Terri brisbin hq historicos 162 coração honrado

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Laços de redenção... Christian Dumont passou a vida sendo cobrado pelos pecados do pai. Agora, um matrimônio lhe dará a oportunidade de recuperar seus bens. Lady Emalie Montgomerie não se opõe ao casamento, contudo, carrega um segredo que coloca em risco o futuro da união. Ainda que no coração sua honra permanecesse intacta, Emalie sabia que deitar-se no leito nupcial sem ser pura era um erro imperdoável. Ainda assim, o desejo que ardia no olhar de Christian dava-lhe esperanças. Mas será que ele aceitaria a criança de outro homem?


Emalie estava esperando um bebê, mas o filho não era dele. Com a visão turva, ele se apoiou na parede para não cair. Emalie o traíra. Ela havia se entregado a outro homem e agora geraria o fruto do pecado. Depois de tudo, ele sentiu que seria humilhado e desonrado novamente. Sua família carregaria aquele fardo por causa de Emalie. Aos poucos o ódio e o desejo de vingança foram tomando o lugar da surpresa inicial. Era preciso fazer alguma coisa para preservar a honra, embora a raiva o estivesse impedindo de pensar claramente. Aos poucos foi recuperando a frieza para raciocinar e conseguiu unir algumas peças do quebracabeça. Estava claro que Eleanor sabia de tudo desde o princípio. Richard também, mas foi a rainha que arquitetara o plano. Lembrou-se das palavras dela na noite do casamento: Imagino que vocês não negarão o casamento pela manhã, não é? A ironia da situação chegava a ser cômica. Vendera a alma para recuperar a honra da família e agora estava prestes a perdê-la novamente quando viesse a público que ele não era o pai daquela criança.


Querida leitora, O ex-conde de Angier, Christian Dumont, sonha em recuperar a honra e as terras de sua família. A rainha atende seu pedido desde que ele se case com a doce lady Emalie. Christian aceita sem questionar, contudo logo descobre que sua esposa carrega um terrível segredo que poderá destruir seus planos. Boa leitura! Equipe Editorial Harlequin Books


Terri Brisbin

CORAÇÃO HONRADO

Tradução Silvia Moreira

2015


Capítulo 1

Castelo de Greystone, Lincolnshire, Inglaterra – Maio, 1194

ELEANOR PLANTAGENET, rainha da Inglaterra, pelo designo de Deus, observou sua protegida ereta e orgulhosa. Apesar de querer gritar de ódio ou chorar de pena pela suspeita de que aquela jovem havia sido abusada, ela se conteve. Apenas uma atitude sua poderia salvar o reinado e provavelmente a vida daquela moça. Como sabia que seu filho era culpado pelo abuso e ciente de que ele não descansaria até que satisfizesse seus desejos, ela decidiu lograr os planos dele. – Emalie, vou perguntar mais uma vez – disse a rainha. – Qual o nome do homem que a desonrou? – Não sei do que está falando, Vossa Graça – respondeu Emalie, sem olhar para a rainha. – Não sou boba e não quero que você me trate como tal! – exclamou Eleanor, tentando fazer com que Emalie se assustasse e dissesse a verdade. Entretanto, Emalie limitou-se a juntar as mãos sobre o colo, mas não mudou a atitude ou mostrou vontade de responder. Eleanor colocou as mãos nos braços da cadeira para se aproximar da moça e fazer outra pergunta, mas foi interrompida por uma comoção do lado de fora do solário. Ouviram-se vozes exaltadas e em seguida a porta se abriu num rompante. Os guarda-costas da rainha tentaram inutilmente impedir que o filho dela irrompesse no quarto. Ela sinalizou para que desistissem e os guardas retomaram suas posições, um de cada lado da porta. – Madame – John cumprimentou a rainha de maneira arrogante e se aproximou –, a senhora está muito bem hoje. – Em seguida, inclinou a cabeça e a beijou no rosto. Eleanor procurou não se abalar pelo tom de voz dele e o encarou nos olhos. Em momentos como aquele, ela não saberia explicar como havia gerado uma víbora daquelas. – Dei ordens para não ser perturbada e poder ter um pouco de privacidade para conversar – disse


ela, levantando-se para enfrentá-lo com a verdade. – As ordens eram para manter você especialmente longe daqui até que eu permitisse sua entrada. – Ah… – resmungou ele, postando-se na frente de Emalie. – Aqui está a linda lady Emalie Montgomerie – prosseguiu ele, inclinando-se para beijar a mão da moça. Emalie não estava muito acostumada a ignorar os gestos de John, mas puxou a mão evitando o contato. Quando ele sorriu com malícia sem pretender esconder suas intenções, ela empalideceu. – Mamãe, imagine se seus guardas me impediriam de entrar quando uma dama tão adorável estava à minha espera aqui dentro. Eleanor notou que, mesmo sem perceber, Emalie estava se aproximando dela, cada vez mais, na certa em busca de proteção. John também notou e postou-se entre as duas. – John! Pare com isso! Pare de brincar com ela e me diga por que veio me interromper. – Eleanor seguiu até uma das duas cadeiras de espaldar alto diante da janela e fez um sinal com a mão para que Emalie se sentasse na outra, sem desviar o olhar até ser obedecida. Pela postura da moça, ficou claro que ela era uma amadora quando se tratava de homens. – Estou aqui em nome do meu amigo, William DeSeverin – disse John, seguindo até as janelas e olhando para fora com uma de suas expressões favoritas de desdém. As palavras e a postura de John eram um prenúncio de algo nada bom. – O que ele tem a ver com lady Emalie? – Ele se arrepende do excesso de zelo que demonstrou a você, minha querida – disse John, relanceando o olhar para Eleanor, depois para seu verdadeiro alvo, Emalie. – Ele quer se apresentar para salvar você da desgraça. – Vossa Graça, não preciso que ninguém me salve de nenhuma desonra – respondeu Emalie com toda a calma. – Isso é bobagem, milady, o castelo e a vila inteira sabem do que estou falando. Eleanor não podia permitir que ele continuasse e precisava recuperar o controle da situação. – Eu também não acho que sir William precise salvar Emalie. – Mamãe, conforme eu disse na mensagem que a trouxe aqui, William confessou ter levado a condessa para a cama e agora pretende se casar com ela para evitar a desonra. – Vou dizer de outra forma: não vejo razão para esse casamento. – As criadas dela sabem… – As criadas juraram por suas almas imortais que Emalie é inocente. – Elas estão mentindo, eu… – Você, John? Você por acaso tem alguma coisa a ver com a tentativa de desonrar a Condessa de Harbridge? Acho que seria muita audácia até mesmo para você. E muita coragem, já que seu irmão tinha muita estima pelo pai dela quando ainda era vivo. – Bastou olhar para o filho para que Eleanor soubesse a verdade. O objetivo de John era conquistar Emalie, William tinha sido apenas uma marionete e a desgraça da moça seria sua arma. Em vez de responder de imediato, ela observou a moça. Emalie estava pálida e a respiração em descompasso anunciava que ela estava prestes a desmaiar. Eleanor se sentiu enjoada ao compreender as intenções de John. – Falei com todas as pessoas que você mencionou e só ouvi elogios, nenhum dos criados disse qualquer coisa que desabonasse sua ama. Os habitantes do vilarejo também não disseram nada. Pelas respostas que obtive, não me resta alternativa senão recusar o pedido de William à mão da condessa. – Acho que a senhora devia pensar melhor – retrucou John com a voz mais ameaçadora do que


quando perdera o controle e gritara sua raiva para o mundo. – Richard é o rei mais uma vez e não permitirá um golpe como esse pelo controle. Acho que é hora de você e seus comparsas virarem esses olhos de rapina para outro lado. A conversa está encerrada. – Eleanor chamou os guardas. – Escoltem milady para o quarto dela e não permitam que ninguém os impeça. – Ela acenou com a cabeça para que Emalie os acompanhasse. Emalie se levantou e dobrou os joelhos numa reverência à rainha e endireitou as costas para sair do solário como a Condessa de Harbridge e não como a mocinha apavorada de minutos antes. John a fulminou com um olhar de luxúria quando ela passou e saiu da sala. Ah, isso não tinha terminado ainda. E para confirmar os piores temores da rainha, ele vociferou: – Não estou nem um pouco contente com sua interferência, milady. – Contente ou não, estou aqui para atender seu chamado. E ficarei até ter certeza de que Emalie esteja em segurança. – Ou até que outra coisa chame sua atenção em outro lugar. – John se aproximou da rainha, inclinando-se mais uma vez, beijou-a no rosto e sussurrou: – Volte a se preocupar com Richard e deixe a Inglaterra para mim, sua velha. Eleanor sentou-se e ficou imóvel até a víbora deixar a sala e os guardas fecharem a porta. Então, pela primeira vez em muito tempo, Eleanor, rainha da Inglaterra, sentiu o peso de seus 72 anos sobre os ombros. O peso a deixou sem ar enquanto procurava uma solução para o dilema.


Capítulo 2

Província de Anjou, França – Junho, 1194

CHRISTIAN DUMONT rangeu os dentes, pensando como parar o barulho dos ratos que corriam de um lado e para outro no chão úmido da cela. Durante os meses de aprisionamento, ele aprendera como ignorar os sons dos roedores, os gritos dos outros homens e até mesmo seu estômago roncando. No entanto, não conseguia ignorar a tosse constante do irmão mais novo, Geoffrey. Ao ouvir outro acesso de tosse, ele correu para o lado do irmão e ajudou-o a se sentar. Geoffrey estava fraco e cada dia mais magro. Os tapas nas costas ajudavam a aliviar os espasmos, que cada vez ficavam mais constantes. Christian não podia fazer mais nada a não ser observar Geoffrey tremer inteiro a cada ataque, mas aos poucos ele voltava ao normal e conseguia respirar sem tanto esforço. – Já passou, Chris. Estou melhor – sussurrou Geoffrey empurrando o irmão. Christian se levantou para buscar o restinho de água do balde no canto da cela. Os ombros curvados mostravam o quanto Geoffrey se sentia humilhado ao aceitar o copo de água. – Não vai durar muito tempo. – Aye, ainda temos água para um dia ou dois. – Christian sabia que o irmão não tinha forças suficientes para atravessar a cela e verificar a água do balde. Era melhor mentir, pois Geoff ficaria mais fraco se soubesse a verdade. Christian cobriu o irmão até os ombros e o ajudou a se deitar de novo. As moedas que tinham haviam acabado havia quase uma semana, o que significava que não teriam mais muita ajuda dos carcereiros. A ajuda só vinha se os Dumont colocassem moedas de ouro nas mãos deles ou lhes dessem suprimentos, que tinham acabado havia muito tempo. Christian havia vendido todas as suas posses, menos o anel de selo do pai, para ter comida e água para a sobrevivência do irmão naquele maldito lugar.


Virando-se de costas para o irmão, ele tocou o anel, preso a um cordão no pescoço. Aquilo era tudo o que restava do pai deles… da herança… da fortuna. A família forte e poderosa dos Dumont havia chegado ao fundo do poço. Ele riu com amargura. E tudo por causa dos esforços inúteis e perigosos de seu pai para apoiar o homem errado. Richard, Coeur de Lion, ao herdar o trono do pai, ignorou a maioria dos nobres que haviam apoiado a batalha de Henrique II contra os filhos e a esposa. Um rei podia ser muito magnânimo na vitória. Mas não foi o que o rei sentiu ao ser libertado da prisão e ter de enfrentar as tramoias do irmão. Os anos da soberania de John Lackland, que manteve controle sobre as propriedades dos Plantagenet, e a perda de muitas terras no continente mudaram a face do reinado e Richard estava determinado a limpar a casa. E a Casa dos Dumont foi um de seus primeiros alvos. Christian passou a mão na testa e suspirou com cuidado para que o irmão não percebesse os sinais de desespero em seu rosto. Ele já não tinha mais ideias nem dinheiro. E logo, se nada mudasse a situação, não teriam mais tempo também. OS GRITOS dos guardas o acordaram na manhã seguinte. Ao olhar para o colchão de baixo viu que Geoff respirava tranquilamente ainda dormindo. Christian se levantou e se espreguiçou, alongando os músculos há muito tempo sem exercícios. Ao ouvir seu nome, olhou e viu um grupo de soldados vindo pelo longo corredor ladeado de celas. – Aye, você, Dumont. Você tem de vir conosco – disse o guarda, que vinha acompanhado por dois outros soldados, enquanto outro ficou perto da porta do calabouço. Christian achou graça da necessidade de precisar ser levado por quatro soldados. Talvez em dias melhores fosse mesmo necessário, mas não agora. Imaginou se Geoffrey também seria levado. – Nay, o filhotinho de gente não precisa vir – respondeu o guarda antes mesmo de Christian perguntar. – Estão chamando apenas o filho mais velho do traidor. Christian riu de lado com a lembrança de sua nova posição. Um traidor. O pai havia desonrado todos os que haviam nascido ou que ainda nasceriam com o nome de Dumont por causa de seus atos traiçoeiros. Um dos guardas o segurou pelo braço para puxá-lo, mas ele se livrou. Não adiantou muito, pois outros dois soldados o prenderam com mais força e o arrastaram pelo corredor. O grupo seguiu pelo pavimento inferior úmido do castelo e subiu dois lances de escada até o piso principal. Conforme passavam por outras celas, os prisioneiros gritavam palavras de coragem e insultos. Christian lutou para acompanhar os passos dos soldados. Não queria ser arrastado para seu destino, estava disposto a enfrentar o que o aguardava como homem, como guerreiro conforme havia sido treinado. Ele defenderia a parca honra da família apesar dos erros do pai. Os raios de sol, que se infiltravam pelas janelas altas de vidro, torturaram os olhos dele. Depois de muito tempo no breu do calabouço, ele não estava pronto para enfrentar a luz do dia. Em um esforço inútil, tentou toldar os olhos com a mão, mas foi impedido pelos guardas. Eles entraram numa sala cavernosa acompanhados pelo eco dos passos sobre o piso de pedra. Ao chegarem do outro lado da sala, diante de um palanque, o grupo parou. Christian foi jogado no chão e, incapaz de se levantar de imediato, continuou estirado sobre o piso frio, tentando recuperar a respiração. Ao ouvir sussurros e murmúrios, ele olhou de um lado para outro para identificar de onde vinham as vozes. Mesmo que seus olhos ainda não tivessem se acostumado à luz, ele afastou o cabelo


emaranhado de cima deles e os esfregou. Depois de muito esforço, conseguiu ficar em pé. A mão pesada que sentiu no ombro o obrigou a ficar ajoelhado. Ao olhar para o tablado, viu-se na presença do rei, por isso a reverência. Em seguida baixou a cabeça, esperando ser julgado. Como o irmão mais velho, ele podia aceitar a morte, embora fosse contestá-la, mas não perderia o controle. O mais importante é que de alguma forma conseguisse salvar Geoff do mesmo destino. – Ah, aí está o Conde de Langier… antes tarde do que nunca. O rei começou a rir do que dissera e os outros presentes o acompanharam. Christian perscrutou a sala e aqueles que ladeavam Richard e não reconheceu ninguém – ninguém diria nada a seu favor, ou para apoiar a causa. – Levante-se, Dumont, quero olhar sua cara enquanto fala. Christian se levantou, fazendo o possível para se manter equilibrado, e tocou nas mangas da túnica. Pela primeira vez na vida, ele se sentiu envergonhado de estar diante do rei com aquela aparência tão desleixada. Na verdade, ele nunca prestara muita atenção em decoração ou em vestimentas magníficas, mas depois de meses encarcerado, até o mais simples dos detalhes lhe chamava a atenção. Ele até sonhava com roupas limpas e bem-feitas, comida, água, ar fresco e a luz do sol. Ao olhar para o tablado, percebeu que o Rei Richard e os outros estavam sentados a uma mesa. O perfume de carne cozida, pão quente e queijos o deixou com a boca cheia de água. Num ato impensado, umedeceu os lábios ressecados com a ponta da língua e deixou-se embriagar mais uma vez pelo aroma das iguarias. – Venha, Dumont, junte-se a nós à mesa. Acho que a comida que estão servindo no calabouço não está à altura das expectativas do Conde de Langier. Christian sabia que o rei estava fazendo troça, mas não resistiu ao imaginar o sabor da comida quente e fresca, em vez de uma poção cheia de insetos rastejantes, e andou lentamente até o banco para o qual o rei apontava, que ficava bem no final da mesa. Aqueles que estavam próximos se afastaram com cara feia e rindo da aparência dele. Se não fosse o convite do rei, eles teriam saído correndo dali. Uma criada serviu Christian de vinho, colocou um prato de comida diante dele e se afastou rápido, mais um sinal do péssimo estado em que ele estava. Mas Christian não estava nem um pouco preocupado com o olfato alheio, pois aquela seria sua primeira refeição decente desde que havia sido preso dois meses antes. Assustou-se quando um menino apareceu de repente a seu lado, trazendo uma bacia de água. Na masmorra não precisava de bons modos, tanto que ele havia esquecido até os obrigatórios. Depois de hesitar por um instante, mergulhou as mãos na água e enxugou-se com uma toalha estendida pelo pajem. Indiferente à humilhação por ter encardido a água e a toalha, ele voltou a atenção para a mesa. Olhou para os lados, procurando alguma coisa onde embrulhar um pouco de comida para Geoff. Um pedaço de pão e queijo seria um banquete na situação em que estavam. Se ele matasse a fome, não precisaria dividir a porção que levaria para a cela. Com as mãos trêmulas de fome e desespero, ele pegou o pão para cortá-lo e levá-lo à boca. Fechou os olhos para saborear o gosto e a textura do alimento. Havia muito tempo mesmo que não comia nada tão bom. – Fora da igreja, durante a comunhão, nunca vi ninguém reverenciar tanto um pedaço de pão. O que você acha, Ely? – disse Richard em tom de zombaria de sua posição no centro da mesa. O bispo de Ely, chanceler de Richard, murmurou algumas palavras que Christian não ouviu e não se interessou muito na resposta, porém os demais começaram a rir. Sem se deixar abater e não querendo


ver aqueles rostos cheios de sarcasmo, ele continuou comendo o pão. O gole de vinho que tomou em seguida o ajudou a ignorar a zombaria. A dor não era apenas da fome, mas da constatação de que havia apenas alguns meses ele também teria participado daquele tipo de jogo. E não teria sentido nenhuma vergonha ou remorso em humilhar alguém numa posição inferior diante do rei. Durante o tempo de prisão, ele havia aprendido muito e nem tudo tinha sido fácil. Christian não tremeu tanto ao se servir de mais um pedaço de pão. Mastigou devagar para apreciar o sabor e evitar mal-estar por comer rápido. Foi preciso se controlar muito para não enfiar toda a comida na boca de uma vez como era sua vontade. Se não se comportasse como um prisioneiro detestável os presentes à mesa não teriam tanto motivo para pilhagem, por isso ele se forçou a se servir de um pedaço por vez. Apesar da situação, mostraria a dignidade dos membros da família Dumont de Langier. Pouco tempo depois, o Rei Richard fez um sinal com a mão indicando que a refeição havia terminado e dispensando os presentes. Christian entrou em pânico, pois ainda não tinha conseguido guardar nada para Geoffrey, e procurou por algum bolso na túnica ou qualquer lugar onde pudesse esconder um pedaço de pão e queijo. – Guillaume? Como o conde chegou à mesa muito tarde, peça a alguém para levar o prato dele para a cela. O criado que estava perto do rei meneou a cabeça e seguiu até o final da mesa. Depois colocou numa bandeja o que havia sobrado de pão e queijo. – Ah, Guillaume? Certifique-se de que a bandeja chegue à cela sem demora e do jeito que está – ordenou Richard, usando de ironia até num ato de bondade. Se fosse preciso, Christian estava disposto a se ajoelhar e beijar os pés e as mãos do rei para conseguir levar comida para Geoffrey. O criado colocou um guardanapo de linho sobre a bandeja e saiu da sala. Quando todos saíram, Christian ficou sozinho com o rei. Havia chegado a hora de saber a razão por ter sido chamado, sabendo que o convite estava longe de ser um ato de generosidade. Richard se levantou e se aproximou do final da mesa. Christian fez menção de se levantar, mas o rei sinalizou para que continuasse sentado. Christian obedeceu, mas prevendo que o pior estava por vir, pegou o cálice de vinho e o esvaziou em poucos goles. Qual não foi sua surpresa quando Richard encheu o cálice dele de novo e se sentou num banco próximo. – Seu pai está morto e eu tenho o controle das suas terras e fortuna – começou a falar Richard –, os únicos remanescentes da família são você e seu irmão. Bastaria que eu levantasse a mão para me livrar da família Dumont para sempre. Christian não tinha alternativa senão concordar com a cabeça, ciente de que a sua situação e do irmão era precária. O rei lhe estava lembrando quem estava no poder. – Acho que você é a pessoa ideal para executar um serviço para mim. – Um serviço, Vossa Majestade? – Christian tentou não ficar muito esperançoso com o que o rei havia dito. – Aye, minha mãe pediu que eu o mandasse para a Inglaterra para que você provasse que não foi contaminado pelos pecados do seu pai. – Para a Inglaterra? Não posso provar minha lealdade ao senhor aqui no Castelo d’Azure? – Christian ansiava em voltar para a propriedade da família, lugar onde havia nascido. – Não se preocupe, suas terras estão sendo cuidadas desde sua prisão, diferente de outras propriedades. – O rei não tinha se esquecido de que John havia tomado à força suas terras na


Inglaterra. – O que devo fazer na Inglaterra? – Christian queria saber logo por que Richard queria deixá-lo viver e que serviço deveria prestar. – Como sempre, minha mãe se limitou a me pedir para mandá-lo à Inglaterra e não me deu nenhuma explicação. – Richard riu enquanto falava. – Aprendi há muito tempo que minha mãe não dá satisfações a ninguém além daqueles que escolher. Meu pai sempre reclamava desse defeito dela. Assim dizendo, ele se levantou e atravessou o tablado até uma porta lateral. Depois de abri-la, um sacerdote surgiu carregando um maço de papéis e o seguiu de volta à mesa. O sacerdote arrumou os documentos em pilhas pequenas sobre a mesa e, ao terminar, sentou-se esperando ordens de Richard. Christian também aguardou. – Aqui estão os documentos das suas terras em Poitou e uma soma dos seus bens. E isto – disse Richard, levantando um dos pergaminhos e inclinando-o na direção de Christian – é um documento devolvendo o título de Conde de Langier passado por herança a você e a seus descendentes. Eu assino tudo se você concordar em prestar qualquer serviço que minha mãe solicitar quando da sua chegada à Inglaterra. Christian ficou sem palavras, embora quisesse gritar. Aqueles documentos significavam que tudo lhe seria devolvido: o nome, a fortuna, as propriedades, a honra. Mas antes de aceitar precisava saber o que o esperava na Inglaterra. – Qual é a tarefa que devo executar? Richard bateu com a mão sobre a mesa com tanta força que os pergaminhos voaram para todos os lados. O sacerdote piscou várias vezes, mas não pareceu assustado, como se já estivesse acostumado com os ataques do rei. – Estou lhe oferecendo tudo o que lhe é mais precioso e você tem a ousadia de me questionar? Eu poderia jogá-lo de volta naquela masmorra e ninguém nunca mais ouviria o nome Dumont de novo. É isso que quer? Morrer como filho de um traidor? Os filhos de um traidor? Christian engoliu em seco, procurando disfarçar o terror que o abalou quando o rei enfatizou claramente quais seriam os resultados se ele se recusasse a executar aquele serviço indefinido. – Nay – respondeu, levantou e baixou a cabeça em reverência ao Rei Richard. – Então, dê sua palavra e eu providenciarei para que você recupere as terras, limparei seu nome de qualquer resquício de traição e libertarei seu irmão da prisão também. Christian chegou a hesitar, mas logo deu a palavra ao rei de que faria o serviço, sonhando com sua reintegração à vida normal. Nunca havia deixado de rezar para conseguir reverter a situação em que ele e Geoff estavam e agora o rei o presenteava daquela forma. Ele não podia perder a oportunidade de recuperar sua honra. – Estou às suas ordens, Vossa Majestade. – Christian se ajoelhou para reverenciar o rei, estendendo as mãos para cima. Richard segurou as mãos de Christian com uma das mãos e colocou a outra sobre a cabeça dele. – Sendo assim, eu devolvo seu título de Conde de Langier e o torno meu vassalo. As propriedades e a fortuna da família Dumont voltarão para você, porém permanecerão sob a custódia do chanceler da Coroa até o término de seus serviços. Christian olhou para o rei. Tinha recuperado tudo, mas não de fato. – Você tem uma semana antes de partir para a Inglaterra. Use bem esses dias – disse o rei. – Leve seu irmão de volta ao Castelo d’Azure e volte para se apresentar a mim na próxima terça-feira.


Christian se levantou e deu um passo atrás. Ele estava a salvo! Geoff também viveria! A honra da família estava restaurada. E tudo em troca de uma tarefa para a Rainha Eleanor. Ao pensar nisso, ele teve uma sensação ruim. E se o preço fosse muito alto? E se não conseguisse cumprir a tarefa misteriosa? Nay, não podia falhar… os futuros herdeiros da família Dumont e do título de Langier, e acima de tudo seu irmão, dependiam dele. Richard seguiu até a mesa e assinou os vários pergaminhos. Christian assinou em seguida onde o sacerdote indicou. Depois de dar mais algumas instruções ao sacerdote e cumprimentando Christian com a cabeça, o rei desceu os degraus do tablado e atravessou o salão. Mas antes de sair virou-se para trás novamente. – Langier – o rei chamou Christian pelo nome restaurado –, depois me conte se meu irmão está envolvido nisso tudo. Sinto o cheiro das tolices dele através do Canal, mesmo quando ele se diz inocente. Christian meneou a cabeça, concordando com o último pedido. – Quero que se reporte a mim e a mais ninguém. O rei saiu do salão sem ouvir a resposta, deixando Christian perplexo e confuso.


Capítulo 3

OS RAIOS de sol atravessavam as grandes janelas de vidro da sala que o pai havia construído para agradar a mãe dela. Emalie se mexeu sobre a almofada tentando em vão ficar mais confortável. Recostando-se, ela olhou para as outras pessoas da sala. Todos estavam contentes e ocupados com o tear, um bordado ou uma costura até quando ainda houvesse a luz do dia. Emalie, porém, não estava ocupada com nada. Ela não passava muito tempo no solário desde a morte da mãe. Sem conseguir continuar parada e ansiosa para sentir a brisa do verão no rosto, ela segurou as saias e se levantou. Os outros ficaram em silêncio. – Está precisando de alguma coisa, milady? – perguntou uma das criadas, deixando o bordado e levantando-se para atendê-la. – Nay, Alyce. Pode ficar aqui. Quero apenas respirar um pouco de ar puro. Volto logo – respondeu ela, esperando que ninguém a questionasse, mas percebeu que lady Helene franziu o cenho. A criada da rainha havia passado a maior parte da semana seguindo Emalie, que sabia que todos os seus atos eram repassados para Eleanor. Qualquer coisa que fizesse, ou pessoa que falasse, estava sob supervisão. Ela ficava irritada porque, mesmo já fazendo meses que herdara a propriedade do pai, havia sido relegada à função de simples anfitriã. Eleanor havia expulsado John e seus criados depois da discussão no dia que chegara e colocara seus serviçais nas funções principais do castelo e da propriedade. Emalie passava os dias no solário costurando e fiando, ou rezando na capela. Eleanor enfatizou a importância e o poder da oração na vida de uma moça no segundo dia que ela havia chegado a Greystone. Havia um novo sacerdote para celebrar a missa todas as manhãs e a rainha insistira para que Emalie assistisse a todas elas. Um novo capitão da guarda trabalhava com o de Emalie, o cozinheiro novo brigava com o antigo pelo controle da cozinha e até algumas criadas pessoais haviam sido substituídas. Eleanor fazia o máximo possível para tentar saber a verdade, principalmente quando suspeitava que


John havia sido culpado, por isso era inclemente e persistente. Emalie ignorou o olhar de Helene e suas tentativas de segui-la pelo castelo. Ao menear a cabeça para sua criada, ela saiu rapidamente do solário, seguiu por um corredor até a escadaria que levava ao piso mais alto da torre do canto. Chegando lá em cima, empurrou uma porta e saiu para o adarve que circundava o castelo. Sentiu o vento forte de um dia de sol de junho levantar seu cabelo e balançar as roupas. Ao sacudir a cabeça para afastar as mechas de cabelo no rosto, ela fechou os olhos deixando que o vento lhe acalmasse os nervos. Debruçando-se sobre uma das ameias, permitiu que as lágrimas represadas durante semanas escorressem pelo rosto. Ela havia perdido totalmente o controle de sua vida. Ah, sabia que uma mulher não controlava muito a própria vida, mas seu pai a fizera acreditar que ela seria diferente. Mesmo que estivesse certo ou errado, ela agora tinha saudades de quando apenas os Montgomerie governavam Greystone, dos dias em que seus pais estavam vivos e seu sonho era ter um marido para amar e protegê-la. Bem, os sonhos haviam acabado e a vida dela não mais lhe pertencia graças à fome insaciável de John Lackland e seus companheiros. Mesmo tendo frustrado sua manobra, ela sabia que era apenas uma questão de tempo para que o castelo caísse nas mãos dele assim como havia acontecido com outros tantos. Apesar de o Rei Richard ter se libertado do cativeiro, John ainda tentava manter o controle sobre a Inglaterra e o Castelo de Greystone não escaparia de sua ganância. O que ela não esperava, no entanto, era a atração que ele havia demonstrado. Nessas horas ela sentia falta da presença e orientação da mãe. Ela sabia como homens e mulheres se portavam. Era difícil crescer num castelo e no vilarejo sem notar o que se passava entre os casais. Talvez fosse uma otimista tola, mas não era burra. Emalie sabia que Eleanor estava procurando um marido para ela. Esta seria a única forma de manter John afastado e impedir que William fizesse uma nova tentativa para “persuadi-la” a se casar. As lágrimas voltaram a se empoçar nos seus olhos ao lembrar a conversa que havia tido. Virando-se de costas para o vento, afastou o cabelo do rosto de novo e o prendeu sob a touca de rede atrás da cabeça. Gostaria de mudar o passado e desejava poder escolher o futuro. Entretanto, sua única opção era enfrentar o que estivesse por vir e manter a dignidade e a honra que seus pais haviam ensinado desde a infância. Segurando as saias, Emalie se preparou para voltar ao solário. Depois do breve passeio e da sensação de liberdade proporcionada pelo vento, ela se sentia calma e renovada para voltar e enfrentar as mulheres no solário. Embora não estivesse preparada para enfrentar o destino, estava pronta para lidar com a desaprovação de Helene por causa de sua fuga. Ela estava prestes a sair dali quando a porta se abriu de repente levando-a a perder o equilíbrio e se escorar na parede. – Milady! – Sir Walter, o capitão da guarda de Greystone, segurou-a pelo braço. – Desculpe-me, eu não a vi atrás da porta. Emalie passou a mão no cotovelo machucado enquanto o homem em quem confiava a vida a ajudava a se equilibrar. – Estou bem, sir Walter, não se preocupe. Você estava procurando por mim ou apenas fazendo a ronda? Walter ficou vermelho, enfatizando os traços rudes de seu rosto. Antes de responder, ele correu os dedos pelo cabelo farto.


