possibilitou que a qualidade das águas permitisse usos mais exigentes, além de diminuir os custos de combate à poluição mediante a adoção de ações preventivas e permanentes. Complementar ao enquadramento qualitativo, Lanna (1999) propõe um enquadramento quantitativo, de modo a não dissociar esses dois aspectos indispensáveis à gestão. Segundo esse autor, o enquadramento quantitativo permitiria estabelecer
O enquadramento dos corpos d’água é outro instrumento de gestão definido pela Lei das Águas. Ele fixa um conjunto de parâmetros e indicadores relacionados aos aspectos físicos, químicos, biológicos e toxicológicos da água, para ser considerada adequada a determinado uso. Esse instrumento de gestão permite avaliar a evolução da qualidade das águas de um corpo hídrico e a definição de metas em relação aos níveis estabelecidos pelo enquadramento. No Brasil, os primeiros instrumentos jurídicos sobre classificação das águas foram as Portarias GM 013/76 e 536/76, editadas pelo Ministério do Interior, que estabeleceram a classificação dos corpos d’água superficiais, com os respectivos padrões de qualidade e de emissão de efluentes conforme as classes de usos. Dez anos depois, a Resolução 20/86, do Conselho Nacional de Meio Ambiente, estabeleceu o enquadramento das águas doces, salobras e salinas em nove classes segundo seus usos preponderantes. Essa Resolução conceitua enquadramento como o estabelecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcançado e/ou mantido em um segmento de corpo d’água ao longo do tempo, o que significa dizer que a classificação não reflete necessariamente o estado do corpo d’água na ocasião em que foi realizado o enquadramento, mas, sim, os níveis de qualidade que deveria possuir para atender às demandas de uma determinada comunidade. Além do enquadramento dos corpos d’água em estado bruto, também se utiliza uma classificação que define padrões de qualidade da água tratada fornecida para fins específicos. Assim, a Portaria 1.469/2000, do Ministério da Saúde, estabelece padrões de potabilidade da água e define 45 parâmetros físicos, químicos bacteriológicos e organolépticos, com os respectivos volumes máximos admissíveis para as diferentes substâncias; fixa também, o número mínimo de amostras e a freqüência de amostragem para cada parâmetro11 . Como observado por Lanna (1999), com a ressalva da cor, turbidez e das substâncias tensioativas, as demais estipulam padrões de concentração limite iguais ou inferiores aos limites de concentração estabelecidos para as águas enquadradas na classe 2 pela Resolução do Conama.
quais demandas hídricas deverão ser atendidas, em que quantidade, com quais garantias, ao longo do período de operação do sistema. Poderão ser também estabelecidas, como decorrência destas diretrizes, metas de eficiência no uso da água, esquemas de racionamento das demandas na ocorrência de estiagens, e outras questões de ordem quantitativa (pg. 78).
Classificação das águas Resolução Conama 20, de 18 de junho de 1986 Águas doces
1 - Classe Especial - águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico sem prévia ou com simples desinfecção. b) à preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas. ll - Classe 1 - águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico após tratamento simplificado; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à recreação de contato primário (natação, esqui aquático e mergulho); d) à irrigação de hortaliças que são consumidas cruas e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas sem remoção de película. e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. lll - Classe 2 - águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à recreação de contato primário (esqui aquático, natação e mergulho);
11 O Estado de São Paulo já vinha adotando a prática do monitoramento desde 1974, estabelecendo legislação mais restritiva para a classificação de suas águas interiores (Decreto 10.755, de 22 de novembro de 1977).
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d) à irrigação de hortaliças e plantas frutíferas; e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. lV - Classe 3 - águas destinadas: a) ao abastecimento doméstico, após tratamento convencional; b) à irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras; c) à dessedentação de animais. V - Classe 4 - águas destinadas: a) à navegação; b) à harmonia paisagística; c) aos usos menos exigentes. Águas salinas VI - Classe 5 - águas destinadas: a) à recreação de contato primário; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. VII - Classe 6 - águas destinadas: a) à navegação comercial; b) à harmonia paisagística; c) à recreação de contato secundário. Águas salobras VIII - Classe 7 - águas destinadas: a) à recreação de contato primário; b) à proteção das comunidades aquáticas; c) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura) de espécies destinadas à alimentação humana. IX - Classe 8 - águas destinadas: a) à navegação comercial; b) à harmonia paisagística; c) à recreação de contato secundário. A Resolução Conama 020/86 encontra-se em processo de revisão e atualização no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA - Processo 02000.002378/2002-43).
A outorga dos direitos de uso de recursos hídricos A Constituição Federal estabelece que as águas são bens públicos sob o domínio da União, dos Estados ou do Distrito Federal. Nessa condição, seu uso privativo depende de um instrumento jurídico, a outorga, atribuída pelo órgão público competente. Enquanto instrumento de gestão, a outorga dos direitos de uso da água objetiva assegurar seu controle quantitativo e qualitativo, e o direito de acesso a esse recurso natural. A Lei 9.433/97 estabelece um conjunto de usos sujeitos à outorga pelo poder público: • derivação ou captação de parcela de água existente em um corpo d’água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; • extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; • lançamento em corpo d’água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; • aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; e • outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo d’água. Para efeito de outorga, as demandas são classificadas como prioritárias e não prioritárias. As demandas consideradas prioritárias, conforme os fundamentos da Lei das Águas são o consumo humano e a dessedentação animal. Deveria ter sido considerada igualmente prioritária a vazão ecológica, ou seja, aquela que deve ser mantida no rio para atender às demandas ambientais. No Brasil, têm sido adotados três tipos de outorga: a concessão de uso, a licença de uso e a autorização ou permissão de uso.
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manuais, consideravam a água como um bem livre, destituído de valor econômico. O 2o Fórum mundial da água, realizado em Haia, em 2000, com a presença de 130 países, recomenda na sua declaração final que os países passem a atribuir valor a água:
Tipos de outorga adotados no Brasil Concessão de uso: concedida em todos os casos de utilidade pública. A outorga das concessões é dada pelo prazo de 10 a 35 anos, ficando sem efeito se, durante um número pré-determinado de anos consecutivos, geralmente 3, o concedido deixar de fazer uso privativo das águas; Licença de uso: quando não se verificar a utilidade pública. É o caso do uso para fins de indústria, agricultura, comércio e piscicultura. As licenças são outorgadas pelo prazo de 5 a 10 anos, podendo ser revogadas a qualquer tempo, independentemente de indenização, desde que o interesse público assim o exija e ficando sem efeito se durante um número pré-determinado de anos consecutivos, geralmente de 1 a 3, o licenciado deixar de fazer uso das águas; Autorização ou permissão de uso: são geralmente outorgadas em caráter precário podendo a qualquer momento serem revogadas, independentemente de indenização, desde que o interesse público assim o exigir. Se durante períodos que vão de 1 a 2 anos o autorizado deixar de fazer uso das águas, fica a respectiva autorização ou permissão sem efeito. Atendem a usos com pequenas derivações relativamente às disponibilidades de água de acordo com critérios a serem definidos pelo órgão estadual com atribuição de realizar a outorga.
manejar a água de modo a refletir seu valor econômico, social, ambiental e cultural em todos os usos e tomar iniciativas para atribuir aos serviços de água um valor que reflita seus custos. Esta abordagem deve considerar a necessidade de equidade e as necessidades básicas dos pobres e vulneráveis.
O 3° Fórum mundial da água, em Kyoto, em 2003, reforça essa recomendação: Atender às necessidades financeiras é uma tarefa para todos nós. Devemos atuar de forma a criar um ambiente propício para facilitar investimentos. Devemos identificar prioridades nas questões de água e assim refletilas em nossos planos nacionais de desenvolvimento / estratégias de desenvolvimento sustentável (..) Devem ser levantados fundos através da cobrança de custos de recuperação, em condições climáticas, ambientais e sociais adequadas e segundo o princípio “poluidor-pagador”, com especial consideração com os pobres. Todas as fontes de financiamento, tanto públicas quanto privadas, nacionais e internacionais, devem ser mobilizadas e usadas da forma mais eficiente e efetiva.
Embora o Código de Águas previsse medidas que poderíamos associar à idéia do poluidor-pagador12 , no Brasil, o início dos grandes debates sobre a cobrança pelo uso da água ocorreu no Simpósio brasileiro de recursos hídricos, promovido pela ABRH, em 1989. Na ocasião foi aprovada a Carta de Foz de Iguaçu que apresentava como um dos princípios da gestão dos recursos hídricos o reconhecimento do seu valor econômico. Posteriormente, a Lei das Águas estabeleceu entre seus fundamentos que a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico. O reconhecimento desse valor expressa-se na cobrança pelo uso da água. Como a cobrança está vinculada aos
A cobrança pelo uso dos recursos hídricos Sempre que a água é tema de reflexão, revelamse as várias dimensões que esse bem adquire para as sociedades humanas: seu valor social, cultural, religioso e ambiental. Nos últimos anos, outro aspecto passou a ser muito discutido: o de que a água é um recurso natural dotado de valor econômico. Esse reconhecimento está ligado aos crescentes níveis de demanda para os diversos usos, tornando os problemas de escassez cada vez mais freqüentes e generalizados. Como o conceito de valor econômico decorre da relação entre a oferta e a procura de determinado bem, enquanto o recurso era abundante, os economistas, nos seus
12 Sob o título de Águas Nocivas, o Código de Águas estabeleceu que: Art. 109 – A ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros. Art. 110 – Os trabalhos para a salubridade das águas serão executados à custa dos infratores, que, além da responsabilidade criminal, si houver, responderão pelas perdas e danos que causarem e pelas multas que lhes forem impostas nos regulamentos administrativos.
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Entre todos os instrumentos de gestão dos recursos hídricos, a cobrança pelo uso da água talvez tenha provocado maior controvérsia. Em parte, isso se deve às suas características de bem público cujo acesso deve ser garantido a todos. Por outro lado, enquanto bem dotado de valor econômico, a água é passível de ser comercializada, com valor e preço. No Brasil, os principais argumentos a favor da adoção desse instrumento de gestão referem-se à possibilidade que oferece de assegurar o uso sustentável da água, tanto em qualidade como em quantidade, aos usuários atuais e futuros. Enquanto tal, esse instrumento, mais do que arrecadar recursos destinados a reverter o grau de degradação atual dos mananciais, poderá ser útil na promoção de novos comportamentos voltados à racionalização do uso.
usos sujeitos à outorga, essa abordagem acabou aliando um instrumento econômico a outro de comando e controle, ou de regulamentação. A Lei das Águas determina os seguintes objetivos para a cobrança: • reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; • incentivar a racionalização do uso da água; e • obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos; A lei prevê ainda que os valores arrecadados com a cobrança sejam aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica onde foram gerados.
A cobrança pelo uso dos recursos hídricos
A cobrança como um instrumento de gestão
A cobrança pelo uso dos recursos hídricos depende da decisão dos comitês de bacia hidrográfica para que seja efetivada, uma vez que são essas as instâncias responsáveis pelo estabelecimento do sistema de cobrança. Além disso, aos comitês, juntamente com a ANA, compete o estudo dos valores a serem cobrados, enquanto que ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos cabe a definição dos valores relativos à cobrança no âmbito de cada bacia hidrográfica. A cobrança baseia-se no princípio usuário-poluidor-pagador e pressupõe a conscientização do público, no que se refere ao reconhecimento da água como bem econômico, ao incentivo à racionalização do seu uso e à obtenção de recursos financeiros para a execução dos Planos de Recursos Hídricos. A ANA está encarregada de promover os estudos necessários à implantação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos nas bacias cujo rio principal é de domínio da União. Esses estudos deverão estar compatibilizados com a visão dos estados e serão submetidos a discussões no âmbito do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
A água é passível de uso privado seja como insumo para a produção, seja para uso doméstico, sendo este uso objeto de transação comercial, sempre que escasso. Mas o recurso hídrico não é passível de apropriação privada. O uso da água é realizado com base em uma outorga, isto é, uma concessão de uso, de um bem que permanece público. A distinção não é retórica e tem implicações diretas na formulação de políticas. Há uma polivalência de situações, na medida em que, de um lado, é um bem público, e como tal normatizado e regulado, sendo direito de todos o seu acesso. Por outro lado, é um bem com valor econômico, comercializado, com preço. Em um dos casos, como bem público, está sujeito à tutela do Estado. Em outro, como bem de mercado, deve ser regulado pelo Estado, mas gerido por normas de mercado. Como polivalência não pode ser confundida com ambivalência, é preciso ter clareza dos conceitos envolvidos, estalecendo-se procedimentos transparentes para sua aplicação. O fato de que a água é objeto de transação comercial, de que existe um mercado específico da água, que lhe confere valor e preço, não permite depreender que ela seja uma “comodittie”, justamente porque, como adequadamente estabelece a Constituição, é um bem público.
Agência Nacional de Águas Relatório de Gestão -2001
Stela Goldenstein 2000 44
O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos
medições sedimentométricas. Sob administração da ANA , estão em operação 2.473 estações pluviométricas, 1.726 estações fluviométricas, 420 estações de qualidade de água, 420 estações sedimentométricas e 59 estações evaporimétricas. Muito se avançou no desenvolvimento de novos produtos e sistemas, considerando que foram necessárias modificações em bancos de dados que anteriormente pertenciam a outros órgãos do setor público e que vieram compor o acervo da ANA. O caráter estratégico das informações hidrológicas foi o elemento decisivo para que a ANA assumisse de fato a partir de janeiro deste ano, administração da operação e a manutenção da rede básica de estações hidrometeorológicas em todo território brasileiro, dando início, também, à elaboração de estudos hidrológicos para atender às necessidades da Agência e de outras entidades. Outro ponto relevante foi a alimentação do Sistema de Informações Hidrológicas, onde ficam armazenados e disponíveis para consulta os dados e informações oriundas da rede hidrometeorológica básica, administrada pela Agência, assim como de outras entidades que fornecem dados de suas redes de estações para a ANA. O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos -SNIRH foi estabelecido pelo Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos -SINGREH como um dos instrumentos de gestão desses recursos, tendo como princípios básicos, de acordo com a Lei 9.433, a descentralização da obtenção e produção de dados e informações, a coordenação unificada do sistema e o acesso aos dados e informações garantido à sociedade. O SNIRH foi concebido como uma rede de diversos bancos de dados e informações, para acesso aos usuários, cuja alimentação está a cargo de entidades públicas, federais, estaduais e municipais, relacionadas à gestão dos recursos hídricos, sendo coordenado de forma unificada. Entre seus objetivos destacam-se: a divulgação de dados e informações sobre a situação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos no Brasil; e o fornecimento de subsídios para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos. Agência Nacional de Águas
Chama-se de Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos ao processo de coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão. A Lei 9.433/97 define para esse instrumento de gestão os seguintes objetivos: • reunir, dar consistência e divulgar os dados e informações sobre a situação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos no Brasil; • atualizar permanentemente as informações sobre disponibilidade e demanda de recursos hídricos em todo o território nacional; e • fornecer subsídios para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos. O Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos deverá funcionar segundo três princípios: descentralização na obtenção e produção de dados e informações; coordenação unificada do Sistema; e garantia de acesso aos dados e informações à sociedade. Em âmbito nacional, coube à Agência Nacional de Águas a tarefa de organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos.
Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH) No ano de 2002 diversas ações foram desencadeadas visando a consolidação do Sistema Nacional de Informações em Recursos Hídricos, assim como definidas as metas para que os dados e informações possam compor o Sistema de maneira ágil e consistente. Atualmente, estão cadastradas no banco de dados hidrológicos da ANA, 22.333 estações hidrometeorológicas, sendo 14.189 estações pluviométricas e 8.144 estações fluviométricas. Estão em operação no país, através das diversas entidades, cerca de 8.760 estações pluviométricas e 4.133 fluviométricas. Das estações fluviométricas, 948 têm monitoramento de qualidade de água e 537 têm
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O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos A criação de um sistema de gerenciamento dos recursos hídricos indica a existência de vários órgãos ou entidades atuantes na área e a necessidade de articular ou integrar essa atuação na gestão das águas. Quando a Constituição de 1988 incluiu entre as competências da União, a de instituir um sistema nacional de gerenciamento dos recursos hídricos, estava na realidade concretizando não só os anseios de amplos setores envolvidos com o tema e que demandaram dos deputados constituintes a inclusão desse dispositivo. Na realidade, a instituição de um sistema integrado para a gestão dos recursos hídricos foi o reconhecimento da necessidade, e da experiência com um modelo de gestão integrada que já vinha sendo realizado com a criação dos Comitês Executivos de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas de Rios Federais (CEEIBH)13. Esse colegiado fomentou a criação de comitês nas bacias de vários rios federais. A experiência desses comitês pode ser analisada como uma etapa de transição entre o modelo tradicional de gestão dos recursos hídricos e o atual modelo. A regulamentação do dispositivo constitucional acabou sendo feita pela Lei 9.433/97 que, ao dispor sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos, criou também o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. A gestão integrada, descentralizada e participativa, instituída pela política das águas, formou um sistema integrado, com: • o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; • os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; • os Comitês de Bacia Hidrográfica; • os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais cujas competências se relacionavam com a gestão de recursos hídricos; e • as Agências de Água. São objetivos do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos: • coordenar a gestão integrada das águas; •arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos; • implantar a Política Nacional de Recursos Hídricos; •planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos; e •promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos. As atividades de formulação da política e de implantação dos instrumentos de gestão realizadas pelo Sistema Nacional de Recursos Hídricos estão representadas no organograma da figura a seguir. A Portaria Interministerial 90/78, editada pelos Ministérios da Minas e Energia e do Interior, criando o Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias hidrográficas – CEEIBH, é considerada um marco fundamental deste processo. 13
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Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos Órgãos Âmbito
Conselho
Governo
Gestor
Nacional
C.N.R.H
M.M.A
ANA
Parlamento de Bacia
Escritório Técnico
S.R.H.
Estadual
C.E.R.H
Governo do Estado
Autoridade Comitê de Bacia
Bacia
Agência de Bacia
O Conselho Nacional de Recursos Hídricos
Comitês Executivos de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas
No Sistema Nacional de Recursos Hídricos, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) é a instância máxima, com caráter normativo e deliberativo. São suas atribuições: promover a articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional, estadual e dos setores usuários; deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos; acompanhar a execução e aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos; estabelecer critérios gerais para a outorga e para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos; decidir sobre a criação de comitês de bacias em rios de domínio da União. Enquanto instância máxima, também é atribuição do Conselho arbitrar os conflitos no interior do Sistema. O CNRH é formado por representantes: de ministérios e secretarias da Presidência da República com atuação na gestão das águas; indicados pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos; dos usuários dos recursos hídricos; e das organizações civis de recursos hídricos. O número de representantes do Poder Executivo Federal não poderá exceder a metade mais um do total dos membros do Conselho. Os representantes dos usuários são indicados pelos irrigantes, pelas instituições de abastecimento
Os comitês criados pelo CEEIBH visavam coordenar o trabalho dos diversos órgãos intervenientes em recursos hídricos, quase todos federais e estaduais, preservando suas autonomias e procurando integrar suas ações, tendo em vista criar uma nova cultura no relacionamento interinstitucional para a solução dos problemas de interesse comum. Marcaram um período de transição entre a gestão dos recursos hídricos centralizada na União e nos Estados quando as decisões eram tomadas unilateralmente pelos respectivos órgãos gestores, que trabalhavam de forma estanque e independente, muitas vezes em conflito com outras instituições, e a chamada gestão integrada, descentralizada e participativa que caracteriza o sistema atual, na qual os colegiados de decisão desempenham um papel relevante, de nível superior, e de natureza consultiva, normativa e deliberativa, contando com importante participação de representações dos usuários e da sociedade civil. Antônio Felix Domingues e José Leomax dos Santos (2002)
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de água e esgotamento sanitário, pelas concessionárias de geração hidrelétrica, pelo setor hidroviário, pela indústria, e pelo setor de turismo e lazer. As organizações civis de recursos hídricos estão representadas pelos comitês, consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas, por organizações técnicas de ensino e pesquisa na área de recursos hídricos, e por organizações não-governamentais também com atuação nessa área.
Os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos Os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal são órgãos consultivos e deliberativos, instância administrativa máxima na sua esfera de competência, com atribuições para arbitrar os recursos relativos às decisões dos Comitês de Bacias Hidrográficas e aprovar e acompanhar os Planos Estaduais de Recursos Hídricos. Os primeiros Estados que criaram seus Conselhos de Recursos Hídricos foram: São Paulo, (1987); Ceará e Santa Catarina, (1994); Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, (1995).
Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos Unidades da Federação
Alagoas Bahia Ceará Distrito Federal Espírito Santo Goiás Mato Grosso Minas Gerais Paraná
Pernambuco
Paraíba Rio de Janeiro
Legislação
Decreto 37.784, de 22 de outubro de 1998, publicado em 23 de outubro de 1998 Regulamenta o Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Lei 7.354, de 14 de setembro de 1998. Cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e dá outras providências. Decreto 23.039, de 1 o de fevereiro de 1994. Aprova o Regimento Interno do Conselho Estadual dos Recursos Hídricos - CONERH. Decreto 22.787, de 13 de março de 2002. Dispõe sobre a regulamentação do Conselho de Recursos Hídricos do Distrito Federal e dá outras providências. Decreto 038-R de 6 de abril de 2000. Dispõe sobre o Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CERH. Decreto 4.468, de 19 de junho de 1995. Dispõe sobre o Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CERH. Decreto 3.952 de 6 de março de 2002. Regulamenta o Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Decreto 37.191 de 28 de agosto de 1995. Dispõe sobre o Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CERH-MG - e dá outras providências. Decreto 2.314, de 14 de julho de 2000, cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Decreto 4.320, de 29 de junho de 2001 que nomeia os integrantes do Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Decreto 20.269, de 24 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos e o Plano Estadual de Recursos Hídricos; institui o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Decreto 18.824, de 2 de abril de 1997, cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Decreto 27.208, de 2 de outubro de 2000. Dispõe sobre o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, e dá outras providências.
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Rio Grande do Norte Rio Grande do Sul
Rondônia Santa Catarina
São Paulo
Sergipe Tocantins
Decreto 13.284, de 22 de março de 1997. Regulamenta o Sistema Integrado de Gestão de Recursos Hídricos - SIGERH, e dá outras providências. Decreto 36.055, de 4 de julho de 1995. Regulamenta o artigo 7º da Lei 10.350, de 30 de dezembro de 1994, que instituiu o Sistema Estadual de Recursos Hídricos. Decreto 40.505, de 8 de dezembro de 2000. Altera o Decreto 36.055, de 4 de julho de 1995, que trata do Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Decreto 10.114 de 20 de setembro de 2002. Lei 6.739, de 16 de dezembro de 1985, alterada pelas leis 10.644, de 7 de janeiro de 1998, 8.360, de 26 de setembro de 1991, e 10.007, de 18 de dezembro de 1995. Decreto 27.576, de 11 de novembro de 1987. Cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, dispõe sobre o Plano Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos e dá outras providências. Decreto 36.787, de 18 de maio de 1993. Adapta o Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CRH e o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos CORHI, criados pelo Decreto 27.576, de 11 de novembro de 1987, às disposições da Lei 7.663, de 30 de dezembro de 1991. Decreto 18.099 de 26 de maio de 1999. Dispõe sobre o Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CONERH/SE e dá providências correlatas. Decreto 637, de 22 de julho de 1998. Cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos, e dá outras providências.
Fonte: SRH/MMA.
Os Comitês de Bacia Hidrográfica O Comitê de Bacia Hidrográfica é um órgão colegiado constituído pelos representantes dos governos municipais, estaduais e federal, pelos representantes dos usuários, e da sociedade civil organizada. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, pela Resolução 5/2000, definiu a proporcionalidade entre os representantes dos segmentos envolvidos: os representantes dos usuários serão 40% do número total de representantes do Comitê; o somatório dos representantes dos governos municipais, estadual e federal não poderá ultrapassar 40%; e os da sociedade civil organizada serão no mínimo de 20%. Nos Comitês de Bacias de rios fronteiriços e transfronteiriços, a representação da União deverá incluir o Ministério das Relações Exteriores e, naqueles cujos territórios abranjam terras indígenas, representantes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e das respectivas comunidades indígenas. A área de atuação dos Comitês poderá ser uma bacia hidrográfica, uma sub-bacia hidrográfica de tri-
butário do curso d’água principal da bacia, ou de tributário desse tributário; ou de um grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas contíguas. Os Comitês de Bacias Hidrográficas têm, entre outras atribuições, as de: promover o debate das questões relacionadas aos recursos hídricos da bacia; articular a atuação das entidades que trabalham com esse tema; arbitrar, em primeira instância, os conflitos relacionados a recursos hídricos; aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia; estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados; estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo. Os Estados são responsáveis pela regulamentação dos Comitês dos rios em seus domínios. Alguns deles, a exemplo de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo, já estão em estágio bem avançado do processo de regulamentação, com diversos Comitês criados.
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Comitês de Bacias Hidrográficas Rios Federais Unidades da Federação Minas Gerais e Espírito Santo Minas Gerais e Rio Janeiro São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais
Bacias Hidrográficas Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Muriaé e Pomba Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul – CEIVAP Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba
Minas Gerais Minas Gerais e São Paulo
Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba, Capivari e Jundiaí Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco –
Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas
Fonte: SRM/MMA.
Comitês de Bacias Hidrográficas Rios Estaduais Unidades da Federação
Alagoas Ceará Espírito Santo Goiás Minas Gerais Paraná Pernambuco Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Santa Catarina São Paulo Sergipe
Recursos Hídricos; elaborar e propor o Plano de Recursos Hídricos ao Comitê de Bacia Hidrográfica competente; encaminhar proposta de enquadramento dos cursos d’água aos devidos Conselhos de Recursos Hídricos, entre outros. A Lei das Águas determina como condição para a criação de uma Agência, a existência prévia de um Comitê de Bacia e a viabilidade financeira assegurada pela cobrança do uso da água. No âmbito federal foi criada a Agência Nacional de Águas (ANA), autarquia sob regime especial (Lei 9.984, de 2000), com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Sua principal missão é implantar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e regular o uso da água no país por meio de vários instrumentos de gestão: outorga, cobrança pelo uso da água, fiscalização e promoção de usos múltiplos, mediação dos conflitos; e gestão do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos.
Comitês
1 6 2 1 17 3 6 1 16 12 21 1
Fonte: SRM/MMA.
As Agências de Água Assim como os Comitês de Bacia Hidrográfica, as Agências de Água ou Agências de Bacia são instituições inteiramente novas no quadro administrativo brasileiro. As Agências têm a função de atuar como secretaria executiva dos respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica. Além disso, a Lei das Águas atribuiu às Agências de Água várias competências: manter o balanço da disponibilidade hídrica atualizado; manter um cadastro de usuários; estabelecer os valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos e efetuar a cobrança; gerir o Sistema de Informações sobre
As organizações civis de recursos hídricos A gestão descentralizada e participativa está entre os fundamentos da Lei das Águas. Esse princípio reforça a orientação de que as decisões devem ser compartilhadas entre os vários níveis do Sistema, e, além disso, devem ser tomadas com a participação dos atores que possam intervir na questão: represen-
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tantes do poder público nas esferas federal, estadual e municipal; dos usuários da água, e das coletividades locais por meio das suas organizações. A Lei 9.433/97 considera organizações civis de recursos hídricos as legalmente constituídas, e instituídas, como: • consórcios e associações intermunicipais de bacias hidrográficas; • associações regionais, locais ou setoriais de usuários de recursos hídricos; • organizações técnicas e de ensino e pesquisa com interesse na área de recursos hídricos; e • organizações não-governamentais com objetivos de defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade.
Agenda 21 Fortalecimento do papel dos grupos principais
A participação nos órgãos colegiados de gestão não significa transferência de poder e responsabilidade do Estado para a sociedade civil. É, antes, uma forma de controle direto dos cidadãos sobre decisões de políticas públicas, que afetam os interesses coletivos e a vida de cada um. Entretanto, em um país com uma cultura política marcada por relações clientelistas e paternalistas, a implantação de um modelo de gestão participativa acaba sendo permeada por contradições e ambiguidades. Além dos conflitos e divergências de interesses, os agentes envolvidos confrontam-se com assimetrias de poder, de conhecimentos e de habilidades, com a legitimidade das representações, com práticas arraigadas de gestão tecnocrática e centralizada, enfim, com toda ordem de dificuldades. Novaes e Jacobi (2002), analisando a noção de eficiência institucional aplicada aos Comitês de Bacia Hidrográfica consideram os seguintes indicadores como possíveis parâmetros de eficiência institucional: • A realização dos objetivos e metas previstos na legislação, nos estatutos e regimentos internos; • A elaboração de um Plano de Bacia (ou, ao menos, de uma agenda de prioridades); • A alocação de recursos nas áreas priorizadas no Plano de Bacia; • A pluralidade das forças sociais representadas na arena; •A legitimidade da representação; • A participação e presença de quorum nas reuniões; • O envolvimento do Comitê com questões regionais relevantes relativas ao recursos hídricos, ao meio ambiente, e ao desenvolvimento econômico e social da bacia.
Capítulo 23
O compromisso e a participação genuína de todos os grupos sociais terão uma importância decisiva na implementação eficaz dos objetivos, das políticas e dos mecanismos ajustados pelos Governos em todas as áreas programadas da Agenda 21. Um dos pré-requisitos fundamentais para alcançar o desenvolvimento sustentável é a ampla participação da opinião pública na tomada de decisões. Ademais, no contexto mais específico do meio ambiente e do desenvolvimento, surgiu a necessidade de novas formas de participação. Isso inclui a necessidade de indivíduos, grupos e organizações de participar em procedimentos de avaliação do impacto ambiental e de conhecer e participar das decisões, particularmente daquelas que possam vir a afetar as comunidades nas quais vivem e trabalham. Indivíduos, grupos e organizações devem ter acesso à informação pertinente ao meio ambiente e desenvolvimento detida pelas autoridades nacionais, inclusive informações sobre produtos e atividades que têm ou possam ter um impacto significativo sobre o meio ambiente, assim como informações sobre medidas de proteção ambiental.
Assim, para esses autores, um comitê é eficiente quando consegue cumprir ao máximo seus objetivos de garantir a quantidade e a qualidade das águas na bacia, mas, também, quando consegue atuar como fórum democrático, pluralista e participativo, não somente porque esta é a melhor estratégia para a boa gestão das águas, mas como um objetivo em si mesmo. Sem dúvida, já percorremos uma boa distância na implantação do sistema integrado de gestão das águas e no uso dos seus instrumentos. Entretanto, muito há ainda que caminhar. A abertura da gestão pública à participação da sociedade civil é um processo que precisa ser constantemente revisado e atualizado, e que depende do desenvolvimento de uma cultura de aprendizagem para o avanço e o aperfeiçoamento das organizações colegiadas e de todos os atores envolvidos. 51
Da lógica da oferta à lógica da demanda
Participação na gestão ambiental no Brasil A possibilidade de alterar a institucionalidade pública está associada às demandas que se estruturam na sociedade, e a esfera pública representa a construção da viabilidade ao exercício da influência da sociedade nas decisões públicas assim como coloca uma demanda de publicização no Estado. Os atores sociais que surgiram na sociedade civil após a década de 1970, na América Latina, promoveram a criação de novos espaços e formas de participação e relacionamento com o poder público. Esses espaços foram construídos pelos movimentos populares e pelas instituições da sociedade civil que articulavam demandas e alianças de resistência popular e lutas pela conquistas de direitos civis e sociais. O surgimento desses espaços está diretamente relacionado com um maior questionamento sobre o papel do Estado como principal agente indutor de políticas públicas. A participação nesses espaços públicos permite a institucionalização de relações mais diretas, flexíveis e transparentes e maior democratização na gestão da coisa pública. Nos anos 90, além das práticas participativas inovadoras que se institucionalizam cada vez mais, surgem novos movimentos baseados em ações solidárias alternativas centradas em questões éticas ou de revalorização da vida humana. Pelas pressões de uma sociedade civil mais ativa e mais organizada, foram sendo criados novos espaços públicos de interação, mas principalmente de negociação. Nesse contexto, a participação citadina emerge, principalmente como referencial de rupturas e tensões, e as práticas participativas associadas a uma mudança qualitativa da gestão, assumem visibilidade pública e repercutem na sociedade. As transformações político-institucionais e a ampliação de canais de representatividade dos setores organizados para atuarem junto aos órgãos públicos, enquanto conquista dos movimentos organizados da sociedade civil, mostram a potencialidade de construção de sujeitos sociais identificados por objetivos comuns na transformação da gestão da coisa pública, associado à construção de uma nova institucionalidade. Pedro Roberto Jacobi
Este breve relato sobre o processo para constituir e institucionalizar a gestão pública das águas revela a diversidade de abordagens e soluções encontradas em momentos distintos da história do País. Entretanto, apesar das diferenças, algumas características têm permanecido constantes, entre elas, uma postura de reação aos problemas encontrados, a baixa efetividade dos planejamentos, a descontinuidade dos programas e políticas, a falta de avaliação sistemática dos resultados, a definição de estruturas centralizadas para a tomada de decisão, a ausência ou a fragilidade de mecanismos para equacionar os conflitos de uso e a abrangência limitada do atendimento à população. A política que se construiu nos últimos anos de gestão integrada, descentralizada e participativa dos recursos hídricos –, reflete as discussões e a mudança do paradigma que, a partir dos anos 1970, tem norteado a gestão das águas nos países industrializados. O modelo de gestão orientado pela estratégia da oferta e da exploração extensiva do recurso que marcou o desenvolvimento das técnicas e políticas voltadas à gestão das águas, desde a revolução industrial vem sendo substituído por um modelo orientado pela estratégia da demanda, de gestão sustentável e coresponsabilizada, fundada no princípio da participação dos usuários, dos planejadores e decisores políticos, em todos os níveis, em consonância com o que se tem referendado desde a Conferência de Dublin.
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Modelos de Gestão das Águas Modelo intensivo - lógica da demanda
Modelo extensivo - lógica da oferta Oferta social e espacialmente generalizada de grandes volumes de água potável a preços subsidiados.
Cobrança pelo uso e a poluição da água bruta, tarifas que cobrem integralmente a recuperação de custos diretos e indiretos.
Evacuação imediata das águas servidas através de redes subterrâneas de esgotos e drenagem urbana instaladas no espaço público.
Técnicas alternativas de saneamento e drenagem, que implicam participação ativa de proprietários e usuários (esgoto condominial, bacias de retenção etc.).
Estímulo ao consumo abundante, negligência com desperdícios e a manutenção das redes.
Incitação social à economia de água, por meio de programas abrangentes de conservação de recursos hídricos.
Desresponsabilização e desconhecimento das práticas de consumo dos usuários.
Responsabilização, informação e participação dos usuários, com pesquisas sobre consumo, comportamentos e percepção.
Abordagem corretiva da poluição hídrica, mediante inovações na tecnologia de tratamento.
Abordagem preventiva, com políticas de proteção aos mananciais subterrâneos e superficiais.
Competição aberta entre usos concorrentes dos recursos hídricos pela apropriação setorizada dos mananciais.
Usos múltiplos dos mananciais por meio do planejamento descentralizado, integrado e participativo das bacias hidrográficas.
Negligência com a conservação, a proteção e a recuperação da qualidade das águas.
Políticas de conservação dos recursos hídricos, proteção e recuperação de mananciais.
Fonte: Vargas (1999).
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Visão histórica dos aproveitamentos da água Período
Países desenvolvidos
Brasil
1945-1960 Engenharia com pouca preocupação ambiental
• Uso dos recursos hídricos: abastecimento, navegação, hidreletricidade etc. • Qualidade da água dos rios. • Medidas estruturais de controle das enchentes.
• Inventário dos recursos hídricos. • Início dos empreendimentos hidrelétricos e projetos de grandes sistemas.
1960-1970 Início da pressão ambiental.
• Controle de efluentes. • Medidas não estruturais para enchentes. • Legislação para qualidade da água dos rios.
• Início da construção dos grandes empreendimentos hidrelétricos. • Deterioração da qualidade da água de rios e lagos próximos a centros urbanos.
• Usos múltiplos. • Contaminação de aqüíferos. • Deterioração ambiental de grandes áreas metropolitanas. • Controle na fonte da drenagem urbana. • Controle da poluição doméstica e industrial. • Legislação ambiental.
• Ênfase em hidrelétricas e abastecimento de água. • Início da pressão ambiental. • Deterioração da qualidade da água dos rios devido ao aumento da produção industrial e concentração urbana.
1980-1990 Interações do ambiente global
1990-2000 Desenvolvimento sustentável
2000 Ênfase na água
• Impactos climáticos globais. • Preocupação com conservações das florestas. • Prevenção de desastres. • Fontes pontuais e não pontuais. • Poluição rural. • Controle dos impactos da urbanização sobre o ambiente. • Contaminação de aqüíferos. • Desenvolvimento sustentável. • Aumento do conhecimento sobre o comportamento ambiental causado pelas atividades humanas. • Controle ambiental das grandes metrópoles. • Pressão para controle da emissão de gases, preservação da camada de ozônio. • Controle da contaminação dos aqüíferos por fontes não pontuais. • Desenvolvimento da visão mundial da água. • Uso integrado dos recursos hídricos. • Melhora da qualidade da água das fontes não pontuais: rural e urbana. • Busca de solução para conflitos transfronteiriços. • Desenvolvimento do gerenciamento dos recursos hídricos dentro de base sustentáveis. 54
• Redução do investimento em hidrelétricas devido à crise fiscal e econômica. • Piora das condições urbanas: enchentes, qualidade da água. • Fortes impactos da seca no Nordeste. • Aumento de investimentos em irrigação. • Legislação ambiental. • Legislação de recursos hídricos. • Investimento no controle sanitário das grandes cidades. • Aumento do impacto das enchentes urbanas. • Programas de conservação dos biomas nacionais: Amazônia, Pantanal, Cerrado e Costeiro. • Início da privatização dos serviços de energia e saneamento. • Avanço do desenvolvimento dos aspectos institucionais da água. • Privatização do setor energético. • Aumento de usinas térmicas para produção de energia. • Privatização do setor de saneamento. • Aumento da disponibilidade de água no Nordeste. • Desenvolvimento de planos de dre-
Extraído de Tucci, C. E. M., Hespanhol, I., Cordeiro Netto, O. (2001).
1970-1980 Controle ambiental
A experiência paulista O Estado de São Paulo está entre os principais protagonistas na criação do sistema integrado e na implantação dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos. Em âmbito nacional, foi pioneiro nesse processo: em 1987, criou o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos; em 1989, a Constituição Paulista previu a criação de um sistema de recursos hídricos orientado pelos princípios da gestão integrada, descentralizada e participativa; e em 1991, foi aprovada a Lei 7.663, que estabelece a Política Estadual e o Sistema Integrado de Gestão dos Recursos Hídricos. Os instrumentos previstos pela Lei 7.663 para a implantação da Política Estadual de Recursos Hídricos são: a outorga do direito de uso, o estabelecimento de infrações e as respectivas penalidades, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, e o rateio de custos das obras de uso múltiplo, ou de interesse comum ou coletivo. A lei prevê ainda, a elaboração do Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH), que deverá ser atualizado periodicamente, com base nos planos de bacias. Constituem o Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos os órgãos colegiados, o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos (CORHI), as Agências de Bacia e os órgãos da administração direta ou indireta do Estado responsáveis pela outorga de uso e pelo licenciamento de atividades poluidoras. Os órgãos colegiados - o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) e os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) -, têm caráter consultivo e deliberativo e composição tripartite e paritária. São formados por representantes do Estado, dos Municípios e da Sociedade Civil. Para a realização do gerenciamento descentralizado, a Lei 7.663/91 previu ainda a divisão do Estado em unidades hidrográficas de gerenciamento. Essa divisão foi feita pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos (Lei 9.034/94) que criou as 22 Unidades Hidrográficas de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHIs) que também são a base físico-territorial para a formação dos Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs).
Diretrizes da política estadual de recursos hídricos
• Utilização racional dos recursos hídricos, superficiais e subterrâneos, assegurado o uso prioritário para o abastecimento das populações. • Maximização dos benefícios econômicos e sociais resultantes do aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos. • Proteção das águas contra ações que possam comprometer o seu uso atual e futuro. • Defesa contra eventos hidrológicos críticos, que ofereçam riscos à saúde e à segurança públicas assim como prejuízos econômicos e sociais. • Desenvolvimento do transporte hidroviário e seu aproveitamento econômico. • Desenvolvimento de programas permanentes de conservação e proteção das águas subterrâneas contra a poluição e superexplotação, e • Prevenção da erosão do solo nas áreas urbanas e rurais, com vistas à proteção contra a poluição física e o assoreamento dos corpos d’água.
