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CULTURA

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Ela paga a conta

Nos últimos tempos a mulher vem conquistando posições importantes nos postos de trabalho. Seus companheiros, em contraparida, podem estar obtendo ganhos menores. Como enfrentar essa condição sem deixar que o relacionamento seja abalado?

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POR SIMONE PAULINO FOTO FLAVIA SARAIVA

Longe do tempo em que eram obrigados a arcar sozinhos com a responsabilidade de pagar todas as contas – restaurante, escola das crianças, motel, viagem de férias da família – os homens vêm dividindo com suas companheiras os gastos do casal e da família, sem grandes traumas. Mas agora, muitos estão às voltas com um novo desafio: encarar numa boa a condição de terem salários e rendimentos inferiores aos de suas mulheres.

Apesar de a maioria delas ainda ganharem menos do que os homens, há uma tendência de mudança já identificada pelos especialistas. Uma pesquisa, realizada pelo Grupo Catho, indica que daqui a 20 anos, 40% dos cargos presidenciais do setor privado serão ocupados por mulheres. Em outras palavras, a cada ano que passa deve-se tornar mais comum uma inversão que era impensável até bem pouco tempo. A questão é: será que homens (e mulheres) estão preparados para viver essa nova condição, sem deixar que ela afete seus relacionamentos?

Para o psiquiatra Luiz Cuschnir, autor do livro “Homens e Suas Máscaras”, que há mais de 30 anos estuda as identidades masculina e feminina, os homens precisam primeiro compreender que as relações afetivas hoje se baseiam em novos referenciais. “Os padrões machistas de ‘superioridade’ baseados no poder financeiro e físico, que exigiam muito pouco do homem do ponto de vista emocional e cultural, estão sendo substituídos. Hoje o homem caminha para uma situação em que depende muito mais da admiração que a mulher tem por ele em outros quesitos”, diz Cuschnir, que também coordena o Iden (Centro de Estudos da Identidade do Homem e da Mulher).

O importante, segundo ele, é que os dois consigam preservar suas identidades independentemente da conta bancária de cada um. “Num primeiro momento, o feminismo precisou marcar a igualdade – jurídica, sexualmente etc - mas hoje as mulheres já sabem que não precisam se masculinizar. O mesmo vale para os homens. Não é porque a mulher ganha mais que ele deve se sentir fragilizado ou diminuído, porque a masculinidade agora está assentada em outros valores”, defende o psiquiatra.

A antropóloga Mirian Goldenberg, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), autora do livro “Os Novos Desejos”, concorda. “Se a mulher estiver com alguém por quem ela nutre grande admiração, dificilmente a diferença de poder aquisitivo será um problema”, afirma. Ela diz que no caso de casais em que o homem é mais novo que a mulher, por exemplo, esse tipo de situação é quase uma constante. “Na maioria das vezes, ele, por ser mais jovem, ainda não se formou ou está em início de carreira, enquanto que ela já tem uma situação estável. Nem por isso eles vão deixar de jantar num restaurante bacana ou fazer uma viagem legal porque é ela quem vai bancar”, afirma.

Essa inversão de papéis sempre foi relativamente comum entre homens que têm carreiras cuja remuneração não segue os padrões convencionais, como músicos, escritores, artistas plásticos, fotógrafos, esportistas ou atores. Mas atualmente esse leque se ampliou bastante. São inúmeros os casos de pessoas que se revezam no papel de provedor da casa para que um e outro possam, por exemplo, investir durante um tempo na carreira.

É o caso do sociólogo Amauri (nome fictício), que durante alguns anos praticamente parou de trabalhar, enquanto a mulher bancava as contas do casal, para que ele pudesse concluir seu doutorado. Hoje ele ocupa um importante cargo na área de gestão em educação e os dois continuam juntos e felizes.

História semelhante foi vivida pelo gastrônomo Roberto (nome fictício). Depois de fazer um curso no Senac, ele decidiu cursar gastronomia. Como o curso era diurno, ele e a mulher combinaram que, enquanto ele estudasse, ela se responsabilizaria por todas as despesas. Dois anos depois, já formado, ele conseguiu trabalho num badalado restaurante paulista e pôde bancar as contas, enquanto ela ficaria um ano inteiro reavaliando a vida profissional e decidindo os novos caminhos que seguiria dali em diante.

Esse tipo de ‘contrato’, hoje muito comum, revela, segundo a antropóloga da UFRJ, uma flexibilização dos comportamentos e papéis nas relações homem-mulher que são uma tendência no mundo ocidental. Ela sugere que a cultura predominante ainda é a de que as pessoas valem pelo que têm, pelo que ganham ou pelo que podem comprar, mas esse também é um padrão que está em declínio – tanto para homens quanto para mulheres. “Conheço inúmeros casos de homens que estão optando por ganhar metade do que ganhavam para ter melhor qualidade de vida, sem se preocuparem se amanhã ou depois a mulher vai ganhar mais do que ele ou não. O lado bom de todas essas mudanças pelas quais a sociedade vem passando é que os homens agora podem escolher e até inventar o seu modo de ser e de viver, independente do antigo padrão de masculinidade, apesar de haver um modelo tradicional dominante”.

O que é meu é meu, o que é seu é seu

O psicanalista Durval Mazzei Nogueira, autor do livro “Macho, Masculino, Homem”, diz que casais que têm filhos precisam tratar a questão com cuidado para que crianças e adolescentes não sejam ‘contaminados’ por enunciados que incentivem preconceitos e conflitos. “Os filhos tendem a encarar numa boa esse tipo de situação, mas eles podem vir a depreciar a figura paterna se perceberem que está embutido no discurso da mulher ou dos familiares algum tipo de rejeição à condição financeira do pai”, alerta.

Segundo ele, existem alguns aspectos que precisam ficar muito claros para o casal de modo a evitar armadilhas inconscientes. Em primeiro lugar é necessário que os dois se conscientizem de que ganhar mais dinheiro é apenas um dos inúmeros símbolos que podem emprestar valor a alguém; em segundo lugar, observar atentamente se o laço de parceria estabelecido não está fundado nas bases do “o que é meu é meu e o que é seu é seu”. “Hoje é muito comum os casais não misturarem seus bens materiais e rendimentos, como se já estivessem se preparando de antemão para uma possível separação. E esse tipo de pacto, mesmo quando não verbal, é facilmente identificado por crianças e adolescentes”, exemplifica.

O ideal é que independentemente de quem ganha mais, a renda dos dois seja tratada como renda familiar. A questão agora é saber se a aquisição cabe ou não no orçamento da família.

Imagine a seguinte situação: o filho mais velho quer um tênis, um celular ou um carro, cujo preço é muito significativo em relação ao salário do pai, e quase insignificante em relação ao dinheiro que a mãe ganha. O que fazer para que o filho não confunda o poder ou não poder comprar com o valor que tem o pai ou a mãe? “Eis uma armadilha em que se pode cair quando o rendimento de cada um é tratado separadamente. O ideal é que, independentemante de quem ganha mais, a renda dos dois seja tratada como renda familiar. A questão então não será mais se o pai pode ou não pode pagar, mas se a aquisição cabe ou não no orçamento da família. Passa-se do que é meu é meu, para o que é meu, é nosso, e todos ganham com isso”, define.

PARA SABER MAIS:

Homens e Suas Máscaras Luiz Cuschnir Editora Campus

Os novos desejos Mirian Goldenberg Editora Record

Macho, Masculino, Homem Durval Mazzei Nogueira Filho Editora LP&M

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