– Sua Graça requer sua presença, lady – disse ele, sem encará-la nos olhos. – Sou eu que devo me desculpar, sir Walter. – Emalie colocou a mão sobre o braço dele. – Você devia ser o chefe da guarda em vez de um simples mensageiro. Seus serviços sempre foram muito valorizados aqui em Greystone, por isso você não devia ser tratado dessa maneira. Emalie sentia muito não poder devolver a seu fiel capitão a posição de honra e responsabilidade na hierarquia de Greystone. Antes de a rainha decidir sobre seu casamento, ela não tinha voz ativa em nenhuma decisão na administração do castelo. E teria menos controle ainda depois do casamento. Ela suspirou e se afastou de Walter, dessa vez sendo ela a não fitá-lo nos olhos. – Você pode me acompanhar ou está ocupado com outras tarefas? – Será uma honra levá-la até o solário. – Walter ofereceu o braço dourado para que ela apoiasse a mão. Depois abriu a porta e a conduziu para as escadas. Eles permaneceram em silêncio até chegarem perto do solário, a uma distância suficiente para não serem ouvidos. – Milady, lembre-se de que eu prometi a seu pai que cuidaria pessoalmente da sua segurança. Estarei sempre presente se precisar – disse Walter com a voz rouca. Emalie sentiu um nó na garganta de emoção pela lealdade do capitão. – Não me esquecerei disso jamais, sir Walter. – Milady, todos sabemos… – Então não devemos mais falar no assunto – ela o interrompeu. Ela não devia nem podia falar do que havia acontecido. Um dos guardas reais abriu a porta do solário e Walter fez uma vênia para se despedir. Emalie entrou na toca dos leões sem a presença do único protetor que conhecia. Aquele que havia sido dispensado na noite em que… Respirando fundo, ela recuperou o controle e entrou para enfrentar a rainha. Surpresa por encontrála só, Emalie fechou a porta e se aproximou da madrinha. – Se bem me lembro, você o achará bonito de rosto e com o corpo forte de um guerreiro. A família dele governa o Castelo d’Azure em Poitou por gerações. – Eleanor começou a falar de frente para a janela e de costas para Emalie. Emalie ficou confusa ao ouvir falar de um desconhecido, mas o tom de voz da rainha a deixou desconfiada, prevendo o pior. – De quem está falando, Vossa Graça? – perguntou com a voz trêmula. – Christian Dumont, Conde de Langier. Filho de um dos meus primos mais queridos e seu futuro marido. Emalie ficou perplexa. Ao entender do que se tratava, ela sentiu a indignação correr pelo seu corpo como se fossem labaredas. Até então, pensava estar em segurança e que recuperaria o controle de Greystone com a partida de John. Agora estava noiva de Christian Dumont? Como assim? Eleanor não a tinha prevenido de nada, nenhum aviso daquele revés inesperado. E agora a rainha falava com a serenidade de alguém que constatava o óbvio. – Vossa Graça, não tenho intenções de me casar. Como eu já havia dito a seu filho, não há razão para tanto. – Emalie procurou manter a calma e tentar encontrar um jeito de sair daquela situação. – Emalie, venha se sentar aqui comigo. Precisamos discutir alguns assuntos. Eleanor se sentou numa das cadeiras de espaldar alto e aguardou. Incapaz de adiar o inevitável,


Emalie aceitou o convite e se acomodou na outra cadeira. Depois de conseguir se acalmar, olhou para Eleanor. – Fui casada com dois reis e gerei pelo menos mais um – disse Eleanor, encarando-a diretamente. Emalie se forçou a fitá-la da mesma forma. – Eu consegui manter um reinado durante esses últimos anos. Conheço bem meus filhos e sei do que eles são capazes. Sei muito bem como homens poderosos se comportam. Emalie ficou de sobreaviso pelo tom de voz de Eleanor e aguardou o que viria a seguir. – Tenho meios de descobrir informações e a verdade sobre situações que meus filhos nem imaginam. Creio que você sabe o que descobri aqui no Castelo de Greystone. Emalie procurou pensar rápido em alguma maneira de desviar a conversa, mas não teve chance de dizer nada. – Sei que William DeSeverin tem uma atração física muito forte por você, conforme meu filho previa. Você perdeu a virgindade e a honra. Emalie sentiu o sangue se esvair do rosto e as mãos começarem a tremer ao ouvir sua maldição. O segredo não era mais exclusividade sua. Quem do castelo a teria traído? Bem, não faria nenhuma diferença saber. – Só o matrimônio pode salvá-la. Um casamento às pressas e em sigilo pode ser a única maneira de limpar seu nome e sua vida – Emalie estava pronta para revidar, quando Eleanor deu o último golpe –, e seu povo. Emalie fechou os olhos para se defender. Ela e o pai haviam planejado com todo cuidado como protegeriam sua gente da ganância de John quando Richard estava numa Cruzada e depois quando tinha sido feito refém. Os esforços de ambos renderam a fidelidade do povo, enquanto a população de outros castelos era dizimada. Quando sua mãe morreu e o pai já não se dedicava tanto ao castelo, Emalie continuou sozinha com o trabalho. Em troca, as pessoas a recompensariam garantindo sua proteção. John não tinha conseguido abalar a segurança do castelo. Os criados e os aldeões a apoiaram no caso com William DeSeverin e se arriscaram bastante, caso o plano contra as tramoias de John para obter o controle sobre ela e o castelo falhasse. – Como a senhora descobriu a verdade? – indagou Emalie, deixando de lado a vontade de contestar as palavras de Eleanor. A rainha limitou-se a acenar, deixando claro que não queria que seus métodos de investigação fossem questionados. – Isso não é importante, minha querida. Saiba que descobri e sei o perigo que você corre se continuar aqui sozinha. DeSeverin tentou encontrá-la de novo, não foi? John almeja o controle sobre as propriedades dele e está prestes a pecar outra vez. Não demorará muito para que eles ataquem novamente. – E a senhora propõe que eu me case com esse Christian Dumont? – perguntou Emalie em voz baixa, sem conseguir negar que William tinha de fato tentado visitá-la de novo. Tinha esperança de manter aquilo longe dos ouvidos da rainha. Pelo visto, não obteve sucesso. Eleanor se ajeitou melhor na cadeira, assumindo uma posição real. – Isso não é uma proposta. Como emissária do rei, estou ordenando. Eleanor estendeu a mão para pegar alguns pergaminhos que estavam sobre uma mesinha próxima, depois os entregou a Emalie com um semblante mais brando. Emalie voltou a tremer e pegou os pergaminhos que mudariam sua vida. Apesar de saber ler, as lágrimas ofuscaram seus olhos e ela não


conseguiu distinguir o que estava escrito em latim. Mesmo depois de piscar, não conseguiu clarear a visão. Eleanor estendeu um lencinho a ela. – O Conde de Langier é um guerreiro renomado no campo de batalha e nos torneios. Ele tem sangue nobre como o seu, além de outros títulos menores. Ele a desposará sem exigir nada, diferente de outros, condessa. Emalie desconfiou que a rainha não tinha dito tudo. Faltava algum detalhe sobre aquele noivo misterioso. – Ouvi os elogios que fez ao conde, Vossa Graça, mas suspeito que há mais alguma coisa por trás disso. Peço encarecidamente que me conte tudo o que sabe para não haver surpresas. Emalie baixou a cabeça, olhando para o punho da manga do vestido. Era difícil imaginar o que faria aquele homem supostamente ideal se deslocar através do Canal e se rebaixar para se casar com uma inglesa, mesmo ela sendo nobre e dona de propriedades. Ela já havia encontrado franceses da família Plantagenet, que eram muito esnobes e arrogantes quando se comparavam aos ingleses da mesma família. Em vez de elucidar Emalie, Eleanor se levantou e dirigiu-se para a porta do solário. Emalie também se levantou, pois ninguém podia continuar sentado se a rainha estivesse em pé. Na tentativa de parar de tremer, ela entrelaçou os dedos e respirou algumas vezes para conter o pânico que a ameaçava. Um pouco antes de chegar à porta, Eleanor virou-se para encará-la. Pela primeira vez desde que haviam se encontrado, ela sorriu e, como madrinha, mostrou-se muito preocupada. – Não sei de mais nada. Todos temos segredos, o conde deve ter os dele – afirmou Eleanor. – Você também tem os seus. Vocês dois devem fazer algumas concessões para o casamento dar certo. – Em seguida, abriu a porta e aumentou o tom de voz para que todos a ouvissem: – O Conde de Langier chega hoje a Greystone. O acordo de casamento já foi assinado pelo rei, uma vez que você é afilhada dele, e pelo conde. Emalie ouviu os murmúrios dos criados do lado de fora do solário e imaginou a confusão que a notícia causaria. Alyce foi a primeira a aparecer com a preocupação visível em seu rosto. – O casamento será celebrado amanhã. O sacerdote já está preparando a capela. O burburinho aumentou. Os criados não sabiam se deviam aplaudir ou protestar contra a notícia. Emalie reassumiu o orgulho dos Montgomerie e sentiu-se protegida pelo amor dos pais. Afinal, ela era a Condessa de Harbridge e se mostraria merecedora do título. Ciente de que tudo o que fizesse repercutiria em toda Greystone, ela se aproximou da rainha e dobrou os joelhos com a cabeça baixa. – Agradeço, Vossa Graça, por ter se preocupado tanto com o bem-estar de Greystone e sua gente. – Ao erguer a cabeça, viu os olhos da rainha brilharem. Eleanor entendeu que a reverência de Emalie era uma maneira política de garantir a cooperação dos criados e acima de tudo a aceitação. – Tomarei todas as providências para festejar a chegada do conde a Greystone e o nosso noivado essa noite. Assim dizendo, ela se ergueu e acompanhou a rainha até o Salão Nobre. Ao passar pelos empregados viu que muitos estavam assustados, confusos, bravos, mas haviam aceitado. O semblante deles era o espelho do que ela estava sentindo, apesar de não poder se dar ao luxo de demonstrar nada. Eleanor chamou suas criadas e saiu do salão, deixando Emalie sozinha. Ela não tinha tempo de ficar ali parada imaginando ou se preocupando com o casamento inevitável. Havia muito que fazer antes que o noivo chegasse e começassem os rituais. – Venha, Alyce. O Conde de Langier vai se impressionar com Greystone – disse ela, incluindo os criados, os aldeões e ela própria ao falar de Greystone.


Capítulo 4

CHRISTIAN TENTOU afastar a admiração que sentiu ao vislumbrar o castelo e o vilarejo de Greystone, talvez por achar a propriedade maior que a sua, ou porque a disposição do vilarejo e das fazendas ao redor dava a impressão de uma boa administração. Independente da razão, ele ficou impressionado com o que tinha diante dos olhos, mesmo que o local ficasse no meio da lúgubre Inglaterra. Christian esporeou o cavalo nas laterais e aumentou o passo do animal e da escolta até o castelo e para a tarefa desconhecida imposta pelo rei. Entre o grupo que o acompanhava, havia um mensageiro levando recados para a rainha Eleanor, mas que não podia dar uma palavra sequer sobre suas instruções. Christian havia tentado obter informações, mas só conseguira caretas e grunhidos do mensageiro. Quanto mais se aproximava do castelo, maior era a ansiedade para descobrir qual seria seu destino. E se não conseguisse executar a ordem do rei? Ele teve receio que fosse alguma coisa que pusesse sua alma em perigo, ou que pudesse afetar ainda mais sua honra. O cavalo percebeu a tensão dele e movimentou a cabeça para cima e para baixo. Christian soltou um pouco as rédeas e voltaram a cavalgar normalmente. Ele sentia falta de seu cavalo, mas como ainda estava enfraquecido, seria difícil controlar o poderoso alazão. O rei havia sugerido que ele deixasse seus cavalos no Castelo d’Azure, mas assim que cumprisse a ordem da rainha, pretendia voltar para a propriedade da família e treinar os puros-sangues. E cuidar da recuperação de Geoff. Claro que isso só seria possível se ele sobrevivesse ao que o esperava. Não saber qual seria seu destino pesava sobre os ombros dele. Se o destino de Geoff também não estivesse atrelado ao seu, o peso nos ombros dele seria bem menor. O que aconteceria com Geoff caso ele falhasse? O grupo tomou o caminho que levava à entrada principal do castelo. Christian teve a sensação de que seu futuro se aproximava rapidamente. Respirando fundo, ele esporeou o cavalo para alcançar o restante do grupo, protegendo-se com o orgulho de gerações da família Dumont.


CHRISTIAN ACHOU estranho não haver nenhum conflito na entrada. Havia soldados patrulhando ao redor de todo o castelo. O portão fechou-se depois da entrada do grupo, que foi monitorado por vários guardas nas torres e nas laterais. Parecia que eles eram esperados e até mesmo bem-vindos. Será que sua tarefa seria proteger aquela propriedade? Será que o castelo e o vilarejo sofriam atentados externos e Richard o achara capaz de defendê-los? Mas o que teria acontecido com os proprietários? Como uma fortaleza próspera e daquele tamanho não era protegida adequadamente? Christian ficou mais tenso ao passarem pelos habitantes perplexos pela chegada do grupo. Homens e mulheres pararam o que estavam fazendo para olhar enquanto eles seguiam até o castelo. Finalmente, e nenhum momento antes do que ele esperava, o grupo parou. Christian desmontou rápido e meneou a cabeça quando um cavalariço surgiu para pegar o cavalo. O menino era bem menor do que o animal, mas demonstrou segurança e habilidade para conduzi-lo até o estábulo. Enquanto batia o pó da viagem da roupa, ele esperou alguém aparecer para cumprimentá-los. Não precisou esperar muito até que as portas se abriram e um homem corpulento surgiu e se aproximou. Christian o cumprimentou meneando a cabeça e aguardou o mensageiro real se pronunciar. Depois de se identificar com algumas frases curtas, o mensageiro subiu os degraus e entrou no castelo. Então o homem corpulento se dirigiu ao grupo num inglês com sotaque forte. – Meu nome é Walter, sou o capitão da guarda de Greyston. Desejo-lhes as boas-vindas em nome da Condessa de Harbridge e da rainha da Inglaterra, Eleanor, que também habita este castelo. Sigam-me, vou providenciar para que se refresquem da viagem. Walter fez um gesto para que o grupo o acompanhasse. Christian se animou com a promessa de um vinho decente e proteção do clima cinzento inglês e se apressou em entrar. A presença de Eleanor era garantia de mesa farta e boa bebida. A rainha não se submetia a viagens sem os confortos aos quais estava acostumada. Ao entrar no salão, Christian perscrutou o ambiente e seus habitantes. Os criados estavam ocupados em limpar o piso e recolocar as imensas tapeçarias nas paredes atrás do tablado. Ao observar a movimentação, a primeira impressão de Christian de que o castelo era bem administrado e próspero foi reforçada. Um homem baixo e franzino se separou do pequeno grupo e se aproximou do corpulento capitão da guarda. – Sir Walter, permita-me acompanhar os convidados até a mesa. Christian percebeu o alívio de Walter em passar adiante a responsabilidade do grupo. Afastando-se, ele sinalizou para que os recém-chegados acompanhassem o criado. – Meu nome é Fitzhugh, o mordomo. Por favor, sigam-me. Vou lhes servir de comida e bebida para se refrescarem da viagem. Assim dizendo, o grupo foi conduzido para a mesa em cima do tablado e guiados para os assentos. Fitzhugh chamou os criados que não demoraram a aparecer, trazendo bandejas com pão, queijo e carnes frias. Outros trouxeram jarras de cervejas, garrafas de vinho, canecas e taças, colocando-as sobre a mesa. As criadas circulavam de um lado a outro, servindo-lhes de comida e bebida até que cada um deles tinha um prato e uma caneca cheia diante de si. Christian ergueu a taça e tomou um gole grande de vinho e teve a impressão de que o líquido limpava sua boca. Logo foi tomado por uma sensação de nostalgia de suas terras e seus vinhos. O Castelo d’Azure era muito conhecido pela excelência de suas vinhas. Ele se apoderou de uma das garrafas e não parou de beber para saborear o gosto da uva local. – Há algo errado com o vinho, milorde? Christian gostou da maneira como Fitzhugh observava tudo ao redor, o que demonstrava sua


competência. Mas o mordomo não tinha nada a ver com o mau humor e a tensão que ele sentia. – O vinho está aceitável – disse ele, tomando o último gole e recolocando o cálice sobre a mesa. – Acho que estou muito cansado da viagem. – Como a rainha e a condessa não puderam vir cumprimentá-lo, fui instruído para mostrar seus aposentos, onde o senhor poderá se refrescar antes de encontrá-las à tarde. Mas depois que terminar de comer, obviamente. – Fitzhugh sorriu ao falar. Christian teve a impressão de ser bem mais velho que o mordomo. Ele teve vontade de exigir ver a rainha imediatamente, mas foi vencido pelo cansaço. Serviu-se de mais um pedaço de pão e de outro pedaço de queijo. E continuou comendo sem parar até que os outros à mesa terminaram. Comer tudo o que podia sempre que possível era uma triste lembrança dos dias que havia passado fome. Ele precisou se conter para não esconder um pouco de comida nas mangas, pois seria muita humilhação ser descoberto. Quando os outros pararam de comer e esvaziaram as taças, Christian bateu as mãos para tirar as migalhas de pão e secou a boca. Depois se levantou e seguiu o mordomo pela escadaria, preocupandose em observar o máximo possível à sua volta. Não notou nenhum perigo iminente, mas sentiu um frio na espinha como se estivesse sendo observado não como um visitante bem-vindo, mas como um inimigo em potencial. Nenhum dos empregados no caminho cruzou o olhar com o dele, embora o observassem com atenção. No final da escadaria, o grupo se separou e Fitzhugh o chamou com um gesto de mão para segui-lo. Eles subiram mais dois lances de escada até chegarem ao último andar do castelo. Christian se surpreendeu quando subiram mais uma escada até o topo de uma das torres laterais. Ficou ainda mais confuso quando o mordomo abriu as portas do que só podiam ser os aposentos do lorde do castelo. – Você não está enganado? – perguntou ele. – Esses são os aposentos do lorde do castelo, que não é o meu caso. – Não estou enganado, milorde. As instruções da rainha foram muito claras. Este é o seu quarto. Fitzhugh ficou de lado para que Christian entrasse e fosse recebido por um grupo de criados. A mobília do quarto era suntuosa, incluindo as tapeçarias na parede e os tapetes espalhados pelo piso. Apesar de ser verão, a lareira estava acesa, aquecendo o ambiente. Ao lado, havia a maior banheira de metal que ele já havia visto. Pequenas colunas de fumaça saíam da água quente. Uma das criadas mais jovens serviu-lhe uma taça de vinho. Outra se ocupou em abrir a pouca bagagem, que havia sido levada assim que ele chegara. Uma criada de mais idade aguardava ao lado da banheira. Fitzhugh deu uma tossidela e todas pararam o que estavam fazendo para olhar na direção dele. – Vamos proporcionar um pouco de privacidade ao conde para ele tomar seu banho – disse, gesticulando para que todas saíssem, menos uma. Christian terminou de tomar o vinho na expectativa de entrar logo na banheira. Sentou-se numa das cadeiras para tirar as guarnições de couro e os sapatos. – Milorde prefere que eu saia ou o ajude com o banho? – A voz suave e melodiosa não combinava com a mulher robusta e de idade. – Qual é o seu nome? – Alyce, milorde – respondeu ela, dobrando os joelhos numa breve reverência e baixou a cabeça. – Você me ajudaria se colocasse tudo o que preciso ao redor da banheira e depois pode ir. Christian não suportaria que alguém visse como estava seu corpo depois de meses de carceragem. Seu


rosto magro era visível, mas as feridas e cicatrizes eram seu inferno particular. – Está bem, milorde. – Alyce se movimentou de um lado para outro com uma eficiência que o surpreendeu. Não demorou muito para que ela tivesse arrumado uma bacia de sabão, toalhas e baldes com água fria e quente. Em seguida parou diante dele com os braços estendidos. – Posso mandar lavar suas roupas, se quiser, milorde. Christian pensou em recusar, mas mudou de ideia, pois tinha trazido algumas mudas de roupa. Assim, virou-se de costas para se despir, não sem antes se certificar de que o olhar de Alyce estava em outra direção. Sentindo-se mais à vontade, ele tirou rapidamente o cinto, a túnica e a blusa de baixo. Depois enrolou as meias compridas pela perna e tirou-as pelos pés suados. O cheiro não estava nada bom, assim ele fez uma bola com as meias e as estendeu para Alyce. Ela não demonstrou nenhum descontentamento e dirigiu-se para a porta. Christian continuou sentado, esperando que ela saísse para poder entrar naquela banheira para o sonhado banho. – Milorde – Alyce o chamou da porta. – Oui? – respondeu em francês sem pensar. – Sim? – repetiu em seguida. – Milady tem um bálsamo que pode ajudar a curar seus ferimentos. Ele se sentiu envergonhado ao se dar conta que Alyce tinha visto seu corpo. Será que ela sabia como ele havia adquirido aqueles machucados? Tomara que não. Rezou para que a rainha não tivesse contado como ele havia sido desonrado e a desgraça da família com todos os membros do castelo. Ele estava tão envergonhado que um nó havia se formado em sua garganta, impedindo-o de responder logo, se bem que um bálsamo para a dor e a coceira que o incomodava seria muito bem-vindo. – Vou buscar o linimento e o senhor usa se quiser – disse Alyce sem esperar a resposta. Christian ficou em dúvida se ela havia percebido que ele não conseguiria falar nem se quisesse. – Alyce? – Ele a chamou depois de clarear a garganta com uma tossidela. – Sim, milorde – respondeu ela, sem se virar. – Deixe a porta aberta. – Mas milorde… – Ela tencionou se virar, mas parou a tempo. – Quero que a porta fique aberta. – Aye, milorde – concordou ela e suspirou familiarizada que estava com as esquisitices dos nobres. Alyce obedeceu, mas deixou a porta entreaberta. Christian respirou aliviado, pois se sentia sufocado em ambientes fechados e sem janelas. Ele se levantou e colocou a mão na água para testar a temperatura. Em seguida entrou e ficou de pé para que as pernas se acostumassem com o calor. Ao sentir os músculos relaxarem ele se sentou devagar até que a água o cobrisse do pescoço para baixo. Mergulhou a cabeça e começou a ensaboá-la e esfregar até doer o couro cabeludo. Seria preciso mais de um banho para tirar a imundície de meses. Com o cabelo lavado e enxaguado algumas vezes, ele se inclinou para trás para relaxar os músculos na água ainda quente. Para se manter aquecido, puxou a toalha para dentro da água e não demorou muito para pegar no sono. – COMO? ELE pediu que você deixasse a porta aberta? – Foi exatamente isso, milady. Eu estava saindo do quarto, quando ele me chamou e pediu para não fechar a porta.


Emalie tinha ouvido bem, mas não havia entendido a razão do estranho pedido. Apenas os aposentos dos donos do castelo proporcionavam total privacidade por causa da espessura das portas. Deixar um cômodo aberto era convite para um intruso… ou simplesmente um convite. – Ele já tinha entrado no banho quando você saiu? – Emalie quis saber. Alyce respondeu meneando a cabeça. – Ele estava sozinho? – Aye, milady. Fitzhugh conhece bem Lyssa e suas artimanhas. Ele pediu para que ela saísse antes de o conde se despir. Será que ele tinha deixado a porta aberta para a criada voltar? Será que ele se aproveitaria das criadas antes mesmo de ser o dono do castelo? Bela maneira de o novo Lorde de Greystone começar. – Vou levar o linimento para ele. Emalie decidiu se encarregar da tarefa. Era melhor saber o quanto antes se seu futuro marido estava disposto a humilhá-la daquela forma. – Mas, milady, eu disse que eu levaria o pote. Não é melhor esperar para encontrá-lo no final da tarde, conforme disse a rainha? – Alyce franziu o cenho quando Emalie tentou tirar o pote de bálsamo de sua mão. Ciente de que não conseguiria nada à força, Emalie estendeu a mão para que Alyce lhe entregasse o pote. A criada suspirou e obedeceu. Emalie pegou o pote, segurou as saias e saiu do quarto seguindo na direção dos aposentos do conde. – Vá com calma, milady. Emalie achou o comentário estranho. – O que está sugerindo, Alyce? – O pobre homem parecia prestes a desmaiar de cansaço. – Pobre? Aquele homem é le Comte de Langier – disse Emalie, caprichando na pronúncia –, segundo a rainha, ele é um dos condes mais bonitos de Poitou e um guerreiro extraordinário. – Eu tive a impressão de que a vida o castigou bastante – disse Alyce com um muxoxo. – Entre devagar e, se ele estiver dormindo, não o acorde. Emalie ficou boquiaberta com o cuidado de Alyce com um estranho. Se a criada o apoiasse, quem ficaria ao seu lado? Decidida a encontrar o pobre homem, Emalie saiu do quarto. Ela abriu um pouco mais a porta do quarto do conde e sentiu a umidade do ar. Christian não se mexeu conforme ela se aproximou da banheira. A cabeça dele pendia para o lado, e ele roncava. Emalie se lembrou de como seu pai parecia inocente quando dormia. Notou que o rosto forte de Dumont não estava contraído. O cabelo dele parecia ser castanho-escuro, mas, como estava molhado, era difícil afirmar. Emalie continuou olhando, descendo do rosto para o pescoço, ombros e tórax. O resto do corpo estava coberto pela toalha. Mesmo assim, os ossos dele eram visíveis através do tecido. Ou ele era muito magro ou tinha perdido muito peso por causa de alguma doença. Por que ele despertara o cuidado de Alyce? Emalie notou algumas lesões nos braços e no peito dele, algumas nem estavam cicatrizadas e imaginou que ele também estava ferido no resto do corpo. Ela se viu diante de um quebra-cabeça. Depois de pensar um pouco sobre fazer-se notar, acabou decidindo deixá-lo dormir. Antes de sair, abaixou-se para deixar o pote de bálsamo ao lado da banheira, onde ele pudesse alcançar. Mudou de ideia e tirou um pouco do bálsamo com a ponta dos dedos e colocou na água, balançando a mão para misturar bem e cuidando para não tocar o corpo dele. Ergueu o tronco em seguida e se dirigiu para a


porta. Antes de sair, ela posicionou a porta para deixá-la exatamente como Alyce tinha feito. Naquela noite ela sanaria as dúvidas e seria oficialmente apresentada ao conde. Apenas uma dúvida a atormentava. Como ele seria e como seria a voz dele quando acordado? Ela estava tão envolvida imaginando tudo isso que não viu que o conde tinha acordado e a seguia com o olhar. SERIA UM anjo vindo do céu? Será que havia morrido e aquele anjo viera escoltá-lo ao julgamento final? Ao abrir os olhos, ele a tinha visto em pé ao lado da banheira com um vestido longo e o cabelo louro caindo em cascata pelos ombros. A luz indireta das chamas iluminava o corpo feminino. O rosto delicado reluzia com os tons alaranjados do fogo. Nem mesmo a ruga na testa maculava as linhas perfeitas das sobrancelhas, do nariz afilado, nem da boca bem desenhada. Ele a viu se abaixar e em seguida colocar a mão na água, rezando para sentir aquele toque. Passaram-se alguns segundos e, como nada aconteceu, ele usou suas últimas forças para abrir os olhos de novo. Ela não estava mais ao lado da banheira, mas dirigindo-se para a porta em silêncio. O cansaço e o calor da água contribuíram para que ele se rendesse completamente e voltasse a dormir, agora sonhando com aquele anjo cuidadoso.


Capítulo 5

CHRISTIAN ACORDOU com uma batida na porta. Ainda exausto pelos seguidos dias de viagem, ele se sentou na cama, vestiu um roupão e foi cambaleando até a porta. O capitão da guarda manteve-se fora do cômodo, mesmo com a entrada franqueada. – Milorde? O senhor está aí dentro? Christian puxou a porta e deparou-se com o físico avantajado do capitão da guarda. – Desculpe-me perturbá-lo, milorde. Sua Graça pede que a encontre no solário assim que estiver pronto. – Irei assim que puder, sir Walter. – Christian olhou para o quarto e viu roupas prontas para serem usadas. Os criados haviam sido bem eficientes, cuidando para que ele não acordasse enquanto arrumavam tudo. – Devo mandar um acompanhante para escoltá-lo até lá? Christian observou Walter trocar o peso do corpo de uma perna para outra demonstrando o desconforto de se passar por um mensageiro. – Não é necessário. Acho que encontro o caminho com facilidade. Walter murmurou alguma coisa e fez uma reverência antes de sair. Christian fechou mais um pouco a porta e se trocou com rapidez. Ao perceber que estava se apressando movido pelo nervosismo, respirou fundo e terminou de se aprontar com todo o esmero. Depois de colocar a faixa na cintura, notou que seu físico havia diminuído bastante. Estava mais magro do que quando ganhara o primeiro par de esporas, aos 16 anos. Depois de demorar tanto quanto uma dama para se arrumar, ele se achou pronto para o encontro com a Rainha Eleanor e descobrir o que o destino havia lhe reservado. Christian voltou pelo mesmo caminho que o mordomo havia feito quando o acompanhou até o quarto e chegou ao Salão Nobre. Os empregados corriam para lá e para cá trabalhando com muita


eficiência, arrumando as mesas, varrendo o chão, preparando o salão para a refeição da noite. Havia um clima de festa no ar e, pelos comentários sussurrados e olhares de soslaio, ele teve a impressão de que seria o centro do acontecimento. Quando procurava pelo solário, uma criada surgiu à sua frente e fez uma vênia. – Precisa de ajuda, milorde? – perguntou ela, olhando rapidamente para ele e baixando a cabeça em seguida. – Oui – respondeu Christian. A criada levantou o olhar e baixou a cabeça novamente, sinal de que não havia entendido. Puxa vida, precisava se lembrar de falar a língua local. Os nobres costumavam falar francês, mas seria esperar demais que os criados e os aldeões fizessem o mesmo. – Sim, onde fica o solário? Ela dobrou os joelhos numa vênia e deu alguns passos para trás antes de virar e seguir andando na frente dele. A maneira como a moça balançava os quadris e relanceava o olhar por cima dos ombros era bem sugestiva e ele entendeu o convite. Sorrindo de lado, ele balançou a cabeça com a ironia da situação. Em outras épocas, seu corpo teria reagido imediatamente evidenciando o desejo. Talvez em outra vida ele tivesse aceitado o convite sensual e a encontraria mais tarde para um encontro prazeroso. No entanto, fraco como estava e inseguro quanto ao futuro, ele continuou impassível. Depois de atravessarem o salão, chegaram a uma porta incrustada numa alcova de pedra. Havia um soldado de cada lado da porta indicando que a rainha estava ali dentro. A criada parou e se curvou numa vênia. Ao endireitar o corpo, ela o encarou e abriu um sorriso sedutor. Até um cego entenderia o convite. Para não decepcioná-la, Christian perguntou seu nome, caso precisasse dela mais tarde, livrando-se de precisar descrevê-la. – Lyssa, milorde. Chame se precisar – respondeu ela num sussurro. Pelo riso malicioso dos guardas ficou claro que ela já havia prestado favores a muitos homens do castelo. – Pode voltar para suas tarefas. Eu mando chamá-la se precisar – disse Christian fazendo um gesto para dispensá-la e virando-se para a porta. Depois de bater na madeira, ele aguardou o convite para entrar. Ao ouvir a resposta, respirou fundo e girou a maçaneta, preparado para enfrentar a rainha. Christian não se deixou enganar pela aparência da senhora diante dele. Eleanor devia estar com quase 80 anos, mas continuava altiva e intimidadora. Por mais de meio século, ela havia agido como um homem ao conquistar poder, riquezas e até mesmo alguns maridos. Ela havia feito o impensável ao acompanhar o primeiro deles numa Cruzada. – Vossa Graça – ele a cumprimentou ao se aproximar e ajoelhar-se. – A senhora parece muito bem. – Ah, Christian, parece que estou vendo os olhos de sua querida mãe. Sinto saudades dela. Sinto falta dos conselhos e da alegria com que me ajudou a passar as fases ruins da minha vida. Ele sabia que falar sobre a mãe era seguro já que a morte dela não estava relacionada à traição de seu pai. Além do mais, ela havia sido confidente da rainha durante anos. – Sei que ela se orgulhou muito do tempo em que a serviu, Vossa Graça. Eleanor baixou a mão e se sentou na cadeira. Foi então que ele notou que havia outra mulher na sala. Presumindo que se tratava de uma das damas de companhia da rainha, ele continuou a conversar com Eleanor. – O rei me convocou para servi-la, Vossa Graça, mas não me forneceu detalhes, dizendo apenas que eu a servisse da melhor maneira. Vossa Graça poderia me esclarecer qual serviço devo prestar?


Um risinho abafado desviou a atenção dele para a criada mais uma vez. Ele a mediu dos pés à cabeça, indignado com o riso inapropriado. Afinal, ele havia recuperado o status, as propriedades e a honra e, como conde, merecia o mínimo de respeito mesmo daqueles que serviam a rainha. – Richard e eu – Eleanor começou a falar, chamando a atenção dele – queremos proteger esta propriedade que pertencia a um amigo leal e querido da nossa família. A morte inesperada desse amigo deixou a propriedade numa situação precária, uma tentação para ser roubada se houver chance. Richard deseja que você seja o protetor das terras e marido da Condessa de Harbridge. Christian não acreditou no que tinha acabado de ouvir. Protetor e marido? Marido? – Mas, Vossa Graça, estou noivo de… Eleanor fez um gesto e o interrompeu. – Esse noivado terminou há meses. Agora você é um homem livre perante a Igreja e pode se casar, conforme o desejo de Richard. Você não deve sua lealdade a ele? Christian havia concordado e assinado um pacto com o diabo. E aquele era o preço que devia pagar, mas estava fácil demais. Qual seria a dificuldade em se casar com uma herdeira e tomar conta das posses dela? Este era o destino dele como nobre e filho mais velho. Se bem que ele tinha intenção de se casar com a filha de algum conde vizinho de suas terras, mas aquela propriedade era próspera e uma boa troca. A condessa francesa podia se casar com Geoffrey e acrescentar os bens dela ao da família dele. – Vossa Graça bem sabe que me comprometi com o Rei Richard. – Sendo assim, você e a condessa se casarão amanhã de manhã. – Vou conhecê-la antes? Não haverá uma cerimônia de noivado? Tudo estava acontecendo rápido demais. Onde estava a condessa? Será que ela sabia dos preparativos de seu noivado? Ah, certainement. Então era essa a razão da correria dos criados e a arrumação no Salão Nobre. – O noivado foi formalizado antes que você saísse de Anjou. Você assinou os papéis necessários – disse Eleanor, apontando para uma mesa onde estavam os pergaminhos. De onde estava, Christian reconheceu sua assinatura e a do rei e sorriu. Xeque-mate. Agora ele estava preso ao jogo dos Plantagenets. – No entanto, para que não haja dúvida, o acordo será lido em voz alta diante de todos essa noite. – E quanto aos proclamas? Ninguém podia se casar antes do anúncio das núpcias durante três domingos consecutivos. – Ely os dispensou – disse Eleonor. Bem no fundo do coração, Christian se sentiu empurrado para uma cilada. Sentiu tremores pelo corpo inteiro ao prever que havia muito mais por trás daquela proposta de casamento. Por que a condessa não havia se casado? Se estivesse na idade de se casar, seu pai já teria feito planos havia muito tempo. Ah, ele havia morrido inesperadamente. Mesmo assim, teria sido um descaso, e um pai não deixaria a filha sem marido e a propriedade desprotegida. – Ao que parece, Vossa Graça já tomou todas as providências necessárias. Eu agradeço – disse ele, curvando o tronco numa reverência. – E a condessa? O que ela acha do assunto? – Ela se comportará como qualquer mulher honrada, fará os votos nupciais a você, cuidará das tarefas de esposa e, com a graça de Deus, será uma boa mãe. Acredite quando digo que ela está ciente do compromisso. Vocês serão apresentados formalmente durante o jantar. Você pode me escoltar até o salão, se estiver pronto.