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Divisão hidrográfica do Estado de São Paulo Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos
A revisão da divisão hidrográfica do Estado de São Paulo tomou como ponto de partida as 18 subzonas hidrográficas adotadas pelo DAEE. Na primeira fase realizou-se a superposição de mapas temáticos, considerando as seguintes características físicas, estreitamente relacionadas com os recursos hídricos: geomorfologia, geologia, hidrologia regional e hidrogeologia. A partir da análise dos mapas superpostos foram sugeridas as seguintes modificações na base inicial adotada: • divisão da subzona Pardo-Mogi Guaçu em três unidades hidrográficas: Alto Pardo-Mogi Guaçu, Baixo Pardo-Mogi Guaçu, e Pardo-Grande; • divisão da subzona do Médio Tietê em duas unidades: Tietê-Jacaré e Tietê-Batalha; e • acréscimo da bacia do rio Santo Anastácio à subzona do rio do Peixe, originando a unidade Peixe-Santo Anastácio. Na segunda fase do trabalho foram considerados os aspectos políticos e socioeconômicos, estudando-se, por exemplo, a compatibilização da divisão hidrográfica com a divisão regional existente em regiões de planejamento; o número de municípios com sede em cada unidade; as áreas de cada unidade e as distâncias rodoviárias; e os aspectos demográficos e socioeconômicos. Adotou-se como atributos desejáveis para cada unidade de gerenciamento de recursos hídricos, de forma a permitir ações regionais integradas: área não superior a 25 mil km2 ; número máximo de mu-
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nicípios em torno de 50; distâncias rodoviárias envolvidas no máximo da ordem de 300 km; e relativa homogeneidade socioeconômica. Visto que as províncias geomorfológicas se desenvolvem transversalmente às bacias hidrográficas, a divisão proposta na primeira fase conduziu a unidades de gerenciamento de recursos hídricos que atendiam aos requisitos citados. Uma das razões para esse fato é que a geomorfologia e a geologia estão relacionadas com a pedologia e, portanto, com a fertilidade dos solos agrícolas, ou seja, com o desenvolvimento socioeconômico. Por essa razão, a divisão hidrográfica preliminar consolidou-se como proposta definitiva. Para a denominação das unidades foram adotados os seguintes critérios: rio principal ou dois rios principais; divisão segundo trechos (alto, médio e baixo) e denominações regionais, resultando: • rio principal ou dois rios principais: Piracicaba, Tietê-Sorocaba, Tietê-Batalha, Tietê-Jacaré, Aguapeí-Peixe, Ribeira do Iguape-Litoral Sul, Paraíba do Sul, Sapucaí-Grande, Pardo-Grande, São José dos Dourados, Turvo-Grande • divisão segundo trechos: Alto Tietê, Baixo Tietê, Alto Paranapanema, Baixo Paranapanema, Alto Pardo-Mogi, Baixo Pardo-Mogi • denominações regionais: Baixada Santista, Litoral Norte, Mantiqueira. Plano Estadual de Recursos Hídricos (1994)
Nas 22 Unidades de Gerenciamento dos Recursos Hídricos foram instalados os seguintes Comitês de Bacias Hidrográficas (CBH):
UGRHI 05 06 19 17 02 20/21 07 10 13 15 14 12 09 04 22 11 08 16 03 18 01
Comitê de Bacia Hidrográfica
Ano de instalação
Municípios
Representantes por segmento
1993 1994 1994 1994 1994 1995 1995 1995 1995 1995 1996 1996 1996 1996 1996 1996 1996 1996 1997 1997 2001
58 34 42 42 34 58 09 34 34 64 34 12 38 23 21 23 22 33 04 25 03
16 16 10 13 10 14 09 17 12 18 10 13 14 12 11 14 11 13 12 13 6
Piracicaba/Capivari/Jundiaí Alto Tietê Baixo Tietê Médio Paranapanema Paraíba do Sul Aguapeí/Peixe Baixada Santista Médio Tietê/Sorocaba Tietê/Jacaré Turvo/Grande Alto Paranapanema Baixo Pardo/Grande Mogi Guaçu Pardo Pontal do Paranapanema Ribeira de Iguape/Litoral Sul Sapucaí-Mirim/Grande Tietê/Batalha Litoral Norte São José dos Dourados Mantiqueira
O Plano Estadual de Recursos Hídricos O primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH), editado pelo Decreto 32.954/91, visava orientar a elaboração do Plano Quadrienal de Recursos Hídricos, com vigência no período de 1992 a 1995. O segundo Plano Estadual de Recursos Hídricos foi aprovado pela Lei 9.034/94 para ser implantado no período de 1994 a 1995. O terceiro, encaminhado à Assembléia Legislativa em 1996 (PL 05/96), não foi votado. O quarto, encaminhado em 2000 (PL 327/ 2000), corresponde ao período de 2000 a 2003. O Plano Estadual de Recursos Hídricos proposto para esse período traz os seguintes objetivos e diretrizes: I - atenuar ou eliminar situações de escassez hídrica, quantitativa e qualitativa, nas bacias hidrográficas industrializadas;
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II - prevenir a escassez hídrica em bacias hidrográficas, em especial as bacias em processo de industrialização; III - solucionar os conflitos de uso dos recursos hídricos em sub-bacias e áreas de concentração de agricultura irrigada ou de indústrias, mediante intervenções, serviços e obras; IV - promover o desenvolvimento das bacias hidrográficas agropecuárias, com projetos e obras de aproveitamento múltiplo racional, desenvolvimento, conservação e proteção dos recursos hídricos; V - harmonizar a conservação de áreas de proteção dos mananciais com as atividades econômicas e sociais nas bacias hidrográficas onde haja predominância dessas áreas;
VI - definir critérios de priorização para projetos, serviços e obras a serem utilizados na obtenção de financiamentos ou repasses de recursos para a região. Para a realização das diretrizes e dos objetivos propostos no PERH, definiu-se um conjunto de Programas de Duração Continuada (PDCs), cujas ações e metas tiveram como base os Relatórios de Situação e os Planos de Bacias de cada Comitê de Bacia Hidrográfica.
Programas de Duração Continuada PDC-1 Planejamento e gerenciamento de recursos hídricos (PGRH) PDC 2 Aproveitamento múltiplo e controle dos recursos hídricos (PAMR) PDC 3 Proteção, conservação e recuperação da qualidade dos recursos hídricos (PQRH) PDC 4 Desenvolvimento e proteção das águas subterrâneas (PDAS) PDC 5 Proteção dos mananciais de abastecimento urbano (PRMU) PDC 6 Desenvolvimento racional da irrigação (PDRI) PDC 7 Conservação de recursos hídricos na indústria (PCRI) PDC 8 Prevenção e defesa contra inundações (PPDI) PDC 9 Prevenção e defesa contra a erosão do solo e o assoreamento dos corpos d’água (PPDE) PDC 10 Apoio aos municípios afetados por reservatórios e leis de proteção de mananciais (PDMA) PDC 11 Articulação institucional (PAI) PDC 12 Participação do setor privado (PPSP)
O Fundo Estadual de Recursos Hídricos A Lei 7.663/91 dispôs também sobre a criação de um instrumento de suporte financeiro à Política Estadual de Recursos Hídricos, o Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro). Regulamentado pelo Decreto 37.300/9314 de 20 de agosto de 1993, o Fehidro é supervisionado pelo Conselho de Orientação (Cofehidro), formado por 12 membros, com representação paritária entre os três segmentos que compõem o Sistema. Conta ainda com uma estrutura de apoio constituída pela Secretaria Executiva, pelos Agentes Técnicos e pelo Agente Financeiro. São beneficiários na obtenção dos recursos do Fundo: • pessoas jurídicas de direito público, da administração direta e indireta do Estado e dos Municípios; • concessionárias e permissionárias de serviços públicos, com atuação nos campos do saneamento, meio ambiente ou no aproveitamento múltiplo de recursos hídricos; • consórcios intermunicipais regularmente constituídos; • entidades privadas sem finalidades lucrativas, usuárias ou não de recursos hídricos, mediante realização de estudos, projetos, serviços, ações e obras enquadradas nos Planos das Bacias Hidrográficas e no Plano Estadual de Recursos Hídricos, e que preencham os seguintes requisitos: a) constituição definitiva, há pelo menos quatro anos, nos termos da legislação pertinente; b) deter, dentre suas finalidades principais, a proteção ao meio ambiente ou atuação na área dos recursos hídricos; c) atuação comprovada no âmbito do Estado ou da Bacia Hidrográfica. As pessoas jurídicas de direito privado, usuárias de recursos hídricos, poderão habilitar-se à obtenção de recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro), por intermédio de financiamentos reembolsáveis15 . Os recursos do Fehidro constituem-se de: • dotações do Estado e dos Municípios destinadas por disposição legal; Alterado pelo Decreto 43.204, de 23 de junho de 1998. A Lei 10.843, de 5 de julho de 2001, altera a Lei 7.663/91, definindo as entidades públicas e privadas que poderão receber recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro). 14 15
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• transferências da União ou de Estados vizinhos para ações em recursos hídricos de interesse comum; • compensação financeira que o Estado receber em decorrência de aproveitamentos hidroenergéticos em seu território; • parte da compensação financeira referente à exploração de petróleo, gás natural e recursos minerais, definida pelo Conselho Estadual de Geologia e Recursos Minerais (Cogemim), para aplicação exclusiva em estudos e programas de interesse para os recursos hídricos subterrâneos; • resultado da cobrança pelo uso da água; • empréstimos, nacionais e internacionais, e recursos provenientes de cooperações e acordos; • retorno das operações de crédito contratadas; • produto de operações de crédito e rendas provenientes da aplicação de seus recursos; • resultados de aplicações de multas cobradas dos infratores da legislação de águas; • decorrentes do rateio de custos referentes a obras de aproveitamento múltiplo, de interesse comum ou coletivo; • doações de pessoas físicas ou jurídicas, púO FEHIDRO na concepção da política de recursos hídricos do Estado de São Paulo A criação e desenvolvimento do FEHIDRO é diferenciada quando comparada aos demais Fundos existentes no Estado de São Paulo, pois ele é parte integrante de uma política mais geral. As ações financiadas têm relação direta com o estabelecido nos Planos de Recursos Hídricos, cuja aprovação depende dos integrantes dos Comitês de Bacias ou do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH). Em resumo, sua gestão não é exclusividade de uma das Secretarias ou instâncias da máquina administrativa do estado, mas obedece à regra geral do sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos, pois é compartilhada entre os três segmentos que o compõem: o Estado, os Municípios e a Sociedade Civil. Rui Brasil Assis (2002)
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blicas ou privadas, e recursos eventuais. Sobre esses recursos, Assis (2002) lembra que: Em 1993, o estado definiu que 70% da receita auferida com a compensação financeira em decorrência de aproveitamentos hidroenergéticos seria destinada ao FEHIDRO e os 30% restantes ao Fundo Estadual de Pesca e Agropecuária (FEAP). Como a regulamentação não aprofundou o detalhamento das outras fontes de receitas e permanece pendente a instituição da cobrança pelo uso da água, a receita do FEHIDRO está hoje limitada a essa transferência da União, às operações de crédito realizadas e aplicações. Portanto, além da instituição da cobrança, existem outras alternativas legais para ampliação das receitas (pg. 122).
A cobrança pelo uso da água O reconhecimento dos recursos hídricos como um bem público e com valor econômico já estava presente na Constituição do Estado, sendo, depois, referendado como um dos princípios orientadores da Política Estadual de Recursos Hídricos. A expressão desse princípio como um instrumento de gestão da Política realiza-se por meio da cobrança pelo uso da água. A Lei 7.663/91 previu a cobrança tanto pelo uso ou derivação, quanto pela diluição, transporte e assimilação de efluentes. Desde 1989 já vinham sendo realizados estudos sobre a cobrança pelo uso da água no Estado de São Paulo, que acabaram resultando na elaboração de uma proposta jurídico-institucional para sua realização. Essa proposta, após amplo debate público - incluindo os diversos setores usuários, os serviços públicos e os Comitês de Bacia - foi submetida à aprovação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos e encaminhada pelo governo do Estado à Assembléia Legislativa. O Projeto de Lei 20, de 1998, apresentava os objetivos da cobrança, sua forma de implantação, os usos a ela sujeitos, o procedimento para a fixação dos valores e a maneira como deveria ser efetuada, além de vincular o produto da cobrança às bacias hidrográficas onde foram arrecadados e condicionar sua aplicação à aprovação dos Comitês de Bacias. Posteriormente, o governo estadual retirou esse projeto de lei e encaminhou novo projeto incorporando as sugestões que resultaram dos debates ocorridos durante sua tramitação legislativa. O novo projeto, o PL 676/2000, que na sua essência foi man-
As Agências de Bacia Atribuições das Agências de Bacias Ao definir o Sistema Integrado de Gestão dos Recursos Hídricos, a Lei 7.663/91 previu a criação de uma entidade com estrutura administrativa e jurídica própria, a Agência de Bacia. Sua criação, por decisão do Comitê de Bacia Hidrográfica e aprovação do CRH, ficou vinculada ao início da cobrança pelo uso da água. Além de exercer as funções de secretaria executiva dos Comitês, as Agências de Bacia deverão elaborar o plano de bacia hidrográfica, os relatórios anuais de situação dos recursos hídricos e gerenciar os recursos obtidos com a cobrança pelo uso da água. Com a edição da Lei 10.020, em 1998, o Estado foi autorizado a participar da constituição de Fundações Agências de Bacias Hidrográficas. A lei prevê como condição para a criação das Agências, a adesão de no mínimo 35% dos Municípios, com abrangência de pelo menos 50% da população das bacias. Estabelece também que as receitas das Agências serão provenientes de transferências da União, dos Estados e Municípios destinadas ao seu custeio e à execução de planos e programas; do produto de financiamentos destinados ao atendimento de serviços e obras constantes dos programas a serem executados, e das aplicações financeiras e outras operações de crédito; de doações de quaisquer outros recursos, públicos ou privados; e dos recursos provenientes de ajuda ou cooperação nacional ou internacional, e de acordos intergovernamentais. Por solicitação dos Comitês de Bacias, o Conselho Estadual do Recursos Hídricos (CRH) já aprovou a criação de Agências para atuarem nas áreas de abrangência dos Comitês de Bacias Hidrográficas: Alto Tietê, Piracicaba-Capivari-Jundiaí, Ribeira de Iguape-Litoral Sul e Mogi-Guaçu. O Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, com a aprovação de 39% dos Municípios da bacia para a criação da Agência, elaborou seu estatuto e deu posse ao Conselho Curador com a atribuição de tomar as medidas formais para sua instalação.
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I - Efetuar estudos sobre as águas das Bacias, em articulação com órgãos do Estado e Municípios. II - Participar da gestão de recursos hídricos, juntamente com outros órgãos da Bacia. III - Dar parecer ao Conselho de Orientação do FEHIDRO sobre a compatibilidade de obra, serviço ou ação, com o Plano das Bacias. IV - Aplicar recursos financeiros a fundo perdido, dentro de critérios estabelecidos pelo Comitê de Bacia. V - Analisar técnica e financeiramente os pedidos de investimentos de acordo com as prioridades e critérios estabelecidos pelo Comitê de Bacia. VI - Fornecer subsídios ao Comitê de Bacia para que este delibere sobre a cobrança pela utilização das águas. VII - Administrar a subconta do FEHIDRO correspondente aos recursos da Bacia. VIII - Efetuar a cobrança pela utilização dos recursos hídricos da Bacia de domínio do Estado, na forma fixada pela lei. IX - Gerenciar os recursos financeiros gerados por cobrança pela utilização das águas estaduais das Bacias e outros definidos em lei, em conformidade com as normas do Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CRH, ouvido o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos CORHI. X - Elaborar, em articulação com órgãos do Estado e dos Municípios, o Plano de Recursos Hídricos da Bacia com a periodicidade estabelecida pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos, submetendo-o à análise e aprovação do Comitê de Bacia. XI - Elaborar relatórios anuais sobre a “Situação dos Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas” e encaminhá-los ao Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos - CORHI, após aprovação do Comitê de Bacia. XII - Prestar apoio administrativo, técnico e financeiro necessário ao funcionamento do Comitê de Bacia. Lei 10.020/98
Dez anos do SIGRH Em 2001, quando a Lei da Política Estadual e o Sistema Estadual de Recursos Hídricos completaram dez anos, solicitou-se à Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP), a realização de um projeto de avaliação do Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos do Estado de São Paulo. A realização do I Congresso estadual de comitês de bacia hidrográfica fez parte desse processo. Nele, pela primeira vez, reuniram-se os representantes de todos os Comitês de Bacia do Estado, possibilitando a troca de experiências e uma avaliação conjunta dos problemas e perspectivas do Sistema. Os debates centralizaram-se sobre três temas: o Fehidro, os instrumentos de gestão e participação, e representatividade.
I Congresso Estadual de Comitês de Bacias Hidrográficas: Conclusões Fundo Estadual de Recursos Hídricos
• Fortalecer o apoio aos tomadores, especialmente na fase de elaboração dos projetos. • Incrementar e adequar a organização, normas e instrumentos técnicos do Fundo, da perspectiva transdisciplinar dos projetos. • Aumentar a conexão entre planejamento e execução do sistema, materializada nos projetos efetivamente realizados. • Dar maior agilidade aos procedimentos administrativos e financeiros que asseguram o uso responsável do recurso, que é público. • Fornecer ao sistema indicadores que permitam avaliar os resultados dos projetos e o seu retorno como melhoria ambiental para a sociedade e fortalecimento da integração da gestão dos recursos hídricos. Instrumentos de Gestão
• Superação das deficiências na geração e na disponibilização de dados pelos órgãos públicos.
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• Compatibilização das agendas dos órgãos do Estado e dos demais componentes do Sistema. • Instituição de espaço “horizontal” de articulação entre os CBH; por exemplo: o Fórum Paulista de Comitês de Bacias. • Estabelecimento de pactos para o comprometimento da ação dos três segmentos em torno do Plano de Bacia. Participação e Representatividade
• Envolver no SIGRH outros órgãos do Estado, especialmente a Secretaria de Educação. • Capacitar permanentemente os membros dos CBH. • Realizar periodicamente oficinas e seminários temáticos para maior envolvimento. • Promover maior articulação entre o SIGRH e o sistema federal. • Rever o modelo de representatividade dos segmentos nos colegiados do SIGRH, em especial na forma de caracterização do usuário. • Rever a paridade dos segmentos no CBH. • Promover a melhoria da relação entre representantes e representados nos CBH. • Apresentar os documentos gerados pelos colegiados em formato e linguagem acessível. • Envolvimento e a participação dos prefeitos no CBH potencializam o processo de desenvolvimento regional, impactando na melhoria da qualidade de vida. • Para que maiores avanços ocorram, é necessário que os comitês e subcomitês sejam ouvidos e respeitados, quando da realização de obras em seu território e que possam causar impactos na
Na segunda metade dos anos 1980, quando começam a ser traçados os princípios e diretrizes do modelo de gestão das águas que seria implantado, os técnicos, gestores e especialistas debatiam-se com o desafio de romper o desinteresse da sociedade e promover o comprometimento dos políticos e legisladores com a questão. Naquela ocasião, indagado sobre qual a melhor estratégia para enfrentar esse desafio, o cientista político e diretor da Fundap, Carlos Estevam Martins, respondeu: elevar o grau de politização dos recursos hídricos, com base no pressuposto de que, avançando por esse caminho, tornar-se-ia mais fácil encontrar e implantar soluções satisfatórias para os problemas.
Martins (1987) sugeriu ainda que essa estratégia deveria ser elaborada com base em dois eixos de atuação: Por um lado, existe a necessidade de mobilização de forças de apoio. As pessoas empenhadas em levar adiante uma política de recursos hídricos moldada pelos valores ambientalistas precisam dedicar-se à tarefa de despertar o interesse e conquistar o apoio de forças sociais significativas. Por outro lado, coloca-se o imperativo da reorganização das estruturas estatais. Esses dois pontos se inter-relacionam e se realimentam (pg. 50).
Decorridos dez anos de implantação do Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (SIGRH), Martins (2002) nos oferta agora uma avaliação que, embora reconhecendo os problemas e dificuldades que ainda devem ser enfrentados, dimensiona a grandeza do que já foi realizado no que se refere a um sistema de gestão pública que rompeu as fronteiras entre a cidadania e o poder público.