Christian teve a impressão de que a rainha enfatizara que a condessa era uma mulher “honrada”, mas talvez estivesse sensível ao assunto visto que sua honra havia sido restaurada pouco tempo antes, ou então a informação era importante. Mas a honra era a base de todos os relacionamentos, mesmo na guerra, pois implicava fidelidade. Um nobre não era ninguém sem sua honra. Era óbvio que toda a especulação não chegaria a lugar algum, por isso ele voltou a atenção para Eleanor. – Claro, Vossa Graça – respondeu ele como se tivesse ouvido uma ordem e não um pedido. Eleanor pousou a mão sobre o braço dobrado de Christian e se dirigiram à porta, mas ela parou antes de sair do solário. – Encontre-se comigo no salão, minha querida – Eleanor disse numa voz suave para a moça que estava perto da cadeira. Eles não esperaram pela resposta pelo simples fato de que ninguém negaria nada para a rainha. Que homem arrogante! Não só isso, mas ele era pomposo e rude também, pois não tinha nem se dado ao trabalho de saber quem era a moça que estava ao lado da rainha. Emalie deu a volta na cadeira e se deixou cair no assento almofadado. O que mais achara dele? Arrogante, pomposo, rude e… ah! Insuportável e angevino. Não, ele não era de Anjou, mas de alguma das províncias da rainha em Aquitânia. Ela pegou o cálice que Eleanor havia deixado e tomou o restinho de vinho num gole só. Depois, soltou a respiração e pensou no que havia omitido. Marido. Ele seria seu marido. Antes mesmo da cerimônia nupcial, ela estava comprometida com aquele homem perante a Igreja conforme os documentos que estavam sobre a mesa lateral. Richard, como rei e tutor, havia cedido o controle sobre ela e sobre as terras àquele arrogante, pomposo, rude e insuportável Comte de Langier. E o que Eleanor tinha dito mesmo? Os dois teriam de fazer concessões para que o casamento funcionasse. A pergunta que ela havia deixado de fazer tinha sido respondida para sua surpresa. Ele era bonito de rosto como a rainha havia dito. O cabelo dele era mais claro do que ela tinha visto na banheira, e os olhos eram verde-acinzentados como a relva na primavera. E a voz dele… era rica e quente como melaço. Na verdade, ela havia prestado mais atenção no tom de voz do que nas palavras insolentes que ele dizia a Eleanor. Ficou claro que Christian Dumont havia passado por problemas físicos recentemente. As roupas estavam grandes demais. Ele havia perdido muito peso e estava ferido conforme ela havia visto na banheira. Será que era prisioneiro do Rei Richard no continente? Será que Greystone, o título de nobreza de Harbridge e ela própria haviam se tornado uma recompensa pela lealdade dele ao rei? Sendo Conde de Langier, como seria a propriedade dele na Aquitânia? Quem era a família dele? Emalie balançou a cabeça ao perceber que estava ali sentada pensando no futuro marido e na situação dele por tempo demais. Assim, levantou-se num ímpeto e ajeitou o cabelo sob a touca. Ela iria se apresentar a ele como a Condessa de Harbridge, filha de um nobre e não a criada que ele imaginou que fosse. Ao abrir a porta do solário, ela se lembrou de mais um detalhe. Christian Dumont, Conde de Langier e futuro Harbridge, estava com medo da notícia que a rainha lhe daria. A primeira impressão que ela tivera era que ele estava apavorado, como se estivesse enfrentando a morte. Mesmo depois de saber do noivado, o medo não sumiu completamente do semblante dele. Christian Dumont era um enigma e ela teria bastante tempo para decifrá-lo. Até aquele momento ela só sabia que o Rei Richard o havia enviado até ali a pedido da rainha para evitar que ela, a propriedade e os moradores do vilarejo fossem destruídos. Emalie seria eternamente grata se ele cumprisse a palavra. Ela não se oporia a se casar


contanto que ele tomasse conta de seu povo. CHRISTIAN DUMONT era um insolente. Emalie acrescentou mais um adjetivo à sua lista furiosa por ter sido humilhada. Quando a rainha os apresentou ele começou a rir. Se ela fosse justa, diria que a reação dele a tinha deixado num estado que nunca experimentara antes. Mas, naquele momento, ela não estava interessada em ser justa. O jantar transcorreu muito rápido. Logo em seguida o longo acordo de noivado, que incluía uma extensa lista de propriedades, títulos, tributos e taxas, cavaleiros e criados foi lido na voz cantarolada de um dos criados de Eleanor. Emalie descobriu que o conde possuía um grande número de propriedades dentro e fora de Poitiers e mansões menores em Anjou e na Normandia. Ele possuía títulos de nobreza mais antigos do que os dela, mas ela era mais rica. Caso o conde falecesse primeiro, uma possível filha do casal herdaria as propriedades do dote; se ela falecesse primeiro, as terras seriam dele. A leitura parecia infindável, mas finalmente chegou o momento em que Emalie teria de passar o porta-chaves a ele como símbolo de reconhecimento da posição como chefe da casa e novo senhor. Langier havia agradecido num inglês com muito sotaque e prendeu o molho de chaves no cinto. Nem mesmo o crescente burburinho dos presentes fez com que ele desconfiasse como a havia insultado. Passar as chaves era apenas um ato simbólico e ele não devia ter aceitado, confirmando a posição dela perante os moradores de Greystone. Ficar com as chaves era uma prova de que ele não confiava nela para desempenhar as funções de castelã. Emalie sentiu o rosto corar e os olhos lacrimejarem. Será que ele sabia a verdade ou acreditava de fato que ela não era capaz de desempenhar as tarefas domésticas? Será que ele achava que ela não estava administrando bem o castelo? Ela fez uma reverência e se sentou, lutando contra a vontade de gritar com ele na frente de todos. Sem saber qual seria a melhor atitude, ela se limitou a fixar os olhos na mesa e se controlou. Ela havia pensado numa série de coisas, menos que ele fosse ficar com suas chaves. Seu pai havia lhe conferido a responsabilidade de cuidar de Greystone e de seu povo. Foram inúmeras as vezes em que o pai a havia declarado capaz como um filho por ter compreendido as difíceis funções de se administrar uma propriedade daquele tamanho. Emalie achou que teria um voto de confiança para demonstrar ao marido o quanto era capaz. – Sei o que está sentindo, Emalie – disse a rainha baixinho ao lado dela. – Não é fácil aceitar a perda da propriedade depois de trabalhar tanto e por tanto tempo pela prosperidade. – De fato, Vossa Graça – disse Emalie por não ter encontrado resposta melhor. – Dê a ele a chance de se ajustar à nova condição antes de julgá-lo. – E quem se importa com as minhas condições, Vossa Graça? – Emalie mordiscou o lábio, sabendo que tinha sido atrevida. Afinal de contas, a circunstância em que estava era por sua culpa. – Você enfrentaria situações muito mais desagradáveis se John tivesse resolvido isso à moda dele e William DeSeverin estivesse sentado naquela cadeira, minha querida. – Eleanor inclinou a cabeça na direção do conde. – Uma mulher enfrenta essa situação independentemente de quem seja o marido. Emalie sabia que aquilo era verdade, mas não a ajudou a gostar. Até pouco tempo atrás ela tinha esperança de que seu pai levaria em consideração seus gostos e vontades quando escolhesse um marido, mas seu lado prático dizia que estava sonhando. Uma mulher se casava para prover o futuro marido com terras e dinheiro, além de gerar herdeiros. Não havia lugar para sentimentos e sonhos.


– Entendo, Vossa Graça. Se me permitir, eu gostaria de me retirar aos meus aposentos. Emalie só queria sair dali. Se pudesse, gritaria para que todos soubessem de sua raiva e vergonha, mas isso só pioraria tudo. Ela esperou a rainha menear a cabeça e se levantou. Para sua surpresa, o conde também se levantou. Ah, sim, ela precisava do consentimento dele também para sair do salão de seu castelo. Uma onda de tristeza a invadiu e seus olhos se encheram de lágrimas. Não podia se esquecer de que contava com o apoio de seu povo e que estavam todos atentos aos seus movimentos e reações. Ela não tinha o direito de decepcioná-los. – Com sua licença, milorde – disse ela, inclinando a cabeça para fitá-lo. – Gostaria da sua permissão para me retirar. Christian estreitou a distância que os separava, tomou a mão dela e a beijou. Apesar da raiva e da tensão, Emalie sentiu um certo frisson quando a respiração dele tocou sua pele como um carinho. Ela não saberia dizer se o gesto tinha sido uma mera formalidade, mas era a primeira vez que sentia uma sensação tão diferente. – Até amanhã, milady – disse ele, colocando a mão dela sobre seu braço para ajudá-la a descer do tablado. Emalie prendeu a respiração quando os olhares se cruzaram. Os olhos dele refletiam diversão, raiva, suspeita e medo, exatamente o que ela sentia. Mas havia um brilho diferente e intenso naqueles olhos. Desejo. Emalie sentiu a pele levantar em doces arrepios. Foi uma sensação profunda que durou poucos segundos. Christian logo desviou o olhar para o degrau da plataforma e ela agradeceu em silêncio pelo apoio para ajudá-la a manter o equilíbrio. Desde que soubera do acordo, ela não havia cogitado a possibilidade de se sentir atraída. A situação inteira era muito incerta, pois ela não sabia a razão pela qual Eleanor tinha escolhido aquele conde em particular para resgatá-la e tampouco imaginava quais os motivos que o tinham levado a aceitar a proposta. A arrogância dele no solário e o aparente pouco-caso como ele havia aceitado as chaves do castelo eram fortes evidências de que ele estava ali apenas pela propriedade e as riquezas. Por um momento ela se esqueceu do motivo que a levara até ali… herdeiros. Christian notou que ela estremeceu e parou no meio do salão. – Aconteceu alguma coisa? A voz aveludada a fez estremecer novamente. – Nay, milorde, está tudo bem. É melhor não deixar a rainha para me escoltar aos meus aposentos. Sei o caminho – disse ela sem a intenção de parecer rude, mas havia sido pega de surpresa pela sensação perturbadora de estar tão próxima. Teria de se acostumar, pois ele agora seria seu marido e dono de tudo que ela possuía. – Está certo, milady. Aceitarei sua sugestão e voltarei para o lado de Eleanor. Preciso resolver alguns assuntos com ela. Christian soltou a mão de Emalie e esperou que ela se retirasse. A raiva sobrepujou tudo o que Emalie estava sentindo ao pensar que ele iria discutir assuntos que lhe diziam respeito com a rainha sem a presença dela. Furiosa e sem olhar para trás, ela seguiu em passos rápidos e só percebeu que Alyce a seguia quando já estava no corredor. Alyce correu para ultrapassá-la e abrir a porta para que ela corresse para dentro do quarto.


EM VEZ de se proteger por uma das torres, Christian preferiu ficar de frente para o vento que lhe ardia nos olhos e balançava o cabelo. Debruçou-se sobre a ameia do Castelo de Greystone e admirou a paisagem ao redor. O luar cobria as montanhas e o vale com um lençol prateado e brilhante. Ele fechou os olhos e aspirou a brisa fresca para afastar a tensão que o consumia. Christian estava oprimido depois de horas entre as paredes do castelo. Ele precisou sair para respirar e livrar-se das sensações estranhas que sentira e recuperar o controle sobre o medo. Será que um dia conseguiria se livrar do medo iminente? Pensou que estaria livre quando deixou a prisão, mas havia se enganado. Era estranho que não tivesse se sentido melhor depois do banho que o livrou da sujeira entranhada por meses e saciado a fome recorrente que tanto o angustiou. Nem mesmo a honra restabelecida pelo rei diminuiu o temor de voltar a viver em condições tão estranhas. O fato de o rei não ter liberado Geoffrey apenas intensificou o medo. Talvez, depois de resolver a obrigação imposta pelo monarca e sua mãe, ele conseguisse recuperar o controle de sua vida. Entretanto, algo o intrigava mais do que tudo. Por que havia sido escolhido para ganhar aquelas terras, os títulos e uma esposa? Será que a devoção de sua mãe à rainha era uma explicação convincente? Certamente não tinha sido a falta de outros nobres vizinhos para desposá-la e tomar conta da propriedade. O Rei Richard tinha falado de seu irmão John. Será que ele seria uma ameaça? Bem, não havia dúvidas quanto a isso. Virando-se contra o vento, ele começou a andar pelo adarve que circundava o castelo. Cruzou com alguns guardas enquanto era observado por outros no alto das torres. Estudou o rosto e maneirismos de cada um. Pensou em conversar com sir Walter no dia seguinte para obter mais detalhes sobre os soldados e comandantes. Agora que os termos do acordo de noivado tinham sido estabelecidos, ele pensou em chamar alguns de seus homens de Langier para servi-lo na nova casa. Estar entre os seus o deixaria mais seguro. Ao voltar a atenção para a propriedade, ele pensou na personagem principal daquela situação inusitada. Quem era a mulher que seria sua esposa? Como havia sido aprisionada pela rede de John? Ou será que ela se envolvera com John de propósito e o Rei Richard a quis controlada por outro homem? Conforme a vontade do rei, ele descobriria o que John tinha a ver com tudo aquilo e depois, quem sabe, pudesse trazer Geoffrey para a Inglaterra. Depois de meses na prisão, demoraria algum tempo até que o irmão tivesse condições de viajar. Graças a Deus e ao rei, Geoffrey se restabeleceria junto com os Michaelmas. Era uma pena que ele próprio não pudesse voltar para o Castelo d’Azure antes da próxima primavera. Mas havia se comprometido com o rei e pretendia cumprir o acordo até o final. Só então estaria livre. Bem, talvez não totalmente livre, pois teria que se contentar em estar casado. Ora, muitos homens haviam sobrevivido ao casamento, e ele não seria diferente. Uma porta batendo chamou-lhe a atenção. Era sua futura esposa que também saía do outro lado das ameias. Ele se escondeu nas sombras para observar de longe a misteriosa mulher que agora lhe pertencia. Emalie seguiu até a ameia e se debruçou para receber o vento no rosto exatamente como ele havia feito minutos antes. Ele a viu fechar os olhos e ficou ali com o queixo erguido permitindo que o vento lhe levantasse o cabelo. Christian sentiu um frio na espinha ao reconhecer os mesmos movimentos que os seus. Ele chegou a dar alguns passos na direção dela, mas parou sabendo que não deveria intrometer-se em momento tão particular. O luar iluminava os traços do rosto delicado. Enquanto a observava, ele imaginou qual seria o


mistério daquela mulher e por que Eleanor tinha se recusado a dar mais detalhes. A conversa travada com a rainha depois do jantar tinha sido tão frustrante quanto a que tivera antes do anúncio do noivado. Depois das dúvidas e comentários vagos, Christian achou que estava entrando na toca do leão. O problema maior era que até então ele não havia identificado se o leão era o Príncipe Plantagenet ou a mulher com quem estava prestes a se casar na manhã seguinte. Como se tivesse adivinhado os pensamentos dele, Emalie olhou para o lado e o viu. Os olhares se cruzaram e Christian reviveu a mesma sensação de eles provavelmente serem almas gêmeas. Mas no que seriam parecidos? Christian ainda não tinha decidido o que fazer quando ela meneou a cabeça discretamente, cumprimentando-o, e virou para a porta que a levaria para o corredor. A criada pessoal a aguardava e fechou a passagem depois que Emalie entrou. Christian virou-se para o vento mais uma vez para acalmar o temor que o invadiu. Depois que a rainha partisse, ele descobriria os segredos de Emalie e cumpriria o dever ao qual havia sido designado. Assim que descobrisse a informação que o rei queria, estaria a salvo e recuperaria de fato sua honra, nome e riqueza para sempre. E assim que tivesse recuperado o controle total de seu destino, ele iria… Ele balançou a cabeça, confuso. Durante meses havia se preocupado apenas em sobreviver um dia após o outro e não tinha pensado no que faria ao ser solto. Sem o apoio do pai pela primeira vez, Christian estava inseguro, sem saber o que faria para enfrentar o que a vida havia lhe reservado. Ainda pensando nas incertezas, ele voltou para dentro do castelo. Afastou o cabelo do rosto e aproveitou a temperatura agradável do quarto. Depois de tirar a capa, ele se serviu do vinho que estava sobre a mesa. Tomou alguns goles e deixou a exaustão tomar conta de seu corpo. Eram muitas as preocupações e incertezas que teria de enfrentar nos dias e meses seguintes, e Christian não tinha a força física necessária para ultrapassá-las com confiança. Sua prioridade naquele momento era recuperar as energias. E quando se sentisse mais forte, enfrentaria todos os desafios propostos pelo rei e por si próprio. Assim decidido, ele se deixou cair na cama sem forças nem para mudar de posição. Amanhã seria um dia longo e exaustivo. Amanhã planejaria o resto de sua vida. Amanhã estaria casado. O sono o envolveu, impedindo sua mente de divagar mais.


Capítulo 6

ESCOVAR O cabelo devagar costumava acalmá-la, mas naquela noite Emalie acreditava que não encontraria paz. Alyce havia tirado a jarra de vinho do quarto, então também não teria o conforto da bebida. Com o coração em descompasso, ela se assustava com todos os ruídos fora do quarto da mãe. Não. Não, ali não era mais o lugar de sua mãe, mas sim os aposentos de Emalie. Ela teria tomado posse daquele conjunto de cômodos quando da morte de sua mãe, até mesmo depois que o pai falecera, mas não parecia certo e por isso permanecera no quarto onde crescera. Agora que mudaria de status, teria de ficar ao lado do marido. As criadas de Eleanor movimentavam-se em silêncio cumprindo seus deveres enquanto ela esperava a chegada de Christian. Seu marido. Apesar de se lembrar vagamente da cerimônia e da missa que se seguiu, ela estava casada de fato. Como o casamento tinha sido resolvido às pressas, a maioria daqueles que lhe jurou fidelidade, agora pertencentes ao marido, não estava presente. As testemunhas tinham sido alguns guerreiros e as mulheres. Havia pouca gente. Alyce continuou escovando o cabelo de Emalie, mas a calma esperada não veio. Ela tentou se lembrar dos votos que havia feito a Christian, mas a cena parecia enevoada. A única coisa que vinha à sua mente era o número de elos na corrente de ouro com que seu pai a havia presenteado em seu último aniversário, enquanto o homem que jurara protegê-la tornava-se o novo Conde de Harbridge. A joia era a favorita de sua mãe e ela havia prometido que a usaria todos os dias para se lembrar dos pais e de suas obrigações para com o povo de Greystone. Obrigações estas que incluíam a desistência de cuidar de seu povo e entregar-se ao controle daquele desconhecido. Emalie balançou a cabeça, afastando os devaneios e pensando no dever que teria de cumprir ainda naquela noite. Não demoraria até o conde saber a verdade. Parecia que as paredes estavam se fechando


ao seu redor, deixando-a com a sensação de não poder respirar. Alyce percebeu a mudança súbita e parou o que estava fazendo para colocar um xale ao redor dos ombros de Emalie. – Tenha calma, milady. Vai ficar tudo bem – disse ela, ao prender o xale de lã. Emalie evitou olhar para a criada com medo de chorar. Mesmo assim, a expectativa pela noite de núpcias fez com que ela deixasse escapar as lágrimas, empoçadas desde cedo em seus olhos. O temor aumentou quando ela ouviu a esperada batida na porta que unia o quarto dela ao do marido, e não a porta de saída para o corredor, conforme esperava. Eleanor entrou no quarto, seguida pelo sacerdote e, atrás deles… Christian Dumont. A rainha atravessou o quarto e tomou as mãos de Emalie nas suas, dispensando Alyce ao acenar a cabeça. Eleanor a examinou com um olhar carinhoso, embora a medisse da cabeça aos pés através do tecido fino da camisola. – Estamos quase acabando, Emalie – sussurrou Eleanor ao ouvido dela para que ninguém mais ouvisse. Emalie dobrou os joelhos numa vênia rápida e baixou o olhar, aguardando. – Christian, sua mãe ficaria orgulhosa de você hoje, assim como seus pais, Emalie. – Eleanor pegou a mão de Christian e a pousou sobre as de Emalie. Ela parecia feliz como se estivesse planejando aquele casamento havia anos. – Estou contente por finalmente ter conseguido unir as duas famílias pelos laços do casamento. Padre, poderia abençoá-los agora? Emalie olhou para Christian e percebeu que ele também estava surpreso com a atitude de Eleanor. A bênção deveria acontecer depois da consumação do casamento, validada pelas testemunhas. Indiferente ao costume, Eleanor sorriu e meneou a cabeça para o sacerdote, que levantou a mão e fez o sinal da cruz diante do casal. Emalie mal ouviu a prece, pois seu coração retumbava como um instrumento de percussão à medida que o momento que mais temia se aproximava. Quando o quarto ficou em silêncio, Emalie percebeu que Eleanor tinha dispensado inclusive o sacerdote. Incapaz de se mover, ela continuou de mãos dadas com Christian, que estava igualmente perplexo. – Informarei aos presentes na cerimônia do casamento que não serei testemunha da consumação dessa união. – Eleanor olhou para um e para o outro e meneou a cabeça. – Agora que o casamento e a noite de núpcias foram abençoados pelo sacerdote, vou me retirar. Emalie respirou fundo antes de perguntar: – Vossa Graça, devemos… quero dizer, o que espera de nós? Despir-se diante de um homem já seria bem difícil, mas precisar de testemunhas? Ela nunca havia participado de um ritual como aquele, mas ouvira histórias sobre se despir e ser examinada para que não houvesse objeções depois que o casal fosse fisicamente compatível. Eleanor olhou para um, depois para o outro, e disse: – Como ninguém será contra o casamento de vocês, não me resta nada a fazer além de desejar felicidades aos dois e me retirar. – Antes de sair, ela parou à porta e emendou: – Imagino que vocês não negarão o casamento pela manhã, não é, Emalie? Christian? – Sem esperar pelas respostas, ela seguiu até o corredor e virou-se para trás mais uma vez para dizer: – Quando vocês acordarem amanhã, eu já terei ido embora. Então me despeço agora. Sejam compreensivos um com o outro. Assim dizendo, e depois de finalizar o ardil, a rainha da Inglaterra, duquesa da Aquitânia e condessa de Anjou deixou os dois sozinhos para iniciarem a vida de casados.


No mesmo instante, Emalie imaginou qual seria a reação do marido ao descobrir que ela não era mais virgem. Christian a observou, soltou as mãos e perguntou em sua língua nativa: – Posso tomar um pouco de vinho? – Claro, milorde. Sente-se enquanto eu o sirvo – respondeu Emalie no mesmo dialeto francês que ele usara e apontou para um banco. Em seguida ela encheu as duas taças de vinho, estendendo uma a ele. Christian aceitou, murmurou um agradecimento e fixou o olhar no fogo da lareira. Sem saber o que fazer, Emalie postou-se do lado oposto da lareira, apoiou o cálice numa mesinha e aguardou. – Você entrou na sala de banho enquanto eu estava na banheira, não foi? – indagou ele, quebrando o silêncio. – Entrei sim, milorde. Eu levei uma poção de ervas para seu banho. – Agradeço muito. Foi um grande alívio. – Christian se levantou e se aproximou dela. – O que mais me lembrou foi… Emalie ficou paralisada enquanto ele lhe tirava o cabelo de baixo do xale bem preso a seus ombros, mas não conseguiu evitar que a pele levantasse em arrepios. Em seguida, ele a encarou e acariciou seu rosto, descendo a ponta dos dedos pelo pescoço, deixando-a enlevada pelo desejo. Mas, quando os dedos dele chegaram aos ombros nus e deslizaram sensualmente pelo decote, ela achou que perderia os sentidos a qualquer momento. Ela precisava se recompor e avisá-lo de sua condição. Havia chances de ele não ficar tão bravo se soubesse logo que sua esposa havia perdido a virtude antes do casamento. No entanto, quando aqueles lábios carnudos cobriram os seus, ela se esqueceu das explicações e justificativas, não resistindo quando ele colou o corpo ao dela e a envolveu em seus braços fortes. O beijo era tão gentil quanto o toque das mãos dele na pele desnuda do seu colo. Aos poucos ela foi envolvida numa paixão estonteante que deixou seus mamilos rijos. Ela havia se preparado para se deitar com ele e conceder os privilégios maritais, mas jamais antecipara uma reação física tão desconcertante. Não que ela tivesse muita experiência, pois havia trocado alguns beijos, mas não se lembrava do que William havia feito. Alyce a tinha prevenido de que não sentiria mais a dor de perder a virgindade e que o ato sexual seria mais fácil. Os beijos tornaram-se mais insistentes e ela começou a achar que poderia tolerar ir para a cama com ele. Mas bastou um intervalo maior entre os beijos para que ela recuperasse a razão e se lembrasse de que precisava alertá-lo. – Milorde, por favor… – disse ela, ofegante. – Ah, Emalie, você é tão doce… – sussurrou Christian. – Preciso falar, milorde – implorou ela, espalmando as mãos contra o peito dele e empurrando-o para trás. O quarto estava aquecido pelo fogo da lareira; mesmo assim, ela sentiu frio quando ele a soltou. A expressão do rosto dele mudou quando ela deu um passo para trás. – Você tem minha atenção. O que há de tão importante que não pode esperar? – disse ele, frustrado. O tom de voz dele a intimidou, tanto que ela pensou duas vezes antes de falar. Será que não havia outro meio de ele saber? – Milorde, rogo por sua tolerância e paciência – ela começou a falar, baixando os olhos. – Achei que eu poderia me submeter facilmente aos meus deveres de esposa.


O silêncio se estendeu por uma eternidade, até que ela se forçou a levantar a cabeça. Emalie achou que ele ficaria surpreso e até bravo por ela ter se afastado, mas quando o fitou viu que ele parecia compreender a aflição dela. – Será que pareço tão exigente a ponto de você achar que não conseguirá cumprir seu dever de esposa? – Oh, não, milorde! Não é nada disso. Mal tive tempo para me preparar para esse casamento. Aconteceu tudo rápido demais, tanto que ainda não acredito que estou casada. Christian esboçou um sorriso triste, enquanto ela lutava com as palavras para pedir o impossível. – Imagino que você também esteja surpreso com tudo isso, não? – Surpreso? Por quê? O casamento é algo esperado entre nobres como nós. A dúvida reside apenas em saber quem será o parceiro e qual a data da cerimônia. Emalie desviou o olhar para a taça de vinho e não hesitou em pegá-la e tomar um gole. A bebida a ajudaria a se acalmar e focar os pensamentos em conseguir que seu novo marido concordasse com um pedido. – Eu gostaria de adiarmos este… – Ela foi direto ao assunto. Como não conseguiu completar a frase, fez um gesto com a mão, apontando para ele e para ela. – … pelo menos até nos conhecermos melhor. Christian começou a tossir várias vezes seguidas, como se tivesse se engasgado com o vinho. Depois de enxugar os olhos com as mãos, ele a encarou. – Isso é uma brincadeira? Um casamento só pode ser validado depois de consumado e eu não pretendo colocar em risco minha… – Você está falando em assumir minha propriedade? Meu título e minha gente? – Emalie ficou tão brava que não conseguiu conter as palavras. – É isso mesmo, condessa – disse ele cheio de sarcasmo. – Tudo o que era seu é meu agora. Não quero que ninguém questione meu direito ao que foi prometido. Ao perceber que havia sido agressiva demais, ela se ajoelhou. Se tivesse que se humilhar para adiar aquele compromisso, era o que faria. Ela já havia feito isso antes para proteger o que era seu, então não seria muito ruim repetir. Era preciso ganhar tempo antes de ele descobrir que ela havia sido desonrada. Não, desonrada não… ela nunca se consideraria assim. Nada do que havia feito, ou tentado fazer, merecia o resultado obtido. Ela não considerava que havia perdido a honra, pois ainda a guardava no fundo do coração. Para recuperar a coragem, ela respirou fundo antes de dizer: – Milorde, não quero desafiá-lo nem contestar seus direitos como meu marido. É verdade. Como meu marido tudo o que tenho é seu. Eu sou sua. Ela fez uma pausa, esperando por uma resposta, mas ele não disse nada. – Perdi meu pai há pouco tempo e enfrentei muitos desafios para manter minha propriedade e meu povo longe da ruína. Por favor, milorde, preciso de mais tempo para me acostumar com nosso casamento. Ela sentiu quando ele a segurou pelos ombros e ajudou-a a se levantar. Quando o encarou, tinha certeza de que seu pedido seria negado. Era compreensível que ele recusasse, mas nada se comparava ao medo da reação dele quando descobrisse que ela não era mais virgem. – Vou para o meu quarto, Emalie. Você terá o tempo que necessita. – Mas, milorde, e… – Confusa por ele ter aceitado tão prontamente, ela pensou em lembrá-lo da advertência de Eleanor para que não negassem o casamento. – Não se preocupe com sua reputação…


vou manchar o lençol para que ninguém conteste a consumação do casamento. Christian seguiu até o lado dela na cama e enrolou a manga da túnica. Depois de puxar as cobertas para trás, tirou uma adaga do cinto e fez um pequeno corte no braço, e deixou que o sangue gotejasse manchando o lençol para sempre. Emalie suspirou surpresa quando ele pressionou a mão contra o ferimento para parar o sangramento. – Pronto, assim as más línguas se calarão amanhã. Emalie ficou sem palavras, sem saber o que dizer ou pensar. – Isso é uma bênção, de certa forma. – É mesmo? Para ela era uma bênção de fato, mas e para ele? Um dia poderia explicar a ele o que havia acontecido. Se bem que jamais revelaria o nome do homem que tinha tirado sua virgindade no lugar de Christian, mas teria de explicar suas atitudes de alguma forma. – Este casamento também foi uma surpresa para mim, como você mesma disse. Vim para cá para cumprir uma espécie de ordem para a rainha. Eu não esperava ganhar uma esposa, mais títulos e propriedades. Vamos usar esse período para nos conhecermos melhor e nos acostumarmos com o casamento. Parecia que ele estava de acordo, mas havia alguma coisa subentendida naquelas palavras. Emalie percebeu que havia dúvidas, algo perigoso… alguma coisa estranha. Talvez Christian tivesse razão ao dizer que ficarem separados seria uma bênção. Quem sabe se ele a visse como uma castelã eficiente e uma mulher calma e obediente não poderia perdoá-la por aquele lapso de… comportamento? O tempo seria muito valioso dali para a frente. – Estou de acordo. Muitos homens e mulheres da nossa estirpe não têm a oportunidade de se conhecerem melhor antes do casamento. Que bom que teremos essa chance. Emalie observou o rosto dele sob a luz das chamas da lareira mais uma vez e notou as diferentes emoções através daqueles olhos brilhantes. Talvez não houvesse tempo suficiente de conhecer aquele homem de verdade. Mas o semblante de quem estava sendo traído não lhe passou em branco, o que a levou a imaginar qual queria a reação dele quando descobrisse seu segredo. Será que ele a perdoaria por ter pecado ou a faria pagar por não ser mais virgem? De uma forma ou outra, a decisão ficaria nas mãos dele como marido e senhor daquelas terras e ninguém poderia protegê-la caso fosse castigada. Ela só contava com a palavra da rainha como esperança. – Vou me retirar para os meus aposentos. Venho encontrá-la pela manhã para entrarmos juntos no salão. Emalie estava ao lado da lareira e observou-o andar a passos lentos até a porta do quarto e abri-la. – Gostaria que você não contasse a ninguém sobre nosso acordo. A única pessoa a quem ela poderia contar as intimidades era sua dama de companhia. Alyce sabia de toda a sua vida e morreria antes de revelar qualquer coisa sobre sua ama. Ela havia sido fiel a Emalie mesmo com as ameaças de John. – Se possível, não diga nada a Alyce também, obrigado – disse Christian com um sorriso amargo nos lábios. Será que ele havia lido os pensamentos dela? Ela consentiu com um sinal de cabeça. Christian saiu e deixou-a ali confusa e impressionada com a reação que tivera aos carinhos e ao beijo apaixonado que haviam trocado. Emalie olhou ao redor do quarto e prestou atenção na mancha no lençol. A marca que Christian


tinha deixado ali coincidia com o tamanho da mancha deixada por William na noite em que havia tirado sua virtude. Alyce tinha mostrado a ela o lençol antes de queimá-lo para protegê-la. Era estranho que agora uma marca falsa comprovaria sua virtude para quem quisesse ver. Emalie gostaria de poder contar a verdade a Christian. A culpa por estar enganando aquele que viera salvá-la pesava na sua consciência. Por outro lado, ela havia sido bem treinada pelo pai para conhecer as intenções das pessoas, quando possível. E estava evidente que Christian Dumont, le Comte de Langier, agora Conde de Harbridge tivera de pagar um preço pelo que estava fazendo. Pela pouca experiência que tinha, ela sabia que qualquer homem, especialmente um nobre, fazia de tudo para saciar a vontade de ter mais poder, terras e títulos. Não seria surpresa alguma se ele tivesse recebido uma recompensa do rei por ter cumprido alguma tarefa. Emalie apagou uma a uma as velas do quarto, procurando se acalmar antes de dormir. Ao se deitar, ouviu a cama ranger com seu peso. Com todo cuidado ela procurou não se deitar sobre a mancha e fechou os olhos esperando o sono chegar. Antes de dormir, porém, ela se deu conta que Christian havia usado o próprio sangue para protegê-la. Mas talvez não adiantasse, pois o período mensal dela estava atrasado vários dias. CHRISTIAN SERVIU-SE de um cálice de vinho e sentou-se diante da lareira. Aproveitando o calor das chamas, ele ponderou suas atitudes naquele dia e ainda não acreditava como tinha tido sorte. Emalie era muito inocente para ter percebido o que havia acontecido. Ela não fazia ideia de que tinha evitado saber que ele não teria como consumar os votos do casamento naquela noite. Apesar de tê-la desejado, não fora o suficiente para deixá-lo pronto para o ato do amor. Seu corpo o havia traído. Ao tomar um gole do vinho, ele lembrou que em um primeiro momento ela havia ficado aliviada ao conseguir atrasar a consumação do casamento, porém, logo em seguida, seus olhos brilharam de dúvida. Será que ela havia ficado feliz em não cumprir seu dever de esposa? Ou estava apenas muito envergonhada, como toda virgem? Depois de colocar o cálice sobre a mesa, ele coçou os olhos e esticou os braços. Na verdade, Emalie havia superado as expectativas dele quando soube que o favor que tinha de cumprir para o rei era se casar. Sem dúvida sentiu respeito, surpresa e até desejo nas vezes em que tinham se visto. Ele havia percebido o quanto ela ficou brava por não ter recebido de volta o molho de chaves do castelo, mas por mais chateada que estivesse ela não perdeu a dignidade nem o desrespeitou em público. Numa rápida inspeção pelas contas e manutenção do castelo, ele reconheceu que ela fez um bom trabalho na administração dos recursos e no cuidado com as pessoas que ali viviam. Ele sorriu ao se lembrar de que riu quando a viu pela primeira vez e a forma como Emalie ficou desapontada. Na realidade, ele estava tão entretido com a conversa com Eleanor no solário que nem passou por sua mente que aquela moça recatada podia ser uma condessa. E pensar que ela havia sido testemunha de todas as reações dele ao saber que teria de se casar e não se manifestou. Seria esperar demais que ela não tivesse demonstrado espanto quando ele riu novamente ao ser formalmente apresentado a ela pela rainha. Ele havia quebrado o protocolo, mas não se conteve. Entretanto, a marca mais forte foi a sensação que teve ao encontrá-la no quarto ao lado da lareira. Ali renasceram as esperanças de que a união não estava de todo perdida. Tinha sido quase impossível conter a onda de desejo que o varreu ao ver as curvas do corpo feminino


se insinuarem através da camisola fina. Notar que suas carícias sobre a pele sedosa a tinham feito corar foi o suficiente para que ele tentasse livrá-la do xale de lã com que ela se protegia como um escudo. Depois do beijo apaixonado, ele chegou a acreditar que o ritual ocorreria naturalmente, mas não foi o que aconteceu. Uma esposa como Emalie era uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo para um nobre. Ela era capaz, eficiente, discreta em público e passional a sós. Não foi difícil entender por que uma mulher que nem ela, com todos os títulos, riquezas, habilidades e, sobretudo, acentuado carisma sexual, tivesse sido centro de uma armadilha preparada por John e seus cúmplices. Aquele que a controlasse seria dono de uma grande propriedade inglesa bem cuidada e que proveria a todos que dela dependiam. Esse mesmo homem teria direito às riquezas e aos títulos que o beneficiariam para aumentar a fortuna. Sem contar que ela era uma mulher saudável que geraria filhos para perpetuar o nome da família. Emalie Montgomerie era uma esposa perfeita para homens como Christian, dona de títulos, rica e com a idade adequada para se casar, qualidades que a tornavam um alvo perfeito para os planos de John. Por enquanto, ela pertencia a ele, assim como o controle sobre a propriedade e a fortuna. E era assim que ele pretendia continuar conforme a ordem de Richard até que a verdade fosse descoberta. Estaria tudo sob controle enquanto o segredo que o casamento não tinha sido consumado permanecesse entre eles. O pedido dela para adiarem a noite juntos tinha evitado explicações constrangedoras sobre as limitações físicas dele. Se bem que ela teria uma razão para tripudiá-lo apesar da recomendação de Eleanor para que fossem gentis um com o outro. Talvez a dificuldade temporária que ele enfrentava não fosse uma bênção como tinha imaginado inicialmente. Pensando melhor, havia mais com o que se preocupar. Se Emalie estivesse envolvida com as tentativas de John em tirar o controle da Inglaterra das mãos do Rei Richard, a não consumação do casamento podia ser uma boa desculpa para que a união fosse desfeita. O que Richard diria caso isso acontecesse? Por outro lado, ele também podia se explicar, jurando por sua honra não ter consumado o casamento. O sangue no lençol podia ser justificado e um médico do rei poderia atestar que ele não estava em condições físicas de manter relações com a esposa. Não que ele quisesse que algo do gênero viesse a público, pois sua habilidade em ter um herdeiro para as terras e títulos seria contestada. Mas, em todo caso, era bom ter uma saída alternativa numa guerra. De certa maneira, Christian achava que estava enfrentando uma batalha até mais importante do que a luta diária para continuar vivo durante o cárcere, que de nada adiantaria se não tivesse mantido a honra. Envolto em pensamentos, ele levantou-se, espreguiçou-se mais uma vez e apagou as velas que iluminavam o quarto. Decidiu deixar a porta fechada naquela noite, pois alguém podia passar e vê-lo dormindo sem a esposa e gerar comentários. Depois de respirar fundo algumas vezes, ele relaxou um pouco a tensão que vinha acumulando desde que chegara à Inglaterra. Nas semanas seguintes ele comeria e dormiria bem, além de treinar com outros cavaleiros para recuperar a força e a forma. Assim que estivesse preparado, descobriria os segredos de Emalie e decidiria se a levaria para a cama ou não… tornando-a esposa de fato, e não apenas no nome. Ele tirou o roupão e deitou-se para esperar o sono, que não demorou a vir para um corpo tão exausto.


Capítulo 7

EMALIE SE ajoelhou na capela do castelo e agradeceu a Deus por ter sobrevivido à noite de núpcias. Ela sabia que ter passado por aquela noite em particular e a mudança súbita estavam apenas adiando uma atitude que teria de tomar cedo ou tarde, mas pelo menos teria mais tempo para se preparar. O quarto do casal amanheceu cheio daqueles que queriam ver a prova de que ela havia perdido a inocência e testemunhar a bênção do sacerdote ao casal. A mancha no lençol tinha ficado perfeita e aparentemente satisfez a curiosidade de todos. Apenas Alyce e sir Walter não tinham se alterado. Christian havia saído da cama depois de beijar a esposa no rosto e seguiu para o quarto dele, enquanto ela permaneceu perdida em pensamentos. Emalie continuou distraída enquanto Alyce a ajudava a se arrumar. Pouco tempo depois, ela e Christian tomaram o café da manhã juntos. A manhã continuou num ritmo um tanto surreal quando ele anunciou o que pretendia fazer durante o dia. – Milorde, gostaria de acompanhá-lo e mostrar a minha… a sua propriedade – anunciou ela, levantando-se da mesa também com a intenção de guiá-lo pelo castelo e pelo vilarejo. – Nay, milady. Por favor, tire o dia para descansar. Sir Walter e Fitzhugh podem me ajudar – disse ele, levando a mão dela aos lábios. – Imagino que cavalgar não será muito agradável. Os risinhos abafados e comentários daqueles que estavam no salão certificavam de que a notícia do lençol manchado, comprovando a consumação do casamento, já havia se espalhado. Ela estava a salvo, mas a que custo? Christian se afastou sinalizando para dois dos criados o acompanharem. Emalie sentiu o orgulho ferido e retesou o corpo, disposta a impedi-lo de sair sozinho. – Milorde? Peço sua permissão para acompanhá-lo. Posso lhe garantir que não vou atrasá-lo. Christian já estava no meio do salão quando se virou para ela. O sorriso permanecia no rosto dele, mas o brilho intenso do olhar foi o suficiente para que ela compreendesse que havia passado dos


limites. A primeira reação dela foi dar um passo atrás quando ele se aproximou. – A rainha deixou o castelo conforme tinha avisado e eu bem sei a confusão que se estabelece quando da chegada e partida da família real. Estou certo de que há muito o que fazer por aqui. Cuide disso, milady. – Ele meneou a cabeça, sem desviar o olhar dela. A ordem ficou bem clara. Sem pensar duas vezes, ela fez menção de responder, quando ele avisou abaixando a voz para que ninguém mais ouvisse. – Isso se chama obediência, Emalie. Não me force a constrangê-la diante de seus criados. Ela piscou várias vezes e prendeu a respiração ante a ameaça. O que ele diria aos criados? Era melhor não arriscar. – O tempo está ótimo para uma visita a Greystone – disse ela em alto e bom som para ser ouvida por aqueles que circulavam pelo salão, e dobrou os joelhos numa breve reverência. – Então, até logo, milady – ele se despediu e saiu. Emalie o observou sair e só percebeu que estava com as pernas trêmulas. Decidiu então rezar e aproveitar a quietude da capela. Depois de uma hora, Alyce veio chamá-la. – Milady, ele pretende ouvir as reivindicações dos aldeões mais tarde. Emalie ainda estava entretida em suas preces e não entendeu a quem Alyce se referia. Mas logo voltou à realidade e entendeu que seu novo marido, o Conde de Harbridge, a substituiria naquela importante tarefa. Ouvir as reivindicações e fazer justiça era algo que cabia a ela desde a morte do pai. Era desesperador saber que alguém que não fosse da família Montgomerie assumiria uma tarefa tão importante. – Ouviu o que eu disse, milady? Ele pretende… Ah, ela ouviu e entendeu muito bem, melhor até do que a leal criada. Christian começava a consolidar sua posição de Conde de Harbridge. – Ele tem esse direito – disse ela baixinho. Emalie sempre soube que cedo ou tarde chegaria o momento em que ela se casaria e que seu marido assumiria o controle da propriedade, portanto, não era nenhuma surpresa. O inesperado, porém, era o ritmo acelerado com que a posse acontecia. A única maneira de impedi-lo seria repudiar os votos de casamento, mas isso seria impossível. Havia alguma razão para que Eleanor o tivesse escolhido e Emalie não estava disposta a arriscar a vida de seu povo se rebelando. – Mas, milady, ouvir as reivindicações é o seu dever. – Alyce franziu o cenho, esperando que Emalie reagisse à afronta de ser substituída nas tarefas do castelo e do vilarejo de Greystone. – Não é mais, Alyce. Não é mais. Agora isso é direito do meu marido. Alyce comprimiu os lábios e se afastou, decidindo não discutir mais sobre o assunto. Emalie sentiu-se melhor sozinha, pois já era difícil controlar as próprias emoções e pior seria responder a mais questionamentos. Encarar as perspectivas amargas de seu destino e superar a morte do pai trouxeram lágrimas aos olhos dela. O vazio deixado pela morte dos pais já dominava seu coração, mas, agora, perder o poder sobre a propriedade para aquele homem, apresentado por Eleanor, era como se o ar lhe fosse roubado dos pulmões. Ao olhar para o altar, ela imaginou se Deus estaria ali conforme aprendera com os sacerdotes. E, se estivesse mesmo ali, será que Ele ouvia suas preces? Eram orações diárias pedindo proteção, compreensão e, especialmente, aceitação das novas condições em que estava. Parecia que alguns pedidos eram concedidos, enquanto outros, ignorados. A pior tarefa ainda estava por acontecer. Emalie sabia que teria de reconhecer e validar as ações de


Christian como Conde de Harbridge perante seu povo. As pessoas que trabalhavam e viviam em Greystone tinham prioridade sobre tudo, conforme ela aprendera com os pais. Como uma nobre e uma Montgomerie, tinha responsabilidades, e aceitar o casamento era a primeira de muitas. Tanto ela quanto as pessoas dali tinham de aceitar Christian como protetor para que aqueles que ameaçavam o bem-estar de Greystone soubessem que ele era um guerreiro competente que defenderia a propriedade com a vida. Emalie se levantou e fez o sinal da cruz antes de sair da capela de pedra que lhe trazia conforto e momentos de paz quando estava sobrecarregada com as tarefas de castelã. Christian tinha razão ao dizer que uma visita real e por tanto tempo causava muitas alterações na rotina do castelo, por isso, era preciso que ela trabalhasse para que tudo voltasse ao normal. As atividades intensas iriam prender sua atenção e distraí-la dos outros problemas que lhe perturbavam a mente. AO CONTRÁRIO do costume, o dia não estava cinzento e sim com o sol reinando num céu limpo. Emalie tinha razão quando disse que o tempo o ajudaria a ver melhor o vilarejo e as propriedades que circundavam o Castelo de Greystone. Os raios de sol tinham vencido as nuvens, tornando o dia mais quente e agradável. Mas, infelizmente, a fraqueza dominava o corpo de Christian. Ao olhar ao redor, ele invejou os homens que o acompanhavam. Walter era um homem forte, cheio de vida e energia. A diferença visível o fez colocar a mão sobre o tórax, sentindo os ossos sob a pele. Enquanto não recuperasse a força e a forma física, ele teria de contar com a fama de ser um campeão de torneios e um guerreiro. Com o passar dos dias treinando e se alimentando bem, seria fácil se restabelecer. Enquanto isso… ainda era o meio da manhã e ele já estava exausto. A visita tinha começado pelo vilarejo e pelas propriedades mais próximas. Passaram por fazendas grandes, todas pertencentes à família Montgomerie, e que agora eram dele. Ele foi apresentado aos arrendatários das terras e a alguns de seus vassalos. Crianças saudáveis corriam para cumprimentá-lo a cada parada. O gado e as ovelhas pontilhavam o pasto, engordando para o abate. Havia fartas plantações de todo tipo, suficiente para abastecer o castelo e o vilarejo durante o inverno. A cada parada, Fitzhugh mostrava os registros da colheita, da plantação e dos custos deixando Christian surpreso com a competência de sua esposa. Não contente em deixar o mordomo e o castelão trabalharem por conta própria, Emalie assumiu o controle de tudo depois da morte do pai, tomando decisões importantes para aprimorar os serviços. Além de proprietária de muitas terras, ela era uma esposa perfeita. Mas qual seria o custo de tudo isso? De que forma ela havia conseguido manter as propriedades longe das garras de John? Por que Richard suspeitava dela? Christian teve a sensação de estar trabalhando no escuro sem nenhuma informação ou pista para guiar seus passos. – Aye, sir Walter? – indagou ele ao ouvir o outro tossir para chamar sua atenção. – O senhor não gostaria de descansar um pouco? Está ficando muito quente – perguntou Walter em sua voz rouca. Christian enxugou o suor da testa com as costas da mão e assentiu com a cabeça. Ele estava muito cansado de fato e não demoraria a cair do cavalo. Assim, o pequeno grupo saiu da trilha principal e seguiu para um agrupamento de árvores próximo. Ao desmontar, cada um deles pegou um odre de vinho ou cerveja na sela para se refrescar. Christian se afastou para ter um pouco mais de privacidade. Quando terminou, ouviu o som de água corrente e seguiu até chegar a um riacho. Ajoelhou-se à


margem e com a mão em concha pegou água para jogar no rosto e no pescoço. Depois bebeu um pouco para saciar a sede. – Apesar de ainda estarmos nas terras dos Harbridge, não é uma boa ideia andar sozinho pelo bosque. – Walter estava a poucos metros do riacho. – Existem foras da lei por aqui? – Christian limpou a boca e o rosto com a mão e virou-se para Walter. – A lei não é muito respeitada nas fronteiras de Harbridge, milorde. O pai de milady não conseguiu conter a violência. Christian se levantou e postou-se diante de Walter. – Conte-me um pouco sobre o falecido Conde de Harbridge. Que tipo de homem ele era? – Uma pessoa muito justa, milorde. Ele assumia todas as responsabilidades relativas às terras e seus habitantes. – Diferente de outros proprietários – comentou Christian, quando voltavam para perto do grupo. – A Inglaterra se tornou um lugar perigoso desde que Richard foi capturado. Muitos lordes ignoraram o que estava acontecendo nos arredores e o povo sofreu com isso. – Por que chegou a esse ponto? Walter gaguejou um pouco, mas explicou em seguida. – A luta dos Plantagenet prejudicou todos aqueles que os serviam, desde os servos até os lordes. Imagino que o senhor já soubesse disso. Sim, claro que Christian conhecia a história, mas queria saber no que o senhor daquelas terras acreditava. As artimanhas da família Plantagenet tiveram origem na França e ele bem sabia dos esforços de John em apropriar-se de terras. Como Richard não ligava para a fria e sombria Inglaterra, ignorou as maquinações de John. Quando Richard foi preso, e John começou a usar recursos ingleses para pagar aos inimigos de Richard, Eleanor assumiu o controle, ou pelo menos tentou recuperar o controle. – E por que Montgomerie não planejou o casamento da própria filha em vista dos perigos iminentes? – Ele planejou sim, milorde – respondeu Walter e fez uma pausa antes de concluir: – Mas isso não era da minha conta. – Como capitão da guarda e castelão, você tem de se preocupar com tudo que afeta essa propriedade. – Acho melhor o senhor perguntar sobre isso a milady. Christian estranhou a insolência e parou para fitar Walter, que continuou de cabeça baixa, dividido que estava entre ser leal ao antigo senhor ou ao atual. Mas Christian estava disposto a insistir e descobrir até onde o capitão iria para proteger sua senhora. – Se eu ordenar que me conte o que pretende esconder, o que faria, sir Walter? Walter respirou fundo, mantendo o corpo ereto, e nem se preocupou em disfarçar o desdém. – Eu continuaria a não dizer nada, milorde. Protegerei milady a qualquer custo. – Mas ela não precisa ser protegida de mim – contestou Christian, deixando claro o quanto estava irritado. – Isso é o senhor que está dizendo. Um silêncio constrangedor se abateu entre os dois. Christian cruzou os braços sobre o peito. Mesmo que estivesse em sua antiga forma, ele era mais baixo e menos corpulento que Walter, mas o poder estava em suas mãos. – Posso tirá-lo do seu posto ou até mandá-lo embora de Greystone. O que me diz agora? Walter toldou os olhos, protegendo-os dos raios de sol que se infiltravam pelas árvores, e respirou


fundo. – Aye, o senhor pode fazer muito mais do que isso, mas continuo dizendo que é melhor questionar milady e não a mim – respondeu Walter, orgulhoso e deixando claro que continuaria discreto sobre a vida de Emalie. Christian avaliou a situação e entendeu que não conseguiria descobrir mais nada. Ciente de que havia perdido o desafio, seguiu até o cavalo e montou. – Vamos continuar! O pequeno contingente de guarda se movimentou rapidamente e todos voltaram para a estrada. Fitzhugh e Walter assumiram a liderança e seguiram para o próximo destino. Christian notou que os guardas estavam confusos e não disse uma palavra ao perceber que Fitzhugh alternava o olhar entre ele e Walter. Pelo comportamento de Walter, Christian entendeu que alguma coisa havia impedido Emalie de se casar antes. Teria havido outro homem antes dele? Outro noivo? O que impediu o casamento anterior de se realizar? Infelizmente não havia ninguém mais em Greystone que pudesse sanar as suas dúvidas, pois era certo que todos protegeriam Emalie. Seria impossível descobrir mais detalhes da missão que o levara até Greystone. Algumas vezes, recuar era a melhor estratégia. Assim, era melhor observar mais e questionar menos até estar mais seguro na posição. Ele decidiu que começaria a agir assim que voltassem ao castelo… isto é, se sobrevivesse até lá.


Capítulo 8

CHRISTIAN MANCAVA bastante ao entrar no Salão Nobre. Não adiantou nem diminuir o passo ou manter a postura, imaginando como seria humilhante cair. Usando resquícios de força de vontade e determinação, ele conseguiu chegar até a mesa sobre o tablado. Foi por pura teimosia que não pediu para ir direto para a cama. Ele precisava defender com unhas e dentes o que agora lhe pertencia. Os abutres sentiam cheiro de fraqueza e era melhor fazer de tudo para mantê-los afastados de Greystone. Um lorde incapaz de cumprir com suas responsabilidades não merecia o título. Sem contar que a honra, já tão abatida, não permitiria que ele se rendesse. Christian subiu os degraus do tablado com dificuldade e deixou-se cair na cadeira no centro da mesa. Por sorte havia uma almofada nela que o impediu de se machucar ao cair. Uma criada eficiente o serviu de uma taça de vinho, que ele bebeu num gole só. Outras criadas trouxeram bandejas de queijo, carnes frias e pão. Christian decidiu esperar um pouco, pois ainda não sabia se estava mais cansado ou faminto. Alguns dos aldeões se aglomeraram diante do tablado para começar a sessão de reivindicações. Foi uma luta para Christian aparentar estar bem, mas o esforço só aumentou seu cansaço. Fitzhugh surgiu para ajudá-lo. – Milorde prefere cancelar a sessão de hoje? Era tudo o que Christian queria, mas de novo a teimosia não permitiu que ele aceitasse a sugestão. – Nay, Fitzhugh. Vamos continuar com a rotina do castelo conforme o planejado. Fitzhugh não contestou e fez uma reverência para em seguida sinalizar para os criados ali presentes. Alguns guardas se posicionaram nos degraus dos dois lados do tablado. – O senhor prefere comer alguma coisa antes da sessão? – Fitzhugh inclinou o tronco para perguntar ao ouvido de Christian.


Christian estava tão exausto que nem prestou atenção no que respondeu: – Nay, Fitzhugh. Vamos logo com isso, terminaremos mais rápido se começarmos logo. Ele levantou o braço e uma criada o serviu de mais vinho. Dessa vez, ele sentiu o gosto da uva e não achou dos melhores. Talvez mandasse alguém buscar alguns tonéis de vinho de sua propriedade. Ao terminar a segunda taça, começou a examinar os pergaminhos que tinham sido estendidos à sua frente. Havia alguns pedidos de casamento dos aldeões, pedidos de mais terras e disputas. Christian estava acostumado com sessões como aquelas, pois já havia presenciado o pai fazendo o mesmo. Um jovem se sentou à ponta da mesa, munido de uma pena, faca, pergaminho e tinta, para registrar todas as decisões tomadas. Fitzhugh pediu para um guarda anunciar à porta que a sessão de reivindicações havia começado. Ao se deparar com a quantidade de pessoas que entraram no salão, Christian se arrependeu de não ter cancelado os trabalhos. Ele estava prestes a desmaiar e contestou sua capacidade de tomar decisões importantes. Chegou a pensar em chamar Emalie para ajudar, mas mudou de ideia e acenou para que Fitzhugh desse início à sessão. Duas horas e algumas dúzias de reclamações depois, Christian desistiu e pediu a Fitzhugh para finalizar a sessão. Com muito esforço ele havia tomado decisões justas e resolvido várias questões, mas estava exausto para continuar. O cansaço certamente atrapalharia sua capacidade de pensar com lógica. O desafio seguinte seria se levantar da cadeira e sair andando do salão. Era a primeira vez na vida que se sentia tão sozinho e derrotado. Assim que ele fez menção de se levantar, um criado eficiente puxou a cadeira para ajudá-lo. Respirando fundo, seguiu até os degraus do tablado, mas acabou tropeçando. Só não caiu porque Fitzhugh o segurou pelo braço. – Acho que o senhor ainda não está muito familiarizado com Greystone. Permita que Henry mostre o caminho até seus aposentos e o ajude no que for necessário. Um rapaz forte surgiu diante deles. Christian achou que era melhor colocar a mão no ombro do criado do que tropeçar de novo e cair. A duras penas ele conseguiu atravessar o salão e o corredor, mas quase perdeu os sentidos quando viu a escadaria que teria de subir. Talvez tivesse colocado mais peso na mão, mas Henry não reclamou. Ao se aproximarem da porta do quarto, Christian sentiu que tudo começou a girar à sua volta. Mesmo se segurando em Henry, suas pernas começaram a fraquejar e a visão ficou turva. Mesmo assim, ele conseguiu entrar no quarto e se apoiar numa cadeira. – Henri, pardon moi, Henry. Por favor, diga a milady que não quero ser perturbado. Henry se curvou numa reverência e saiu de costas, fechando a porta ao passar. Christian chegou a pensar em pedir para deixar a porta aberta quando tudo ficou escuro. EMALIE ESPERAVA pela chegada de Christian ao salão para o jantar. Ela estava orgulhosa de ter se mantido calma e realizado seus deveres a contento. A cozinheira havia preparado pratos finos para agradar ao novo senhor, usando receitas deixadas pela chefe de cozinha de Eleanor, que ficou responsável por aquela tarefa durante a estada da rainha. No início, as duas haviam brigado pelo poder, mas logo ficaram amigas e trocaram receitas. O dia não tinha sido fácil para Emalie. Ela viu quando Christian chegou em companhia de sir Walter e Fitzhugh. Foi preciso muito autocontrole para não interferir quando percebeu que ele tinha de fato


intenção de prosseguir com a sessão de reclamações sem sequer convidá-la para participar. Evitando as lágrimas ao imaginar Christian desempenhando uma tarefa que era de seu pai, ela correu para o quarto e se deitou para conter a tristeza que se instalara no coração. Quando da morte do pai, ela havia segurado o corpo dele inerte nos braços por um tempo que não saberia precisar. Aos poucos ela tomou consciência que a partir daquele momento sua vida se transformaria completamente. Como a morte do conde havia sido inesperada, Emalie passou de filha para órfã, de parceira na administração a guardiã do castelo e de dama para condessa. Se na época não havia gostado da mudança, agora apreciava menos ainda. Naquele momento a pressão tinha aumentado, pois ela passava de uma pessoa de confiança para uma criatura sensível, chorando a toda hora. Será que um dia voltaria a ser ela mesma? A resposta era óbvia, principalmente depois de ter presenciado um estranho assumir suas obrigações e tomar seu poder. Agora estava ressentida porque o marido não tinha chegado a tempo para jantar. Alyce havia pedido calma e que ela tivesse mais paciência até Christian se acostumar com a rotina de Greystone. A tarefa era difícil, principalmente porque todos os moradores dali a observavam com atenção em seu novo status. Sem contar com os murmúrios sobre a ausência do marido. Ela censurou com o olhar aqueles que estavam mais próximos à mesa. Sir Walter e a esposa Rosalie estavam presentes também e pareciam tão sem graça quanto ela. Impaciente, Emalie sussurrou ao ouvido de um dos criados que fosse até o quarto de Christian e o “convidasse” para jantar imediatamente. Depois tomou um gole de vinho na esperança de acalmar os nervos. Mas fez uma careta com o sabor acre. O mordomo eficiente estava em pé bem ao lado dela. – O vinho não está bom, milady? – indagou Fitzhugh, franzindo o cenho. Ele aceitava todas as reclamações, mas cuidar dos vinhos era sua especialidade. Ele havia começado ao mesmo tempo que tinha sido colhida a primeira safra de uvas de uma das propriedades do Sul. A partir daí ele se tornou o responsável pelo cultivo e colheita das uvas e da produção dos vários tipos de vinhos consumidos no castelo. O daquela noite era uma safra especial que ele havia aberto para homenagear o aniversário de 15 anos de Emalie. No entanto, a bebida estava com um sabor horrível. – Talvez os barris estejam podres. Este vinho se transformou em vinagre. Com a permissão dela, Fitzhugh tomou um gole e franziu o cenho. – É o mesmo vinho que milady tomou ontem. – Notei diferença ontem também, mas me esqueci de comentar, Fitzhugh. Assim que ela comentou sobre a noite anterior, as criadas abafaram os risinhos. Lembrar a noite de núpcias a deixou corada até a raiz do cabelo. Quando ela abriu a boca para dizer alguma coisa, o criado que havia ido até o quarto de Christian voltou. – Bem, Henry. Viu o meu marido? – perguntou ela com a voz trêmula de constrangimento pelos comentários que ouviu dos criados. – Fui até lá, milady. Ele ainda está no quarto. – Você não o convidou para jantar? – Nay, milady – respondeu o rapaz, trocando o peso do corpo de uma perna para outra e evitando encará-la. – Por que não, Henry? – perguntou ela, irritada. Fitzhugh se aproximou do rapaz e cochichou alguma coisa. Henry meneou a cabeça e fitou-a por fim. – Milorde disse que não queria ser perturbado. – Quando ele disse isso? – Emalie se virou na cadeira para perguntar.


– Quando eu o acompanhei até os aposentos dele, milady. Foi no começo da tarde. – Bem, Fitzhugh, como meu marido não quer ser incomodado, não vejo razão para atrasarmos mais nossa refeição. Pode pedir para servir. Fitzhugh hesitou por um instante, que para ela pareceu ser a eternidade. Ela o fulminou com o olhar para se fazer entender até que ele saísse para cumprir a ordem. Não demorou para que criados entrassem trazendo as travessas para servir aos presentes. O perfume do delicioso pernil, carneiro e aves com molho de especiarias dominou o ambiente. Todos se fartaram, menos Emalie, que ficou sem apetite mais uma vez. Seus pratos favoritos não pareciam mais tão crocantes e gostosos, o cheiro chegou a deixá-la enjoada. Ela se serviu de um pedaço de pão, enquanto os outros se deliciavam, e ficou quieta, evitando mesmo conversar. Parte do mal-estar de Emalie era por causa do estranho comportamento de Christian. Por que ele não tinha descido para jantar? Era compreensível que ele quisesse conduzir a sessão de reivindicações para começar a gerenciar Greystone e as propriedades de Harbridge. Talvez ele não estivesse muito à vontade ali. Afinal, ele tinha vindo cumprir uma ordem do rei e casara-se no dia seguinte. Não havia nem um criado dele para servi-lo, nem um de seus vassalos ou guardas. Emalie tomou um gole de cerveja, que havia substituído o vinho acre. Quem sabe ele estivesse apenas indiferente aos assuntos dos Plantagenets ingleses, assim como a maioria dos nobres franceses e residentes em Anjou. Ao terminar de beber, ela colocou a caneca sobre a mesa, limpou a boca com um guardanapo e se levantou, aguardando que um criado afastasse a cadeira. Quando os outros fizeram menção de se levantar também, ela os impediu acenando. – Eu gostaria de me retirar mais cedo. Por favor, continuem comendo e aproveitem a diversão que preparei para vocês esta noite. Todos ali sabiam que ela havia preparado a refeição e o entretenimento para agradar ao marido, por isso se abstiveram de qualquer comentário na frente e pelas costas dela. Emalie desceu os degraus do tablado e atravessou o salão contendo lágrimas inexplicáveis. Ao sair finalmente do salão, ela subiu a escadaria até o último andar e seguiu para seus aposentos. Henry estava parado ao lado da porta do quarto de Christian. – Ele falou com você? – Não, milady. Nem uma palavra depois de me mandar sair do quarto. – Ele não pediu nada para comer ou beber? – perguntou ela baixinho e se aproximou de Henry para ouvir a resposta no mesmo tom. – Não, milady. – Ele está sozinho? – Emalie começou a desconfiar de que talvez ele tivesse procurado satisfazer seus desejos com outra mulher, já que ainda não tinham consumado o casamento. – É difícil dizer, milady. – Henry virou o rosto, envergonhado pela pergunta apesar da pouca idade. – Vá até a cozinha e peça para prepararem uma bandeja para milorde e traga aqui. – Mas, milady, as instruções de que não o incomodasse foram claras. Emalie procurou conter a decepção e a surpresa para não deixar transparecer nada a um criado. – Isso é uma ordem, Henry. Vá providenciar o que eu pedi agora. Henry chegou a titubear, mas inclinou-se numa reverência e saiu. Sem saber ao certo o que fazer, Emalie aproximou-se da porta para ouvir algum som. Se Christian tinha pedido para ela não incomodálo, era óbvio e até respeitoso que ele não quisesse testemunhas de suas atitudes de posse do castelo. Isso não a incomodou, mas era muito estranho ele não ter pedido comida. Ela sabia que, geralmente, depois


de fazer amor, o casal precisaria comer e beber para recuperar as forças. Bem, logo descobriria o mistério. Levar comida era uma boa desculpa para entrar no quarto. Ainda assim, Emalie sentiu que alguma coisa não estava certa e encostou-se à parede. Seguindo a intuição, ela bateu na porta e, mesmo sem ouvir resposta, levantou a trava. Empurrando a porta bem devagar, ela viu a cama vazia e, ao abrir mais um pouco, se deparou com Christian caído no chão. Ela correu para o lado dele, ajoelhou-se e percebeu que ele ainda estava respirando. Mas a temperatura da pele e do corpo era um sinal claro de que ele estava doente… muito doente. Acomodando a cabeça dele no chão, ela correu para a porta a fim de buscar ajuda. O primeiro criado que surgiu foi enviado para buscar Alyce e sir Walter. Em seguida, ela voltou para o lado de Christian e virou-o para cima. Depois pegou os cobertores para ajeitá-lo melhor enquanto a ajuda não vinha. Passaram-se poucos minutos, que para ela pareceram horas, até ouvir o clamor dos criados correndo pelo corredor. Sir Walter foi o primeiro a entrar, seguido por Alyce e os outros. A primeira providência foi colocar Christian de volta na cama. Outros criados trouxeram a caixa de ervas e outros suprimentos que ela pudesse precisar. Alyce pediu para que os criados saíssem do quarto. Ela e sir Walter ficaram aguardando ordens. Emalie colocou uma compressa fria na testa de Christian e secou o rosto e o pescoço dele com um pano embebido em ervas e água fria. Christian reagiu e se mexeu. – Eu… não… me sentia bem – ele se forçou a dizer. – Você está doente. Fique quieto, preciso tentar baixar a febre. Christian segurou-a pelo pulso, impedindo-a de recolocar a compressa em sua testa. – Não estou me sentindo bem – ele repetiu e afastou o cabelo do rosto. Tentou se levantar, mas caiu para trás, antes de conseguir pedir ajuda a Walter. Emalie notou que ele estava com a mesma aparência de doente de quando o vira na banheira. Ele devia ter passado por alguma experiência muito ruim que o tinha deixado sem forças. A febre alta era um sinal claro de que precisava de tratamento urgente. Emalie sabia que a febre baixaria se o banhasse inteiro em água fria. Assim, desamarrou os cordões que prendiam a túnica e a blusa de linho de baixo. Suas mãos tremeram ao soltar o cinto das calças. Mesmo assim, ela notou que o cinto tinha marcas de que havia sido usado mais frouxo do que estava, sinal de que ele havia perdido muito peso. – Milady, quer que eu a ajude? – perguntou Alyce chegando mais perto. – Por que não vai separar as ervas que precisa para o bálsamo, enquanto sir Walter e eu cuidamos do banho? Emalie meneou a cabeça e entendeu que os dois criados sabiam que o casamento não havia sido consumado. Mas como teriam descoberto? Eles deviam ter visto o lençol manchado de sangue. Se tivessem demonstrado dúvida, Christian teria confirmado o ocorrido. Será que ela havia feito ou dito alguma coisa que deixara dúvidas? Pensando no assunto, ela seguiu até a mesa, abriu a caixa e começou a misturar ervas e pós com um pouco de vinho aguado para baixar a febre e para que ele recuperasse as forças. Alyce tinha acabado de estender um lençol sobre Christian quando ela terminou. Com todo cuidado ela levantou a cabeça dele para ajudá-lo a tomar o remédio em pequenos goles. Depois afastou o cabelo do rosto e ajeitou sua cabeça sobre o travesseiro. – Ele perdeu muito peso recentemente e não podemos permitir que a febre o faça emagrecer mais. Diga para a cozinheira preparar um caldo de carne assim que possível. – Aye, milady. – Alice dobrou os joelhos numa rápida reverência e saiu do quarto.