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A gestão da água em São Paulo: o feito e o a fazer A existência do Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH) constitui um feito extraordinário. Trata-se, antes de mais nada, de uma iniciativa que vingou. Mal ou bem, o SIGRH hoje está aí, instalado e funcionando, com sua carta constitucional, seus princípios básicos estabelecidos por lei (descentralização, participação e integração), seus órgãos e mecanismos estaduais e de bacias, seus planos de ação, seus recursos próprios e seus instrumentos de gestão devidamente definidos. O fato de estar feito e de assim ter permanecido por toda uma década não é nada corriqueiro. Basta ver que, na mesma época em que se iniciou o processo que desaguaria no SIGRH, foram debatidas e postas em prática propostas análogas que tiveram um começo igualmente auspicioso mas, depois de algum tempo, naufragaram. Na área dos recursos hídricos, ao contrário, as mesmas idéias e motivações tiveram melhor fortuna: criaram raízes, floresceram e frutificaram, transformando-se naquilo que é hoje o SIGRH. A comparação entre essas experiências análogas serve para mostrar que o SIGRH, já pelo simples fato de ser um feito que não foi desfeito, deu prova de ser inovação de singular vigor no campo das relações Estado-sociedade; e serve, também e por isso mesmo, para ressaltar os méritos de todos os responsáveis pela montagem e pela contínua operação do Sistema. Em si mesmo, enquanto obra de engenharia institucional, o SIGRH constitui uma realidade extraordinária. Mesmo que não consiga fazê-lo o tempo todo, o SIGRH encerra a possibilidade de romper com as inércias e o modo de ser tradicional da Administração Pública, assim como também faz parte de sua vocação romper com os esquemas elitistas e autocráticos que sempre regeram entre nós as relações dos governos com a população. Tal como se diz nos prospectos de divulgação, “o SIGRH é um mecanismo político e institucional que, ao responder às questões Quem Faz? e Como Fazer?, defi-
ne a forma de participação do Estado, dos Municípios, dos Usuários e da sociedade civil na execução das ações planejadas mediante a participação de todos os envolvidos(...) em um ambiente de co-responsabilidade”. Assim funcionando, não se pode negar que o Sistema representa uma novidade administrativa sem dúvida extraordinária. Nos termos em que foi concebido, o SIGRH surgiu como instituição potencialmente vocacionada para suprimir fronteiras, sejam as que separam uns dos outros os diferentes níveis e ramos em que se subdivide a atividade governamental, sejam as que interditam a comunicação entre a cidadania e o Poder Público. É evidente que sempre se poderá argumentar que o SIGRH, a despeito de tudo o que já realizou, está longe de ser uma obra acabada. Isso é certo. Trata-se de uma experiência ainda inconclusa, com muitas imperfeições por corrigir e dificuldades por vencer. Mas tão importante quanto discutir as deficiências do novo modelo de gestão, como faremos em seguida, é destacar as qualidades que ele possui e, dentre elas, principalmente aquelas que estão inscritas em sua Carta de Intenções: os compromissos originalmente assumidos que perduram, incólumes, sob a forma de potencialidades a serem explicitadas e atualizadas pelos integrantes do Sistema. Em outras palavras, o novo modelo de gestão da água é ao mesmo tempo um fato e uma promessa e o que ele promete ser sem dúvida é tão importante quanto o que de fato ele já é. Carlos Estevam Martins (2002)
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Cronologia da evolução da gestão das águas Século XIX • 1914 • Epidemia de febre tifóide nos bairros baixos,
• 1842 • Elaboração do primeiro projeto de adução e dis-
devido ao alto grau de poluição do rio Tietê.
tribuição de água em São Paulo.
• 1916 • Lei Federal 3.071 estabelece o Código Civil, no qual constam aspectos referentes à utilização das águas.• 1917 • Fundação do Instituto de Engenharia de São Paulo. • 1920 • Criação da Comissão de Estudos de Forças Hidráuli-
• 1876• Início da construção de uma rede de esgotos em São Paulo • Fundação da Escola de Minas de Ouro Preto, primeira instituição superior de formação de engenheiros no país.
cas.
• 1922 • Saturnino de Brito, contratado pela administração municipal, apresenta plano global de aproveitamento das águas da Bacia do Alto Tietê. A vazão do rio, entre 6 e 500 m³/s, seria regularizada em 20m³/s durante o ano inteiro.
• 1877 • Criação da Companhia Cantareira de Águas e Esgotos.
• 1882 • Adoção de medidas de proteção aos mananciais do Cantareira (desapropriações).
• 1887 • Estatização da Companhia Cantareira • 1889 • Início da construção da rede de esgotos de Santos. • 1891 • Criação do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo. • 1893 • Criação da Repartição de Águas e Esgotos e de
•1924 • Paulo Carlos Botelho de Campos, presidente de São Paulo, regulamenta a profissão de engenheiro. • 1925 • Governo do Estado inicia as obras de represamento do Alto Tietê com a captação das águas do rio Claro, devido à ocorrência de grande estiagem na região.
Arrecadação das Taxas de Águas da Capital, vinculada à Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas • Fundação da Escola Politécnica de São Paulo.
• 1926 • Criação da Comissão de Obras Novas da Capital para organizar e dirigir as obras de aproveitamento definitivo do rio Claro.
• 1894 • Publicação do Código Sanitário do Estado de São
• 1927 • Decreto 2.249 autoriza The São Paulo Railway Light and Power a construir barragens no Alto Tietê, conduzindo as águas para seus reservatórios no rio Grande.
Paulo pelo Decreto Estadual 233, no qual pela primeira vez se faz referência ao termo poluição.
• 1897 • Primeira concessão para realizar serviços de
• 1928 • Decreto 4.487 autoriza The São Paulo Railway
viação por eletricidade na cidade de São Paulo.
Light and Power a retificar o leito do Pinheiros, invertendo o curso do rio, a fim de lançar suas águas na represa do rio Grande e gerar energia em Cubatão; concede à empresa o direito de represar o Alto Tietê e construir um sistema de transporte fluvial de cargas entre São Paulo e Santos; autoriza a empresa a desapropriar as áreas alagáveis do rio Pinheiros e vendê-las após a operação; permite que o governo do Estado retire 4m³/s da represa Guarapiranga para o abastecimento da cidade.
• 1899 • Decreto Federal 3.349 concede autorização à empresa The São Paulo Railway Light and Power para funcionar no país.
Século XX • 1901 • Início de funcionamento no curso do rio Tietê, da Usina Santana do Parnaíba (depois Edgar de Souza), da The São Paulo Railway Light and Power, com dois alternadores de 100kW cada.
• 1929• Criação da Divisão de Engenharia Sanitária no Instituto de Engenharia de São Paulo.
• 1930 • Decreto Estadual 4.709 autoriza o represamento de vários rios da Bacia do Alto Tietê (Taiaçupeba-Açu, Taiaçupeba-Mirim, Jundiaí, Biritiba e Ribeirão Grande).
• 1902 • Decreto 1.077 cria a Comissão de Saneamento de Santos.
• 1903 • Crise no abastecimento de água em São Paulo
• 1932 • Criação do Conselho Federal e do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea e CREA).
devido à estiagem.
• 1906 • Lei 1.016B autoriza a construção do Reservatório de Guarapiranga • Criação do Serviço Geológico e
• 1933 • Criação da Diretoria de Águas, logo transformada em Serviço de Águas, no Ministério da Agricultura.
Mineralógico do Brasil (SGMB).
• 1908 • Formação do Reservatório Guarapiranga para ampliar os volumes regularizados do Alto Tietê.
• 1934 • Inclusão do Serviço de Águas na estrutura do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).
• 1909 • Criação da Inspetoria Geral de Obras Contra as Secas • Criação do Instituto Nacional de Meteorologia (IN-
Edição do Código Florestal, do Código de Águas, e do Código de Minas.
MET).
• 1940 • Decreto 6.402 transforma o Serviço de Água na Divisão de Águas • Decreto 10.890 cria a Comissão de Investigação da Poluição das Águas no Estado de São Paulo.
• 1912 • Criação da Companhia Paulista de Força e Luz.
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• 1965 • Lei 4.771, de 15 de setembro, edita novo Código Florestal • Lei 4.904/65 transforma Divisão de Águas no Departamento Nacional de Águas e Energia (DNAE) • De-
• 1945 • Criação da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) • Criação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS).
creto Estadual 24.806 estabelece a classificação das águas do Estado de São Paulo • DAEE contrata a elaboração do Plano de Desenvolvimento dos Recursos Hídricos das Bacias do Alto Tietê e Cubatão (Convênio Hibrace).
• 1946 • Promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. • 1947 • Governo Adhemar de Barros elabora primeiro plano conjunto de águas e esgotos da Capital.
• 1966 • Início das obras do Sistema Cantareira concluídas com a construção do Sistema Jaguari, em 1972 • Cria-
• 1948 • Criação da Codevasf. • 1951 • Lei 1.561 codifica as normas sanitárias do Estado de São Paulo • Realização do Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek • Decreto Federal 29.387 ou-
ção da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) • Decreto Federal 59.851 autoriza o funcionamento das Centrais Energéticas de São Paulo (Cesp).
torga à Companhia Brasileira de Alumínio a concessão para o aproveitamento hidráulico no rio Juquiá-Guaçu • Lei 1.350 cria o Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica (DAEE).
• 1967 • Decreto Estadual 47.863 cria o Conselho Estadual de Desenvolvimento da Grande São Paulo e o Grupo Executivo da Grande São Paulo (Gegran) que passa a formular o Plano Metropolitano Integrado (PMDI).
• 1952 • Criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social • Criação das Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig).
• 1968 • Decreto 63.951 altera denominação do DNAE para Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) • Lei 1.017 cria Fundo Estadual de Saneamento Básico • Criação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e do Sistema Financeiro de Saneamento (SFS).
• 1953 • Aprovação da Lei Estadual 2.182 sobre controle da poluição ambiental, e criação do Conselho Estadual de Controle de Poluição das Águas • Criação das Usinas Hidroelétricas do Paranapanema S.A.(Uselpa) • Elaboração do Plano Estadual de Energia de São Paulo e criação do Fundo Estadual de Energia • Contratação pelo Departamento de Águas e Esgotos para elaboração “Plano Greeley & Hansen” para o saneamento da área metropolitana de São Paulo.
• 1969 • Promulgação da nova Constituição Brasileira pelo Ato Institucional 1.Decreto-Lei 689 extingue o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), cujas atribuições passam à competência do DNAEE • Criação da Companhia Metropolitana de Água de São Paulo (Comasp) • Decreto Complementar Estadual número 4 cria a Superintendência para o Desenvolvimento do Litoral Paulista (Sudelpa). • 1970 • Decreto-Lei Estadual 232 cria a Superintendência de Saneamento Ambiental vinculada à Secretaria da Saúde, para o controle da poluição atmosférica e de vetores de doenças que recebe o patrimônio da CICPAA.
• 1954 • Lei 2.309 cria o Fundo Federal de Eletrificação • Elaboração do Plano Nacional de Eletrificação • Criação do
Departamento de Águas e Esgotos, em substituição à RAE, para gerir os serviços de águas e esgotos de São Paulo, São Bernardo, Guarulhos, São Caetano e Santo André. Poluição do Alto Tamanduateí.
•1971 • Implantação do Plano Nacional de Saneamento (Planasa) • Apresentação do projeto Solução Integrada para
• 1957 • Criação de Furnas - Centrais Elétricas S. A. • 1958 • Convênio entre o governo do Estado e The São
o Saneamento Ambiental da Grande São Paulo e o Planejamento dos Recursos Hídricos Metropolitanos, como parte do PMDI.
•1955 • Criação da Comissão Industrial de Controle de
Paulo Railway Light and Power estabelece o compromisso do Estado de pagar em moeda corrente ou em volume de obras o total da água que retirar para abastecimento público.
• 1972 • Promulgação da primeira lei sobre Uso do Solo Municipal em São Paulo.
• 1973 • Criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente
• 1959 • Decreto Federal 46.254 autoriza o Estado de São Paulo a derivar as águas dos rios Capivari e Monos para o Reservatório Billings, a fim de compensar a diminuição de energia gerada em Cubatão pela retirada de 5,5m³/s do Reservatório Guarapiranga.
• 1960 • Criação do Ministério de Minas e Energia •
Criação da Companhia Hidroelétrica do Rio Pardo (Cherp) • Criação da Comissão Intermunicipal de Controle de Poluição das Águas e do Ar (CICPAA).
(Sema) no âmbito do Ministério do Interior, e início da criação dos órgãos estaduais de meio ambiente • Lei Complementar Federal 14 estabelece as regiões metropolitanas • Lei Estadual 118 autoriza a criação da Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e de Controle de Poluição das Águas (Cetesb), vinculada à Secretaria de Serviços e Obras Públicas • Lei Estadual 119 autoriza a criação da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
• 1974 • Lei Estadual Complementar 94 dispõe sobre o
• 1961 • Transferência do DNPM para o Ministério de Minas e Energia • Criação das Centrais Elétricas de Urubupungá S. A. (CELUSA).
estabelecimento da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), cria o Conselho de Desenvolvimento da Grande São Paulo (Codegran), o Conselho Consultivo da Grande São Paulo (Consulti), o Fundo Metropolitano de Financiamento e Investimento (Fumefi) e a Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo (Emplasa) • Criação
• 1962 • Criação das Centrais Elétricas Brasileiras S. A.(Eletrobras).
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ria Estadual dos Negócios Metropolitanos à qual passa a subordinar-se o Sistema Metropolitano • Portaria Federal autoriza a Sabesp a reverter o rio Piracicaba • Apresentação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), no qual um capítulo especial é dedicado ao controle da poluição.
• 1975 • Portaria Federal 270 autoriza a constituição de Comissão Especial para definir as normas de operação do Reservatório Billings e de bombeamento de águas do rio Pinheiros • Decretos Federais 1.413 e 76.389 definem medidas de prevenção e controle da poluição ambiental. Autorizam ainda a criação de sistemas de licenciamento nos Estados e Municípios para o funcionamento de atividades industriais • Decreto Federal 5.993 unifica a estratégia de controle de poluição das águas, do ar e do solo no Estado de São Paulo, e altera a denominação da Cetesb para Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e Defesa do Meio Ambiente, passando a incorporar as atribuições da Susam • Decreto Estadual 6.303 estabelece a competência da Cetesb para exercer fiscalização e aplicar penalidades • Lei Estadual 898 estabelece a Proteção dos Mananciais Metropolitanos • Decreto 611 cria a Secretaria dos Negócios Metropolitanos e institui o Sistema de Planejamento Metropolitano.
• 1976 • Portaria GM-013 classifica as águas interiores • Enquadramento das águas federais na classificação será estabelecida pela Sema, ouvido o DNAEE • Lei Estadual 997 dispõe sobre o controle da poluição no Estado de São Paulo.
• 1984 • CPI de recursos hídricos, início das atividades do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e edição do Relatório da Qualidade do Meio Ambiente (RQMA) pela Sema • Elaboração do Primeiro Plano Nacional de Recursos Hídricos.
• 1985 • Criação do Ministério Extraordinário da Irrigação, com o Programa Nacional de Irrigação (Proni) e o Programa de Irrigação do Nordeste (Proine).
• 1986 • Resolução Conama 20 estabelece a classificação das águas doces, salobras e salinas no território nacional em nove classes, segundo seus usos preponderantes • Decreto 24.933 cria a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. • 1987 • Decreto 25.576 cria o Conselho Estadual dos Recursos Hídricos.
• 1988 • Promulgação da Constituição Federal que cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
• 1989 • Lei 7.990 institui para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios compensação financeira pelo resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para a geração de energia elétrica, de recursos minerais em seus respectivos territórios, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva • Lei 7.735 cria o Ibama pela fusão da Sema, IBDF, Sudhevea e Sudepe.
• 1992 • Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro • Lei Estadual 7.750 dispõe sobre a Política Estadual de Saneamento.
• 1977 • Decreto Estadual 10.755 dispõe sobre o enquadramento dos corpos d’água no Estado de São Paulo • Plano
• 1995 • Criação da Secretaria de Recursos Hídricos Sane-
Diretor de Esgotos “Saneamento da Grande São Paulo” (Sanegran) é apresentado em substituição à “Solução Integrada”.
• 1996 • Lei 9.427 cria a Agência Nacional de Energia
• 1978 • Portaria Interministerial 90 cria o comitê especial CEEIBH, incumbido da classificação dos cursos d’água da União, do estudo integrado e do acompanhamento da utilização racional dos recursos hídricos das bacias hidrográficas dos rios federais, para obter o aproveitamento múltiplo de cada uma • Portaria 1.832 estabelece que somente serão apreciados pelo DNAEE os pedidos de concessão ou autorização para derivar águas públicas federais para aplicações da indústria que apresentarem sistemas de tratamento dos efluentes aprovados pela SEMA ou por órgãos regionais devidamente credenciados • Lei Estadual 1.817 estabelece os objetivos e as diretrizes do desenvolvimento industrial metropolitano.
• 1979 • Lei Federal 6.766 (Lei Lehman) dispõe sobre o parcelamento do solo urbano • Portaria Interministerial 003 aprova o regimento do Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas (CEEIBH).
amento e Obras. Elétrica (Aneel), autarquia sob regime especial, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização da energia elétrica, de acordo com a legislação específica e em conformidade com as diretrizes do governo federal.
• 1997 • Lei 9.433 estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos • 1998 • Lei 9.605, conhecida como a Lei de Crimes Ambientais, é sancionada • Decreto 2.619 regulamenta o Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
• 2000 • Lei 9.984 dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas (ANA), entidade federal de implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos • Lei n° 9.985 cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.
• 2004 • Lei 10.881 dispõe sobre os contratos de ges-
• 1980 • Lei Federal 6.803 dispõe sobre o zoneamento industrial em áreas críticas de poluição • DNAEE inicia
diagnóstico de 2,5 millhões de km² de bacias hidrográficas para a classificação das águas e o início de um processo de gerenciamento co-participativo.
tão entre a Agência Nacional de Águas e entidades delegatárias das funções de Agências de Águas relativas à gestão de recursos hídricos de domínio da União e dá outras providências.
• 1981 • Lei 6.938 dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente.
• 1983 • Decreto Estadual 20.903 cria o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema).
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Fontes: Azevedo Netto (1984); Freitas (2001); Oliveira (1995).
isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além Paulo Leminski
capítulo 3
AS LEIS E AS ÁGUAS
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A evolução da legislação de águas: da visão exploratória ao planejamento A exuberância dos recursos naturais criou, entre nós, desde o Descobrimento do Brasil, a cultura da abundância que permitiu explorá-los sem qualquer preocupação com uma futura escassez. Isso se evidencia quando analisamos a evolução da legislação das águas e verificamos que as primeiras leis que regulamentaram o assunto trazem preocupações fundamentalmente voltadas ao domínio dos recursos naturais. Durante o Império, e até o fim da República Velha, em 1930, a grande preocupação foi a ocupação do território nacional, o que se deu de forma predatória, em decorrência principalmente do incentivo à exportação desordenada dos recursos naturais e à expansão das atividades agrícolas voltada à monocultura cafeeira. Nessa fase, as referências legais à utilização dos recursos naturais e à proteção da saúde humana são incipientes. A primeira norma de cunho ambiental de que se tem notícia são as chamadas Posturas Municipais, editadas por D. Pedro I, em 1828, e que no artigo 66 deliberavam sobre a limpeza e a conservação de fontes, aquedutos e águas infectas, em benefício comum dos habitantes. Embora a Constituição Republicana de 1891 não tenha disciplinado a questão, atribuiu ao Congresso Nacional competência para legislar sobre a navegação dos rios que banhassem mais de um Estado ou se estendessem a territórios estrangeiros. Em 1916, o Código Civil estabelece no artigo 554 que o proprietário ou inquilino de um prédio tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam. Traz também referências às águas correntes e pluviais, ao direito de caça e pesca. O início da preocupação dos legisladores com a utilização das águas data de 1907, quando Alfredo Valladão elaborou um Projeto do Código de Águas que já trazia normas submetendo o uso do recurso ao controle da autoridade pública, no interesse da saúde e segurança, e preceituava que: a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros. O Velho Código, que se encontra ainda em vigor, enfoca primordialmente os aspectos dominiais das águas e seu aproveitamento hidráulico, sendo que, alguns mecanismos que poderiam funcionar como proteção dos recursos hídricos deixaram de ter efetividade por falta de regulamentação. Além disso, vários de seus dispositivos não foram acolhidos pelas Constituições posteriores e estão revogados.