– Você esteve com ele durante a manhã inteira, Walter. Por acaso notou algum sinal de doença? – Ele parecia muito cansado, milady. Emalie olhou para o fiel castelão e em seguida para o marido acamado. – Ele chegou a dizer que não estava bem? – Falamos sobre as fazendas, as colheitas e sobre a defesa do castelo. – Walter fez uma pausa e a fitou. – Ele perguntou sobre você e seu pai. – E o que você disse? – Eu me recusei a responder e o aconselhei a procurá-la. – Foi uma atitude muito perigosa, Walter. Nós não o conhecemos. Ele podia ter destituído você e o mandado embora de Greystone por tê-lo desafiado. Emalie se levantou e encheu a caneca com mais vinho com a mão trêmula ao imaginar o que o marido podia fazer contra um vassalo rebelde. Era preciso fazer alguma coisa para impedir que alguma coisa acontecesse a Walter. Ela sentou-se novamente na cama e começou a ajudar Christian a tomar mais um pouco do remédio. – Por favor, diga-me como ele reagiu. – Ele descreveu as maneiras como poderia me punir e se afastou. Emalie o fitou, temerosa. – Não entendo. Por que ele permitiu que você o desobedecesse? Ao ouvir que pessoas se aproximavam do quarto, Walter respondeu em voz baixa: – Acho que ele estava apenas me testando. É bem provável que estivesse testando a lealdade dos criados daqui e teve a resposta com a minha recusa em revelar qualquer coisa a seu respeito. Emalie enxugou o vinho que havia escorrido da boca para o queixo de Christian. Estava difícil fazer com que ele tomasse tudo e talvez os esforços dela não fossem suficientes para que a febre baixasse. – Parece que ele passou muita fome – disse ela, ao pousar a cabeça de Christian sobre o travesseiro. – Veja como os ossos estão visíveis. – Ela apontou para o peito e ombros de Christian. – Não é fácil perder tanta gordura e músculo assim. O que será que aconteceu? Walter se aproximou e observou melhor o corpo de Christian. – Como sabe que ele emagreceu? – A rainha me disse que ele era bem encorpado e tinha muito sucesso nos torneios. Um homem não ganha uma competição se não tiver tamanho e força. – Ao ouvir a voz de Alyce do outro lado da porta, ela acrescentou: – É preciso esperar que ele possa contar o que aconteceu, isto é, se ele disser alguma coisa. Alyce voltou com mais suprimentos, e Emalie se envolveu com as poções e em cuidar do marido. Por sorte a febre não era tão grave quanto ela imaginou e os medicamentos começaram a fazer efeito rapidamente. Depois de uma longa noite, o sol se levantou e Christian despertou enfraquecido, mas faminto. AO ACORDAR, Christian teve a sensação de ter apanhado na cabeça seguidas vezes com um martelo. Sentiu a boca seca e o cabelo molhado de suor. Foi inútil tentar levantar a cabeça, mas Emalie percebeu o esforço. – Está acordado, milorde? – perguntou Emalie apressando-se em arrumar os lençóis e afofar o travesseiro.


Christian mexeu a cabeça e viu as cumbucas, a caixa de ervas e panelas no fogo da lareira. – O que aconteceu? Só me lembro de ter voltado para o quarto depois… – As palavras se esvaíram assim como os pensamentos dele. Ele se lembrou do esforço para permanecer sentado durante a sessão de reivindicações dos aldeões e de alguém o ajudando a subir as escadas. Mas depois de entrar no quarto tinha ficado tudo escuro. – Henry disse que suas ordens foram para não ser perturbado. Mas eu pedi para entrar aqui mesmo assim – confessou Emalie, baixando a cabeça. – Pelo que parece, e pelo que estou vendo por aqui, foi uma decisão muito sábia da sua parte. Não vou puni-la por ter me desobedecido. A tentativa de aliviar a tensão com uma brincadeira não teve muito sucesso, pois Emalie empalideceu. Como permaneceu assustada, ele achou que devia emendar: – Paz, milady – disse ele, levantando a mão. – Eu estava brincando. Christian sorriu, mas no estado em que estava talvez o sorriso tivesse se transformado numa careta. Ao se mexer, ele sentiu os lençóis contra a pele e percebeu que estava nu. Rapidamente tentou se cobrir até os ombros para esconder as cicatrizes. Emalie percebeu o desconforto e se levantou, seguindo até um baú no canto do quarto. Dali tirou uma túnica limpa, trouxe até a cama e se virou para que ele pudesse se vestir. Christian lutou para passar a túnica pela cabeça e, quando finalmente conseguiu, Emalie virou-se para fitá-lo. Ele notou que ela estava corada e pensou em como explicar a condição física em que estava. Na certa ela havia visto as cicatrizes e o estado de seu corpo durante o tratamento da noite anterior. Imaginou quem mais o teria visto. – Você parece exausta. Agradeço por ter cuidado de mim. Seu esforço valeu a pena, mas percebo que pagou um preço alto. Emalie prendeu uma mecha do cabelo solto atrás da orelha com gestos graciosos. Ela não demonstrou em nenhum momento estar cansada por ter passado a noite inteira ao lado dele. – Por favor, agradeça à curandeira, as poções dela fizeram milagres. Ela piscou várias vezes seguidas antes de fitá-lo. Christian se sentiu confuso por talvez não ter dito o que pretendia direito. Mas não se culpava porque a situação era estranha. Ele não imaginara acordar num lugar estranho, nu e com a esposa virgem a seu lado. Se bem que nos últimos meses sua vida não tinha sido muito normal. Antes de tentar falar de novo, ele respirou fundo. – Eu já estava doente quando cheguei aqui e pelo visto não me curei tão rápido quanto esperava. Espero não insultá-la ou aos criados com minhas palavras e atitudes. – Imaginei que você estivesse me insultando quando não desceu para jantar – disse ela com a voz doce, mas ele percebeu a mágoa naquelas palavras e se culpou. Antes que pudesse intervir, ela prosseguiu: – Eu devia ter percebido que você não estava bem pelo seu jeito de andar e sua aparência. – Você? Você é a curandeira? – Impressionante. Será que a lista de talentos dela era interminável? Quando Emalie se contraiu, ele percebeu que não havia se expressado bem de novo e impediu que ela se levantasse, segurando-lhe a mão. – Minha mãe também tinha talento para cuidar das pessoas, mas as poções eram preparadas por um herborista. Será que não entendi bem? – Nay, milorde. Eu também tenho uma pessoa responsável pelos jardins e preparo das ervas e das misturas. O talento é dela, não meu. Acredito que os últimos acontecimentos e o ocorrido ontem à noite tenham me esgotado mais do que imaginei. Não costumo me magoar tanto com palavras e


atitudes. Christian ficou aliviado ao notar que ela estava sendo sarcástica. – Bem, já que você é a responsável pelo meu tratamento, diga o que preciso fazer para sarar rápido. – Conte-me por que ficou tão doente. Emalie correu o olhar da cabeça aos pés dele e Christian teve a sensação de que ela via seu corpo nu através do lençol. – Não quero falar sobre isso agora. Você viu os resultados do que houve… diga-me o que fazer para recuperar minhas forças – disse ele. Emalie não se mostrou contrariada pela falta de resposta, ao contrário, começou a enumerar uma série de sugestões de como ele poderia recuperar seu antigo vigor. Ele já havia ouvido algumas das recomendações do médico de Richard, mas Emalie se comprometeu a ajudá-lo. Uma batida na porta interrompeu a conversa. Uma das criadas de Emalie entrou, trazendo uma bandeja. As duas trocaram algumas palavras sussurradas e a criada saiu do quarto. – Você pode começar comendo isto e depois descansar. Vou pedir para Henry ficar aqui para ajudálo em… atividades especiais. Christian não a viu corar, mas sabia que ela havia ficado sem jeito por sugerir a higiene pessoal e necessidades dele. – Você também devia descansar. – Farei isso à tarde. Ainda preciso tomar algumas providências. Depois de colocar a bandeja sobre uma mesa, ela o ajudou a se sentar. Ele aceitou que ela desse as primeiras colheradas de sopa na boca, mas logo acenou que podia continuar sozinho, agradecendo pela ajuda. Emalie se levantou e dirigiu-se devagar até a porta. Antes de sair, porém, ela olhou para uma prateleira e suspirou ao ver alguma coisa ali, mas logo saiu do quarto, fechando a porta. Christian se esticou para ver o que a tinha abalado. Era apenas seu cinto enrolado e, ao lado, o molho de chaves do castelo. Ignorou a visão e voltou a tomar a sopa, pensando no acordo que havia feito com o rei. Seria bom aceitar o casamento e Emalie como presentes do rei. Uma das coisas que almejava na vida era a paz e a tranquilidade de uma propriedade bem administrada. E bem no fundo do coração desejava uma esposa, família e filhos. Henry ainda não tinha chegado, então Christian colocou a bandeja na mesa lateral, desejando apenas dormir. Ao se cobrir, pensou se não seria melhor ser honesto com Emalie e exigir respostas. Talvez ela se abrisse se soubesse que a propriedade e seu povo estavam em perigo. Nay, pela experiência que tinha com mulheres, ele sabia que elas pensavam diferente. Se Emalie estivesse envolvida com John, ele cumpriria com a palavra dada ao rei e se tornaria um espião. O melhor era esperar e observar. Por mais difícil que fosse, sua esposa teria de se acostumar que dali em diante ele teria o controle sobre Greystone e sobre tudo que pertencia ao Conde de Harbridge. Incluindo Emalie, a Condessa de Harbridge.


Capítulo 9

NÃO TINHA sido fácil para Emalie ver as chaves, o seu molho de chaves, na prateleira ao lado do cinto dele, mas ela jamais imaginaria a dor que enfrentaria nas semanas seguintes. Como já não exercia algumas funções no castelo, não lhe restava muito a fazer a não ser observar como o marido consolidava o controle sobre a propriedade, conquistando aos poucos a aceitação do povo. Walter estava sempre ao lado de Christian, enquanto este estudava a rotina de Greystone e implementava as mudanças que achava necessário. Emalie sofria em silêncio ao se deparar com medidas que visavam o conforto dele enquanto ela ficava de mãos atadas. Sentia o coração partido por não participar mais das decisões sobre o castelo e o vilarejo. A tarefa a remetia aos tempos em que discutia com o pai sobre a melhor maneira de administrar tudo. Não ter mais esse poder era como se um buraco tivesse se aberto sob seus pés, afetando sua vida e sua alma. Entretanto, Christian era extremamente educado. Nunca mais atrasou para as refeições e seguia à risca todas as recomendações dela para melhorar a saúde. Ele estava melhorando a cada dia, ganhando peso e músculos. Além disso, ele não fizera nenhuma tentativa para consumar o casamento. Na verdade, eles mal se viam, a não ser durante as refeições ou quando se encontravam casualmente. Naquela tarde, ela estava bordando no solário, perdida em pensamentos. Decidiu andar pelo cômodo e parou diante da janela, recebendo a brisa quente no rosto. Ela fechou os olhos para desfrutar da sensação reconfortante, lamentando ter passado dias seguidos dentro do castelo. Concluiu que não estava acostumada a ficar melancólica. Na realidade, nunca tivera tempo de parar para pensar na vida. Precisava urgentemente fazer alguma coisa. Ao olhar para as mulheres no solário costurando ou bordando, sentiu-se muito deslocada. Não ficava tanto naquela sala nem quando sua mãe era viva. As visitas constantes tinham começado quando a rainha estava hospedada no castelo. E continuaram a se


repetir depois que Christian assumiu a administração do lugar. Alyce também estava ali bordando. Emalie esperou que ela levantasse a cabeça para avisá-la de que pretendia sair um pouco. O dia estava lindo e parecia convidá-la a uma caminhada para se aquecer no sol. – Volto logo, Alyce – anunciou, já se dirigindo para a porta. As outras criadas se levantaram quando ela passou. Emalie fez um sinal para que se sentassem e abriu a porta. – O sol está me convidando para sair. Alguma de vocês gostaria de me acompanhar? Ninguém respondeu em voz alta. Uma ou outra murmurou alguma coisa, abafando o risinho. Ficou claro que nenhuma delas queria deixar a quietude do solário para andar lá fora. Emalie esperou mais um pouco para que alguém se habilitasse, mas acabou saindo sozinha. De certa forma, ela gostou que ninguém a acompanhasse. Assim poderia desfrutar do tempo só para si. Ao atravessar o salão principal, ela cumprimentou quem cruzou seu caminho e procurou ignorar o olhar de pena de alguns. Todos os moradores de Greystone sabiam que Emalie havia perdido muitas coisas para o marido, mas ela tentou se convencer, pela centésima vez naquela semana, que a vida era assim. Um guarda abriu a porta principal e ela passou. Aproveitando o vento no rosto e o sol aquecendo seu o corpo, atravessou o pátio e seguiu na direção do pequeno portão que dava para o campo de ervas. Precisava arrumar algum trabalho para distrair a mente e afastar as preocupações. Não viu nem sinal de Timothy, o jardineiro e herborista. Decidiu vestir o avental de couro, que estava pendurado num gancho no portão de madeira, e seguiu pela alameda principal do jardim, examinando as várias ervas medicinais e culinárias. Talvez Timothy estivesse na oficina do castelo ou além das muralhas, procurando plantas que cresciam melhor na floresta do que se cultivadas em jardins. Emalie se abaixou e ocupou-se com a difícil tarefa de arrancar as ervas daninhas e perdeu a hora. O chamado de Alyce, algum tempo depois, a trouxe de volta à realidade. Ao se dar conta que estava com as mãos e as mangas do vestido cobertos da rica terra escura da horta, ela levou os dedos ao nariz para sentir o perfume. – Milady, milorde está chamando. Vamos ter visitas. – Alyce se apressou em desamarrar o avental de Emalie, franzindo o nariz para a terra espalhada pela roupa de sua ama. – Ele pediu para nos apressarmos. – Você sabe quem vem a Greystone, Alyce? Meu marido falou alguma coisa? – Emalie se livrou do avental e bateu a terra do vestido. Lavou as mãos o melhor que pôde na água de um balde perto de um tanque e se apressou em seguir Alyce de volta ao castelo, mas preferiu usar a escadaria externa para chegar a seus aposentos. Alyce não era uma mulher esbelta, mas mesmo assim movimentava-se rapidamente e com muita eficiência. Em poucos minutos Emalie estava com o cabelo penteado e preso sob um véu e uma tiara. Alyce a ajudou a se limpar da terra e do suor e a vestir uma roupa limpa. Emalie respirou fundo quando estava pronta e dirigiu-se para o Salão Nobre, usando a escadaria principal dessa vez. Quando chegou ao piso intermediário, ela ouviu os risos e as vozes e se apressou a descer o último lance de escadas. Ao entrar no salão viu o marido abraçar um dos jovens recém-chegados. Surpresa, ela parou para observar melhor o estranho grupo. Logo percebeu que não conhecia ninguém, ao contrário de Christian. Os criados e outros habitantes de Greystone presentes ao salão observavam os estranhos de longe enquanto cumprimentavam Christian. Como eles falavam num dialeto próprio, nem ela nem os demais


entenderam o que diziam. Christian acenou para Fitzhugh, que o atendeu prontamente. O mordomo acompanhou para fora do salão o jovem que Christian havia abraçado e mais dois guardas deles. Christian observou o grupo se afastar, demonstrando preocupação, e continuou a cumprimentar um a um, mulheres e homens. Era um grupo misto de pessoas. Alguns pareciam nobres de aparência e vestimentas, outros mais simples. Havia jovens e mais velhos também. Quando terminou de falar com todos, Christian a viu e a chamou para mais perto. – Venha conhecer alguns dos meus vassalos. Todos se curvaram para reverenciá-la. Christian tomou a mão dela e a puxou para mais perto do grupo para apresentá-la: – Esta é Emalie Dumont, minha esposa, Condessa de Harbridge e de Langier. Foi estranho para ela ser apresentada como condessa da propriedade dele também, embora esse fosse seu direito. Ao olhar de lado para os vassalos dele, Emalie percebeu que haviam estranhado tanto quanto ela, mas provavelmente por motivos diferentes. Christian estendeu o braço para chamar um dos homens de seu grupo. – Este é meu amigo mais antigo, sir Luc Delacroix. Luc, cumprimente minha esposa e apresente a sua. Sir Luc tomou uma das mulheres pela mão e os dois reverenciaram Emalie. Em seguida, o cavaleiro tomou a mão de Emalie fingindo beijá-la. Ele era um homem atraente e usava uma cota de malha na cabeça e sob a armadura de escama de peixe. O sorriso com que a encarou era autêntico. A grande surpresa foi ver a esposa dele, morena e exótica, sem nada da beleza pálida das francesas. Emalie nunca havia visto alguém com aquele tom de pele e não conteve a curiosidade. – De onde vem sua esposa, sir Luc? Todos ficaram em silêncio como se Emalie tivesse perguntado alguma besteira. Bem, sir Luc não demonstrou nenhuma preocupação ao ajudar a esposa a se levantar e sorrir. – Minha esposa vem da Terra Santa, milady. Deixe-me apresentá-la a Fatin Delacroix. Fatin baixou em uma nova reverência e não endireitou o corpo antes de Emalie menear a cabeça, cumprimentando-a. Ela pertencia a outra cultura, mas conhecia os costumes ingleses. Emalie nunca tinha conhecido alguém da Terra Santa antes. Será que Fatin era judia? Será que um cavaleiro cristão podia se casar com uma judia? Será que alguém residente no Leste também poderia? Ou então alguém do povo de Saladino? Fez-se um silêncio constrangedor e Emalie sabia que por alguma razão desconhecida Christian aguardava uma resposta sua àquela estrangeira. Emalie havia sido criada e educada para receber bem alguém, independentemente de sua opinião. – Lady Fatin e todos vocês, sejam bem-vindos a Greystone. Vamos até a mesa para nos refrescarmos – disse ela, apontando para as mesas num dos cantos do salão, onde os criados se preparavam para servir a todos. A tensão inicial passou e o grupo seguiu Christian até as mesas. Luc e Fatin se sentaram perto de Christian e se envolveram numa conversa particular. Emalie esperou para ser convidada a participar, mas isso não aconteceu. Mesmo sem fome, ela pegou um pedaço de pão e procurou não se mostrar ofendida. Ficou claro que Christian e os amigos não se encontravam havia muito tempo; a reunião era inesperada e, ao mesmo tempo, bem-vinda.


Emalie sentiu uma pontinha de ciúmes, pois ela mesma não tinha nenhum amigo além de Fayth de Lemsley. Fayth era filha de um dos vassalos de seu pai e as duas haviam crescido juntas. Mas depois da morte de sua mãe, há alguns anos, já não se encontrava com a amiga com tanta frequência. Emalie estava tão envolvida em seus pensamentos que nem percebeu que suspirava. Sir Luc foi o primeiro a notar. – Pardonnez moi, milady. Faz muito tempo que não nos sentamos à mesa com Christian e acho que acabamos esquecendo a educação. Um comentário gentil e charmoso. Luc parecia com alguns dos cavaleiros que tinham vindo ao castelo acompanhando Eleanor, mas ao mesmo tempo os franceses não eram tão arrogantes nem possuíam falsa modéstia. – Não estou ofendida, sir. Eu estava perdida em pensamentos e não prestei a atenção devida ao que acontecia à minha volta. – Foi uma das respostas apropriadas e inteligentes que ela havia aprendido com o tempo em que convivera com Eleanor. Mas, como recebia poucos visitantes de fora da Inglaterra, ela não tinha muita prática. Bem, os amigos de Christian a ajudariam nesse sentido. – Devíamos ter enviado alguém para avisar da nossa chegada, mas estávamos muito ansiosos para chegar aqui o quanto antes. Contudo, Geoffrey ficou muito fraco com a viagem… – Luc interrompeu o que dizia e olhou para Christian como se pedisse permissão para continuar. – Imagino que Geoffrey seja o rapaz que já se recolheu. Ele é seu escudeiro, milorde? Os outros riram baixinho e sussurraram entre si. Todos, inclusive Emalie, olharam para Christian aguardando uma resposta. Emalie sabia que tinha suposto errado. – Geoffrey é meu irmão – respondeu Christian calmamente, mas não a confortou. Emalie teve vontade de se esconder debaixo da mesa para fugir dos olhares dos presentes. Ela se sentiu corar e não imaginou o que pudesse dizer para se desculpar da gafe. Se estendesse as mãos para pegar a taça de vinho, todos veriam que estavam trêmulas, então, achou melhor cruzá-las sobre o colo. O silêncio se tornou eloquente com o passar dos minutos. Christian não havia contado nem um detalhe de sua vida anterior ao casamento. Eleanor havia dito muito pouco, também. Ele nunca havia falado de suas terras até aquele dia, nem mencionara irmão algum. O que aquelas pessoas achariam da recusa de Christian em apresentar a família a sua esposa? A vontade de sumir dali só aumentava. Como ninguém a ajudaria a remediar a situação, e como não podia ajudar Christian a se explicar, ela se levantou. – Com sua licença, milorde, preciso ajudar Fitzhugh a arrumar as acomodações para seus convidados. Christian não demonstrou estar contrariado. E como não disse nada que a impedisse de sair, Emalie ergueu um pouco o vestido, meneou a cabeça numa rápida reverência e deixou a mesa. Fitzhugh já havia instruído os criados a organizarem os aposentos necessários, e as bagagens dos convidados já estavam acomodadas. Como não restava mais nenhuma providência a tomar, Emalie procurou pelo irmão de Christian e o encontrou num pequeno quarto perto das escadas. Bastou um olhar experiente para saber que o rapaz sofria da mesma doença do irmão, mas não se recuperava tão bem. Ele começou a tossir, o corpo todo tremendo. Não havia ninguém por ali para ajudá-lo, então ela entrou no quarto e ajudou-o a se sentar. O ataque de tosse continuou e ao espalmar a mão no peito dele, ela sentiu o chiado. Assim que a crise melhorasse, ela prepararia uma poção de ervas para ajudá-lo a respirar melhor. Aos poucos, a tosse cedeu e quando ele se acalmou, ela o deitou novamente.


Com todo cuidado, ela ajeitou a cabeça dele sobre o travesseiro e afastou-lhe o cabelo do rosto. Ao passar a mão pela face dele, notou o quanto se parecia com Christian… o mesmo cabelo, olhos e maxilar quadrado. O mais interessante era que os dois tinham a mesma doença, apesar de que aquele rapaz estava num estado pior do que o irmão, mas os sintomas eram similares. Geoffrey caiu num sono profundo e Emalie deixou o quarto. Christian a aguardava no corredor. – Milady… Emalie ignorou o chamado e virou-se na direção oposta, pois ainda estava braba por ele a ter deixado passar vergonha minutos antes. Ela demoraria mais para chegar ao seu ateliê, mas poderia escapar com maior facilidade. – Emalie! – Christian a alcançou e a segurou pelo braço. Ela se assustou com o apertão. Ninguém nunca a havia tratado daquela forma. Christian a soltou em seguida, mas bloqueou a passagem. – Quero falar com você. Emalie continuou parada, tentando se acalmar, mas com o olhar fixo nas mãos cruzadas. – Acho que preciso me desculpar. – Como a esposa não respondeu, ele continuou: – Desde que Fitzhugh assumiu a maioria de suas responsabilidades antigas, avisei a ele sobre as visitas e me esqueci de falar com você. Perdoe-me por não ter avisado da chegada deles com mais tempo. As palavras dele a feriram mais do que se ele tivesse usado uma adaga. Christian a considerava como uma visitante também, e não como esposa, por isso acreditava que não precisava dar satisfações a ela. Ainda com o olhar fixo nas mãos, ela procurou não demonstrar a dor e não permitir que as lágrimas lhe escorressem pelo rosto. – Fitzhugh já tomou todas as providências necessárias. Se quiser, você pode voltar ao que fazia antes de ser interrompida. Dessa vez, ela sentiu como se tivesse levado um soco. Seria melhor se tivesse controlado a raiva e a humilhação, mas a indignação foi mais forte. – Você não acha que devia ter me falado do seu irmão? Não passou pela sua cabeça que uma esposa se interessaria pela família do marido? – Eu não esperava que eles chegassem tão rápido, por isso pensei em falar com você depois. – O restante da sua família também chegará inesperadamente? Talvez sua mãe, irmã ou mesmo outro irmão? Uma esposa deve saber desses detalhes. Christian baixou o tom de voz ao dizer: – Não há mais ninguém, Emalie. Geoffrey e eu somos os últimos Dumont… pelo menos até você me dar um herdeiro. – Ele sofre da mesma doença que você? – perguntou ela, ainda sem conseguir controlar a raiva. Christian deu um passo atrás e, ao respirar fundo, endireitou as costas. Ele já não estava mais tão magro, os músculos já eram visíveis sob a túnica. Agora a presença dele era intimidadora. – Eu já tinha dito que não falarei sobre minha doença por enquanto e não mudei de ideia. Não se preocupe com isso agora. Trate meu irmão assim como fez comigo. Christian se espreguiçou, esticando os braços para cima. Mais uma vez, Emalie se impressionou com o físico dele. Talvez devesse ter contado sua verdade quando ele estava mais enfraquecido. Assustada com o que poderia acontecer, ela baixou a cabeça e pediu passagem. – Está certo, milorde. Com sua licença, vou buscar minha caixa de medicamentos – disse ela, afastando-se.


Depois de alguns passos, ela ergueu a barra da saia e correu até o final do corredor, ignorando tudo à sua volta. Depois refugiou-se no único lugar onde podia recuperar o controle e ordenar os pensamentos antes de enfrentar Christian de novo. – ISSO NÃO foi bom, meu irmão. Christian se virou para a porta do quarto ao ouvir a voz de Geoffrey. – Pensei que você estivesse dormindo. – Christian entrou no pequeno cômodo e se aproximou da cama. – Como está se sentindo? – Não estou tão bem quanto você. Imagino que tenha se recuperado a ponto de destratar uma dama. – Geoff tentou se sentar, mas desistiu depois de algumas tentativas. Ao olhar para a porta, Christian percebeu que Geoff pôde ver e ouvir a conversa que teve com Emalie e fez uma careta. – Na verdade, estou me sentindo bem para voltar a treinar. Você também vai se recuperar rápido. – Isso se sua esposa não me der o remédio que daria para você depois de tê-la destratado. O riso de Geoff soou como música aos ouvidos de Christian. – Ela é mesmo sua esposa? Não em todos os sentidos, pensou ele, sem dizer. Assim que possível ele resolveria a questão, pois, ao recuperar as forças o desejo por ela cresceu. Era um desejo latente que conflitava com a preocupação acerca da lealdade de Emalie e que o impedia de raciocinar qual lugar ela devia ocupar em sua vida. Como seus esforços para conhecê-la melhor não tinham adiantado, ele estava decidido a consumar o casamento. – Aye, ela é minha esposa. Eu a recebi com terras, títulos e riquezas diretamente do rei. – Quando ainda estávamos no Castelo d’Azure, você disse que teria de cumprir uma tarefa para o rei para restaurar nossa liberdade e nosso nome, mas não me falou de casamento. – Eu só soube que iria me casar quando cheguei aqui. Fiquei tão surpreso quando descobri quanto você está agora. Bem, chega de falar nesse assunto. Vim até aqui só para saber se você está sendo bem cuidado. – Aye, milorde, estou bem. – Geoff parou de rir e ficou sério. – Pelo que ouvi daqui, suas palavras ofenderam muito sua esposa. É melhor ir procurá-la se pretende reverter essa situação. – Ofendê-la? Nay, imagine, ela está aborrecida com as mudanças que fiz por aqui. – Você nunca entendeu bem as mulheres, não é, Christian? – E você é muito novo para conhecê-las tão bem quanto quer parecer, meu irmão. Deixe estar e descanse. Volto para visitá-lo mais tarde. Christian puxou as cobertas até o queixo de Geoff e bagunçou o cabelo dele. Era muito bom ter o irmão tão perto de novo. Ao sair do quarto, ele estranhou a atitude do rei. Quando haviam conversado, Richard dissera que Geoff ainda ficaria preso por alguns meses e não tinha se passado tanto tempo assim. Por mais que pensasse, ele jamais entenderia como funcionava a lógica dos Plantagenet, mãe e filhos. E descobrir qual o verdadeiro objetivo que Richard tinha em mente quando fizera o acordo seria impossível. Será que Geoff tinha razão? Será que exercer o direito como novo proprietário do Castelo de Greystone e o vilarejo havia ofendido Emalie? Ora, mas era assim que funcionavam os casamentos modernos, quer estivessem na Inglaterra, quer na França. A mulher provia o marido com títulos, terras


e dinheiro, e o homem controlava tudo. Porém, ele já havia ouvido comentários de que Emalie teria sido criada diferente e que o pai a tratava como um filho. Não que ela tivesse de treinar como um cavaleiro, mas controlava o castelo e o vilarejo. Até mesmo o sacerdote a glorificara, algo sem precedente. Talvez fosse a hora de devolver o molho de chaves do castelo e o controle das tarefas domésticas a ela. Isso não o desmereceria, pois ele continuaria tomando todas as decisões importantes devidas ao senhor daquelas terras. Mais tarde, ele trataria de procurá-la e explicar sua visão sobre como o casamento e as demais propriedades deviam ser. Por enquanto, o mais importante era transformar aquela união num casamento verdadeiro. Depois que tivessem consumado a união, ela encontraria seu lugar e tudo ficaria bem. Com tudo resolvido em sua mente, Christian foi procurar Luc para treinar com as espadas.


Capítulo 10

EMALIE ESTAVA exausta. Tinha sido um dia longo e muito difícil. Para relaxar, ela decidiu se recolher mais cedo e mergulhar num banho quente antes de se deitar. Alyce tinha preparado tudo, ajudando-a a se vestir e, naquele momento, penteava-lhe o longo cabelo diante da lareira. Emalie fechou os olhos e tentou se esquecer dos aborrecimentos que tivera naquele dia. Apesar de estar muito cansada e da facilidade com a qual ultimamente pegava no sono, ela se sentia bem alerta. Ela abriu os olhos ao ouvir a voz de Christian e de mais pessoas através da parede do quarto. Seria muito difícil distinguir de quem eram as vozes. Depois de muito riso, o quarto vizinho ficou em silêncio. A batida na porta que unia os dois quartos foi inesperada. Emalie meneou a cabeça para Alyce, que se levantou, mas Christian abriu a porta primeiro. Bastou menear a cabeça para que Alyce compreendesse que tinha de sair. Para desagrado de Emalie, a criada sequer olhou na sua direção para lhe pedir permissão. – Passei muito tempo com meu irmão, Luc e a esposa. Agora é a sua vez. Christian parecia muito bem-humorado. Quando os olhares se cruzaram ela achou que ele estava se divertindo. – Quais são as reivindicações deles, milorde? – Primeiro vamos resolver as minhas – respondeu Christian, andando lentamente na direção da lareira. A maneira de ele caminhar a fez lembrar um felino prestes a atacar sua presa. Ela se contraiu inteira, aguardando que ele se aproximasse mais. – As suas…? – Emalie se repreendeu por ter gaguejado. Christian tomou-lhe as mãos, levantando-a da cadeira. Depois segurou o queixo dela com a ponta do dedo, forçando-a a encará-lo.


– Estamos casados há quase quatro semanas e ainda não ouvi você pronunciar meu nome. Diga, Emalie. Diga meu nome. – A voz de Christian transformou-se num sussurro sedutor e irresistível. – Christian – disse ela numa voz doce. – Mais uma vez – ordenou ele. Quando ela abriu a boca para repetir, ele a beijou com suavidade, escorregando os lábios contra os dela numa carícia sensual até ela não resistir mais e abrir passagem para a língua ansiosa. As línguas se tocaram e começaram a brincar. Emalie saboreou o gosto quente da boca dele e deixou que aquele calor gostoso percorresse seu corpo inteiro. Sentiu quando ele segurou-a pelo cabelo, enrolando-o no pulso, para puxá-la para mais perto. Como se tivessem vontade própria, as mãos dela espalmaram aquele tórax largo e começaram a explorar os músculos firmes. Christian segurou as mãos dela, as colocou ao redor de seu pescoço e finalizou o abraço, enlaçando-a pela cintura. Emalie sentiu o corpo dele de encontro ao seu e notou a diferença da última vez que tinham se beijado. Boa comida e exercícios tinham feito toda a diferença. O esforço de se concentrar na recuperação dele foi inútil, pois logo os pensamentos dela se esvaíram. Ela sentiu que o próprio corpo a traía reagindo tão languidamente, deixando úmida sua região mais íntima. Os seios… os seios se comprimiam contra o peito dele, e os mamilos enrijeceram num estranho pedido para serem tocados. Christian atendeu ao pedido não verbalizado e deslizou uma das mãos pelo colo dela e acariciou-lhe o seio. Emalie serpenteou o corpo de leve, insinuando que ele tocasse seu mamilo. E quando ele obedeceu, ambos gemeram de prazer. A camisola fina de Emalie não era barreira para as mãos ávidas de Christian. Mesmo acariciando-se com avidez, eles não pararam de se beijar. As línguas bailavam juntas como se fossem antigas parceiras. Emalie nunca imaginou que um beijo profundo como aquele pudesse gerar tamanho prazer. Certa vez John a tinha forçado a beijá-lo, enfiando a língua dentro de sua boca, algo que nem de longe se parecia com a experiência presente. Mesmo assim, a lembrança quebrou o encanto e a levou a se retrair. – Ah, minha linda Emalie – sussurrou ele sem afastar os lábios dos dela. – Ainda não. Deixe-me… Em vez de completar a frase, Christian a beijou de novo ao mesmo tempo que alternava as carícias de um seio para outro. Emalie percebeu que seu corpo inteiro reagia ao toque daquelas mãos másculas. E quando achou que gritaria de fato, ele escorregou os lábios dos dela, descendo pelo pescoço, ao mesmo tempo que desamarrava as fitas que prendiam a camisola. Em vez de acalmá-la, a brisa fria que banhou os seios nus a incitou ainda mais, deixando os mamilos túrgidos. Christian se afastou um pouco para admirar o efeito de suas carícias no rosto dela. Mas logo em seguida mergulhou a cabeça nos seios fartos e passou a sugar seus mamilos com uma fome recorrente. O deleite foi tamanho que Emalie não suportou mais o peso do próprio corpo e seus joelhos fraquejaram. Christian a amparou, levantando-a no colo e levando-a para a cama. Ajoelhando-se ao lado dela, ele continuou baixando sua camisola, acompanhando o movimento com os lábios, beijando cada pedacinho de pele descoberta, descendo pelo pescoço, ombros, terminando por capturar um dos mamilos. Emalie gemia de paixão e desejo, conforme ele pavimentava com a língua sua pele tão sensível. Mais uma vez, ela teve vontade de gritar de prazer, mas acabou por agarrar as cobertas, procurando conter a miríade de sensações desconhecidas que a varriam como um tornado. – Emalie, desculpe se estou machucando você – disse ele, levantando a cabeça, notando o quanto ela reagia. Sem aguardar a resposta, ele tornou a sugar um dos mamilos dela, delineando-o com a ponta da


língua até fazê-la gemer. Como ele esperava que ela ao menos pensasse, torturando-a deliciosamente daquele jeito? Ah, sim, ele queria ouvir seu nome. – Christian? – Serei mais gentil, acho que a machuquei. Por não nos conhecermos melhor, vivo magoando você. – Como me magoando, mil… Christian? Não, era impossível manter uma linha de raciocínio quando se estava tão enlevado pelo desejo? Se ele deixasse de tocá-la talvez ela conseguisse raciocinar. Mas Christian estava decidido a enlouquecê-la e começou a fazer movimentos circulares com a mão sobre o ventre dela, aumentando a amplitude cada vez mais até roçar a penugem que cobria o centro daquelas coxas bem-torneadas. – Sei que tem sido difícil para você não poder interferir nas minhas decisões sobre o castelo e o vilarejo. Mas as coisas são assim, você sabe. Sei que você tinha expectativas de que talvez aqui fosse diferente. Ah, não, isso não era justo! Christian não havia parado de acariciá-la em seu ponto mais sensível enquanto falava. As palavras dele a haviam confundido, mas ela não estava interessada em pensar naquele momento. Havia ouvido o pedido de desculpa e o aceitaria mais tarde, quando seu corpo esfriasse e ela conseguisse pensar com clareza. Christian entremeou os dedos na penugem entre as pernas dela e massageou seu ponto mais sensível. Enquanto ela tremia de prazer, ele não parava de falar. – Vou tentar consultá-la antes de tomar qualquer decisão importante, Emalie. Pedirei sua opinião e ouvirei suas ideias. E… – Toque-me, por favor – implorou ela, cerrando os dentes. Agora ela já não se importava se gemia alto, pois havia sido dominada por uma pressa indescritível. Christian se levantou e tirou o roupão, ficando totalmente nu. Embriagada pela visão daquele corpo magnífico, Emalie tentou tocá-lo, mas não teve a chance, pois ele baixou a cabeça e começou a beijar seus seios, enquanto a mão descia pelas coxas dela. Ela segurou o cabelo dele com força, enquanto ele alternava os beijos entre um seio e outro, como se pudesse prendê-lo ali pelo resto da vida. Emalie sentiu como se escalasse uma montanha de sensações alucinantes, ansiando por chegar logo ao pico. Era como se estivesse no olho de um furacão de fortes emoções que a jogavam cada vez mais para cima. De repente ela achou que havia sido engolida por uma onda de um prazer extremo e desconhecido ao chegar ao ápice do prazer. Ainda com a mente enevoada, percebeu quando Christian a cobriu com seu peso, afastando-lhe as pernas para se acomodar melhor. Emalie ainda tremia pelo orgasmo que sentiu e aguardou que ele a preenchesse, fundindo seus corpos num só. O coração dela batia em total descompasso com a respiração tênue. Talvez para acalmá-la, ou para provocá-la novamente, Christian a beijou na boca outra vez. Ela o sentiu se posicionar e esperou por segundos que pareceram se arrastar por uma eternidade. Mas nada aconteceu. Alguém batia repetidas vezes na porta do quarto. – Milady? Milady? – Saia daqui – Christian praticamente grunhiu e ficou paralisado. Emalie sorriu, reconhecendo nele uma fera protegendo sua presa. – Milorde? Chris? Você está aí? Venha rápido. Geoff piorou – gritou Luc do outro lado da porta. Bastou ouvir o nome do irmão para que Christian mudasse de fisionomia. Ele pulou da cama, vestiu


o roupão e correu para a porta, deixando Emalie sozinha na cama. Ele abriu apenas uma fresta da porta e ouviu, fechando-a em seguida e voltando para a cama. – Luc disse que Geoff está tendo uma crise de tosse e não consegue respirar. Será que você pode ajudá-lo? Emalie já tinha visto o rosto de Christian descontrair com um riso, contrair-se em sinal de raiva e até solto na paixão. Mas, naquele momento, o medo havia transformado seu semblante. O coração de Emalie ainda batia acelerado quando ela levantou e tentou colocar um roupão pesado. Se não fosse Christian a ajudá-la, ela não teria conseguido amarrar o cordão na cintura por causa dos dedos trêmulos. – Vá ficar com ele, enquanto eu pego minhas coisas. Ele meneou a cabeça e abriu a porta totalmente. Os criados que tinham se amontoado ali tentavam espiá-la, mas Alyce surgiu e ordenou que todos saíssem. Emalie tentava prender o cabelo, enquanto Alyce vestia-lhe as meias, puxando-as para cima dos joelhos. Ela revirou o baú e encontrou uma camisola mais grossa, vestiu-a e colocou o roupão por cima. Instantes depois, ela já corria pelo corredor que a levaria até o quarto de Geoff. Alguns criados que tinham saído da porta do quarto dela estavam ali, aglomerando-se aos outros, formando uma grande comoção. Alyce ordenou que se afastassem e um caminho se abriu para Emalie passar. Geoff ainda tossia e tinha perdido a cor, lutava para respirar entre um espasmo e outro. Emalie se aproximou para avaliá-lo melhor, mas Christian não saiu do lado dele. – Milorde, permita que eu o veja. – Por favor, Emalie, salve-o. Mesmo naquela situação difícil, Emalie se surpreendeu por Christian tê-la chamado pelo nome como se estivesse acostumado. Um criado chegou trazendo a caixa de medicamentos e ela começou a trabalhar. Christian se afastou e obedeceu a tudo que ela pedia… ajudando-a sempre que possível. Ele não permitiu que ninguém mais se aproximasse de Geoff. Depois de ministrar um xarope, ela conseguiu que o rapaz parasse de tossir e recuperasse a cor. Ele ainda estava pálido, mas era melhor do que o azul de antes. Geoff conseguiu se sentar e Emalie o fez respirar o vapor de algumas ervas fervidas em água. Uma infusão de folhas de malva ajudava na respiração e diminuía a tosse. Logo Geoffrey estava respirando melhor e sem tossir. O xarope e a infusão o ajudariam a passar a noite. Mais algumas doses de remédio e mais infusões e o perigo de outro ataque seria afastado. Em poucos dias a tosse estaria sob controle. Geoffrey estava tão esgotado que não relutou em obedecer às ordens de Emalie e logo pegou no sono, respirando normalmente. O crepitar da lareira era o único som que permanecia no quarto. Emalie observava o tórax dele subir e descer, feliz que seus esforços tinham ajudado bastante. – Venha. – Christian estendeu a mão para ela. – Vou acompanhá-la de volta ao seu quarto. O primeiro impulso dela foi recusar, pois preferia continuar ali, cuidando de Geoff, do que voltar para o quarto e enfrentar a complexidade do que faziam. – Se me permitir, eu gostaria de ficar aqui um pouco mais. – Você está exausta, Emalie. Deixarei alguém aqui e você será chamada, caso seja necessário. – Milorde… Christian, por favor. Ele pode ter outro ataque de tosse e vou demorar preciosos minutos até acordar e chegar aqui. Eu gostaria de ficar, para me certificar que as ervas fizeram efeito. Christian ficou dividido, sem saber o que fazer, mas logo meneou a cabeça, permitindo que ela


velasse pelo sono de Geoff. Todos saĂ­ram do quarto e Emalie se acomodou para passar a noite em paz.


Capítulo 11

CHRISTIAN SE preparava para encontrar com Luc no solário na manhã seguinte conforme o planejado para discutir sobre a defesa do castelo quando foi chamado. Mas sua presença não era requisitada no quarto de Geoff, como esperado, mas nos aposentos de Emalie. A criada não deu muitas informações, apenas disse para ele se apressar. Sem demora, ele saiu correndo, subiu os lances de escada e chegou ofegante. Luc vinha logo atrás. Alyce o estava esperando à porta do quarto. – Como ela está, Alyce? O que houve? – Ela foi visitar seu irmão e na volta desmaiou no corredor. Sir Walter a trouxe para cá. – Você chamou alguém? Uma curandeira? – Em desespero, Christian alternou o olhar entre Alyce e Luc. – Chamei uma senhora do vilarejo, milorde. Ela está lá dentro agora. Christian tentou entrar, mas Alyce postou-se à sua frente e Luc o segurou pela túnica por trás. – Teremos notícias quando a curandeira terminar, milorde. Espere um pouco. – Emalie deve estar exausta de cuidar do meu irmão. Ela ficará boa logo – disse ele como se quisesse se convencer. Acalmou-se ao ouvir a conversa vinda do quarto. Emalie estava acordada. Ele se culpou pelo cansaço da esposa, pois havia se aproveitado da inocência dela ao apresentar os prazeres físicos e logo em seguida exigiu que ela cuidasse de Geoff. A porta do quarto se abriu e uma senhora mais velha que Alyce surgiu. Ela fechou a porta com cuidado, olhou ao redor e, ao encontrar Christian, meneou a cabeça. Ela era tão franzina que parecia desnutrida. – Milorde, sou Enyd, do vilarejo – ela se apresentou, fazendo uma vênia. – Ela está doente? – indagou Christian olhando por cima da cabeça de Enyd para a porta do quarto.


– Ela está bem, mas indisposta como qualquer mulher que espera um bebê, milorde. Depois de descansar, ela estará melhor. Virei vê-la em uma semana. – Ela está esperando um bebê? – Ele sabia bem o que isso significava, mas não achou que fosse o caso. Eles estavam casados há tempo suficiente para que ela engravidasse, mas não tinham consumado o casamento antes da noite anterior. – Grávida? – Parabéns, milorde. Milady é saudável e forte o suficiente para lhe dar herdeiros – disse Enyd, e se afastou sem dizer mais nada. Christian procurou Alyce, que devia saber explicar o que estava acontecendo, mas a criada havia aproveitado para entrar no quarto, enquanto ele conversava com Enyd. Foi uma surpresa quando Luc bateu nas costas dele, felicitando-o com um sorriso largo. Bastou um olhar de Christian para que Luc se retraísse. Ao olhar para o amigo, Christian se deu conta da verdade. Emalie estava esperando um bebê, mas o filho não era dele. De repente ele teve a sensação de que as paredes se movimentavam e que uma correia de aço apertava sua cabeça. Com a visão turva, ele se apoiou na parede para não cair. Emalie o havia traído. Ela havia se entregado a outro homem e agora geraria o fruto do pecado. Depois de tudo o que havia passado, ele sentiu que seria humilhado e desonrado mais uma vez. Sua família carregaria aquele fardo por causa de Emalie. Aos poucos o ódio e o desejo de vingança foram tomando lugar da surpresa inicial. Era preciso fazer alguma coisa para preservar a honra, embora a raiva o estivesse impedindo de pensar claramente. – Chris? O que houve? A parteira disse que ela está bem. – Luc tentou acalmá-lo sem muito sucesso, pois não sabia a razão do choque que o amigo acabara de sofrer. Christian estava prestes a explodir de raiva. Era melhor sair dali o quanto antes para não revelar seus temores a todos. Assim, puxou o braço, que Luc segurava, e saiu a passos largos até deixar o castelo para trás. Ao se aproximar do estábulo, ordenou que um cavalo fosse selado rápido e em poucos minutos cavalgava através dos portões rumo a um destino incerto. Ele nem se lembrou de vestir a cota de malha ou chamar um escudeiro. Apenas um pensamento reinava em sua mente. Emalie carregava a semente de outro homem em seu ventre. Todas as dúvidas que tivera ao chegar a Greystone haviam se confirmado. Mesmo sem saber, tinha tomado a melhor providência ao tirar dela as responsabilidades e os deveres do castelo e do vilarejo. Tinha agido corretamente ao fazer prevalecer suas ordens sobre as dela, e felizmente requisitara que seus homens viessem trabalhar no castelo… para protegê-lo da traição. Questões sem respostas o afligiam enquanto percorria um caminho traiçoeiro para longe e ao Norte de Greystone. Christian precisou usar toda a sua força e concentração para controlar o cavalo. Quando estavam prestes a entrar em colapso, ele parou, arriou do animal e continuou a caminhar a pé, seguindo um riacho até um lago, permitindo que o cavalo se refrescasse. A longa cavalgada que o distanciara bastante de Greystone não foi suficiente para acalmar sua raiva. Aos poucos ele foi recuperando a frieza para raciocinar direito e conseguiu unir algumas peças do quebra-cabeça. Estava claro que Eleanor sabia de tudo desde o princípio. Richard também devia saber, mas foi a rainha que arquitetara o plano. Ele se lembrou das palavras dela na noite do casamento: Imagino que vocês não negarão o casamento pela manhã, não é? Não tinha sido uma pergunta ou um comentário, mas sim uma ordem dada por um dos membros mais experientes e ardilosos da família Plantagenet. Richard podia ter sido ou não parte do plano, mas


havia feito o jogo da mãe. Mesmo sendo um nobre, Christian jamais adivinharia os planos intricados da família real. Richard, John e Eleanor apoiavam um ao outro, embora fossem os piores inimigos. Quem os observasse de fora, veria que eles mudavam de lado como se cedessem aos caprichos e vontade dos ventos. Christian puxou o cavalo pelas rédeas até a margem do lago. Ajoelhou-se, bebeu um pouco de água fresca e depois lavou o rosto. Sentindo-se melhor, ele puxou o cavalo até umas árvores e se sentou. Emalie. Qual seria o jogo dela? Como quem ela teria se deitado? De quem era o filho que ela carregava? A ironia da situação chegava a ser engraçada. Ele havia vendido a alma para recuperar a honra dele e da família e agora estava prestes a perdê-la novamente quando viesse a público que ele não era o pai daquela criança. A desonra e o peso da traição agigantaram-se diante dele. Era evidente que o resultado de tudo aquilo seria um desastre. Ele e o irmão corriam um grande perigo. Havia outra contradição naquilo tudo. Ele havia descoberto o segredo, ou parte dele, do envolvimento de Emalie com John e não podia contar ao rei. A ironia da situação o levou a rir alto. Não se tratava apenas de um pressentimento, mas estava claro que John tinha sido o responsável pela desonra de Emalie. Talvez até fosse o pai da criança. E agora? O que fazer? Christian arrancou um pedaço de grama e o enrolou no dedo. Será que continuava com o plano de Eleanor e não expunha a todos a desonra de Emalie? Se agisse assim teria de reconhecer o bebê como seu e, se fosse um menino, seria seu herdeiro. Caso a expusesse como culpada, ele seria visto como um marido traído e teria de deixá-la para procurar outra esposa. Provavelmente ele perderia o direito sobre Greystone, ou talvez ficasse com uma pequena parte se o rei concedesse. Afinal, o monarca tinha esse poder, uma vez que já havia confiscado suas terras. Qualquer que fosse a atitude, a desonra de Emalie respingaria nele. Christian se levantou e bateu a terra da roupa. Ah, isso era muito difícil de suportar! Tudo pelo que havia trabalhado, suplicado e negociado estava em risco por causa da fraqueza de uma mulher. Uma mulher que teria de enfrentar ao voltar para Greystone. Uma mulher que tinha o futuro dele e do irmão em suas mãos traidoras. Depois de montar no cavalo de novo, ele voltou para o castelo pelo mesmo caminho pelo qual havia saído. Não tomaria nenhuma decisão sem antes falar com ela. Ele se sentiu nauseado ao se dar conta de que sua vida e honra ainda não lhe pertenciam, e que qualquer atitude que tomasse seria inócua. Teria de jogar conforme as regras dos Plantagenet; mesmo assim, não havia chances de vencê-los. EMALIE JÁ tinha tentado se distrair costurando ou rezando, mas nada a acalmara. Andar de um lado para outro tampouco resolveria. Christian sabia a verdade. Por Deus, agora ela o temia mais do que na primeira noite juntos. Ela se culpou por ter sido tão covarde, razão pela qual estava naquela situação. Agora só lhe restava esperar… pelo retorno de Christian e pelo castigo que receberia. Uma coisa era ele ter descoberto que ela esperava um filho, outra bem diferente era ele ter saído num galope desenfreado num cavalo desconhecido. As fofocas eram que ele tinha ficado chateado por ela estar doente. Outros diziam que ele não sabia a razão da doença, apesar de que os sintomas de uma gestação eram claros para os moradores de Greystone. A presença de Enyd no castelo confirmou as suspeitas. Por via das dúvidas, Emalie permaneceria em seus aposentos, sofrendo com alguma doença.


Preocupada com a falta de reação e a partida inesperada, ela pediu que Walter e Luc saíssem para procurá-lo. Entretanto, já havia se passado horas desde a partida deles e ainda não chegara nenhuma notícia para confortá-la. Ao ouvir uma comoção do lado de fora do castelo, Emalie aproximou-se da janela do solário. Procurando olhar sem ser vista, viu Christian atravessar o portão, acompanhado por seus vassalos. Nenhum deles parecia cansado. Um cavalariço se apressou em pegar as rédeas dos cavalos assim que eles chegaram ao estábulo. Christian parecia estar bem distante, indiferente ao que os outros lhe diziam. Ao chegar mais perto do castelo, ele olhou para a janela do solário. Mesmo sabendo que estava bem escondida, Emalie sentiu um tremor intenso. Christian sabia que ela estava ali. Respirando fundo e aprontando-se para recebê-lo ela se sentou numa das cadeiras de espaldar alto perto do braseiro. Serviu-se de uma xícara de chá de camomila e outras ervas esperando acalmar a tempestade que se formava em seu coração. Faltavam poucos minutos para enfrentá-lo por isso era melhor usar todos os recursos para se acalmar o máximo possível. Os minutos se arrastaram até que, sem qualquer aviso prévio ou barulho, Christian surgiu à porta do solário. Ao observá-lo entrar com passos duros, ela havia acabado de decidir que não devia confrontá-lo quando ouviu o tilintar do molho de chaves na mão dele. A poucos passos de onde ela estava, Christian parou e estendeu as chaves para ela; uma atitude inesperada e perturbadora. – Eu tinha pensado em devolvê-las ontem à noite. Depois que meu irmão e Luc me repreenderam pela maneira como a tenho tratado, acredito que seja hora de devolver o controle das tarefas domésticas a você. Mesmo porque você já provou competência na administração do castelo e do vilarejo. Emalie teve vontade de pegar as chaves, mas o brilho frio dos olhos dele a impediu. Era melhor controlar a raiva e a ansiedade e esperar pelo que estava por vir. – Eu me arrependo por não ter levado seus conselhos e opiniões em consideração. Christian começou a rir forçosamente e levantou a mão. Emalie achou que iria apanhar e fechou os olhos, preparando-se para o golpe. O som das chaves atingindo a parede a surpreendeu. – Você teria sido mais esperta se tivesse deixado eu me aproximar na noite de núpcias. Eu estava tão debilitado que não teria percebido que você não era mais virgem. Emalie estava tão furiosa que não queria mais olhar para ele, mas, ao mesmo tempo, não conseguia desviar a atenção. Christian encurtou a pouca distância que os separava e, segurando-a pelos ombros, forçou-a a se levantar. Depois afastou as mãos dela de um jeito abrupto como se não suportasse tocá-la e deu um passo para trás. – A Rainha Eleanor sabia das suas condições quando me chamou? – Ele exigiu com uma voz grave, carregada de ódio. – Ela suspeitava que isso poderia ter acontecido. Foi por isso que ela ordenou que você viesse para Greystone o quanto antes. – Quer dizer que ela sabia que você havia sido desonrada e preferiu não contar ao homem que seria seu marido? – Parece que sim, milorde. – Ela sabe o nome de quem tirou sua virtude?


Em desespero, Emalie tentou controlar a raiva. Ela havia tomado algumas decisões ruins na tentativa de manter as propriedades de Harbridge e os títulos, mas nunca havia perdido a honra ou a virtude. Contudo, preferiu não responder. Christian não aceitou o silêncio como resposta e voltou a se aproximar. – A rainha sabia quem era o pai dessa criança bastarda? – Ele repetiu por entre os dentes. Emalie se retraiu pela agressividade daquelas palavras. Ele estava piorando ainda mais o sofrimento que ela enfrentara até então, o que a deixava com raiva também. – Aye, ela sabia. – Quero saber o nome do homem que tocou as coxas da minha mulher antes de mim. Emalie continuou calada. Christian estava sendo cruel deliberadamente, mas ela não se deixaria abalar. – Quero um nome, Emalie. Quero saber quem foi, agora. Apesar dos sentimentos conflitantes, Emalie teve vontade de ajoelhar aos pés dele e pedir perdão. Em vez disso, respirou fundo e soltou o ar devagar, lembrando-se que não tinha sido tratada como merecia. Verdade seja dita, ela era a maior vítima na história toda. Ela balançou a cabeça, recusando-se a falar. – Depois de ter recebido muitos homens em sua cama, deve ser difícil mesmo dizer de quem é a semente que está no seu ventre? Você é uma va… O estalo da palma da mão dela no rosto dele o interrompeu. Os dois estavam surpresos. Emalie não se lembrava de ter levantado a mão em reação ao insulto, mas a marca no rosto dele era prova do que ela havia acabado de fazer. – Eu sou a Condessa de Harbridge e nunca maculei um voto que tenha feito, milorde. Esse acidente desafortunado aconteceu antes do nosso casamento, antes mesmo que eu soubesse seu nome. Não direi mais nada a esse respeito. Christian soltou um riso debochado como se não estivesse acreditando no que via ou ouvia. – Acidente desafortunado? É esse o nome? – perguntou ele, levantando a voz. – Eu já disse que tomei algumas decisões erradas, mas o que sofri não foi por minha vontade ou permissão – disse ela, mantendo o tom de voz calmo para não agravar ainda mais o confronto. – Está dizendo que foi violentada? Você quer que eu acredite que sua virtude foi tomada e não concedida por livre e espontânea vontade? – Christian deu as costas para ela e se serviu de uma taça de vinho, que virou sem demora. Depois voltou a encará-la. – Acho que você não vai acreditar em nada do que eu disser agora. – Isso é verdade, milady. – Christian deu alguns passos na direção dela. – Ainda não consegui identificar todos os cordões, mas não tenho dúvida que fui usado como um fantoche. Quanto mais tento desembaraçar esse nó, mais fios encontro. Depois de alguns minutos de silêncio, Emalie notou que a raiva dele começava a se dissipar. Ele já não parecia tão fora de controle a ponto de ameaçá-la fisicamente. Talvez ainda não estivesse totalmente recuperado da doença. Pensar nesse aspecto a fez se aproximar para ajudá-lo. Mas Christian se afastou, evidenciando que desprezava o toque dela, apesar da exaustão que o abalava. – Não vamos mais falar sobre isso depois que sairmos desta sala. Eu não deixarei transparecer em momento algum que não sou o pai dessa criança, e você deve fazer o mesmo. Emalie ficou estarrecida. Esperava ser castigada, mas nunca que ele aceitasse a situação. Pela traição, Christian tinha até direito de matá-la.


– Por quê? – Se não for assim, os nomes da minha família e o meu serão ridicularizados e desonrados. Paguei muito caro pela minha honra para expô-la à vergonha e difamação pela anulação do casamento, ou até mesmo pela nossa separação. Emalie meneou a cabeça sem conseguir dizer nada. – Você deve agir com todo o decoro esperado de uma condessa e não me dê motivos para duvidar de sua fidelidade de novo. Emalie fez menção de falar quando ele levantou a mão, silenciando-a. – Você não pode sair do castelo ou da aldeia sem ser acompanhada. Vou designar guardas para escoltá-la e uma criada particular que ficará sempre a seu lado, a não ser que eu esteja presente. Christian a estava fazendo prisioneira. Uma prisioneira dentro de sua própria casa. – O que preciso fazer para convencê-lo de que isso não será necessário? – Diga-me o nome dele. Dessa vez foi ela que deu as costas. Não podia revelar o nome de ninguém, nem mesmo para recuperar sua liberdade. Permitir que o nome daquele homem passasse por seus lábios seria o mesmo que se dispor a ficar sob o controle dele para o resto da vida. Isso seria muito pior do que já havia acontecido. Recusar-se a admitir que sua virtude havia sido tomada havia salvado seu povo e o mantido em segurança até a interferência da rainha. Ela não podia falhar agora. Se bem que, pensando no que poderia ter acontecido, ela ainda não saberia dizer se a decisão da rainha tinha sido a melhor. Mas confiava na experiência da monarca para guiá-la. E se Eleanor acreditava que ela e o povo de Greystone estavam melhor nas mãos daquele homem, o Conde de Langier, do que de seu próprio filho, então que assim fosse feito. – Assim será – disse ele, ecoando os pensamentos dela. Depois abriu a porta e dirigiu-se aos guerreiros que o aguardavam: – Milady não está se sentindo bem e vai se retirar. Luc, por favor, escoltea até os aposentos dela e me espere chegar. Luc teve vontade de revidar, mas mudou de ideia e ofereceu o braço a Emalie. Quando os dois passaram pela porta, Christian sussurrou ao ouvido dela para que ninguém mais ouvisse: – Como a notícia da sua condição já se espalhou por Greystone, não quero mais falar nesse assunto até que você dê à luz. Só então decidirei o que fazer com você e a criança. Emalie tropeçou ante a ameaça, e Luc a segurou com mais firmeza para que não caísse. O ódio tinha voltado a dominá-lo. Ela sentiu que as lágrimas inundavam seus olhos e manteve a cabeça baixa com o olhar fixo no piso. Christian pegou o molho de chaves no chão e o tilintar parecia zombar dela. Emalie sabia que a atitude tinha sido proposital.


Capítulo 12

– MILADY? – A nova criada sussurrou ao ouvido de Emalie. O nome dela era Marie e, conforme Christian havia dito, ficaria ao lado dela durante todo o dia. Alyce continuava a servi-la, mas Marie estava sempre atenta a qualquer movimento ou palavra que ela dissesse. Depois se reportava direto a Christian. Emalie não estava contente com a vigilância constante, mas confortava-se em saber que Christian devia ficar entediado ao ouvir os relatórios monótonos da criada. Ela meneou a cabeça e esperou Marie continuar a falar. – Milorde sugere que a senhora se recolha. Emalie olhou na direção de Christian, que a observava com atenção. Ele ainda não estava embriagado, mas não demoraria a ficar. Beber tinha se tornado um hábito. Ele costumava ficar à mesa por bastante tempo depois que ela se retirava e bebia até cair. Pelas fofocas que ouvira daqueles que o espiavam pela porta, quando ele se levantava, as criadas mais novas, geralmente Lyssa ou Belle, ajudavam-no a ir para o quarto. O trajeto era bem ruidoso, e Emalie sabia que ele fazia de propósito. Mas os ruídos não cessavam, pois os risos altos e passos atravessavam a parede e, por mais que ela tentasse, era impossível ignorar. Naquela noite, porém, ela não estava tão convencida de que ignorar era a melhor atitude. Os habitantes do castelo e do vilarejo desconfiavam de que havia alguma coisa errada com eles. Fazia dias que Alyce a alertava de que devia tomar uma atitude. Não era essa a vida que ela almejara. Apesar de tudo, ela esperava muito mais da condição de casada. – Milady? – Marie a chamou de novo. – Não pretendo me recolher agora, Marie – disse ela alto para Christian ouvir. – Mas, milady… – Marie protestou, mas Emalie impediu que continuasse. – É muita gentileza de sua parte, milorde, mas ainda não estou pronta para ir para o quarto. – Ela


procurou controlar a voz para não parecer desafiadora. – Gostaria de andar um pouco. – Pode ir dar um passeio. Os acompanhantes garantirão sua segurança – respondeu ele, sem desviar o olhar dela. Emalie tinha de aproveitar a concessão, pois há dias não podia ir para lugar algum a não ser o salão, a capela, o solário e seu quarto. Ele não havia permitido sequer que ela trabalhasse nos jardins ou em seu ateliê, ou visitasse Geoffrey. Ela se levantou e atravessou o salão na direção das escadas. – Por aqui, milady… – Marie a seguiu, direcionando-a para o pátio. Emalie parou e encarou a criada nos olhos. – Você recebe ordens de le comte para me servir e se reportam a ele. Mas não recebo ordens suas. Lembre-se do seu lugar e de quem eu sou. Um dos guardas abafou o riso e Marie corou a olhos vistos. – Mas ele disse… – Ela hesitou em continuar. – Milorde me deu permissão para andar, mas não disse onde. Sendo assim, vou aonde quiser. Você pode me acompanhar ou voltar e contar a ele aonde estou indo. A escolha é sua. Não era a vontade de Emalie explodir daquele jeito, mas estava no limite. Sem dizer mais nenhuma palavra a Marie, ela começou a subir as escadas, passando pelos andares até chegar à porta que antecedia o adarve. Perdida em pensamentos, começou a andar até completar uma volta inteira. Estava prestes a dar mais uma volta quando olhou para aqueles que a acompanhavam. Marie tremia de frio e os guardas estavam visivelmente entediados. – Marie, se preferir pode ficar na guarita. Não precisa dar a volta comigo. – Marie abriu a boca para protestar, quando Emalie emendou: – Você pode me ver daqui. Marie devia estar com muito frio, pois aceitou se abrigar dentro da guarita de pedra. Emalie se sentiu bem melhor sozinha. Ao chegar ao seu lugar favorito, ela parou, permitindo que o vento forte daquela altura batesse em seu peito. Era como se cada rajada do vento lhe tirasse toda a tensão. Como de costume, a trança se soltou e os cachos de cabelo tremulavam para trás. A sensação era muito boa. Dali era possível observar os campos bem tratados de trigo e cevada. A época da colheita estava próxima e, pelo que tinha ouvido falar, seria uma estação muito farta para Greystone. Na maioria das vezes, quando havia excesso da colheita para o vilarejo, era costume dividir com os outros fazendeiros para que assim todos se beneficiassem. O abate do gado e dos porcos era feito na mesma época e também distribuído entre todas as fazendas ao redor do castelo. Entretanto, Emalie não participaria do processo, pois tinha sido afastada da administração do castelo e do vilarejo. Será que Christian sabia dos planos para aumentar o celeiro do vilarejo? Será que Fitzhugh tinha feito sugestões como costumava fazer com ela? Christian considerava ideias que não fossem suas? Frustrada, ela levantou o rosto para sentir o leve toque do vento. Não estava acostumada a ficar sem fazer nada, precisava se ocupar. Quando estivesse com a barriga maior não poderia mesmo fazer muita coisa. Seu corpo já estava mudando. Contudo, o maior temor dela era que Christian se tornasse ainda mais hostil e controlador quando se deparasse com a prova física de que ela carregava o bebê de outro homem. Inconscientemente ela passou a mão pelo ventre para sentir a mudança. A mudança mais significativa era nos seios, que estavam maiores. Por sorte, até então, ela também não tivera nenhum sintoma de gravidez além de alguns enjoos matinais e dores de cabeça casuais. Numa de suas últimas


visitas, a parteira dissera que estava tudo bem e que o bebê provavelmente nasceria no final do inverno. Com o corpo e a mente renovados, ela decidiu que era hora de se recolher e, depois de terminar a volta, parou à guarita. Como Geoffrey ainda não havia aparecido para compartilhar as refeições noturnas, ela procurou se informar com um dos guardas. – André, como está o irmão de milorde? Os guardas trocaram olhares entre si, mas não responderam de imediato. – Ele está bem? Ele já devia estar bem melhor e fora do quarto. Emalie não gostou da falta de resposta e da maneira como os guardas a fitavam. Ela precisava descobrir o que estava acontecendo e decidiu que tinha de ser naquele momento. Sabendo que eles a deteriam, ela passou pela porta e entrou no castelo. Sem hesitar, levantou a barra do vestido e apressou o passo até chegar ao primeiro nível. Ouviu os protestos e resolveu correr até o quarto de Geoffrey, mas pouco antes de chegar à porta os guardas a alcançaram e a impediram de continuar. – Não pode entrar aí, milady – André ralhou, segurando-a por um dos braços enquanto o outro guarda a segurou pelo outro. – Milorde deu ordens para que não a deixássemos entrar no quarto. Emalie estava tão perplexa pelo que tinha ouvido que não reagiu. E não teve tempo, pois Walter surgiu para interferir. – Tire suas mãos dela! Você não tem o direito de tocá-la! – gritou ele, empurrando um dos guardas. Gaetan soltou o braço dela para se defender. André também a soltou e Emalie acabou caindo, enquanto os dois guardas reagiam ao ataque de Walter. Ela se arrastou para longe da briga, quando viu sangue. – Alto! – gritou Christian, abrindo a porta do quarto e colocando as mãos na cintura. A ordem demorou a ser cumprida. Quando Christian viu Emalie caída no chão, correu para ajudá-la a se levantar com um excesso de carinho que ela estranhou. Quando ela retomou o equilíbrio, Christian a soltou em seguida. – O que está havendo aqui, Gaetan? Por que milady está aqui no meio de uma briga? – Christian cruzou os braços sobre o peito, esperando a resposta. – Ela saiu correndo e veio para cá contra suas ordens, milorde. – Ela? Como ousa se referir a milady nesses termos? – Walter o desafiou. Gaetan estava prestes a responder, mas Christian levantou a mão para que ele se calasse. – O que está fazendo aqui, Walter? – Eu estava voltando do salão quando vi seus homens segurando milady. Tentei impedi-los. – O que você diria se soubesse que eles cumpriam minhas ordens? – indagou Christian, baixando o tom de voz. – Não acredito que milorde gostaria que os mesmos homens designados para protegê-la a segurassem dessa forma – Walter enfrentou Christian. Emalie aguardou a reação de Christian. – Está certo, Walter. Eles devem ter entendido mal minhas ordens. Vou me encontrar com todos vocês no salão para novas instruções. Os três homens e Marie menearam a cabeça para Christian e deixaram o corredor. – Eu desconhecia essa ordem, milorde – disse Emalie, quando ele a encarou. – Mesmo se soubesse, você teria obedecido ou me desafiado? – perguntou ele em voz baixa e tão ameaçadora quanto se estivesse gritando. – Minha intenção é tratar a doença do seu irmão e não ofendê-lo, milorde.