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O Código Penal de 1940 pune a corrupção ou poluição de água potável, de uso comum ou particular, tornando-a imprópria para consumo com dois a cinco anos de reclusão. A Constituição de 1946 procurou regulamentar a utilização dos recursos naturais, visando à exploração econômica dos mesmos, de acordo com os princípios que a nortearam, dando ênfase à livre iniciativa e à propriedade privada, reservando à União a competência para legislar sobre as águas. O Código Nacional de Saúde, de 1961, representou uma inovação no que se refere à proteção de águas. Sujeita os serviços de saneamento e de abastecimento à orientação e fiscalização das autoridades sanitárias competentes; prevê o tratamento prévio das águas residuárias de qualquer natureza que alterem prejudicialmente a composição das águas receptoras; obriga as indústrias a submeterem planos de resíduos líquidos, sólidos ou gasosos à autoridade sanitária competente, e as indústrias já instaladas a se adaptarem às novas normas, corrigindo os inconvenientes e prejuízos da poluição e contaminação de águas receptoras. O Decreto 50.877, de 23 de julho de 1961, dispõe que os resíduos líquidos ou gasosos, domiciliares ou industriais, somente poderão ser lançados às águas “in natura”, ou depois de tratados, quando essa operação não implique a poluição das águas receptoras. O Código Florestal – Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965 –, e suas alterações posteriores, consideraram como de preservação permanente as florestas e formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, entre outros, estabelecendo parâmetros para garantir essa proteção. A Política Nacional de Saneamento, instituída pela Lei 5.318, de 1967, trata do abastecimento de água, sua fluoretação e destinação de dejetos, esgotos pluviais e drenagem, controle da poluição ambiental e controle de inundações e de erosões. A Constituição Federal de 1967 e a Emenda Constitucional 1/69 enfatizaram a política desenvolvimentista da época, estabelecendo algumas regras genéricas e mantendo a competência da União para legislar sobre as águas. Na década de 1970, com a institucionalização das regiões metropolitanas, a preocupação com o planejamento e com a gestão das águas ganhou espaço nos Planos Regionais de Desenvolvimento. Nesse mo69
mento, tornou-se necessário pensar em planejar a utilização da água, a exemplo da Região Metropolitana de São Paulo, o que esbarrava no desafio de como garantir o abastecimento público adequado de uma das maiores concentrações populacionais do mundo sem prejudicar a produção energética, vital para o desenvolvimento industrial. A partir de 1975, vários Estados passam a criar suas legislações, prevendo restrições e penalidades para os infratores, como, por exemplo, as Leis de Proteção aos Mananciais. Outros documentos legais merecem ser citados, como o Decreto 76.389, de 3 de outubro de 1975, que dispõe sobre as medidas de prevenção e controle da poluição industrial (de que trata o Decreto-Lei 1.413, de 14 de agosto de 1975); o Decreto 79.367, de 9 de março 1977, que dispõe sobre normas e o padrão de potabilidade; e ainda a Lei 6.662, de 1979, que estabeleceu a Política Nacional de Irrigação com o objetivo de aproveitamento racional dos recursos hídricos e solos para implantação e desenvolvimento da agricultura irrigada. O agravamento dos problemas e a necessidade de conciliar os vários usos indicavam que era necessário integrar as ações dentro de uma perspectiva de planejamento e de uma visão sistêmica. Como exemplo dessa nova preocupação, vale a pena citar o Decreto 87.561, de 13 de novembro de 1982, que prevendo medidas ambientais para a Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul utiliza pela primeira vez a bacia hidrográfica como unidade de gestão; prevê um macrozoneamento que indica zonas industriais, de expansão urbana, de agricultura, de proteção ambiental, determina a implantação de sistemas de abastecimento de água e tratamento de esgotos em todas as cidades da bacia hidrográfica; dispõe sobre controle da poluição industrial e incentivos financeiros governamentais. A década de 1980 traz a mobilização de várias entidades públicas e privadas de recursos hídricos, com o fim de ampliar a discussão sobre a gestão da água. Como resultado várias leis foram aprovadas, entre as quais se destaca a Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, que estabelece a utilização de Ação Civil Pública por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e o Plano
renciamento Costeiro instituído em 1989 pela Lei 7.661, de 16 de maio. A Resolução 20, do Conama, de 1986, que fixa parâmetros para a classificação das águas doces, salinas e salobras, segundo seus usos predominantes, constitui outro instrumento importante no controle da poluição hídrica. Após a promulgação da Constituição de 1988, o meio ambiente adquire novo patamar institucional, e surgem instrumentos como a Ação Popular Ambiental e o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, que se tornarão ferramentas fundamentais para a proteção ambiental. Contudo, não trata o assunto com profundidade, mantendo a competência exclusiva da União em legislar sobre águas e alterando alguns aspectos referentes ao domínio hídrico. Vale destacar que incluiu entre os bens dos Estados as águas subterrâneas, cujo domínio não era definido pelas Cartas anteriores. Direciona, entretanto, no artigo 24, inciso XIX, para a instituição de um Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Com a promulgação das Constituições Estaduais em 1989, também em nível estadual são incorporados artigos ou capítulos inteiros voltados à proteção ambiental, seguidos pelas leis municipais que vêm igualmente tratando da questão. No caso da Constituição Paulista avança-se muito, e surge um capítulo dedicado à gestão integrada das águas, propondo um gerenciamento descentralizado e participativo, que adota a bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de planejamento e gerenciamento e reconhece os recursos hídricos como bem público, de valor econômico, cuja utilização deve ser cobrada, observados os aspectos de quantidade, qualidade e as peculiaridades das bacias. Como desdobramento do texto constitucional, o Estado de São Paulo promulga a Lei 7.663/91 que traz como pontos fundamentais à utilização racional das águas e sua prioridade para o abastecimento das populações, o aproveitamento múltiplo, a preservação e a proteção contra as ações que possam comprometer o seu uso atual e futuro, e um novo modelo de gestão. O modelo paulista serve de inspiração para vários Estados que passam a instituir suas políticas, como é o caso do Ceará, que em 1992 promulga a Lei 11.992
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cuja regulamentação propiciou a cobrança pelo uso da água. Outro marco importante para a gestão dos recursos hídricos foi a Lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), destinada a disciplinar o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica. O Projeto de Lei Federal 2.249/91, que deu origem à Lei 9.433/97, da Política Nacional de Recursos Hídricos, incorpora os conceitos propostos pela lei paulista. Essa lei institucionaliza a política e o sistema de gerenciamento integrado, descentralizado e participativo em contraposição ao cenário vigente até então, no qual os assuntos atinentes às águas eram tratados de forma não compartilhada e freqüentemente conflitante. Fica, então, instituída a Política Nacional de Recursos Hídricos e criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, que adota a bacia hidrográfica como unidade territorial de gestão e declara a água bem de domínio público, dotado de valor econômico, cujos usos prioritários são o consumo humano e a dessedentação de animais, prevendo, entretanto, o uso múltiplo das águas. Em 28 de janeiro de 1998 é aprovada a Lei 9.605 – a Lei de Crimes Ambientais –, estabelecendo sanções do ponto de vista penal, administrativo e civil àquelas condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, e que foi regulamentada pelo Decreto 3.179, de 21 de setembro de 1999, representando um importante instrumento para o controle ambiental. A regulamentação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, por meio do Decreto 2.612, de 3 de junho de 1998, também representou um passo importante para a consolidação do Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Mais recentemente foi criada a Agência Nacional de Águas (ANA), entidade federal para a implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, pela Lei 9.984, de 17 de julho de 2000.
As águas nas constituições federais O Brasil conta até os dias de hoje com sete Constituições, tendo sido promulgada a primeira, ainda no Império, e as demais após a proclamação da República. Embora as Constituições anteriores a 1988 não trouxessem qualquer referência à proteção ambiental, sempre houve certa preocupação em relação às águas. As Constituições Republicanas fazem referência ao domínio das águas e à competência da União de legislar sobre elas. Também a navegação de cabotagem e o aproveitamento hidráulico das águas mereceram atenção dos legisladores. Procuramos destacar essas regras, para que se tenha uma visão geral de como as águas vêm sendo tratadas nos textos constitucionais.
A Constituição de 1824
A Constituição de 1934
A primeira Constituição Brasileira, a Constituição Política do Império do Brasil, foi outorgada por D. Pedro I, em 25 de março de 1924, para atender a interesses dominantes da sociedade brasileira e, em especial, dos grandes fazendeiros detentores do poder político. O texto constitucional, embora garanta a propriedade em sua plenitude, não traz qualquer referência específica quanto ao domínio e à utilização das águas.
A Assembléia Nacional Constituinte de 1934, instituída para organizar um regime democrático que pudesse assegurar à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretou e promulgou, em 16 de julho, uma nova Constituição. Embora tenha nacionalizado as jazidas de minério e os recursos hídricos no Brasil, separando da propriedade as riquezas do subsolo e as quedas d’água para efeito de exploração e aproveitamento, não tinha propriamente uma visão preservacionista. A Constituição de 1934 mantém a competência privativa da União para legislar sobre as águas.
A Constituição de 1891 Com a Proclamação da República, a nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, é promulgada pelo Congresso Constituinte, com o objetivo de organizar um regime livre e democrático, e ao definir as atribuições do Congresso estabelece: Art. 34 - Compete privativamente ao Congresso Nacional: ......................................... 6º) legislar sobre a navegação dos rios que banhem mais de um Estado, ou se estendam a territórios estrangeiros; .........................................
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Art. 5º - Compete privativamente à União: ................................ XIX - legislar sobre: ................................ J) bens do domínio federal, riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e a sua exploração; ................................
O texto faz também referência ao domínio das águas, definindo as que pertencem à União, estabelecendo, entretanto, que as margens dos rios e lagos navegáveis destinados ao uso público permanecerão sob o domínio dos Estados, se por algum título não forem do domínio federal, municipal ou particular.
Art. 20 - São do domínio da União: .................................. II - os lagos e quaisquer correntes em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro; ..................................
A Constituição de 1937 Centralizadora e autoritária, a Constituição de 10 de novembro de 1937, decretada por Getúlio Vargas, mantém sob domínio da União os lagos e quaisquer correntes em terrenos que lhe pertençam, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a territórios estrangeiros. Quanto à competência legislativa, mantém a competência privativa da União não só sobre as águas como também sobre a energia hidráulica. Art. 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: ............................. XIV - os bens do domínio federal, minas, metalurgia, energia hidráulica, águas, florestas, caça e pesca e sua exploração; .............................
Mesmo nas matérias de competência exclusiva da União, abre-se a possibilidade de a lei poder delegar aos Estados a faculdade de legislar, seja para regular a matéria, seja para suprir as lacunas da legislação federal quando se trate de questão que interesse, de maneira predominante, a um ou a alguns Estados. Nesse caso, a lei votada pela Assembléia Estadual só entrará em vigor mediante aprovação do governo federal. Art. 18 - Independentemente de autorização, os Estados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre a matéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou diminuam es exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta regule, sobre os seguintes assuntos: ................................... a) riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e sua exploração; ...................................
Quanto ao domínio, a Constituição de 1937 repete a de 1934, e inova ao regrar o aproveitamento industrial das águas para geração da energia hidráulica, estabelecendo no artigo 143: 72
Art. 143 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d’água constituem propriedade distinta da propriedade do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização federal. § 1º - A autorização só poderá ser concedida a brasileiros, ou empresas constituídas por acionistas brasileiros, reservada ao proprietário preferência na exploração, ou participação nos lucros. § 2º - O aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida e para uso exclusivo do proprietário independe de autorização. § 3º - Satisfeitas as condições estabelecidas em lei entre elas a de possuírem os necessários serviços técnicos e administrativos, os Estados passarão a exercer dentro dos respectivos territórios, a atribuição constante deste artigo. § 4º - Independe de autorização o aproveitamento das quedas d’água já utilizadas industrialmente na data desta Constituição, assim como, nas mesmas condições, a exploração das minas em lavra, ainda que transitoriamente suspensa.
O texto constitucional vai além ao determinar a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas d’água ou outras fontes de energia, assim como das indústrias consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do País.
A Constituição de 1946 A Assembléia Constituinte promulga em 16 de setembro de 1946 a nova Constituição dos Estados Unidos do Brasil, que mantém a competência da União de legislar sobre as riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, águas, energia elétrica, floresta, caça e pesca, e também determina que essa competência não exclui a legislação estadual supletiva ou complementar (art. 5º XV l). Compete, portanto, ao Congresso Nacional, legislar sobre bens do domínio federal e sobre todas as matérias da competência da União. Com relação ao domínio, a Constituição mantém entre os bens da União os lagos e quaisquer correntes d’água em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro, além das ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países. Como novidade, faz referência específica aos bens dos Estados.
Art. 35 - Incluem-se entre os bens do Estado os lagos e rios em terrenos do seu domínio e os que têm nascente e foz no território estadual.
Também aqui a Constituição se preocupou com as quedas d’água, minas e demais riquezas do subsolo, considerando-as como propriedade distinta da propriedade do solo para os fins de aproveitamento industrial e exploração. Embora defina que esse aproveitamento depende de autorização ou concessão federal, estabelece que essa atribuição passará a ser exercida pelos Estados, desde que tenham os necessários serviços técnicos e administrativos. Art. 153 - O aproveitamento dos recursos minerais e de energia hidráulica depende de autorização ou concessão federal na forma da lei. § 1º - As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a sociedades organizadas no País, assegurada ao proprietário do solo preferência para a exploração. Os direitos de preferência do proprietário do solo, quanto às minas e jazidas, serão regulados de acordo com a natureza delas. § 2º - Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento de energia hidráulica de potência reduzida. § 3º - Satisfeitas as condições exigidas pela lei, entre as quais a de possuírem os necessários serviços técnicos e administrativos, os Estados passarão a exercer nos seus territórios a atribuição constante deste artigo. § 4º - A União, nos casos de interesse geral indicados em lei, auxiliará os Estados nos estudos referentes às águas termominerais.
ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; ................................ Art. 5º - Incluem-se este os bens dos Estados os lagos e rios em terrenos do seu domínio e os que têm nascente e foz no território estadual, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas não compreendidas no artigo anterior.
Também do ponto de vista da competência legislativa, é mantida a prerrogativa da União de legislar sobre as águas. Art. 8º - Compete à União: ................................... VII - legislar sobre: l) águas, energia elétrica e telecomunicações; ...................................
A Emenda Constitucional 1/69 A Emenda Constitucional 1, de 17 de outubro de 1969, segue exatamente a mesma linha da Constituição emendada. Art. 4° - Incluem-se entre os bens da União: ................................... II - os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, constituam limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro, as ilhas oceânicas, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; ...................................
A Constituição de 1946 tem o mérito de introduzir em seu texto a desapropriação por interesse social que, regulamentada pela Lei 4.132/62, considerou de interesse social a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais (art. 141, § 16).
Quanto ao domínio dos Estados, a Emenda Constitucional define os bens dos Estados, incluindo entre eles os rios que têm nascente e foz em seu território.
A Constituição de 1967
Também do ponto de vista da competência legislativa, a Emenda Constitucional de 1969 não inova.
A Constituição Federal, de 24 de janeiro de 1967, reiterou os preceitos da Carta de 1946, no que concerne ao domínio das águas. Art. 4° - Incluem-se entre os bens da União: ................................... II - os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, que sirvam de limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro, as ilhas oceânicas, assim como as
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Art. 5º - Incluem-se entre os bens dos Estados os lagos em terrenos do seu domínio, bem como os rios que têm nascente e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas não compreendidas no artigo anterior.
Art. 8º - Compete à União: ................................... XVII - legislar sobre: l) águas, telecomunicações, serviço postal e energia (elétrica, térmica, nuclear ou qualquer outra); ...................................
A Constituição de 1988 A Constituição de 1988 trouxe um avançado conjunto de normas inspiradas no conceito de sustentabilidade centrado na noção de partilha dos recursos naturais entre gerações presentes e futuras. O capítulo sobre o meio ambiente, onde estão estabelecidos os princípios da Política Nacional do Meio Ambiente, ao determinar quetodos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, traz um novo paradigma para a gestão dos recursos naturais. Além disso, dá a característica de direito a todos os cidadãos de conviverem com um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e vai mais longe ao estabelecer que defender e preservar esse direito é uma obrigação não só do poder público, mas de toda a coletividade. Embora a Constituição de 1988 tenha ratificado a competência de legislar sobre as águas como exclusiva da União (art. 22, IV), ela adotou em relação ao meio ambiente um sistema de competências concorrentes, estabelecendo que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (art. 23, VI). Como decorrência, torna-se permitido aos Estados e Municípios legislar sobre a proteção dos recursos naturais (competência concorrente) e entre eles as águas (competência exclusiva). Cabe, entretanto, salientar que por esse sistema caberá à União estabelecer as regras gerais, aos Estados estabelecer normas suplementares sobre a mesma matéria, suprindo a inexistência de norma federal, ou complementando-a, e aos Municípios suplementar e complementar as normas federais e estaduais sempre que houver o interesse local. Outro aspecto importante a ser salientado diz respeito ao domínio das águas, deixando definitivamente o sistema adotado pelo Código de Águas, segundo o qual as águas poderiam ser públicas ou particulares, e tornando-as todas de domínio público. A primeira referência aos recursos hídricos que encontramos no nosso texto constitucional, acha-se no título referente à organização do Estado, que no artigo 20 define como bens da União os lagos, rios e 74
quaisquer correntes d’água que banhem mais de um Estado ou sirvam de limites com outros países, e estabelece a distribuição dos lucros advindos da exploração dos recursos naturais entre os entes federativos. É a primeira vez que surge uma referencia aos “rios”. Art. 20 - São bens da União: .................................... III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II; VI - o mar territorial; VIII - os potenciais de energia hidráulica; IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo; § 1. º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração. ...................................
No artigo 21, a Constituição de 1988 estabelece como competência da União a exploração do aproveitamento energético dos cursos d’água. Determina, ainda, à União, a instituição do Sistema Nacional de Recursos Hídricos e a definição dos critérios de outorga dos direitos de uso. Art. 21 - Compete à União: ................................... XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: ................................... b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; ................................... d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; ................................... f) os portos marítimos, fluviais e lacustres; ................................... XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; ...................................
Entre as competências privativas da União, encontra-se a de legislar sobre águas, inclusive sobre aquelas que se constituam bens dos Estados. Art. 22 - Compete privativamente à União legislar sobre: ................................... IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão; ................................... Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
A Constituição estabelece que cabe aos Estados, à União e aos Municípios legislar de forma concorrente sobre meio ambiente, especificando: florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ambiental e controle da poluição. Ao tratar da competência comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios inclui o acompanhamento e a fiscalização das concessões de direitos de pesquisa e exploração dos recursos hídricos. Art. 23 - É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: ................................ VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; ................................ XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; ................................
No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. Entretanto, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades, ressalvado que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual no que lhe for contrário. De qualquer forma, permanece sempre a competência suplementar dos Estados. Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: ................................... VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
As águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito estão incluídas entre os 75
bens dos Estados. A inclusão das águas subterrâneas é inédita em texto constitucional. Art. 26 - Incluem-se entre os bens dos Estados: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; ...................................
Em relação ao aproveitamento econômico e social dos rios e massas d’água represadas ou represáveis, o legislador preocupou-se em garantir o interesse regional: Art. 43 - Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. ................................. § 2º - Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: ................................... IV - prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas à secas periódicas.
Ao tratar das atribuições do Congresso Nacional, o texto constitucional fala do aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas, o qual deverá estar condicionado à autorização prévia e oitiva das comunidades afetadas. Art. 49 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional: ................................... XVI - autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; ...................................
No título referente à ordem econômica e financeira, ao estabelecer os princípios gerais da atividade econômica o legislador constitucional explicita como propriedade da União o aproveitamento dos potenciais de energia elétrica, e estabelece as regras para que possam ser efetuadas autorizações ou concessões para esse aproveitamento. Art. 176 - As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1º - A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o “caput” deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasilei
ras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas. § 2º - É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei. § 3º - A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do Poder concedente. § 4º - Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.
Ao tratar da ordem social, e mais especificamente da saúde, a Constituição define o SUS como responsável pela garantia da qualidade das águas para abastecimento público. Art. 200 - Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: ................................... VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; ...................................
O Código de Águas O Projeto Código das Águas, elaborado pelo prof. Alfredo Valladão em 1907, a convite do governo federal, e remetido à Câmara dos Deputados pelo presidente Affonso Penna, foi aprovado com ligeiras modificações em segunda discussão plenária, não tendo sido promulgado. Somente no Governo Provisório de Getúlio Vargas, um projeto remodelado, com base no projeto original, foi aprovado (Decreto 24.643) em junho de 1934. Calcado nos princípios estabelecidos pela I Conferência de Direito Internacional de Haia, de 1930, dava ênfase ao aproveitamento hidráulico, que, à época, representava uma condicionante do processo industrial. Na exposição de motivos o Código de Águas considera a necessidade de uma nova legislação que contemple o interesse da coletividade nacional, e que permita controlar e incentivar o aproveitamento industrial das águas e, em particular, a energia hidráulica. O Decreto 24.643 constitui a legislação básica sobre as águas até os dias atuais, havendo, entretanto, vários preceitos que necessitam ser adequados aos novos preceitos constitucionais, consolidando-se em três livros, a saber: Livro I - As águas em geral e sua propriedade; Livro II - O aproveitamento das águas; Livro III - A regulamentação da indústria hidroelétrica.
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As águas em geral e sua propriedade De acordo com o Livro I do Código, as águas foram classificadas quanto ao seu domínio em: águas públicas de uso comum ou dominicais; águas comuns; e águas particulares. Essa classificação inspirou-se naquela já adotada pelo Código Civil que classificou os bens públicos em “de uso comum do povo”, “de uso especial” e os “dominicais”. Entre os primeiros estão relacionados mares, rios, estradas, ruas e praças. I - Águas Públicas de uso comum ou dominicais Águas Públicas de Uso Comum: a) os mares territoriais; b) as correntes, canais, lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis; c) as correntes de que se façam essas águas; d) as fontes e reservatórios públicos; e) as nascentes ; f) os braços que influam na navegabilidade das correntes públicas; g) as águas situadas em regiões assoladas pelas secas Águas Públicas Dominicais. São públicas dominicais todas as águas situadas em terrenos que também o sejam, quando as mesmas não forem do domínio público de uso comum, ou não forem comuns. II - Águas Comuns - São consideradas as correntes não navegáveis ou flutuáveis. III - Águas Particulares - São as nascentes e todas as águas situadas em terrenos que também o sejam, e que não tenham sido definidas como públicas ou comuns.
O artigo 2o ., referente às águas públicas de uso comum, foi revogado pelo artigo 3o . do Decreto-Lei 852, de 11 de novembro de 1938, que estabeleceu: são públicas de uso comum, em toda a sua extensão, as águas dos lagos, bem como dos cursos de água naturais, que, em algum trecho, sejam flutuáveis ou navegáveis por um tipo qualquer de embarcação.