– Eu gostaria muito de acreditar no que diz. Mas não confio em você sozinha com nenhum homem, por isso os guardas e Marie estarão sempre a seu lado. Emalie se limitou a menear a cabeça e não revidou a ofensa. – Posso ver como está seu irmão agora, milorde? Apesar de tudo o que tinha acontecido, ela ainda queria ver como Geoffrey estava. – Nay, milady. Ele está dormindo e não quero que ninguém o incomode. – Ele se aproximou e ofereceu-lhe o braço dobrado. – Venha, vou levá-la para o quarto em segurança antes de me reunir com eles no salão. Ao contrário do esperado, ela não pousou a mão sobre o braço dele, mas cruzou os braços e o encarou. – Ele não devia estar dormindo. Ele é jovem e devia estar correndo atrás de um beijo das criadas. – O que você sabe sobre o comportamento de jovens cavaleiros? Ah, entendi. Seu amante era jovem? Por acaso ele a levou para um esconderijo e a cobriu de beijos? – indagou ele, terminando de falar com um grunhido. Emalie suspirou como se já esperasse aquele comportamento. Aquele assunto sempre viria à tona. Mesmo se soubesse o nome do pai do filho dela, ele continuaria com muita raiva. – Por favor, deixe-me vê-lo, milorde. As poções que preparei deviam tê-lo tirado da cama. Ele já devia estar comendo e bebendo normalmente – disse ela, segurando-o pelo braço. – Por favor. Preocupado com o irmão, Christian não fez mais nenhuma objeção e meneou a cabeça, afastando-se da porta do quarto de Geoffrey para que ela entrasse. – Preciso das minhas ervas, milorde. E talvez a ajuda de Timothy. Emalie seguiu direto para o braseiro e colocou uma chaleira de água para aquecer. Depois enrolou as mangas do vestido e mergulhou um pedaço de tecido na água fria de um pote sobre a mesa. Enxugou o suor da testa de Geoffrey com o tecido. Ela sabia que Christian não estava muito seguro sobre deixá-la se aproximar de Geoffrey, mas sabia também que ele valorizava a vida do irmão acima de tudo. Christian nunca havia falado do irmão, mas suas atitudes demonstravam o quanto Geoffrey era importante para ele. – Vou pedir para alguém trazer sua caixa de ervas e chamar Timothy. Você vai ficar aqui? Emalie respondeu com um gesto de cabeça sem se virar e ouviu a porta se abrir. Ao se lembrar de que talvez aquela fosse uma das raras oportunidades em que ficaria a sós com Christian, ela o chamou: – Milorde? Haverá sessão de reivindicações amanhã? – Aye. – Eu soube que Nyle, o fabricante de velas, pediu sua permissão para se casar de novo. Você vai concordar? – Não que isso seja da sua conta, mas vou sim. Emalie reprimiu o sorriso diante da tentativa grosseira de colocá-la no lugar. – As duas esposas dele morreram muito cedo. – Morreram ao dar à luz? – perguntou ele com cautela, sabendo que muitas mulheres corriam tal risco. – Nay, milorde. Elas morreram por causa dos punhos dele. Eu gostaria de pedir que você não assinasse a sentença de morte de outra moça. – Mas os pais dela consentiram com o casamento. – Ele paga muito bem pela noiva e pelo silêncio dos pais quando elas morrem.


– Vou pensar no que me disse. – Christian franziu o cenho. – Isso é tudo o que peço, milorde. Ele a fitou com um olhar estranho que combinava descrédito, surpresa e até mesmo compreensão. Depois que ele saiu do quarto, Emalie voltou a cuidar de Geoffrey e assim continuou pelas duas noites seguintes, lutando para fazer a febre baixar daquele corpo franzino. ISSO É tudo o que peço. As palavras de Emalie continuavam ecoando na mente de Christian, irritando-o muito. Ele a estava afastando cada dia mais com a intenção de não permitir que ela interferisse em seus planos para Greystone e não permitindo que a verdade sobre o casamento deles fosse revelada. Tinha se tornado um hábito evitar os lugares em que ela costumava estar como o solário, o salão e até mesmo seu refúgio, perto das ameias. Naquele momento, Emalie estava nos jardins, onde teve permissão para trabalhar durante as manhãs, e ele a observava da porta. Ela havia salvado a vida de Geoffrey, disso ele não tinha dúvidas. Emalie passou dois dias e noites forçando Geoff a tomar as poções e conseguira baixar a febre que o ameaçava de morte. Depois que Geoff já estava de pé, ela voltou para os aposentos e às restrições impostas. No dia seguinte, ele fez algumas concessões. Ela podia circular por onde quisesse, contanto que acompanhada pelos guardas e por Marie. Christian sentiu-se culpado por vigiá-la do corredor toda vez que ela ministrava os remédios a Geoffrey. Em vão, tentou se convencer de que ela faria algum mal ao irmão. A verdade era que ele estava completamente intrigado pelo comportamento dela. Aliás, ela o deixara atônito desde o dia em que haviam se conhecido. Quanto mais aprendia sobre ela, sua história e suas habilidades, mais se surpreendia. Enquanto outras mulheres no lugar dela teriam exigido, ou implorado por roupas novas, ela havia pedido apenas para servir seu povo. Na realidade, ela havia lutado em causa própria uma única vez, quando pediu que ele não a possuísse. No entanto, quando tiveram a oportunidade de se tocarem mais intimamente, ela havia clamado por mais. Só em lembrar-se daquele momento tão fugaz, o corpo dele reagiu, deixando-o com a masculinidade rígida. O desejo havia brotado entre eles, e Emalie não se intimidou ao demonstrar o prazer que sentia com aquelas carícias tão plenas. Era muito frustrante pensar em como tinham chegado tão perto de se entregarem. Desde aquela noite o desejo não o abandonou. Ele ainda ansiava possuí-la e a paixão não cessou nem quando soube da gravidez. O ódio e o desejo passaram a andar lado a lado. Mesmo furioso por ter sido traído, ele ainda queria tomá-la nos braços e possuí-la mais e mais vezes até que seu suor a banhasse, impregnando-a com seu cheiro e completando-a com sua semente. A partir dali, o lado selvagem passou a reger suas emoções, algo inusitado, pois nunca havia se deixado levar pelas necessidades físicas. Emalie exercia esse poder sobre ele. Aliás, desde que descobriu o segredo dela, precisava lutar contra a lascívia. Ele havia tentado ficar com outras mulheres, aquelas que se dispunham a servi-lo por ser o senhor daquelas terras, ansiosas por saciarem suas vontades físicas. Mas não tinha adiantado, pois elas o deixavam algumas horas depois com uma moeda no bolso e sem ter resolvido o problema. O vinho também não resolveu a frustração. O excesso de bebida não o impedia de sonhar com aquela noite fatídica quando quase tinham consumado o casamento. Nua, ela havia se entregado às


carícias íntimas das mãos dele, retribuindo os beijos com a mesma volúpia. Christian respirou fundo para conter os tremores e o desejo que o deixavam tão enrijecido. – Você está afugentando todas as mulheres do castelo com esse olhar – disse Luc, rindo. – Eu estava esperando você – disse Christian, ajeitando a túnica e o cinto sobre os quadris. – Esperando por mim e ansiando por ela. – Luc riu de novo e bateu nas costas de Christian. – Ela sabe que você fica aqui a observando com tanto desejo? Christian saiu da porta, distanciando-se do jardim onde Emalie estava. – Acho que está me confundindo com você e sua esposa. Eu ouvi comentários… – insinuou Christian, rindo também. – Sou um homem de sorte. Minha adorável Fatin precisa que eu a aqueça nessas noites inglesas geladas. Os dois riram a valer. Christian já havia ouvido Fatin reclamar do tempo frio. Bem, qualquer lugar seria gelado depois de ter passado a vida no calor da Terra Santa. Luc havia revelado que ela usava meias compridas e sensuais para manter as pernas aquecidas. – Vamos, o que tem a me dizer? Os dois andaram juntos até chegarem ao pátio que antecedia o estábulo. Christian se encostou à cerca e esperou que Luc relatasse as informações que conseguira. – Gastei um pouco mais de suas moedas para descobrir que milady estava certa. As duas esposas anteriores de Nyle morreram depois de serem brutalmente espancadas. – Você checou os registros? Qual foi a causa de morte relatada? – Morreram de pneumonia. Provavelmente causada pelos graves ferimentos que sofreram. Christian assobiou, impressionado. – Qual era a idade delas? – perguntou ele, mesmo sem saber a razão. – A primeira tinha 13 anos, e a segunda, 15. Agora ele quer se casar com uma de 14 anos. – Como minha esposa sabia? – Ora, Christian. Foi milady que cuidou dos ferimentos das duas falecidas. Christian desviou o olhar do amigo para o pasto, onde um cavalariço treinava um novo alazão. Ele havia treinado seus próprios cavalos de guerra e logo os traria para Greystone. – Se ela receber mais algum crédito pelas bondades que pratica é capaz de ser nomeada santa antes de morrer. – Não há jeito de acabar com essa rixa entre vocês? – Não. Christian não podia nem comentar sobre o pecado de Emalie com ninguém. Nem mesmo com seu amigo de tão longa data, com quem havia compartilhado o perigo e o sucesso, até mesmo algumas mulheres, podia saber. – Houve mais de três brigas nessa semana entre nossos homens e os dela. – Ontem à noite, no jantar, fui servido com sopa muito quente, vinho ruim e até mesmo carne estragada. – Você ainda não entendeu o recado? – O primeiro recado foi o lençol sujo de sabão, Luc. Sem contar minhas túnicas com mangas costuradas. E provavelmente o descaso deles durante o treino com arcos novos. – Será que você não consegue uma trégua? Vidas estão em jogo. Luc não tinha se dado conta de como estava perto da verdade. Mas enquanto Christian não


descobrisse o homem que havia desvirtuado Emalie, e se ela havia concordado, nada poderia ser feito. – É impossível conseguir uma trégua. – Você sabia que milady defende você para o povo dela? – O quê? – Mais um golpe para a autoestima dele. Como Emalie podia interceder a seu favor depois de ter sido castigada? – Ela disse a todos que as mudanças são para o bem de Greystone, e que os guardas e a nova criada que a acompanham, sob suas ordens, são para protegê-la por causa dos mal-estares que ela sofre devido à gravidez. – Que droga! – Christian praguejou. – Alguma coisa mais? – Sinto informar que eu também me tornei um admirador dela. Peço que me perdoe. Christian teve vontade de enfiar a cabeça de Luc na lama. Não saber o nome de quem havia possuído Emalie antes do casamento o estava levando à loucura. Pensando com lucidez, ele sabia que estava apenas enciumado e com inveja, o que não impedia que seu sangue fervesse toda vez que pensava no assunto. Poderia respirar bem mais aliviado se descobrisse o culpado e não olharia mais para todos os homens de Greystone como suspeitos em potencial. Imaginar Emalie na cama com outro homem, sabendo o quanto ela podia ser passional, era de enlouquecer. – Por quê? – perguntou ele depois de um suspiro. – É simples. Ela defendeu minha Fatin. – Fatin? Algum problema? Luc e Fatin passaram por muitas dificuldades desde que tinham voltado do Leste. Seria difícil para um cavaleiro cristão se casar com uma infiel e trazê-la para a Europa, temente a Deus, sem enfrentar obstáculos. A parte mais fácil para Luc tinha sido resgatá-la após o massacre do amo dela; pior era viver como marido e mulher sob o olhar agressivo da Igreja. – Lady Emalie expulsou uma de suas criadas do solário quando a ouviu chamar Fatin de infiel. Christian apoiou a cabeça sobre o braço. Sentia-se puxado em direções opostas. Em parte seu coração tentava convencê-lo a esquecer tudo o que havia acontecido e aceitá-la como esposa, mesmo sabendo que seria muito difícil ignorar o fato de ela ter engravidado de outro homem. Uma parte mais sombria o impulsionava a rugir de ciúmes e não descansar enquanto não vingasse sua honra, e enquanto ela não reconhecesse o erro, o pecado e suplicasse por perdão. Esse lado mais sombrio queria que ela fosse submissa, aceitando e apoiando todas as suas decisões em Greystone e que se deitasse em sua cama e se rendesse completamente. Mas apenas alguma atitude bem drástica resolveria aquele impasse. – Venha me contar se souber de mais alguma coisa – disse ele ao levantar a cabeça e sorrir para o amigo. – Aye, milorde. – Luc fez uma reverência e deixou Christian sozinho.


Capítulo 13

CHRISTIAN ESTAVA inquieto naquela noite. Os ventos fortes avisavam que uma tempestade se formava. Os trovões ecoavam de longe e os raios riscavam o céu. Ainda não tinha começado a chover, mas não demoraria muito. O cheiro de chuva espalhou-se por todo lugar. Depois de andar de um lado para outro no quarto por quase uma hora, ele decidiu convidar Luc para jogar xadrez. Ao passar pelo corredor, não viu nenhum guarda à porta do quarto de Emalie. Abriu-a e constatou que não havia ninguém ali. Ele começou a se preocupar, pois já era tarde para divagar pelo castelo. Luc e Fatin estavam numa ala do salão quando ele chegou e viu Marie. – Ela está no ateliê, milorde – respondeu Marie quando ele perguntou sobre Emalie. – Seu irmão disse que o senhor havia permitido e que eu devia encontrá-la aqui dentro de uma hora. Christian ficou confuso com a informação e meneou a cabeça, dispensando Marie. Perscrutou o imenso salão, imaginando onde Emalie poderia estar. E o que Geoffrey tinha a ver com o desaparecimento. Emalie partiu, sussurrava seu lado sombrio. Mas onde ela poderia estar? Ela foi se encontrar com o amante. A possibilidade o deixou furioso, o sangue disparava em suas veias. Por instinto, ele colocou a mão sobre a adaga, presa ao cinto, pensando em matar os dois se os encontrassem juntos, e ninguém o poderia culpá-lo. Movido pelo ódio, ele saiu correndo do salão, tentando adivinhar onde um homem e uma mulher poderiam se esconder, fugindo de testemunhas. Como a maioria das pessoas já tinha se recolhido, seria mais fácil encontrá-los. O primeiro lugar que lhe ocorreu foi onde a havia encontrado sem querer, e subiu as escadas até o adarve. Se alguém soubesse a hora da troca de guardas, poderia facilmente se esconder nos recônditos


escuros na parede do lado de fora do castelo. Depois de empurrar a pesada porta, ele saiu no corredor que circulava o castelo. O vento forte de chuva o atingiu em cheio. Ele sorriu, sabendo que a tempestade que se anunciava não seria maior do que a que esperava causar. Depois de cumprimentar o guarda parado à porta, ele diminuiu o passo, andando bem rente ao muro para não ser notado. Usaria a surpresa como arma, assim como o ódio que sentia. Enquanto continuava com aquela caçada humana, um pensamento racional passou por sua cabeça. E se ela não estiver com o amante? Mas onde mais ela poderia estar e com quem? Ele sentiu o estômago se contrair ao se lembrar da recusa de Emalie em revelar o nome do homem com quem havia estado. Só podia ser alguém do castelo, e era quase certo de que estavam juntos naquele momento. Gotas de suor escorriam pela testa de Christian, turvando seus olhos. Tinha o dever de encontrá-la por honra e para que ninguém mais descobrisse o pecado dela. Depois de finalmente contornar todo o castelo, ele enxugou o suor da testa e tentou recuperar o fôlego. Sentia o coração retumbar dentro do peito enquanto tentava ordenar os pensamentos e pensar com a razão e não com as emoções avassaladoras que invadiam seu corpo e sua alma. Precisava encontrá-la de qualquer jeito. Ele voltou para dentro do castelo, desceu todas as escadarias e chegou ao piso principal já sem ninguém. Enquanto inspecionava ao redor, lembrou que o estábulo seria uma área bem conveniente para encontros furtivos. Ele mesmo havia passado várias noites nos braços de uma mulher no estábulo de seu pai, enquanto treinava para se tornar um guerreiro. Emalie só podia estar lá com o amante. O caminho mais curto para chegar ao estábulo era pelas cozinhas. Assim ele atravessou o corredor escuro e passou pelas despensas de alimentos e pelo cômodo principal onde a comida era feita. Não havia ninguém por ali e ele foi direto para a porta dos fundos que dava para o pátio. Ao sentir a brisa batendo no seu rosto, ele andou depressa e sem alarde até o estábulo, no qual entrou sorrateiro. Parado perto da entrada, ele aguçou os ouvidos, mas não ouviu nem viu ninguém perto dos animais. Depois de examinar todas as baias, ele se convenceu de que não havia ninguém ali. Mas ouviu vozes do lado de fora. – Geoffrey, é melhor você voltar. A tempestade está chegando e você não pode se molhar e arriscar ficar doente de novo. A voz sussurrada de Emalie com Geoffrey deixou Christian furioso. – Emalie, volte comigo. Talvez ele ainda não tenha percebido sua falta. Ele? Eles só podiam estar falando dele. E era tarde demais para eles estarem preocupados em serem descobertos. – Preciso fazer isso. Volte você, por favor. Pelo visto Geoffrey tinha obedecido e passou bem perto de onde Christian estava escondido. Ele continuou ali parado, ouvindo. Emalie esperou uns minutos, depois saiu correndo, usando a escuridão como proteção. Christian esperou um pouco e seguiu-a pelo caminho que passou pela capela, atravessou um portão e chegou a um pátio escuro. Ao ouvi-la sussurrar de novo, ele parou e esperou. Ah, finalmente a havia encontrado. Sem pensar duas vezes, tirou a adaga do cinto e se preparou para mandá-la e o amante para o inferno por tê-lo desonrado. Respirando fundo, ele se aproximou por trás. O crepitar dos galhos quebrados com os passos anunciou sua chegada. Um raio cortou o céu e o iluminou quando Emalie se virou para trás. – Milorde?


Ela empalideceu ao vê-lo segurando uma adaga, mas o medo maior veio ao se deparar com o olhar dele. Christian se aproximou com as palmas das mãos suadas e o coração disparado. – Saia da frente, esposa – ordenou ele ao avançar. Será possível que ela ainda tentava esconder seu comparsa? – Algum perigo, milorde? – Sem pensar na própria segurança, ela deu um passo à frente. Christian girou a adaga, esperando para descobrir quem estava com ela. Antes de empurrá-la para o lado, ele ergueu o braço, pronto para defender sua honra. Mas não havia ninguém ali. Emalie estava do lado de um túmulo, segurando um buquê de flores. Christian afastou o cabelo dos olhos e leu a lápide: Gaspar Montgomerie, Conde de Harbridge, marido e pai amado. Então, era o túmulo do pai dela? Emalie ainda estava assustada, mas conseguiu dizer: – Faz um ano… Christian ficou perplexo ao perceber que empunhava uma adaga e ameaçava alguém que estava ali para homenagear o pai no aniversário de sua morte. Não lhe restava alternativa, senão sair correndo dali, horrorizado com o que planejara fazer. Ele atravessou o cemitério, arrasado, e seguiu para o único lugar onde encontraria algum conforto. EMALIE ESTAVA com as mãos tremendo ao empurrar a porta, sem saber quem ou o quê estaria ali para recebê-la. Àquela altura, já tinha se convencido de que Christian não tentava protegê-la de algum perigo. O olhar e a expressão de ódio no rosto dele ao se aproximar do túmulo tinha de ser por um motivo maior. Estava completamente transtornado, bufando como um animal feroz. Depois da noite em que ele descobriu a gravidez, aquela era a primeira vez que ela o via tão furioso. A única diferença foi que naquela noite ele não estava armado. Ela levou alguns minutos para se acalmar e mais algum tempo para se convencer a voltar ao castelo. Como sempre, o dever era mais importante e ela precisava voltar para enfrentar o marido. Emalie estava tão tensa que se assustou com um ruído sem importância vindo do corredor. Mesmo assim, empurrou a porta do quarto dele com cuidado e espiou. O quarto estava vazio e não havia sinal de que Christian estava ali. Ela voltou para seu quarto e foi direto até a lareira, remexendo o carvão e reacendendo as chamas que aqueceriam um pouco o quarto. Esfregou as mãos acima do fogo e começou a andar pela área do quarto. Por que fugiria agora? Ela balançou a cabeça procurando afastar a ideia de que o marido havia se tornado um selvagem. Nos últimos dias o comportamento dele havia mudado bastante, mas nem por isso ele era um bárbaro. Christian havia trocado algumas palavras com ela, algo que não fazia desde que soubera da gravidez. Talvez ele até tivesse permitido que ela fosse visitar o cemitério. Mas a mudança de comportamento a tinha deixado insegura o suficiente para decidir sair sozinha. Agora teria de enfrentar as consequências. Emalie rezava diariamente pela segurança de seu povo e para que o ódio de Christian por ter caído numa armadilha com aquele casamento amainasse. A maneira como ele vinha agindo ultimamente era um indício disso. Apesar de ele não confiar nela, talvez pudessem chegar a um consenso e continuar servindo ao povo de Greystone.


Mesmo assim, era difícil imaginar que um homem cego de ódio, que a tinha seguido naquela noite com uma adaga em punho, fosse capaz de defender o povo de Greystone e a ela das artimanhas do Príncipe John. Christian não poderia assumir o lugar do pai dela e ter o povo do castelo e do vilarejo como prioridade. O colchão se estendeu ruidosamente quando ela se sentou. E agora? O que fazer? Distraída com tantas preocupações, ela desfez a trança e entremeou os dedos pela extensão do cabelo. Alyce já estava dormindo, não havia razão para acordá-la quando ela podia se despir e aprontarse para dormir sozinha. Olhou para o baú de roupas, pensando se seria uma boa ideia se despir e aguardar Christian voltar. O ruído de passos do lado de fora do quarto desviaram-na dos pensamentos. Ela prendeu a respiração ao ouvir alguém bater na porta. – Milady? Está aí? Era sir Luc, vassalo e amigo de Christian. Ela correu para abrir a porta. – O que houve? – Está tudo bem? – indagou Luc, procurando olhar para dentro do quarto por cima dos ombros dela, deixando-a desconfortável. – Aye, está tudo bem, sim. – Milady, um dos meus homens disse ter visto Chris… milorde correndo pelo pátio. Pensei que… – Luc fez uma pausa para tossir e clarear a garganta. – Achei que havia alguma coisa errada. – Acabei de voltar ao meu quarto, sir Luc. Não falo com meu marido desde o jantar. Não sei onde ele está, nem o que está fazendo. – Emalie receou ter passado sua preocupação pela voz trêmula. Talvez sir Luc fosse a pessoa certa para encontrar Christian e saber o que o afligia. – Posso pedir um favor? – O que quiser, milady – respondeu Luc fazendo uma vênia. – Será que poderia encontrar meu marido e saber se ele está bem? – Luc assentiu com a cabeça e ela emendou: – Seja discreto, por favor. – Claro, milady. – Luc deu um passo para trás e saiu sem dizer mais nada. Agora ela só tinha de esperar. Ou Luc o encontraria, ou Christian apareceria sozinho. De qualquer jeito, Emalie sabia que seria uma noite longa e insone. Depois de fechar a porta, ela olhou ao redor do quarto vazio. Ali seria sua prisão quando Christian voltasse. Eram dois quartos separados por uma parede, mas ela sabia que ficaria confinada a apenas um deles. As lágrimas inundaram seus olhos ao se lembrar da relação amorosa de seus pais. Não era comum que casais nobres se amassem tanto, mas Emalie sonhara em um dia ter um casamento similar. Agora aquele e muitos outros sonhos tinham se esvaído por causa da honra que ela tanto havia lutado para defender. Será que poderia ter agido diferente? Emalie se sentou na cama de novo e fixou o olhar nas chamas da lareira. Será que tinha exagerado ao lutar pela segurança de seu povo e das terras? Será que o orgulho por manter seu povo em segurança e bem alimentado havia provocado a ira real? Muitas terras e títulos haviam sido tirados de nobres e entregues aos amigos de John Lackland. Sem falar nas mulheres. Ao cochilar, a imagem do sorriso de escárnio do príncipe após ter tocado a língua na mão dela ao fingir que a cumprimentava invadiu sua mente. Emalie se sentou na cama, enjoada. Sua vontade era de se esfregar inteira para se livrar da maldade que ele emanava simplesmente por


ocupar seus pensamentos, porém, quando as imagens daquela noite invadiam sua mente, a vontade de vomitar era quase incontrolável. Ela se deixou cair de costas na cama, tentando conter o enjoo e clarear os pensamentos. Respirando fundo, fechou os olhos e tentou pensar em alguma coisa boa. Entretanto, deparou-se com aqueles olhos negros brilhando de luxúria e vitória. Ela virou a cabeça de um lado para outro tentando expulsar aquela imagem da mente, mas não conseguiu. Sentiu-se tão entorpecida quanto naquela noite depois de tomar uma taça de vinho com alguma substância entorpecente. As imagens enevoadas continuavam a provocá-la, até que ela despertou totalmente e teve de se levantar para procurar a bacia ao lado da cama para vomitar. Mesmo melhor do enjoo, ela ainda lutava com a torrente de sons e vislumbres de John e William, da sensação de terror, o cheiro do vinho, misturado com suor masculino. Em vão tentou ordenar os pensamentos e ser mais racional; ainda sentia a mesma sensação de torpor daquela noite, causada pelo vinho envenenado, que a impedia de reagir. Algumas horas mais tarde, Emalie estava exausta tanto física quanto emocionalmente; engatinhou de volta para a cama e se deitou de novo. Ela permitiu que as lágrimas represadas em seus olhos escorressem pelo rosto a fim de aliviar um pouco a dor da perda dos pais e de seus sonhos. Jamais teria com Christian o mesmo vínculo forte que unira seus pais, pois estaria ligada pelo resto de seus dias a um homem que não acreditava que ela não teve culpa por inocência. Ela estava casada com alguém que usaria aquela noite contra ela para o resto da vida. Não que Christian estivesse agindo diferente dos outros homens, mas ela sonhara mais alto, rezara para ter uma vida melhor. Antes de voltar a adormecer, esgotada, ela rezou, como fazia todas as noites e nas missas matinais. Pediu ao Todo-Poderoso que deixasse um pouco de amor em seu coração para que pudesse compartilhar com a criança que carregava no ventre. Ela não queria que o bebê fosse a personificação de seu pecado, mas desejava amá-lo de todo o coração. Ela fez algumas orações para ser absolvida das circunstâncias que teve de enfrentar. E, acima de tudo, rezou por amor. Finalmente, exausta, Emalie caiu num sono profundo. – O QUE eu trouxe não tem a mesma qualidade do que é servido à sua mesa, mas acho que serve para essa noite. Christian correu os dedos pelo cabelo e olhou para cima. Luc trazia duas canecas danificadas de metal e um grande odre de vinho, provavelmente cheio até a boca. – Acho que a capela não é o melhor lugar para afogarmos nossas mágoas no vinho – respondeu Christian, levantando-se de um dos bancos do canto da igreja. – Mas o Senhor não tomou vinho na Última Ceia? – perguntou Luc, estendendo a caneca ao amigo. Quando Christian aceitou, ele puxou a rolha do odre com os dentes e encheu a caneca de vinho. Depois de tampar o odre, sinalizou para que o amigo se sentasse. – Tenho certeza de que Ele não há de querer mal a dois fiéis que decidiram beber um pouco em Sua casa. Christian voltou a se sentar no mesmo banco e virou a caneca de vinho num gole só, sem se importar com a má qualidade da bebida. Ao terminar, ele enxugou a boca com as costas das mãos e encostou a cabeça na parede de pedra fria da capela. Luc também tomou alguns goles de vinho e abaixou para pegar uma coisa no chão. – É sua, milorde? – Luc virou o cabo da adaga na direção de Christian.


Christian enfiou a arma no cinto e estendeu a caneca. Luc se sentou ao lado dele no chão, e, depois de pousar um dos recipientes no piso da capela, encheu o de Chris. – Lembre-se de que só tenho um odre de vinho e nenhuma garantia de encontrar outro. Christian bebeu um gole e encarou o amigo. Será que a notícia de sua atitude absurda já tinha corrido pelo castelo? Como se tivesse lido os pensamentos do amigo, Luc se adiantou: – Não se preocupe. Ninguém ficou sabendo que o Conde de Harbridge enlouqueceu e, depois de brandir uma lâmina à esposa, saiu correndo pelo pátio no meio da noite. Christian ergueu uma das sobrancelhas e Luc explicou: – Um dos nossos criados estava no estábulo e viu… o encontro e me informou. – Minha esposa? – Está escondida em segurança nos seus aposentos. Fui procurar por você e a encontrei. Ela pediu que eu o encontrasse e garantisse que estava tudo bem. – Luc fez uma pausa para tomar mais um gole de vinho e terminou: – E, então, está tudo bem? Christian colocou a caneca no chão, levantou-se e começou a andar pela capela. Ele sabia que Luc estava ali como um amigo, mas, mesmo assim, não podia revelar a razão de ter avançado sobre a esposa. – A condessa… Emalie… – gaguejou. – Aye, Emalie é a condessa. – Luc riu, sarcástico. – Você está me provocando? – Christian bateu o pé no chão, levantando poeira na direção de Luc. Luc bateu a poeira da perna da calça e riu. – Tentei palavras amenas e vinho, mas, como nada adiantou, achei que tinha de fazer alguma coisa para estimular você. Christian coçou os olhos com as mãos fechadas, depois fitou Luc, pensando até onde poderia contar. Quanto mais gente soubesse da história sórdida que o unia a Emalie, maiores eram as chances de a notícia se espalhar, o que colocaria em risco o acordo que tinha feito com o rei e a sua própria vida. – Emalie faz parte de um acordo que fiz com o rei. – Chris, a maioria das esposas faz parte de alguma espécie de acordo entre as partes. As coisas são assim para homens do seu nível e do meu. – Mas, neste caso, há mais coisas envolvidas além de terras e riquezas, Luc, muito mais do que você pode imaginar. – Christian parou de falar, com medo de revelar o que não devia. Luc desviou o olhar dele e tomou mais um gole de vinho. Em seguida, voltou a encará-lo e disparou sem meias-palavras: – Sua esposa carrega um filho que não é seu. Christian ficou boquiaberto. Como Luc havia descoberto a verdade? – Isso também não é nada tão fora do comum, Chris. Outros homens já se casaram com mulheres grávidas para lhes dar nome e proteção. – Sabe-se que viúvas também engravidam, mas não tenho nada com isso. Emalie é minha esposa e a criança não terá meu sangue! E eu não sabia de nada. Luc abriu um sorriso amargo. – Ah, agora eu entendi. Você caiu em uma das tramas do rei, da rainha e do príncipe assim como aconteceu com seu pai. – Como você soube da condição da minha esposa? Como todo mundo sabia menos eu? Christian sentiu uma vergonha imensa. Será que ele havia sido o único tolo a acreditar que havia se


casado com uma virgem? Será que o povo dali sabia de toda a trama, ou será que ela o havia traído mesmo depois que ele manchara o lençol dela com o seu sangue? Muitos dos espectadores deviam estar segurando o riso quando o lençol manchado foi estendido à janela depois da suposta noite de núpcias. – Nunca vivi no meio de pessoas tão discretas como as daqui. Mesmo se soubessem da desonra de sua ama, duvido que falariam do assunto livremente e muito menos com gente de fora como nós. – Como você descobriu? – Christian começou a sentir os efeitos do vinho. – Um dos nossos homens ouviu alguns comentários quando a parteira anunciou a gravidez de sua mulher e veio me contar, como aconteceu hoje. – E nem por um minuto você considerou em me contar que sabia de tudo? – Christian fechou os olhos e segurou a cabeça com as mãos. Respirou devagar, aguardando a resposta. – Eu não quis forçar você a confessar ou negar o fato. Achei que seria melhor se você continuasse imaginando que todos acreditassem que o filho era seu. – Pelo que vejo, ninguém acredita. Como você soube que as fofocas eram verdadeiras? Christian observou Luc virar o restante do vinho da caneca e se levantar. – Vi o estado em que você chegou ao Castelo d’Azure. Mal conseguia levantar o braço, imagine outras partes do corpo. Imagino que você tenha recuperado sua força há pouco tempo. – Você queria me poupar da vergonha? O que acha que suas palavras estão fazendo comigo agora? – Chris, não menosprezo sua masculinidade. Pelo amor de Deus, nós saímos muitas vezes juntos para procurar mulheres e sei das suas proezas na cama. Vi muitas mulheres saindo do seu quarto com um riso de satisfação estampado no rosto e jamais reclamariam do seu desempenho. Mas vi quando você saiu do calabouço do Rei Richard e como estava seu corpo. Nenhum outro homem naquele estado poderia ter uma noite nupcial maravilhosa antes de recuperar a saúde. Christian meneou a cabeça. Luc estava coberto de razão. Ele só percebeu que estava à beira da morte quando saiu da prisão e viajou para casa. Até o momento, ele não saberia dizer como havia sobrevivido à viagem de Poitiers à Inglaterra. Só agora, depois de vários dias, ele se sentia mais saudável e forte. – E agora, Chris? O que pretende fazer? É possível desistir do acordo com o rei? – Não, prefiro continuar com a minha honra. Foi por isso que aceitei o acordo sem nenhuma informação. – Christian se levantou e bateu a poeira das calças. – Você recuperou mesmo a honra? – Aye, a honra, meu nome, títulos, terras e a riqueza. Recebi de volta tudo o que era meu quando concordei em prestar esse favor ao rei. Mesmo dizendo a verdade, as palavras soaram falsas, mas ele não estava disposto a pensar muito naquele assunto no momento. O importante é que tinha voltado a ser o Conde de Langier e agora acumulava o título de Conde de Harbridge, digno de toda a honra e riqueza de direito. – E por que você atacou sua esposa essa noite? – Pensei que ela estava se encontrando com o amante, o pai da criança. Não contive a raiva e parti para a luta. – Fico imaginando o que nosso mestre de armas diria sobre isso. Pensei que o treinamento de guerra que você recebeu o ajudaria na vida particular também. – Nosso mestre dizia que perder o controle é o mesmo que perder a vida. Vou recuperar meu autocontrole, Luc. Ninguém se prejudicará pelo meu ódio. Luc não demonstrou acreditar, e ele completou: – Nem mesmo minha esposa.