O artigo 29 determina que as águas públicas de uso comum, bem como o seu álveo, pertencem aos municípios, quando situadas exclusivamente nos seus territórios, respeitadas as restrições que possam ser impostas pela legislação dos Estados, e pelas limitações decorrentes do aproveitamento industrial das águas e da energia hidráulica, e destinadas à navegação; as disposições do artigo 29, I a III, foram alteradas pelo Decreto-Lei 852/38. As Constituições posteriores não previram, conforme já visto, águas de domínio do Município. 77
O Código prevê ainda a possibilidade de as águas públicas de uso comum ou patrimoniais dos Estados ou dos Municípios, bem como as águas comuns e as particulares, e respectivos álveos e margens poderem ser desapropriadas por necessidade ou por utilidade pública. Com o advento da Constituição de 1988, a classificação das águas proposta pelo Código de Águas deixa de ser aplicada. O texto constitucional determina que todas as águas superficiais e subterrâneas existentes no território nacional passem a ser parte do patrimônio da União ou dos Estados.
O aproveitamento das águas O Livro II do Código de Águas trata do aproveitamento das águas, assegurando, para as Águas Públicas de Uso Comum, o uso gratuito de qualquer corrente ou nascente para as primeiras necessidades, desde que haja caminho público que a torne acessível. Não havendo caminho público, assegura o direito à servidão de passagem, devendo, entretanto, os proprietários marginais ser indenizados pelos prejuízos que sofrerem com o trânsito pelos seus prédios. Relativamente ao aproveitamento das Águas Públicas, o Código garante o uso prioritário para o abastecimento público, conforme o estabelecido no artigo 36. Art. 36 - É permitido a todos usar de quaisquer águas públicas, conformando-se com os regulamentos administrativos. § 1º Quando este uso depender de derivação, será regulado, nos termos do capítulo IV do título II, do livro II, tendo, em qualquer hipótese, preferência a derivação para o abastecimento das populações. § 2º O uso comum das águas pode ser gratuito ou retribuído, conforme as leis e regulamentos da circunscrição administrativa a que pertencerem.
O Código determina a obrigatoriedade de concessão ou autorização administrativa para a utilização das águas na agricultura, na indústria e na higiene, dispensada esta nas hipóteses de derivações insignificantes. Entretanto, toda concessão ou autorização se fará por tempo fixo, e nunca excederá a trinta anos. O aproveitamento das Águas Comuns e das Águas Particulares, fica, ainda, submetido à inspeção ou autorização administrativa no interesse da saúde e da
se ao regime de autorizações e concessões instituído pelo Código de Águas, o qual determinou, ainda, que independe de autorização o aproveitamento das quedas d’água de potência inferior a 50 kW, desde que destinadas ao uso exclusivo do proprietário. Este limite foi alterado pela Lei 9.074, de 7 de julho de 1995, pela qual somente o aproveitamento de potenciais hidráulicos superiores a 1.000 kW depende de concessão. Considerando as quedas d’água e outras fontes de energia hidráulica como bens imóveis distintos das terras em que se encontrem, o Código prevê que a propriedade superficial não abrange a água, o álveo do curso no trecho em que se acha a queda d’água, nem a respectiva energia hidráulica para o efeito de seu aproveitamento industrial. Assim, as quedas d’água existentes em cursos cujas águas sejam comuns ou particulares, pertenciam aos proprietários dos terrenos marginais. Entretanto, as quedas d’água e outras fontes de energia hidráulica localizadas em águas públicas de uso comum ou dominicais, são incorporadas ao patrimônio do País, como propriedade inalienável e imprescritível.
segurança públicas. Os dispositivos referentes à outorga dos recursos hídricos foram alterados pela Lei 9.433/97. Embora a regra geral seja a utilização gratuita dos bens públicos de uso comum, tanto o Código Civil como o Código de Águas trazem a possibilidade de que esse uso possa ser retribuído, surgindo aí a semente para a cobrança pelo uso da água, tão defendida nos dias atuais. Quanto às Águas Comuns, o Código possibilitou sua utilização pelos donos ou possuidores de prédios por elas atravessados ou banhados, desde que não houvesse prejuízo para os prédios situados a jusante ou a montante. Determinou ainda que as águas deveriam ser divididas com o proprietário ou possuidor do prédio fronteiriço proporcionalmente à extensão dos prédios e à sua destinação e utilizadas de forma a não prejudicar o abastecimento da população. Também as águas são consideradas suscetíveis de ser apropriadas pelos donos dos terrenos, desde que essa utilização não prejudique o seu aproveitamento natural, nem derive as águas de seu curso natural. As águas pluviais pertencem aos donos dos prédios onde caírem, não sendo permitido, entretanto, desperdiçá-las em prejuízo de outros prédios que delas se possam aproveitar, ou ainda desviá-las de seu curso natural sem o consentimento dos proprietários dos prédios que deveriam recebê-las. O Titulo IV, que trata das águas nocivas, define que a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de terceiros. O artigo 109 refere-se à responsabilidade civil e criminal daqueles que venham a conspurcá-las ou contaminá-las.
O controle da poluição Embora o Código não traga grandes preocupações ambientais, tratando especialmente da propriedade e do aproveitamento das águas, faz algumas referências ao controle da poluição. No artigo 98 proíbe expressamente a poluição das águas subterrâneas e pune o poluidor, que deverá ressarcir os danos porventura causados. Art. 98 - São expressamente proibidas construções capazes de poluir ou inutilizar para o uso ordinário a água do poço ou nascente alheia, a elas preexistentes. Art. 99 - Todo aquele que violar as disposições dos artigos antecedentes, é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos.
Art. 110 - Os trabalhos para a salubridade das águas serão executados à custa dos infratores, que, além da responsabilidade criminal, se houver, responderão pelas perdas e danos que causarem e pelas multas que lhes forem impostas nos regulamentos administrativos.
A regulamentação da indústria hidrelétrica
O Código vai mais além ao responsabilizar o poluidor na recuperação da salubridade das águas, que será feita às suas expensas, além da responsabilidade criminal, se houver, e das perdas e danos que causar. Esse dispositivo apresenta-se como precursor do princípio do poluidor pagador. Outros artigos estabelecem a obrigação dos usuários, de indenizar, representando um regramento precursor do principio
O Livro III do Código de Águas trata das forças hidráulicas e da regulamentação da indústria hidrelétrica. O aproveitamento industrial das quedas d’água e de outras fontes de energia hidráulica condiciona78
Art. 143 - Em todos os aproveitamentos de energia hidráulica serão satisfeitas exigências acauteladoras dos interesses gerais: a) da alimentação e das necessidades das populações ribeirinhas; b) da salubridade pública; c) da navegação; d) da irrigação; e) da proteção contra as inundações; f) da conservação e livre circulação do peixe; g) do escoamento e rejeição das águas.
do usuário pagador que vem sendo incorporado na gestão dos recursos hídricos, embora hoje sejam inaplicáveis em decorrência da legislação em vigor. O Código estabelece, ainda, a obrigatoriedade da inspeção e autorização administrativa para as águas comuns e as particulares, no interesse da saúde e da segurança públicas. Art. 111 - Se os interesses relevantes da agricultura ou da indústria o exigirem, e mediante expressa autorização administrativa, as águas poderão ser inquinadas, mas os agricultores ou industriais deverão providenciar para que as se purifiquem, por qualquer processo, ou sigam o seu esgoto natural. Art. 112 - Os agricultores ou industriais deverão indenizar a União, os Estados, os Municípios, as corporações ou os particulares que pelo favor concedido no caso do artigo antecedente, forem lesados.
A navegação é um dos usos com o qual o Código mostra preocupação em vários dispositivos, sem deixar, entretanto, de priorizar as primeiras necessidades da vida. Art. 48 - A concessão, como a autorização, deve ser feita sem prejuízo da navegação, salvo: a) no caso de uso para as primeiras necessidades da vida; b) no caso da lei especial que, atendendo a superior interesse público, o permita. Parágrafo único. Além dos casos previstos nas letras a e b deste artigo, se o interesse público superior o exigir, a navegação poderá ser preterida sempre que ela não sirva efetivamente ao comércio.
Os usos das águas O Código de Águas, embora estabeleça a preferência do uso das águas para as primeiras necessidades da vida sobre quaisquer outros, já contemplou alguns dispositivos que direcionavam para os usos múltiplos dos recursos hídricos.
A Política Nacional de Recursos Hídricos A sociedade moderna tem enfrentado o permanente desafio de encontrar novos padrões de desenvolvimento, de modo a possibilitar que os recursos naturais possam ser compartilhados entre as diversas comunidades e regiões - ricas e pobres -, e ao mesmo tempo garantir às gerações futuras o seu uso comum. A Lei 6.938/81, que institui a Política Nacional de Meio Ambiente, cria instrumentos importantes de preservação ambiental, como a exigência de estudo de impacto ambiental, condição para a aprovação de empreendimentos potencialmente danosos ao meio ambiente e que constitui o primeiro passo para alcançar esse objetivo. Em 1984, pela Portaria 1.119, o ministro de Minas e Energia determinou ao DNAEE a promoção e coordenação dos estudos necessários à realização de um Plano Nacional de Recursos Hídricos, para instituir uma sistemática permanente de planejamento, avaliação e controle do uso múltiplo e integrado dos recursos hídricos, abrangendo planos regionais e planos por bacia ou região hidrográfica. O produto desse trabalho, por dificuldades institucionais e falta de vontade política, acabou não sendo implantado. 79
Em obediência ao que determina o artigo 21 da Constituição Federal, o Poder Executivo, pelo Decreto 99.400, de 18 julho de 1990, criou um grupo de trabalho que contou com a participação de seus representantes e da sociedade civil, com o objetivo de elaborar um projeto de lei que dispusesse sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos e que estabelecesse o Sistema Nacional de Recursos Hídricos. Surge então o Projeto de Lei 2.249, de 1991, que propõe a criação do Colegiado Nacional do Sistema e de Colegiados Regionais, a instituição do Plano de Utilização dos Recursos Hídricos, de Comitês de Bacias Hidrográficas e de Sub-bacias, e atribui à Secretaria Executiva do Sistema a Coordenação Geral de Recursos Hídricos do Departamento Nacional de Águas e Energia (DNAEE). Após a apresentação de um substitutivo preliminar, o relator solicitou à Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, a realização de audiências públicas, com ampla participação da sociedade, do setor produtivo e de especialistas da área. Ouvido o Conama, o relator apresenta seu parecer incorporando as propostas surgidas durante as discussões. A partir desse trabalho foram elaborados substitutivos, um dos quais patrocinado pelo primeiro relator da matéria, o deputado Fábio Feldmam, e outro pelo segundo relator da matéria, o Deputado Aroldo Cedraz, que incorporou as diretrizes de ação e critérios de aplicação dos instrumentos da Política. Finalmente aprovado em 1996, como o Projeto de Lei 70, foi encaminhado ao Senado Federal, onde tramitou em regime de urgência urgentíssima, e mereceu parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em concordância com o voto de seu relator, o Senador Bernardo Cabral. Submetido à sanção do presidente da República, o projeto transforma-se na Lei 9.433/97. Entretanto, vários dispositivos dessa lei foram vetados, entre os quais vale destacar os relativos à compensação financeira aos Municípios, e aquele que determina que a aplicação dos recursos advindos da cobrança pelo uso da água deveria ser consignada no Orçamento Geral da União, em fonte de recursos próprios e por bacia hidrográfica. O modelo atualmente em vigor no Brasil baseiase no modelo francês, criado na década de 1960, que
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implantou o gerenciamento considerando como base de gestão toda a bacia hidrográfica, e atribuindo aos usuários da água a decisão política dessa gestão por meio dos Comitês de Bacia. Como princípio básico do sistema implantou-se o conceito do poluidor pagador, cobrança de impostos compulsórios que estabelecem a regra de que quem polui, paga, passando a água a ser considerada como um patrimônio a ser legado às gerações futuras. A Lei 9.433/97 institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, estabelece seus fundamentos, objetivos, diretrizes gerais de ação e instrumentos (arts. 1° a 31), e cria o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, definindo seus objetivos, estrutura, composição e as competências dos organismos que o integram, bem como a participação de organizações civis, (arts. 32 a 48); e prevê infrações e penalidades (art. 49 a 50). O artigo 1°, ao estabelecer seus fundamentos, direciona para a gestão moderna e eficiente dos recursos hídricos: primeiramente ao definir a água como de domínio público, e abandona de vez a classificação prevista no Código de Águas. A lei preocupa-se também com a limitação do recurso natural que, embora abundante no País, tem se demonstrado insuficiente em algumas regiões, sendo necessário que sua utilização seja feita de forma racional. O reconhecimento do valor econômico da água, embora não seja novidade, desde que o Código de Águas já previa a utilização onerosa desse recurso natural, abre caminho para a implantação de um instrumento econômico que pode ser básico para a adequada utilização dos recursos hídricos. Embora estabeleça o uso múltiplo das águas, a Lei 9.433/97 prioriza o consumo humano em situações de escassez, onde surgem os grandes conflitos. A adoção da bacia hidrográfica como unidade territorial de gestão e planejamento representa um grande avanço para a gestão ambiental, ao permitir a identificação e a organização dos problemas de cada uma das bacias. Finalmente, a gestão de recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades. Art. 1° - A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos: I - a água é um bem de domínio público; II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico;
III - em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação dos animais; IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; V - a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI - A gestão de recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.
O Capítulo III da Lei estabelece as “Diretrizes Gerais de Ação” para implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos, associando à gestão os aspectos de quantidade e qualidade e determinando a sua adequação às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das regiões do País. Prevê a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental, bem como sua articulação com a do uso do solo, tudo de conformidade com os planejamentos regional, estadual e nacional. Cria ainda uma interface com os setores usuários, prevendo o planejamento articulado entre eles e os recursos hídricos. A Lei estabelece obrigatoriedade de articulação entre a União e os Estados, tendo em vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse comum. Finalmente, direciona para a integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras. Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos: I - a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade; II - a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País; III - a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental; IV - a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional; V - a articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo; VI - a integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras. Art. 4º A União articular-se-á com os Estados tendo em vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse comum.
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Os instrumentos da política Para que a implantação da Política de Recursos Hídricos se torne viável, a Lei 9.433/97 relacionou no artigo 5° uma série de instrumentos, os quais não estão, ainda, totalmente regulamentados. Art. 5º São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos: I - os Planos de Recursos Hídricos; II - o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água; III - a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; IV - a cobrança pelo uso de recursos hídricos; V - a compensação a Municípios; VI - o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.
Planos de Recursos Hídricos A Lei 9.433/97 trata dos Planos de Recursos Hídricos no Capitulo IV, Seção I, e no artigo 6°, define o seu objetivo. Os Planos de Recursos Hídricos são planos diretores de longo prazo, que deverão compatibilizar-se com programas e projetos necessários à gestão dos recursos hídricos. Serão feitos por bacia hidrográfica, por Estado e para o País, e deverão conter, além do diagnóstico de situação, o balanço entre disponibilidades e demandas futuras, com identificação dos conflitos potenciais, além das metas de racionalização de uso, aumento da quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos. Os incisos VI e VII do artigo 7° da Lei, que trata do conteúdo mínimo dos planos, os quais definiriam a responsabilidade pela execução, o cronograma de execução e a programação orçamentário-financeira, associados às medidas, programas e projetos, foram vetados pelo Executivo sob a argumentação de que o sistema adotado pelo setor elétrico não permite a aferição desses dados antes do processo licitatório. O artigo 8° estabelece, ainda, que os planos deverão ser elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o País. Também o inciso VIII do artigo 35, que previa a aprovação dos planos por lei, foi vetado sob a argumentação de que sua aplicação implicaria na descontinuidade do processo decisório da gestão dos recursos hídricos.
A Resolução CNRH 17, de 29 de maio de 2001, regulamentou o assunto e estabeleceu as diretrizes para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos de Bacias Hidrográficas, determinando que serão feitos pelas Agências de Água, supervisionados e aprovados pelos Comitês de Bacia. O artigo 7° da citada Resolução determina que os Planos de Recursos Hídricos devem estabelecer metas e indicar soluções de curto, médio e longo prazos, com horizonte de planejamento compatível com seus programas e projetos, devendo, de forma dinâmica, permitir sua atualização, articulando-se com os planejamentos setoriais e regionais, e definindo indicadores que permitam sua avaliação contínua. A Resolução CNRH 22, de 24 de maio de 2002, que estabelece diretrizes para inserção das águas subterrâneas nos Planos de Recursos Hídricos, preceitua que os mesmos devem considerar os usos múltiplos das águas subterrâneas, as peculiaridades de função do aqüífero e os aspectos de qualidade e quantidade para a promoção do desenvolvimento social e ambientalmente sustentável, além de promover a caracterização dos aqüíferos e definir as inter-relações de cada aqüífero com os demais corpos hídricos superficiais e subterrâneos e com o meio ambiente, visando à gestão sistêmica, integrada e participativa das águas.
Enquadramento dos Corpos d’Água O segundo instrumento previsto pela Política de Recursos Hídricos é o enquadramento dos corpos d’água em classes segundo os usos preponderantes, o qual deverá obedecer às normas da legislação ambiental, em especial a Resolução Conama 20, de 18 de junho de 1986, e estar em conformidade com o Plano de Recursos Hídricos da bacia e com os Planos de Recursos Hídricos Nacional e Estadual ou Distrital. O artigo 9° da Lei 9.433/97 estabelece o objetivo do enquadramento dos corpos d’água em classes, segundo seus usos preponderantes. Art. 9º - O enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água, visa a: I - assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas; II - diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes.
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A Resolução CRNH 12, de 19 de julho de 2000, que estabelece procedimentos para o enquadramento de corpos d’água em classes, segundo os usos preponderantes, define-o, no artigo primeiro, como o estabelecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcançado e/ou mantido em um dado segmento do corpo d’água ao longo do tempo. O enquadramento dos corpos d’água deverá ser aprovado pelo Conselho Nacional ou o respectivo Conselho Estadual ou Distrital de Recursos Hídricos, em consonância com as Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente, e de acordo com a alternativa selecionada pelo Comitê de Bacia Hidrográfica.
Outorga dos Direitos de Uso O Capitulo IV, seção III, da Lei 9.433/97 trata da outorga de direitos de uso de recursos hídricos, tendo seu objetivo definido no artigo 11. Art. 11 - O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.
Alguns dispositivos da lei que tratavam da outorga foram vetados, entre os quais o parágrafo 2 o do artigo 14, que tratava da articulação prévia entre o Poder Executivo Federal e os Estados, e o artigo 17 e seu parágrafo único ao determinar que a outorga de direito de uso de recursos hídricos não desobriga o usuário da obtenção da outorga de serviço público prevista nas Leis 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e 9.074, de 7 de julho de 1995. A Resolução CNRH 16, de 8 de maio de 2001, que estabelece critérios gerais para a outorga de direito de uso de recursos hídricos, conceitua a outorga no artigo 1o , da seguinte forma: Art. 1º. A outorga de direito de uso de recursos hídricos é o ato administrativo mediante o qual a autoridade outorgante faculta ao outorgado previamente ou mediante o direito de uso de recurso hídrico, por prazo determinado, nos termos e nas condições expressas no respectivo ato, consideradas as legislações específicas vigentes. § 1º. A outorga não implica alienação total ou parcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples direito de uso. § 2º. A outorga confere o direito de uso de recursos hídricos condicionado à disponibilidade hídrica e ao regime de racionamento, sujeitando o outorgado à suspensão da outorga.
§ 3º. O outorgado é obrigado a respeitar direitos de terceiros. § 4º. A análise dos pleitos de outorga deverá considerar a interdependência das águas superficiais e subterrâneas e as interações observadas no ciclo hidrológico visando a gestão integrada dos recursos hídricos.
A Resolução relaciona, ainda, os usos que estarão sujeitos à outorga. Com isso, ela abre a possibilidade de abranger direito de uso múltiplo e/ou integrado de recursos hídricos, superficiais e subterrâneos. Estarão sujeitos à outorga: I - a derivação ou captação de parcela de água existente em um corpo de água, para consumo final, inclusive abastecimento público ou insumo de processo produtivo; II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; IV - o uso para fins de aproveitamento de potenciais hidrelétricos; V - outros usos e/ou interferências, que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água.
Cobrança pelo Uso Com o objetivo de reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor, incentivar a racionalização do uso da água, e obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos, a Lei 9.433/97 instituiu a cobrança pelo uso da água, considerada como um dos instrumentos fundamentais para a implantação da Política de Recursos Hídricos. De acordo com a Lei, estarão sujeitos à cobrança os usos passíveis de outorga. O artigo 21 estabelece os critérios para a fixação dos valores a serem cobrados, enquanto o artigo 22 determina as prioridades para a aplicação dos recursos. Art. 21 - Na fixação dos valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos devem ser observados, dentre outros: I - as derivações, captações e extrações de água, o volume retirado e seu regime de variação; II - os lançamentos de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e as características físico-químicas, biológicas e de toxidade do efluente. Art. 22 - Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados e serão utilizados: I - no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos; II - no pagamento de despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. § 1º - A aplicação nas despesas previstas no inciso II deste artigo é limitada a sete e meio por cento do total arrecadado. § 2º - Os valores previstos no “caput” deste artigo poderão ser aplicados a fundo perdido em projetos e obras que alterem, de modo considerado benéfico à coletividade, a qualidade, a quantidade e o regime de vazão de um corpo de água. § 3º - (VETADO) - Até quinze por cento dos valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União poderão ser aplicados fora da bacia hidrográfica em que foram arrecadados, visando exclusivamente a financiar projetos e obras no setor de recursos hídricos, em âmbito nacional.
Independem de outorga o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais distribuídos no meio rural, e as derivações, captações, lançamentos e as acumulações de volumes de água considerados insignificantes. A Resolução CNRH 29, de 11 de dezembro de 2002, considerando que a atividade minerária tem especificidades de utilização e consumo de água passíveis de provocar alterações no regime dos corpos d’água, na quantidade e qualidade da água existente, define diretrizes para a outorga de uso dos recursos hídricos, tendo em vista o aproveitamento dos recursos minerais. A Resolução CNRH 37, de 26 de março de 2004, estabelece diretrizes no caso da outorga de recursos hídricos para a implantação de barragens em corpos d’água de domínio dos Estados, do Distrito Federal e da União. Na hipótese de barragens destinadas ao uso de potencial de energia hidráulica, a outorga de diCom base no inciso VI, do artigo 38, da Lei 9.433/ reito de uso de recursos de hídricos será precedida da 97, o Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do declaração de reserva de disponibilidade hídrica. Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), pela Deliberação/CEIVAP
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Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos
08, de 6 de dezembro de 2001 (aditada pela Deliberação 15, de 4 de novembro de 2002), sugeriu ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos o valor de cobrança pelo uso da água da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (ratificada pela Resolução 19, de 14 de março de 2002). Pela Resolução 21, de 14 de março de 2002, o Conselho instituiu a Câmara Técnica Permanente de Cobrança pelo Uso de Recursos Hídricos, com o objetivo de estabelecer os critérios gerais para a cobrança (Resolução 23, de 24 de maio de 2002). Finalmente, a Resolução CNRH 27, de 29 de novembro de 2002, definiu os valores e estabeleceu os critérios de cobrança pelo uso de recursos hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, conforme proposto pelo Comitê para a Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, respeitados os prazos estipulados para sua reavaliação e adequação, bem como a forma de aplicação dos recursos arrecadados. O artigo 2 o da Deliberação isenta da obrigatoriedade de outorga de direito de usos de recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, os usos considerados insignificantes.
Pela Resolução 13, de 25 setembro de 2000, o CNRH estabeleceu as regras de implantação do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos, para dar suporte à aplicação dos demais instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, e a outros mecanismos de gestão integrada. O artigo 1° estabelece quais informações deverão constar do Sistema de Informações e que sua coordenação deverá estar a cargo da Agência Nacional de Águas. Art. 1º - A Agência Nacional de Águas (ANA) coordenará os órgãos e entidades federais, cujas atribuições ou competências estejam relacionadas com a gestão de recursos hídricos, mediante acordos e convênios, visando promover a gestão integrada das águas e em especial a produção, consolidação, organização e disponibilização à sociedade das informações e ações referentes: - à rede hidrométrica nacional e às atividades de hidrologia relacionadas com o aproveitamento de recursos hídricos; - aos sistemas de avaliação e outorga dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, em todo território nacional; - aos sistemas de avaliação e concessão das águas minerais; - aos sistemas de coleta de dados da Rede Nacional de Meteorologia; - aos sistemas de informações dos setores usuários; - ao sistema nacional de informações sobre meio ambiente; - ao sistema de informações sobre gerenciamento costeiro; - aos sistemas de informações sobre saúde; - a projetos e pesquisas relacionados com recursos hídricos; e - outros sistemas de informações relacionados à gestão de recursos hídricos.
Compensação a Municípios O artigo 24 do Projeto de Lei previa a compensação financeira ou de outro tipo aos municípios que possuíssem áreas inundadas por reservatórios ou sujeitas a restrições de uso do solo com a finalidade de proteção de recursos hídricos, visando o ressarcimento da comunidade pela privação das rendas futuras que os terrenos inundados ou sujeitos a restrições de uso do solo poderiam gerar. O veto a esse artigo está calcado na argumentação de que o mecanismo compensatório proposto não encontra apoio no texto da Carta Magna.
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A evolução da legislação ambiental e hídrica no Estado de São Paulo O Estado de São Paulo vem sendo pioneiro em matéria de implantação de legislações ambientais e hídricas. Já na década de 1970, surgem documentos legais sobre o meio ambiente de significativa importância, entre os quais se destaca a Lei 997, de 31 de maio de 1975, que institui o Sistema de Prevenção e Controle da Poluição do Meio Ambiente. Seu regulamento, o Decreto 8.468, de 8 de setembro de 1976, proíbe o lançamento ou a liberação de poluentes nas águas, no ar ou no solo. Também estabelece a classificação das águas segundo os usos preponderantes, os padrões de qualidade e de emissão de efluentes na água; estabelece normas para utilização e proteção do ar; cria regiões de controle da qualidade do ar, entre as quais se destacam as regiões da Grande São Paulo, do Litoral, e de Campinas; e estabelece padrões de condicionamento e projeto para fontes estacionárias, entre outros regramentos. O Decreto 10.755, de 22 de novembro de 1977, define o enquadramento dos corpos d’água receptores do Estado de São Paulo de acordo com o estabelecido pelo Decreto 8.468/76. Adiantando-se à própria Constituição de 1989, avançado e pioneiro, o Decreto 27.576, de 11 de novembro de 1987, cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH), com a tarefa de propor a política e elaborar o Plano Estadual de Recursos Hídricos, e a estruturação do Sistema Estadual de Gestão dos Recursos Hídricos . O artigo 3° do Decreto propõe o conteúdo do Plano, que deverá abordar a disponibilidade e a demanda hídricas, a identificação das bacias hidrográficas e das áreas críticas, os eventos críticos que requeiram intervenção, entre outros aspectos. V - o estabelecimento da interdependência entre o aproveitamento e controle racional dos recursos hídricos, a ordenação físico-territorial do Estado e o uso e a ocupação do solo; VI - a consideração dos aspectos jurídico-administrativos, econômico-financeiros e políticoinstitucionais relevantes para gestão dos recursos hídricos, com especial referência à participação da sociedade civil no estabelecimento de diretrizes.
Art. 3º - Do Plano Estadual de Recursos Hídricos deverão constar, entre outros elementos necessários ao atendimento de sua finalidade, os seguintes: I - o balanço hídrico através da avaliação das disponibilidades hídricas, superficiais e subterrâneas do Estado, dos respectivos potenciais de desenvolvimento, considerados, inclusive, aspectos qualitativos e energéticos, bem como da estimativa das demandas hídricas, para fins múltiplos, com avaliação prospectiva, de médio e longo prazos, considerados os usos consuntivos e não consuntivos; II - o estabelecimento de diretrizes, normas e procedimentos para distribuição eqüitativa dos recursos entre usos e usuários; III - a identificação de bacias hidrográficas e áreas críticas, nas quais a gestão de recursos hídricos deva ser feita segundo diretrizes e objetivos especiais; IV - a consideração dos eventos críticos, de escassez ou poluição dos recursos hídricos, de erosão do solo e de inundações, que requeiram intervenção;
Além disso, no artigo 4o o Decreto alinhava o modelo do Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos, que mais tarde seria sacramentado pela Constituição Estadual e pela Lei 7.663/91, que institucionalizou a Política Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
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Art. 4º - Do Sistema Estadual de Gestão de Recursos Hídricos, entendido como a forma estrutural para a implementação do Plano Estadual de Recursos Hídricos, deverão constar, entre outros elementos necessários, os seguintes: I - definição dos órgãos e entidades intervenientes e dos mecanismos de coordenação e integração interinstitucional; II - definição dos sistemas associados, de planejamento administração, informações, desenvolvimento tecnológico e capacitação de recursos humanos, no campo da gestão dos recursos hídricos; III - proposição de mecanismos e instrumentos jurídico-administrativos, econômico-financeiros e político-institucionais, que permitam a realização do Plano Estadual de Recursos Hídricos, sua permanente e sistemática revisão e atualização; IV - proposição de mecanismos de coordenação intergovernamental, com o Governo Federal, Estados vizinhos e Municípios, para compatibilização de planos, programas e projetos de interesse comum, inclusive os relativos ao uso de recursos hídricos a serem partilhados; V - proposição de formas de gestão descentralizada dos recursos hídricos, a nível regional e municipal, adotando-se as bacias hidrográficas como unidades de gestão, de forma compatibilizada com as divisões político-administrativas; VI - proposição de modos de participação da sociedade civil no estabelecimento da política e das diretrizes a que se referem o presente decreto.
O Decreto 27.576/87, cria, ainda, o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos (CORHI), que mais tarde, juntamente com o Conselho de Recursos Hídricos (CRH), foram adaptados pelo Decreto 36.787, de 18 de maio de 1993, às disposições da Lei 7.663/91. A Bacia do Rio Piracicaba passa, então, a ser considerada como modelo básico de Gestão de Recursos Hídricos, pelo Decreto 28.489 de 9 junho de 1988. A Lei 6.134, de 2 de junho de 1988, dispõe sobre a preservação dos depósitos naturais de águas subterrâneas do Estado de São Paulo, assim consideradas as águas que ocorram natural ou artificialmente no subsolo, de forma suscetível de extração e utilização. A lei demonstra uma especial preocupação com a preservação e a conservação dos recursos hídricos, conforme se verifica no artigo 4o . Art. 4º - As águas subterrâneas deverão ter programa permanente de preservação e conservação, visando ao seu melhor aproveitamento. § 1º. - A preservação e conservação dessas águas implicam em uso racional, aplicação de medidas contra a
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sua poluição e manutenção do seu equilíbrio físico, químico e biológico em relação aos demais recursos naturais. § 2º. - Os órgãos estaduais competentes manterão serviços indispensáveis à avaliação dos recursos hídricos do subsolo, fiscalizarão sua exploração e adotarão medidas contra a contaminação dos aquíferos e deterioração das águas subterrâneas. § 3º. - Para os efeitos desta Lei, considera-se poluição qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas das águas subterrâneas, que possa ocasionar prejuízo à saúde, à segurança e ao bem estar das populações, comprometer o seu uso para fins agropecuários, industriais, comerciais e recreativos e causar danos à fauna e flora naturais
Determina, ainda, que a implantação de distritos industriais e de grandes projetos de irrigação, colonização e outros, que dependam da utilização de águas subterrâneas, deverá ser precedida de estudos hidrogeológicos para a avaliação das reservas e do potencial dos recursos hídricos e para o correto dimensionamento do abastecimento, sujeitos à aprovação pelos órgãos competentes, na forma a ser estabelecida em regulamento. O Decreto 32.955, de 7 de fevereiro de 1991, regulamentador da Lei 6.134/88, além de estabelecer os órgãos competentes para sua gestão e fiscalização, define critérios para o estabelecimento de área de proteção, sempre que, no interesse da conservação, proteção e manutenção do equilíbrio natural das águas subterrâneas, dos serviços de abastecimento de água, ou por motivos geotécnicos ou geológicos, se fizer necessário restringir a captação e o uso dessas águas. De conformidade com a norma, cabe: • ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) – a administração das águas subterrâneas do Estado, nos campos da pesquisa, captação, fiscalização, extração e acompanhamento de sua interação com águas superficiais e com o ciclo hidrológico. • à Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) – prevenir e controlar a poluição das águas subterrâneas. • à Secretaria da Saúde – a fiscalização das águas subterrâneas destinadas a consumo humano, quanto ao atendimento aos padrões de potabilidade. • ao Instituto Geológico – a execução de pesquisa e estudos geológicos e hidrogeológicos, o controle e arquivo de informações dos dados geológicos dos poços, no que se refere ao desenvolvimento do
conhecimento dos aqüíferos e da geologia do Estado. O estabelecimento de áreas de proteção deverá ser feito com base em estudos hidrogeológicos, ouvidos os municípios e demais organismos interessados. Essas áreas podem ser classificadas como: • Área de Proteção Máxima – compreende, no todo ou em parte, zonas de recarga de aqüíferos altamente vulneráveis à poluição e que se constituam em depósitos de águas essenciais para abastecimento público. • Área de Restrição e Controle – caracterizada pela necessidade de disciplinar as extrações e o controle máximo das fontes poluidoras já implantadas e a restrição a novas atividades potencialmente poluidoras. • Área de Proteção de Poços e Outras Captações – inclui a distância mínima entre poços e outras captações e o respectivo perímetro de proteção. Finalmente, determina, no artigo 18, que as águas subterrâneas destinadas ao consumo humano deverão atender aos padrões de potabilidade fixados na legislação sanitária. Tendo servido de inspiração não só para a Política Nacional de Recursos Hídricos, mas também para muitos Estados da Federação, a Lei 7.663 de 30 de dezembro de 1991, significou uma mudança de paradigma na gestão nacional dos recursos hídricos. Pioneira, a lei paulista traz em seu bojo as normas de orientação à Política Estadual de Recursos Hídricos, e ao Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Artigo 2º - A Política Estadual de Recursos Hídricos tem por objetivo assegurar que a água, recurso natural essencial à vida, ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social, possa ser controlada e utilizada, em padrões de qualidade satisfatórios, por seus usuários atuais e pelas gerações futuras, em todo território do Estado de São Paulo. Artigo 3º - A Política Estadual de Recursos Hídricos atenderá aos seguintes princípios: I - gerenciamento descentralizado, participativo e integrado, sem dissociação dos aspectos quantitativos e qualitativos e das fases meteórica, superficial e subterrânea do ciclo hidrológico; II - a adoção da bacia hidrográfica como unidade físico-territorial de planejamento e gerenciamento; III - reconhecimento do recurso hídrico como um bem público, de valor econômico, cuja utilização deve ser cobrada, observados os aspectos de quantidade, qualidade e as peculiaridades das bacias hidrográficas; IV - rateio do custo das obras de aproveita-
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mento múltiplo de interesse comum ou coletivo, entre os beneficiados; V - combate e prevenção das causas e dos efeitos adversos da poluição, das inundações, das estiagens, da erosão do solo e do assoreamento dos corpos d’água; VI - compensação aos municípios afetados por áreas inundadas resultantes da implantação de reservatórios e por restrições impostas pelas leis de proteção de recursos hídricos; VII - compatibilização do gerenciamento dos recursos hídricos com o desenvolvimento regional e com a proteção do meio ambiente.
O primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos 1994/1995 foi aprovado pela Lei 9.034, de 27 de dezembro de 1994. Também é importante citar o Decreto 41.258, de 31 de outubro de 1996, que regulamenta a Outorga de Direitos de Uso dos Recursos Hídricos e a Fiscalização de Usos de Recursos, estabelecendo que a outorga é o ato pelo qual o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) defere: • a implantação de qualquer empreendimento que possa demandar a utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos; • a execução de obras ou serviços que possam alterar o regime, a quantidade e a qualidade desses mesmos recursos; • a execução de obras para extração de águas subterrâneas; • a derivação de água do seu curso ou depósito, superficial ou subterrâneo; • o lançamento de efluentes nos corpos d’água. Pela Lei 10.020, de 3 de julho de 1998, o Poder Executivo foi autorizado a participar da constituição da Agência de Bacia. A Lei 9.866, de 28 de novembro de 1997, que dispõe sobre diretrizes e normas para a proteção e recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais de interesse regional no Estado de São Paulo, vem representando um marco importante na legislação paulista pois, pela primeira vez, incorpora-se a recuperação dos mananciais na gestão hídrica. A Lei 9.509, de 20 de março de 1997, dispõe sobre a Política Estadual do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e cria o Sistema Estadual de Administração da Qualidade Ambiental (SEAQUA), cujo objetivo é o de organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades
• Órgãos Setoriais - constituídos pelos órgãos ou entidades integrantes da administração estadual direta, indireta e fundacional, cujas atividades estejam associadas às de proteção da qualidade ambiental e da vida ou àqueles de disciplinamento do uso dos recursos ambientais e aqueles responsáveis por controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, e o meio ambiente; • Órgãos Locais - representados pelos órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização ambiental nas suas respectivas áreas de atuação.
da administração direta, indireta e fundacional instituídas pelo poder público, assegurada a participação da coletividade. O SEAQUA é constituído por: • Órgão Central – a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA), com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão estadual, a Política Estadual do Meio Ambiente, e as diretrizes governamentais fixadas para a administração da qualidade ambiental; • Órgãos Executores – os instituídos pelo poder público estadual com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão estadual, a política e as diretrizes governamentais fixadas para a administração da qualidade ambiental;
As águas nas constituições paulistas Em sua história institucional, o Estado de São Paulo conta, até os dias de hoje, com seis Constituições, que receberam influência direta dos fatos políticos ocorridos no País. A primeira delas foi a Constituição Política do Estado de São Paulo, de 14 de julho de 1891, calcada nos preceitos republicanos. Após a Revolução Constitucionalista, a nova Constituição Estadual, de 9 de julho de 1935, teve vida curta, permanecendo até o advento do Estado Novo. Com a redemocratização do País e a promulgação da Constituição Federal de 1946, a Assembléia Constituinte do Estado de São Paulo aprovou a nova Constituição, promulgada em 9 de julho de 1947. Com a quebra da ordem constitucional, ocorrida em 1964, o Executivo elaborou um nova Constituição, promulgada em 13 de maio de 1967, profundamente centralizadora e adequada às normas estabelecidas pelo regime militar. Com o advento do Ato Institucional 5, a Assembléia Legislativa entra em recesso, e o Executivo promulga a Emenda Constitucional 2/69, de 30 de outubro, que altera significativamente o texto da Constituição de 1967. Considerando que até então, tanto o domínio das águas como a competência de legislar sobre elas era da União, as Constituições Paulistas não fizeram qualquer referência explícita sobre as águas. A Emenda Constitucional 2/69, em uma das únicas referências que demonstra alguma preocupação com os aspectos ambientais, diz no artigo 120, que o Estado deverá preservar as suas riquezas naturais e combater a exaustão do solo, bem como proteger a fauna e a flora, criando reservas invioláveis. Determina ainda, no artigo 121, parágrafo único, a criação de um fundo destinado a fornecer, às pequenas e médias cidades do Estado, recursos financeiros para a instalação de aparelhagem para o tratamento de esgotos e águas servidas. 88
A Constituição Estadual de 1989
a participação dos usuários, do poder público e das entidades civis. O Sistema está calcado em um tripé, representado pelos conselhos e comitês, pelo fundo e pelos planos de bacia. Também as águas subterrâneas mereceram especial atenção do texto constitucional.
Os novos ares trazidos pela democracia trouxeram também uma nova Constituição para São Paulo, promulgada aos 5 de outubro de 1989, e que inspirada na Constituição Federal de 1988 adota um tratamento inovador com relação ao meio ambiente e com relação à gestão das águas. O Capítulo IV, do meio ambiente, dos recursos naturais e do saneamento, traz uma seção destinada exclusivamente aos recursos hídricos. O artigo 205 determina a implantação pelo Estado de um sistema integrado de gerenciamento dos recursos hídricos, do qual participariam os órgãos estaduais, municipais e a sociedade civil.
Art. 206 - As águas subterrâneas, reservas estratégicas para o desenvolvimento econômico-social e valiosas para o suprimento de água às populações, deverão ter programa permanente de conservação e proteção contra poluição e superexplotação, com diretrizes em lei.
O texto constitucional, além de proibir qualquer lançamento de efluentes e esgotos urbanos e industriais sem o devido tratamento, em qualquer corpo d’água, determina a adoção de medidas para o controle da erosão, e o estabelecimento de normas de conservação do solo em áreas agrícolas e urbanas. Os municípios são incentivados a adotar medidas de proteção e conservação dos recursos hídricos, com a colaboração do Estado conforme estabelecido no artigo 210 do texto constitucional.
Art. 205 - O Estado instituirá, por lei, sistema integrado de gerenciamento dos recursos hídricos, congregando órgãos estaduais e municipais e a sociedade civil, e assegurará meios financeiros e institucionais para: I - a utilização racional das águas superficiais e subterrâneas e sua prioridade para abastecimento às populações; II - o aproveitamento múltiplo dos recursos hídricos e o rateio dos custos das respectivas obras, na forma da lei; III - a proteção das águas contra ações que possam comprometer o seu uso atual e futuro; IV - a defesa contra eventos críticos, que ofereçam riscos à saúde e segurança públicas e prejuízos econômicos ou sociais; V - a celebração de convênios com os Municípios, para a gestão, por estes, das águas de interesse exclusivamente local; VI - a gestão descentralizada, participativa e integrada em relação aos demais recursos naturais e às peculiaridades da respectiva bacia hidrográfica; VII - o desenvolvimento do transporte hidroviário e seu aproveitamento econômico.
Art. 210 - Para proteger e conservar as águas e prevenir seus efeitos adversos, o Estado incentivará a adoção, pelos Municípios, de medidas no sentido: I - da instituição de áreas de preservação das águas utilizáveis para abastecimento às populações e da implantação, conservação e recuperação de matas ciliares; II - do zoneamento de áreas inundáveis, com restrições a usos incompatíveis nas sujeitas a inundações freqüentes e da manutenção da capacidade de infiltração do solo; III - da implantação de sistemas de alerta e defesa civil, para garantir a segurança e a saúde públicas, quando de eventos hidrológicos indesejáveis; IV - do condicionamento, à aprovação prévia por organismos estaduais de controle ambiental e de gestão de recursos hídricos, na forma da lei, dos atos de outorga de direitos que possam influir na qualidade ou quantidade das águas superficiais e subterrâneas; V - da instituição de programas permanentes de racionalização do uso das águas destinadas ao abastecimento público e industrial e à irrigação, assim como de combate às inundações e à erosão. Parágrafo único - A lei estabelecerá incentivos para os Municípios que aplicarem, prioritariamente, o produto da participação no resultado da exploração dos potenciais energéticos em seu território, ou da compensação financeira, nas ações previstas neste artigo e no tratamento de águas residuárias.
Implantado pela Lei 7.663/91 o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH), traz como fundamentos básicos: • descentralização – na medida em que o planejamento e o gerenciamento do Sistema é realizado por meio das 22 bacias hidrográficas definidas como unidades de gerenciamento . • participação – garantida pela representação paritária entre o Estado, os Municípios e a Sociedade Civil; • integração – realizada por meio da gestão integrada das águas subterrâneas e superficiais, considerando os aspectos de quantidade e a qualidade, com
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Posteriormente o assunto foi abordado pela Lei 6.134, de 2 de junho de 1988, que dispôs sobre a preservação dos depósitos naturais de águas subterrâneas do Estado de São Paulo, e pelo Decreto 32.955, de 7 de fevereiro de 1991, que a regulamentou. O artigo 211 trata da cobrança pelo uso da água, cuja regulamentação deverá dar-se com a aprovação do Projeto de Lei 676, de 2000, que estabelece procedimentos relativos aos limites e condicionantes dessa cobrança, bem como dos critérios gerais e das bases de cálculo para a fixação dos valores a serem cobrados, e, correlatamente, das sanções aplicáveis no caso de não pagamento. Art. 211 - Para garantir as ações previstas no artigo 205, a utilização dos recursos hídricos será cobrada segundo as peculiaridades de cada bacia hidrográfica, na forma da lei, e o produto aplicado nos serviços e obras referidos no inciso I, do parágrafo único, deste artigo. Parágrafo único - O produto da participação do Estado no resultado da exploração de potenciais hidroenergéticos em seu território, ou da compensação financeira, será aplicado, prioritariamente:
I - em serviços e obras hidráulicas e de saneamento de interesse comum, previstos nos planos estaduais de recursos hídricos e de saneamento básico; II - na compensação, na forma da lei, aos Municípios afetados por inundações decorrentes de reservatórios de água implantados pelo Estado, ou que tenham restrições ao seu desenvolvimento em razão de leis de proteção de mananciais.
A Constituição estabelece, ainda, a necessidade de se levar em conta os usos múltiplos e o controle das águas, a drenagem, a correta utilização das várzeas, a flora e a fauna aquáticas e a preservação do meio ambiente quando da exploração dos serviços e instalações de energia elétrica, e do aproveitamento energético dos cursos d’água. Finalmente, prevê a obrigatoriedade de que a proteção da quantidade e da qualidade das águas seja considerada na elaboração de normas legais relativas a florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e demais recursos naturais, e meio ambiente.
A evolução da legislação de proteção aos mananciais da Região Metropolitana de São Paulo As primeiras leis direcionadas à proteção dos mananciais foram inspiradas no Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI), que estabeleceu diretrizes para a Região Metropolitana de São Paulo. Foram promulgadas duas leis: a 898/75 que disciplina o uso e ocupação do solo, e a 1.172/76 que define as áreas de proteção e estabelece um zoneamento, objetivando um cenário desejável para a garantia de sua proteção. A Lei 898/75 define as bacias que deverão ser protegidas e estabelece zonas de uso, com faixas ou áreas de maior ou menor restrição. As faixas ou áreas de maior restrição ou de primeira categoria, abrangiam, inclusive, o corpo d’água, enquanto as demais, de segunda categoria, foram classificadas em ordem decrescente de restrição. Cada uma das zonas tem estabelecidos pela Lei os usos permitidos, os índices urbanísticos e os critérios para a implantação do sistema público de abastecimentos de água, esgoto e resíduos sólidos. 90
A lei 9.866 de 28 de novembro de 1997 Com o decorrer do tempo, verificou-se a necessidade de rever essa legislação, especialmente pela constatação de que a ocupação das bacias se apresentava diferente dos cenários previstos, criando sérias irregularidades. Constatou-se também que era necessário ampliar os limites da base territorial da Lei, visto que grande parte dos mananciais responsáveis pelo abastecimento da Região Metropolitana se encontravam fora de seus limites. Outro fator importante que direcionou a alteração dessa legislação foi a mudança do quadro jurídico institucional, decorrente não só dos preceitos trazidos pela Constituição de 1988, como da implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos, que possui características totalmente distintas daquela legislação promulgada em uma época em que a gestão ambiental incorporava os ares autoritários do regime então vigente, sem maior preocupação com a participação da sociedade no seu gerenciamento. Inúmeras foram as tentativas de alterar essa legislação, em decorrência principalmente da grande pressão originada dos assentamentos irregulares, que faziam com que a mancha urbana se expandisse de forma significativa, ameaçando cada vez mais a qualidade dos mananciais de abastecimento da população. Essas tentativas se deram por meio de comissões reiteradamente formadas pelo poder público, mas que acabavam direcionando a solução para uma anistia que propunha a ampliação das áreas de menor restrição, sem, entretanto, oferecer soluções que pudessem quebrar o círculo vicioso das ocupações predatórias. O PL 150 foi fruto do trabalho de uma Comissão instituída pelo Decreto 40.225/95, com o objetivo de fazer a revisão da legislação em vigor e propor novos instrumentos legais para a proteção dos mananciais, instituindo um modelo de gestão compatível com a garantia da qualidade e quantidade da água para abastecimento público, e um programa de ação governamental que propiciasse a recuperação da qualidade ambiental das áreas de mananciais. Sua realização significou um dos mais democráticos processos de discussão para a elaboração de uma lei procurando envolver todos os setores da sociedade na busca de soluções. 91
A Lei 9.866/97, que estabelece diretrizes e normas para a proteção e recuperação dos mananciais de interesse regional do Estado de São Paulo, adota soluções novas para equacionar os problemas e suas principais causas já diagnosticadas, como as que se seguem: • vincula a proteção dos mananciais ao Sistema Estadual de Recursos Hídricos, agregando novos instrumentos, especialmente aqueles relativos ao disciplinamento do uso e ocupação do solo, passando a gestão da água a ser efetuada de forma integrada com a gestão do solo; • adota a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e gestão, abandonando a gestão por meio do desenho territorial administrativo, para considerar a realidade hídrica como prioridade; • propõe a criação de Áreas de Proteção e Recuperação de Mananciais (APRMs) que se consubstanciarão nessa unidade de planejamento e que deverão ser desenhadas levando-se em consideração a necessidade de proteção e de recuperação. • cria Áreas de Intervenção, deixando de lado a forma tradicional de zoneamento que estabelecia um cenário estático para propor tipos diferenciados de intervenção que passam pelas áreas de restrição à ocupação que indicam as áreas a ser preservadas; pelas áreas de ocupação dirigida que representam aquelas de interesse para a consolidação ou a implantação de usos rurais ou urbanos; e pelas áreas de recuperação ambiental que representam as áreas cujos usos atuais vinham comprometendo a qualidade e a disponibilidade hídrica dos mananciais; • propõe uma série de instrumentos de gestão, como o Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental (PDPA), suporte financeiro, controle e monitoramento da qualidade ambiental, infrações e penalidades, entre outros; • vincula a gestão dos mananciais ao Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, como forma de garantir a aplicação dos princípios básicos da gestão moderna, descentralizada, participativa; • finalmente, direciona para a necessidade da promulgação de lei específica para cada APRM, adotadas as diretrizes trazidas pela Lei Geral. A eficiência dessa nova política de proteção aos mananciais só poderá ser realmente testada após sua
implantação. De qualquer forma, ela se apresenta como a possibilidade de um caminho novo, para que se possa garantir às gerações futuras um ambiente condizente com a dignidade humana.
O Plano Emergencial de Recuperação dos Mananciais da RMSP A promulgação da Lei 9.866/97 representou um avanço de fundamental importância na Política Ambiental do Estado, possibilitando a realização imediata de obras emergenciais para a recuperação dos mananciais por meio do Plano Emergencial de Recuperação dos Mananciais da Região Metropolitana de São Paulo. Elaborado de acordo com os critérios estabelecidos pelo Decreto Estadual 43.022, de 7 de abril de 1998, fundamenta-se no fato de que a ocupação urbana expandiu-se de forma descontrolada, e que a ausência de infra-estrutura urbana vem constituindo significativo dano ambiental. O artigo 1°. do mesmo Decreto define as obras consideradas emergenciais e prevê que as demais ações necessárias à recuperação dos mananciais não contempladas no Plano Emergencial deverão constar dos Planos de Desenvolvimento e Proteção Ambiental de cada Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais (APRM). Art. 1º - O Plano Emergencial de Recuperação dos Mananciais da Região Metropolitana de São Paulo de que trata o artigo 47 da Lei n°. 9866, de 28 de novembro de 1997, será elaborado na conformidade do disposto neste decreto, em articulação com os Municípios. § 1º - O Plano Emergencial de Recuperação dos Mananciais da Região Metropolitana de São Paulo contemplará as ações e obras emergenciais consideradas necessárias nas hipóteses em que as condições ambientais e sanitárias apresentem riscos à vida e à saúde pública ou comprometam a utilização dos mananciais para fins de abastecimento. § 2º - Consideram-se obras emergenciais as necessárias ao abastecimento de água, esgotamento e tratamento sanitário de efluentes, drenagem de águas pluviais, contenção de erosão, estabilização de taludes, fornecimento de energia elétrica, prevenção e controle da poluição das águas e revegetação. § 3º - As demais ações necessárias à recuperação dos mananciais, que não puderem ser contempladas no Plano Emergencial, deverão ser remetidas aos respectivos PDPAs - Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental de cada Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais APRMs conforme o previsto no artigo 31, da Lei n°. 9866, de 28 de novembro de 1997.
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As leis específicas para as áreas de proteção e recuperação dos mananciais A primeira lei específica encaminhada à Assembléia Legislativa, o Projeto de Lei 85, de 2004, declara a Bacia Hidrográfica do Guarapiranga como manancial de interesse regional para o abastecimento público e cria a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Bacia Hidrográfica do Guarapiranga (APRM-G) . A proposta consubstancia o resultado de estudos desenvolvidos pela Secretaria de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento e pela Secretaria do Meio Ambiente, e de amplo debate realizado pelo Subcomitê Cotia / Guarapiranga, com a participação de representantes da sociedade civil e dos órgãos técnicos estaduais e municipais. Foi, ainda, aprovada e homologada pela Deliberação 34, de 15 de janeiro de 2002, do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) e pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). A Lei 9.866/97 determina que para cada APRM deve ser elaborada uma lei estadual que contemple: áreas de intervenção; metas de qualidade ambiental; normas para implantação de infra-estrutura de saneamento ambiental; mecanismos de compensação; monitoramento da qualidade ambiental – sistema gerencial de informações; licenciamento, fiscalização e penalidades. As Áreas de Intervenção destinam-se a orientar a implantação de políticas públicas direcionadas à proteção, recuperação e preservação dos mananciais, garantidas as especificidades de cada APRM. A Lei prevê três tipos de Áreas de Intervenção: • Áreas de Restrição à Ocupação (ARO), são aquelas com especial interesse para a preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais da bacia. • Áreas de Ocupação Dirigida (AOD), são as de interesse para a consolidação ou implantação de usos urbanos e rurais, desde que atendidos os requisitos que assegurem a manutenção das condições ambientais necessárias à produção de água em quantidade e qualidade para o abastecimento público. • Áreas de Recuperação Ambiental (ARA), são as ocorrências localizadas de usos e ocupações que estejam comprometendo a quantidade e a qualidade das águas, exigindo intervenções urgentes de caráter corretivo.
Estudos promovidos pelo Programa Guarapiranga evidenciaram que o maior problema do Reservatório Guarapiranga é a carga poluidora decorrente dos esgotos não tratados, que, correndo a céu aberto, chegam à represa. Com o intuito de diminuir a carga poluidora e flexibilizar os padrões de ocupação, a Lei Específica do Guarapiranga determina para cada município que pertence à bacia uma carga máxima a ser mantida. A meta de qualidade da água estabelecida no projeto de lei prevê uma redução da carga poluidora para 147 kg/dia de fósforo total, a ser alcançada no ano de 2015. Considerando que a carga atual é de 360 kg/dia, a proposta é bastante restritiva mas, por outro lado, possibilita que os municípios organizem o uso do solo dentro de padrões referenciais estabelecidos, uma vez que a Lei correlaciona a qualidade com os usos, a ocupação e o manejo do solo da bacia. Para cada Município foi estabelecida uma Carga Meta Referencial, conforme o artigo 8°. do Projeto de Lei 85/04. Artigo 8º - Ficam estabelecidas, como limite para o planejamento de uso e ocupação do solo municipal, as seguintes Cargas Meta Referenciais: I - Município de Cotia - 1,7 kg/dia de Fósforo Total; II - Município de Embu - 15,8 kg/dia de Fósforo Total; III - Município de Embu-Guaçu - 33,9 kg/dia de Fósforo Total; IV - Município de Itapecerica da Serra - 60,5kg/ dia de Fósforo Total; V - Município de Juquitiba - 0,4 kg/dia de Fósforo Total; VI - Município de São Lourenço da Serra - 1,2 kg/ dia de Fósforo Total; VII - Município de São Paulo - 106,2 kg/dia de Fósforo Total. Parágrafo único - As cargas poluidoras afluentes aos cursos d’água à data da publicação desta lei, correspondentes a cada uma das 130 (cento e trinta) sub-bacias em que está subdividida a Bacia Hidrográfica do Guarapiranga e agregadas por Município, são as constantes do Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental (PDPA).
A redução das cargas poluidoras afluentes ao Reservatório Guarapiranga será atingida mediante ação pública coordenada, considerando ações prioritárias aquelas que se relacionam ao disciplinamento e ao controle do uso e ocupação do solo; ao desenvolvimento de ações de prevenção e recuperação urbana e ambiental; à instalação e à operação de infra-estrutura de saneamento ambiental; à instalação nos corpos 93
hídricos receptores de estruturas destinadas à redução da poluição; e, finalmente, à ampliação das áreas especialmente protegidas, ou dedicadas, especificamente, à produção de água. A Lei prevê a implantação de uma infra-estrutura de saneamento ambiental não só no que diz respeito aos efluentes líquidos, mas também quanto aos resíduos sólidos e às águas pluviais, para o controle de cargas difusas. Quanto aos efluentes líquidos, o artigo 47 do Projeto de Lei 85 propõe: Artigo 47 - Na APRM-G, a implantação e a gestão de sistema de esgotos deverão atender às seguintes diretrizes: I - extensão da cobertura de atendimento do sistema de coleta, tratamento ou exportação de esgotos; II - complementação do sistema principal e da rede coletora; III - promoção da eficiência e melhoria das condições operacionais dos sistemas implantados; IV - ampliação das ligações das instalações domiciliares aos sistemas de esgotamento; V - controle dos sistemas individuais de disposição de esgotos, por fossas sépticas, com vistoria e limpeza periódicas e remoção dos resíduos para lançamento nas estações de tratamento de esgotos ou no sistema de exportação de esgotos existentes; VI - implantação de dispositivos de proteção dos corpos d’água contra extravasamentos dos sistemas de bombeamento dos esgotos.
Também os resíduos sólidos deverão merecer tratamento especial em conformidade com o artigo 50 do Projeto. Artigo 50 - A implantação de sistema coletivo de tratamento e disposição de resíduos sólidos domésticos na APRM-G será permitida, desde que: I - seja comprovada a inviabilidade econômica ou de localização para implantação em áreas fora da APRMG; II - sejam adotados sistemas de coleta, tratamento e disposição final cujos projetos atendam às normas existentes na legislação; III - sejam implantados programas integrados de gestão de resíduos sólidos que incluam, entre outros, a minimização dos resíduos, a coleta seletiva e a reciclagem, com definição de metas quantitativas. Parágrafo único - Fica vedada, na APRM-G, a disposição de resíduos sólidos domésticos provenientes de fora desta área, excetuada a disposição em aterro sanitário municipal já instalado até a data de publicação desta lei, desde que sua regularização seja promovida pelo Poder Público e observado o limite de sua vida útil.
O gerenciamento das águas pluviais e o controle de cargas difusas deverão ser feitos de acordo com o artigo 53:
A compensação para a regularização e o licenciamento do uso e ocupação do solo em desconformidade com os parâmetros e normas estabelecidos na Lei Especifica, ou nas legislações municipais compatibilizadas com ela, deverá ser efetivada por meio de medidas de natureza urbanística, sanitária ou ambiental consentâneas com as propostas e medidas de compensação aprovadas pelo órgão competente para o licenciamento de empreendimentos, usos e atividades na APRM-G. Nas áreas objeto de Programas de Recuperação de Interesse Social (PRIS), não haverá exigência de compensação ambiental para a regularização. O Sistema Gerencial de Informações que deverá ser implantado visa caracterizar e avaliar a qualidade ambiental da Bacia, além de subsidiar as decisões decorrentes das disposições da Lei. A Lei Específica do Guarapiranga é inovadora à medida que vincula o ordenamento do solo não mais a um modelo engessado em tamanhos de lote ou densidade populacional, mas, sim, à capacidade de suporte da bacia, estabelecendo a co-responsabilidade do Estado, dos Municípios e da Sociedade Civil na fiscalização e controle desses mananciais, e resgatando, acima de tudo, o planejamento como forma de induzir a ocupação de maneira adequada à manutenção da qualidade da água.
Artigo 53 - Na APRM-G, serão adotadas medidas destinadas à redução dos efeitos da carga poluidora difusa, transportada pelas águas pluviais afluentes aos corpos receptores, compreendendo: I - detecção de ligações clandestinas de esgoto domiciliar e efluentes industriais na rede coletora de águas pluviais; II - adoção de técnicas e rotinas de limpeza e manutenção do sistema de drenagem de águas pluviais; III - adoção de medidas de controle e redução de processos erosivos, por empreendedores privados e públicos, nas obras que exijam movimentação de terra, de acordo com projeto técnico aprovado; IV - adoção de medidas de contenção de vazões de drenagem e de redução e controle de cargas difusas, por empreendedores públicos e privados, de acordo com projeto técnico aprovado; V - utilização de práticas de manejo agrícola adequadas, priorizando a agricultura orgânica, o plantio direto e a proibição do uso de biocidas; VI - intervenções diretas em trechos de várzeas de rios e na foz de tributários do Reservatório Guarapiranga, destinadas à redução de cargas afluentes; VII - adoção de programas de redução e gerenciamento de riscos, bem como de sistemas de respostas a acidentes ambientais relacionados ao transporte de cargas perigosas; VIII - ações permanentes de educação ambiental direcionadas à informação e à sensibilização de todos os envolvidos na recuperação e manutenção da qualidade ambiental da APRM-G.
A Lei possibilitará, ainda, a regularização dos parcelamentos do solo, empreendimentos, edificações e atividades irregularmente instalados até 10 de outubro de 2001, data da vigência da Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade). Para que essa regularização seja possível, deverão ser cumpridas algumas exigências, como se depreende da leitura do artigo 66. Artigo 66 - A regularização dos parcelamentos do solo, de empreendimentos, de edificações e de atividades na APRM-G fica condicionada ao atendimento das disposições definidas no Capítulo VI desta lei, garantida: I - a comprovação da efetiva ligação do imóvel à rede pública de esgoto sanitário onde esta for exigida; II - a compensação dos parâmetros urbanísticos básicos exigidos nesta lei, ou na legislação municipal compatível, nas situações em que eles não estiverem atendidos, excetuadas as ações compreendidas nos Programas de Recuperação de Interesse Social - PRIS. Parágrafo único - A compensação de que trata o inciso II deste artigo deverá obedecer às disposições constantes da Seção III deste Capítulo.
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Este livro foi composto no Centro de Editoração da Secretaria de Estado do Meio Ambiente no outono de 2004.
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