– Vou deixá-lo agora para que volte para sua senhora. Estou certo de que ela ficará feliz por você não estar mais ameaçando ninguém com uma arma. Luc se levantou, pegou as canecas, o odre de vinho e se preparou para sair. – Luc, muito obrigado por sua sinceridade e pelo vinho. – Fique em paz e conviva com a realidade dos fatos, Chris. Você recuperou tudo o que queria com esse acordo com o rei. Aceite os acréscimos bons e ruins, caso contrário, você arruinará tudo o que conseguiu. Luc fez o sinal da cruz, virando-se para o altar, e depois saiu. Christian sabia que o amigo tinha razão. Ele precisava aceitar os fatos. Não podia mais viver em altos e baixos, contendo a raiva e perdendo o controle. Era melhor esquecer o ódio, sabendo que havia aceitado o acordo e teria de conviver com os acréscimos inesperados. Ele olhou ao redor da capela vazia e decidiu o que ia fazer. Respirou fundo e deu o primeiro passo na direção que o levaria a um relacionamento melhor com a esposa e com a própria vida. Ele tinha dado sua palavra ao rei e a manteria. Preservaria sua honra a qualquer custo.


Capítulo 14

O CÉU começou a ficar rajado em um mosaico de cores e os sons do dia amanhecendo romperam o silêncio do quarto. Christian olhava através da pequena janela, imaginando quanto tempo ainda levaria para o sol levantar. Ele havia voltado para o quarto havia uma hora e decidira esperar que Emalie acordasse sozinha. Ao olhar para o rosto dela notou os olhos inchados, o nariz avermelhado e os cílios úmidos de lágrimas, sinais evidentes do quanto ela estava sofrendo com o seu comportamento. Contudo, o pior era o cheiro da bacia usada no canto do quarto. Por isso, ele preferiu se sentar no extremo oposto, perto da lareira, e observar Emalie. Ela dormia profundamente, soluçando ou suspirando de vez em quando, mas sem se mexer. Christian pensou se ela costumava dormir daquele jeito mesmo, ou se aqueles sons eram incomuns. Bem, era melhor esperar para descobrir. Não restava muito a fazer senão esperar que o pio dos pássaros e os outros sons do amanhecer a acordassem. Não demorou muito tempo mais para que os habitantes do castelo se levantassem e começassem a circular dentro e fora da fortificação. Logo Alyce iria acordar e vir servir sua dama. Sem paciência para esperar mais, ele saiu e se dirigiu para o quarto anexo para acordar a criada. Tocou o braço de Alyce e informou que Emalie ainda dormia e não devia ser incomodada. Confiante de que ganharia mais tempo e privacidade, ele voltou para o quarto e se sentou de novo. Emalie começou a se mexer preguiçosamente, mexendo os braços e virando a cabeça. Como ela estava virada de costas para a lareira, não notaria a sua presença. Ela bocejou e coçou os olhos. Christian continuou observando-a se espreguiçar longamente e colocar as mãos sobre o ventre. Ela ainda não tinha aberto os olhos, mas mexia os lábios, murmurando alguma coisa. Christian tentou adivinhar o que ela dizia, sem desviar o olhar enquanto ela continuava a movimentar as mãos sobre o ventre, repetindo algo inaudível. Sem conter a curiosidade, ele decidiu quebrar o silêncio e se fazer notar.


– O que disse? Essa é sua oração matinal? Emalie se assustou e se sentou na cama, encarando-o. Christian não soube distinguir qual a emoção predominante em meio a tantas no semblante dela. Mas o medo era evidente por causa dos olhos arregalados e o rosto pálido. – Peço perdão por ter assustado você – ele tentou se desculpar. Ela engoliu em seco algumas vezes e passou a inspecioná-lo dos pés à cabeça, como se estivesse diante de um espectro de seu pesadelo. – Desculpe-me por agora e pela noite passada – disse ele, levantando-se e chegando mais perto da cama. A cada passo dele, ela recuava mais na cama, tentando se proteger. Ela estava quase caindo quando ele parou. – Cuidado, Emalie. Ela tateou ao redor da cama, procurando alguma coisa para se segurar, e acabou perdendo o equilíbrio. Sem hesitar, Christian correu e a amparou, evitando que caísse. Depois se sentou na beirada da cama. – Pedi que sua criada não a incomodasse, assim poderíamos… conversar um pouco – disse ele, aguardando que ela respondesse. O silêncio só não foi absoluto porque os passarinhos piavam alvoroçados, como se saudassem a manhã. Emalie se ajeitou melhor na cama, cachos soltos emolduravam seu rosto. – Estou ouvindo, milorde. O tom de voz não deu nenhuma pista do que ela estava sentindo ou pensando. Ele teria de tomar a iniciativa e continuar falando. – Estes meses de casamento foram muito difíceis. Mesmo sabendo que nós dois fomos criados para ter uma união de conveniência, sei que nossas expectativas eram completamente diferentes. Emalie limitou-se a menear a cabeça. – Fui testemunha quando meu pai se casou com a mãe de Geoff e passou a controlar as propriedades dela. Eu achava que as ideias e a maneira de administrar tudo eram bem fundamentadas e, como ele teve sucesso, tentei fazer o mesmo aqui. Eu já havia dito há algumas semanas que não pretendia menosprezar seus sentimentos. – Ele achou que a veria corar ou que desse algum sinal de que se lembrava da noite que quase haviam consumado o casamento. Mas Emalie continuava impassível. – Você e Geoff são filhos de mães diferentes? Vocês são tão parecidos… – Aye, meu pai se casou com a mãe de Geoff depois da morte da minha mãe. Ao que parece, o sangue dos Dumont é bem forte. Ela consentiu com a cabeça, mas continuava inexpressiva. – Meu pai precisou lutar com a família da esposa para ter o controle das propriedades. Temo ter seguido o exemplo dele à risca e não dei a você a chance de cooperar comigo. Assim dizendo, ele se levantou e, ao se aproximar, tocou-a no rosto delicadamente. Christian percebeu que ela se retraíra, mas forçou-se a permanecer parada, permitindo o carinho. – Acho que fiquei ressentido pelo excelente trabalho que você fez aqui e nas outras propriedades. É uma grande façanha para uma mulher. Quando todos exaltaram suas habilidades e seu talento, até mesmo o padre Elwood, confesso que fiquei com ciúmes de você. – Mas, milorde, eu…


– Nay, por favor, deixe-me terminar para não perder o fio da meada. – Ele puxou um banquinho para perto da cama e se sentou. – Eu estava começando a perceber que meus métodos não estavam dando muito certo, quando soube da sua condição. Depois de ter concedido seu pedido na noite de núpcias e depois quando quase… bem, confesso que perdi a cabeça. Direcionei toda a minha raiva para você, tentando controlar sua vida, quando eu mesmo não conseguia me dominar. Apesar do meu péssimo comportamento, você aceitou todos os desafios que impus com muita dignidade e graça. Eu tinha de admirá-la. – Ele pegou a mão dela e levou aos lábios. – Emalie, peço que me perdoe por ontem à noite. Não posso dizer que não estou mais com raiva, mas prometo que não serei mais uma ameaça para você. Christian percebeu que os olhos dela se encheram de lágrimas e que ela engoliu em seco antes de falar. – Sou eu que devo implorar pelo seu perdão, milorde. Você estava certo quando disse que eu o enganei desde o princípio. – Acredito que nós dois fomos arrastados para essa situação por Eleanor por motivos desconhecidos. Quem entende os Plantagenet? Emalie, quero propor um novo começo para nós dois. Assim podemos honrar os votos que fizemos no casamento. Quero começar a ouvir seus conselhos. – Ele se levantou e a ajudou a fazer o mesmo. Em seguida, soltou o anel que prendia o molho de chaves do castelo no cinto e devolveu a ela. – Peço apenas que me consulte antes de mudar minhas ordens. – Oh, aye, milorde. – Os olhos úmidos pelas lágrimas brilhavam de emoção. – Farei isso. – Vou deixá-la agora para que descanse um pouco, já que nenhum de nós dormiu direito essa noite. – Agradeço sua decisão – disse ela, fechando a mão com o molho de chaves. – Sei o quanto foi difícil para você vir para cá sem saber de nada, tendo uma surpresa a cada passo. Christian se levantou e dirigiu-se para a porta, mas, antes de sair, olhou para trás na esperança de descobrir o que mais o perturbava. – Você me diria o nome dele? O brilho de alegria dos olhos dela desapareceu e ela respondeu com os lábios trêmulos: – Não posso. – Saber quem é me ajudaria a não ver um possível candidato em todos os homens de Greystone. Emalie se levantou e, ao se aproximar, pousou a mão no braço dele. – Se eu disser o nome, você sempre pensará nele quando me vir e ficará cego para o restante. Não era isso que ele esperava ouvir, e ao perceber ela acrescentou: – Asseguro que nunca falei nem pretendo falar dele para ninguém. Será que isso não é suficiente? Talvez fosse possível… – Ninguém sabe quem é o pai da criança? Uma nuvem de tristeza turvou o olhar de Emalie. – Poucas pessoas sabem e levarão o segredo para o túmulo. Mesmo sabendo a quem ela se referia, ele preferiu não dizer nada. Era melhor assim. A honra e o orgulho dele podiam ser preservados com o silêncio. – Aceito sua promessa, então. Dito isso, ele abriu a porta e saiu para o corredor. Conforme andava, ouviu barulho no quarto de Emalie, sinal que ela não iria descansar. Ele sorriu, feliz por enxergar uma esperança para o casamento deles.


AS SEMANAS e meses seguintes pareceram um sonho realizado para Emalie. Ela havia recuperado as responsabilidades e se tornado de vital importância na administração de Greystone e das outras propriedades. Com o final do verão e com a colheita feita e armazenada, a vida se acomodou numa rotina confortável. Christian continuava arrogante, pernóstico até. Nada poderia mudá-lo, mas ele pedia opiniões para ela e seguia os conselhos recebidos. Emalie percebeu que havia se apaixonado pelo marido, quando ele pediu que ela participasse da sessão de reivindicações. Ela havia chorado muito de emoção quando recebeu o recado para se sentar ao lado dele e ouvir os pedidos de seu povo. Por sorte, houve tempo suficiente para se recuperar antes de comparecer ao Salão Nobre. Geoffrey havia se restabelecido plenamente e ficou obcecado pelas jovens do castelo, conforme Emalie previra. Mesmo tentando fingir que não percebia as atividades dele, acabou ouvindo fofocas de que pelo menos uma das lavadeiras e uma criada da cozinha encontravam-se com ele no celeiro sempre que possível. A melhor qualidade dele era a lealdade incondicional ao irmão. Não importava qual fosse a ordem de Christian, ele obedecia sem pestanejar. Entretanto, Emalie sabia que a tarefa mais importante estava por ser realizada. Christian havia mencionado que planejava mandar Geoffrey para a propriedade deles em Poitiers durante a primavera. Era difícil prever quem sentiria mais saudades dele. Emalie se levantou e foi até a janela do solário. Cansada de ficar sentada por muito tempo, decidiu andar pelo jardim antes da refeição. Os enjoos matinais haviam cessado, mas ainda se sentia desconfortável com alguns cheiros e gostos. Naquela manhã, antes de se levantar, ela havia sentido o bebê se mexer pela primeira vez. Logo seu ventre estaria bem grande e ela teria de parar com algumas atividades. Alyce sempre a acompanhava. As duas andavam pelo jardim, quando Emalie viu que Christian estava escovando um cavalo à porta do estábulo e decidiu ir até lá para olhar. Apesar de o Dia de São Matheus estar próximo, e a Festa de São Miguel mais ainda, o clima estava mais quente que de costume. Christian havia comentado que o tempo bom estava ajudando os vinhedos e que o responsável pela vindima antecipava uma boa safra de vinhos de qualidade. Christian estava treinando com o cavalo que usava durante as justas dos torneios. Ele não precisaria mais competir por mais riqueza, mas não queria que os cavalos perdessem a forma. Luc e ele costumavam treinar regularmente. Emalie toldou os olhos do sol do meio-dia e observou o marido a mostrar por que havia se tornado um campeão de torneios. Ao assistir aos treinos, Emalie sentiu uma pontinha de ciúmes de quem já o havia visto competindo numa verdadeira justa a julgar pela habilidade dele em controlar o animal sob pressão, mesmo durante um treino. No intervalo do treino, Christian a viu e cavalgou até onde ela estava e levantou a viseira do elmo para cumprimentá-la. – Como está, milady? – perguntou ele, sorrindo. – Estou bem, e você? – Estou contente com os resultados do treino de hoje – disse ele, olhando para Luc que se aproximava. – Principalmente porque derrubei Luc do cavalo pelo menos umas quatro vezes.


Luc levantou o visor do elmo e olhou para Christian com uma careta, fazendo Emalie rir. Os dois pareciam crianças! – Milady, não acredite nessa blasfêmia. Seu marido trapaceou para tentar me vencer. – Você trapaceou? Eu não esperava isso – disse Emalie, brincando com Christian. – Eu sabia que milady desaprovaria tais métodos – disse Luc, sorrindo. Christian desmontou e se aproximou da cerca. Um escudeiro veio correndo pegar a lança e o capacete dele. Luc continuou no cavalo, aguardando. – Se Luc prestar atenção só nas armas e não na esposa… – Milorde! – exclamaram Emalie e Luc em uníssono. – Não tenho culpa se ele se distrai com facilidade. – Christian riu e meneou a cabeça para o amigo. – Fatin sempre foi a fraqueza dele. Um bom lutador deve focar nos defeitos de seu oponente. Os dois estavam prestes a iniciar uma discussão bem-humorada sobre suas proezas como guerreiros quando um mensageiro chamou Christian do portão. Emalie sinalizou para que o rapaz se aproximasse e esperou para ouvir do que se tratava. Não era incomum que alguém os interrompesse com notícias de alguma das muitas propriedades, mas Emalie não reconheceu o mensageiro. O rapaz baixou numa reverência, entregou um pequeno pacote para Christian e se afastou. Christian tirou o véu que cobria os pergaminhos e leu um deles. – Lady Durwyn de Lemsley nos convida para o casamento da filha daqui a 15 dias – disse ele a Emalie. – O que acha? Foi uma grande alegria para Emalie saber que se encontraria com a amiga. Fazia tempo que ela aguardava o anúncio da data do casamento, pois o noivado de Fayth tinha sido uma das últimas coisas que seu pai aprovara antes de ficar doente. – Pela sua alegria, suponho que seja uma boa união. – Aye, Fayth e sir Hugh são perfeitos um para o outro. – Temo que não seja uma boa época para viajar. O tempo está prestes a mudar e precisamos nos preparar para o inverno… talvez seja melhor enviar nossas felicitações e visitá-la em outra oportunidade. Emalie não respondeu de imediato, pois não conseguia pensar em contrariá-lo sem iniciar uma discussão. Seria difícil não ser insolente ou autoritária, mas precisava encontrar um meio para dizer o quanto queria comparecer à cerimônia. Ela estava tão distraída com seu conflito interno que demorou a notar que Christian sorria. – Estou só brincando. Não foram poucas as vezes em que a ouvi falar de lorde Durwyn e família e não pretendo proibi-la de visitá-los. Emalie achou que seu coração fosse explodir de alegria. Como não havia outro meio de expressar seu contentamento, ela começou a chorar, cobrindo o rosto com as mãos e soluçando. Christian a abraçou, balançando devagar para acalmá-la. Minutos depois, como se as lágrimas tivessem secado, ela levantou a cabeça e respirou fundo para se acalmar. – Desculpe-me. Ando muito sentimental esses dias. Christian estendeu-lhe um lenço, mas sem soltá-la. Era estranho, mas ela não tinha vontade nenhuma de sair do aconchego dos braços dele. Ao se lembrar que aquele comportamento não era adequado em público, ela olhou ao redor e percebeu que estavam sozinhos. – Não se preocupe. Sei que são lágrimas de alegria por sua amiga.


– Não a vejo há anos, desde a morte de minha mãe. Vai ser muito bom conversarmos de novo. – Podemos ficar alguns dias em Lemsley, se desejar. As lágrimas ameaçaram a voltar, mas Emalie piscou para evitá-las. Christian não fazia a menor ideia de que ela chorava por ele e não pela amiga. – Como quiser. – Vamos… – Ele a beijou na testa. – … vamos enviar nossa resposta pelo mensageiro, depois você pode ler a mensagem de Fayth. – Ele entregou o pergaminho a ela. – Você precisa se preparar. Assim dizendo, ele a soltou e ofereceu o braço para escoltá-la de volta ao salão. Emalie pousou a mão no braço dele e se deixou guiar, procurando não demonstrar o quanto estava embevecida pelo abraço e pelo beijo rápido. Aquela tinha sido a primeira vez que ele a tocava desde a noite em que haviam se deitado no quarto dela. Parecia que não tinham se passado dias desde então, pois ela ainda sentia a torrente de emoções proporcionadas pelas mãos e lábios dele. As mesmas ondas de calor que a deixaram tão lânguida voltaram a varrer seu corpo, remetendo-a à paixão que sentira naquela noite. Será que ele tinha percebido que a havia beijado? Mal sabia ele o quanto ela desejava ser beijada na boca de novo. Ela olhou de soslaio para o lado enquanto andavam, envergonhada em demonstrar como havia ficado encantada com um simples beijo na testa e o quanto ansiava por mais. Será que outros maridos faziam amor com esposas grávidas? Bem, ele não havia visitado a cama dela depois daquela noite, apesar de terem feito as pazes. Pelo menos ela não havia mais ouvido fofocas de que Lyssa ou Belle haviam passado a noite com ele. Se bem que ele poderia estar mais discreto que antes. Infelizmente, não havia como investigar ou perguntar a alguém sobre as atividades do marido, e tampouco queria discutir o assunto com ele. E se conversasse com Fatin? A esposa de Luc entendia melhor os homens e como eles pensavam. As conversas que tinham no solário eram interessantes e esclarecedoras. Emalie decidiu pensar melhor na possibilidade antes de abordar a questão com Fatin. As próximas semanas seriam bem agitadas com os preparativos e a viagem para Lemsley. Pela primeira vez, depois de muito tempo, ela estava feliz com a vida.


Capítulo 15

A BRISA ficava mais fria à medida que o sol se punha no horizonte. Mesmo sendo época do equinócio, o dia se manteria claro por mais tempo. Apesar disso, os viajantes sofreriam com a mudança de temperatura depois do meio-dia. Christian tateou atrás de si à procura da capa. Mais algumas horas e chegariam ao destino e a um lugar quente para passar a noite. Ele se distraiu com o ronco de Luc para clarear a garganta, alto demais para ser ignorado. Olhou para trás e, ao menear a cabeça para Luc, notou que Emalie não estava sentada direito sobre o cavalo. Mesmo com as sobras das árvores que ladeavam o caminho, ele viu que ela lutava contra o sono. Blasfemou contra a teimosia dela e puxou as rédeas do cavalo para aguardá-la passar. – Emalie… – chamou ele, emparelhando os cavalos. Ela não respondeu e curvou o tronco para a frente. – Emalie! Para evitar que ela caísse, ele a segurou pelo braço e pressionou a perna contra a dela. Ela abriu os olhos, acordando do cochilo. – Ah? Você me chamou? – perguntou ela, endireitando o corpo sobre a cela. A beleza e a inocência do rosto de Emalie ao acordar o encantou. Na verdade, ele se surpreendeu com o desejo de vê-la despertar todos os dias. Mesmo contra a vontade, o desejo o dominou. – Se estiver cansada, é melhor passar para a carroça junto com sua criada – sugeriu ele, procurando a todo custo esconder a protuberância no meio das pernas. Embora tivessem feito as pazes, ele simplesmente não podia desejar uma mulher que carregava a semente de outro homem. – Não se preocupe, estou bem, obrigada. Christian observou-a colocar o cabelo para trás dos ombros e ajustar a capa. O cavalo de Emalie se


assustou com os movimentos bruscos e desviou do caminho. Christian seguiu seu instinto e a alcançou, puxando-a do cavalo dela para seu colo. – Francamente, milorde. Isso não é necessário, posso cavalgar sozinha – disse ela baixinho para que ninguém mais ouvisse. Depois ela se inclinou para baixo para pegar a capa que havia caído no chão. Com receio de que ela pudesse notar o quanto estava alterado, ele a ajeitou melhor à sua frente. – Você estava quase caindo. Aqui estará mais segura. Emalie franziu a testa, intrigada, e se inclinou para o lado para poder fitá-lo. Depois balançou a cabeça em protesto e olhou ao redor para se certificar se eram observados. Christian sorriu ao perceber o recato e a discrição. – Como quiser, milorde – disse ela, rendendo-se. Ele sentiu que Emalie havia estremecido ao passar os braços pelas laterais do corpo dela. Pensando bem, ela nunca havia se aproximado dele por vontade própria, e também nunca demonstrara interesse de estar próxima. O que mais o incomodava, porém, era que seu desejo aumentava a cada dia. Mais uma vez Christian travou a mesma batalha interna para se convencer que não a desejava, embora admitisse que se davam bem fisicamente. Ele havia recuperado a força depois de muitos exercícios e boa alimentação, mas o desejo o enfraquecia e só havia uma maneira de saná-lo. Contudo, ele estava disposto a não se deitar com ela. Ele simplesmente não podia deixar acontecer. Então, por que a segurava tão próximo de si a ponto de sentir a fragrância do sabão com o qual ela se banhara? Toda vez que ela balançava a cabeça, um perfume de rosas e mel o torturava a ponto de deixá-lo ansioso por mergulhar o nariz naquele cabelo sedoso. A paixão era maior do que a determinação em não se deixar envolver. – Por que você não vai de carroça? – sugeriu ele, agarrando-se a uma linha tênue entre a razão e a emoção. Como Emalie não respondeu, ele recuou e reassumiu a posição junto aos outros e insistiu: – Por que você não vai na carroça com sua criada? – O balanço da carroça… me deixa enjoada – disse ela. Na realidade era o bebê que causava as náuseas. Por já ter observado outras mulheres, até mesmo de sua família, Christian sabia que elas costumavam enjoar com alguns cheiros, movimentos e até mesmo com alimentos. A madrasta, quando grávida de Geoffrey, costumava reclamar do cheiro de faisão assado. Apesar de ter sido ele a questioná-la, não era agradável ouvi-la se referir ao bebê. Mesmo tendo aceitado o fato, a realidade era difícil de encarar. Ele respirou fundo para acalmar a ira. Desde que exigira que ela não falasse em sua condição no dia em que descobrira a gravidez, Emalie não se queixava dos enjoos na presença dele. Se quisesse manter a honra e o orgulho intactos, ele teria de engolir o amargor e agir, pelo menos em público, como se ela carregasse um filho seu. Pelos costumes, nenhum marido nobre, cujo casamento tivesse sido por terras e riquezas, se envolvia com as necessidades de uma mulher grávida. Foi um conforto pensar como eles. Não lhe cabia nenhuma obrigação, a não ser demonstrar um interesse trivial de vez em quando. Seu papel era deixar que ela fosse cuidada por suas criadas pessoais e por alguma outra de seu círculo de convivência. E depois do parto, saber se ela estava bem. Mesmo assim, ele próprio se surpreendeu ao confortá-la: – É comum sentir enjoos de gravidez. Vamos cavalgar um pouco mais juntos para que você se sinta


melhor. Mais uma vez, Emalie se inclinou para o lado para encará-lo. Christian desviou o olhar e ela logo desistiu e virou-se para a frente de novo. Minutos mais tarde, ela relaxou e adormeceu nos braços dele. Christian posicionou a cabeça dela contra seu peito e apoiou o queixo sobre o cabelo, cuja fragrância continuava a torturá-lo. Emalie dormiu durante horas e não acordou nem quando eles atravessaram o portão da propriedade de lorde Durwyn, cercada pelos ruídos de um castelo movimentado. Christian continuou segurando-a apesar de estar com cãibras nos braços. Impressionado pelo sono profundo, ele parou o cavalo bem perto da escadaria e a segurou no colo. Teria sido muito mais fácil acordá-la, mas um sentimento maior o impediu de perturbar o sono dela ou quebrar o encanto do momento. Conforme suspeitara, ela acordou piscando várias vezes seguidas e se deu conta de onde estava. Em seguida, desvencilhou-se dos braços dele, permitindo que um escudeiro do grupo a amparasse. Que droga! Por que aquele rapaz tinha de ser tão solícito? Emalie recuperou o equilíbrio e ficou em pé com um sorriso iluminando seu rosto. Christian desceu do cavalo e posicionou-se ao lado dela, observando a quantidade de gente que surgiu pelas grandes portas de madeira no alto das escadas. De acordo com o protocolo, eles deviam ficar lado a lado, aguardando os anfitriões. Christian notou que Emalie estava insegura e estremecia de emoção. Um senhor de idade e uma senhora, na certa lorde Durwyn e a esposa, Hertha, lideravam o grupo que descia as escadas. Uma moça jovem espiou por entre eles, e Christian deduziu que aquela seria a amiga de infância que Emalie falara com entusiasmo… Lady Fayth, que logo se casaria com sir Hugh, algum vizinho nobre. Lorde Durwyn foi o primeiro a se aproximar e curvou-se numa reverência diante de Christian e Emalie. O restante do grupo fez o mesmo e as mulheres dobraram os joelhos cabisbaixas até Christian aceitar a reverência e estender a mão para cumprimentar o anfitrião. Como se não pudesse mais controlar a ansiedade, Fayth passou pelo meio dos pais e correu para abraçar Emalie, gritando feliz. – Filha! – Lorde Durwyn a repreendeu em voz alta. – Você ainda não foi apresentada ao Conde de Harbridge. Onde estão suas boas maneiras? Fayth recuou, soltando Emalie, dando um passo atrás para dobrar os joelhos numa vênia diante de Christian. – Perdoe-me, milorde. Acho que me empolguei demais ao ver Em… a condessa e esqueci o protocolo. Espero que desculpe meu lapso e não culpe meus pais pelo meu comportamento. Christian notou que ninguém sabia qual seria sua reação. Até mesmo Emalie estava preocupada. – Levante-se, por favor, lady Fayth. Sei que você e minha esposa são amigas de muitos anos. Era de esperar que ficasse tão animada. Isso não me surpreende de forma alguma. Todos suspiraram aliviados, e Christian meneou a cabeça para lorde Durwyn e lady Hertha. Lembrando-se de como tinha ficado feliz com a chegada de Geoff e Luc em Greystone, ele imaginou como as duas moças estavam se sentindo. Pelo que sabia, Emalie não tinha nenhuma amiga para compartilhar segredos em Greystone. Emalie permaneceu quieta, mantendo a posição altiva e educada digna da esposa de um cavalheiro. – Com sua permissão, milorde, gostaria de nos acompanhar? Preparamos uma refeição para o senhor e a condessa – convidou lady Hertha, saindo da sombra do marido. – Eu adoraria uma taça de vinho, mas acredito que minha esposa queira se refrescar da viagem. Se a


senhora pudesse atendê-la, estou certo de que lorde Durwyn pode me servir. O rosto de Emalie se iluminou com a oportunidade de conversar logo com a amiga e com os amigos de seus pais. Christian ficou enternecido ao vê-la se afastar na companhia das duas mulheres, trocando cumprimentos e abraços ao mesmo tempo. O riso de alegria ecoou no salão antes mesmo de ele dar um passo à frente. Naquele momento, ele entendeu que esperava muito mais da esposa do que educação e obediência. Seria uma felicidade imensa se ela o contemplasse com o mesmo riso de felicidade que dedicara à Fayth. E que o esperasse chegar com a mesma expectativa que tivera durante a viagem para ver a amiga. A verdade era que ele a desejava… simplesmente. Uma sensação de plenitude e aceitação o envolveu quando ele finalmente compreendeu que não podia mais lutar contra o anseio de que aquela mulher fosse sua. Ele olhou e meneou a cabeça para Durwyn, seguindo-o para dentro do castelo. Tinha esperança de sanar algumas dúvidas sobre a propriedade da esposa e os preparativos para o inverno, além de saber mais sobre a família de Emalie, dos planos do pai para ela e sobre o envolvimento do Príncipe John com os problemas dos Montgomerie. Havia muito que saber enquanto estivesse ali para o casamento da filha de Durwyn, seria bom começar logo a juntar os fatos passados e presentes. Até então, ele havia ignorado a parte final do acordo com o rei. Ele teria de terminar o que havia combinado com o monarca e certificar-se de que havia recebido de volta as terras e restaurado sua honra; assim, quando chegasse a primavera, mandaria Geoff para casa conforme o planejado e não se preocuparia mais com o assunto. Pouco tempo depois, ele estava à mesa com Durwyn com uma caneca de excelente cerveja e fartura de comida. Depois de se servir, foi direto ao assunto. – Você conhecia o antigo conde? – Aye, fomos educados juntos. Depois, seguindo a vontade do destino, fui vassalo dele e cuidei de uma das propriedades da família. – Quando foi a última vez que conversaram? – Pouco antes de ele ficar doente. A morte dele foi repentina e surpreendeu a todos nós – disse Durwyn em voz baixa, erguendo a caneca num brinde e tomando um gole em seguida. – Por que ele deixou Emalie desprotegida sem um casamento arranjado? – Emalie estava noiva, mas ele morreu durante a última Cruzada. – E depois? – insistiu Christian. – O conde esperava uma oportunidade de falar com o rei. Quando soubemos que o resgate por Richard seria pago, Gaspar planejava vê-lo para arrumar um casamento adequado para a filha. – Mas o processo de soltura de Richard demorou muito mais do que o esperado e o conde morreu antes de terminar. – Christian abriu um sorriso amargo. – Emalie era a única herdeira? – Aye, mas parece que Richard encontrou um marido adequado conforme a vontade de Gaspar. – Durwyn ergueu a caneca para saudar o convidado. Enquanto apreciava a cerveja em silêncio, Christian se preparava para abordar o assunto do irmão do rei. Ele se levantou, andou até uma janela e observou o pátio do castelo. A propriedade não era tão grande quanto Greystone. Além do castelo, havia um pequeno vilarejo. De onde estava, ele conseguia ver toda a extensão da muralha que protegia a propriedade. – Lackland ainda está ao lado do irmão? – perguntou, preparando-se para tirar toda a verdade. – Pelo que sei, ele ainda está com o rei. Se eu fosse Richard estaria mais preocupado com a


proximidade do que se meu irmão estivesse longe. – Levará anos para que o rei recupere as terras que John perdeu para os inimigos. Durwyn se postou ao lado de Christian diante da janela. – O descuido do rei deixou a Inglaterra em perigo. Apenas barões e nobres poderosos podem se unir contra aqueles que destruíram as terras e o povo. – Gaspar era um dos homens de Richard? – indagou Christian, fitando Durwyn com interesse. – Ele foi leal ao rei até a morte. Christian ficou pensativo e meneou a cabeça. Então, Gaspar devia ter sido contra John. Pelo jeito de Durwyn falar, ficou uma suspeita no ar sobre a morte inesperada de Gaspar. Christian guardou a informação e com o tempo procuraria saber mais detalhes. Durwyn percebeu que a conversa havia terminado e convidou o hóspede para visitar a propriedade. Christian aceitou de pronto, ansioso que estava por esticar as pernas depois da longa viagem.


Capítulo 16

CHRISTIAN OBSERVOU Emalie se retirar depois de ter cochilado duas vezes na cadeira. Talvez fosse melhor se ela se recolhesse sozinha, pois devia estar exausta da viagem e do encontro. Mas com a convivência das últimas semanas, não era de se estranhar que ela continuasse teimosa como sempre. Ela havia ficado na festa de noivado mais tempo do que deveria. Depois de muito resistir, ela finalmente concordou em acompanhar Fayth para os aposentos. As duas deixaram o salão de braços dados, cochichando como duas crianças. Christian relaxou, pois a esposa não passaria pelo embaraço de cair da cadeira dormindo. Com o adiantar das horas, ele também achou que deveria se retirar. Ao notar o quanto ele estava inquieto, a anfitriã designou um dos criados a acompanhá-lo até o andar superior. Christian o acompanhou a passos lentos e quando empurrou a porta, ficou surpreso ao encontrar Emalie, sentada num banquinho dentro do quarto. – Não há quartos suficientes para todos os convidados. – Isso não me surpreende. O castelo de Durwyn tem a metade do tamanho do de Greystone. – Como somos suseranos de Durwyn, ficamos com o maior quarto. Emalie estava visivelmente nervosa por ter de compartilhar a cama com o marido durante a estada. E não era apenas ela, Christian também estava bem apreensivo. – Pelo menos não precisamos dividir o quarto com Geoffrey. Ele ronca tão alto que é capaz de acordar até os bichos da floresta. Emalie riu e se levantou. – Acho que podemos conviver com isso. Ela desamarrou o roupão, deixando o tecido fino deslizar por seus ombros, e o colocou sobre o banquinho. Depois subiu na cama e se deitou sob as cobertas. Christian estava acostumado a dormir nu, mas decidiu que seria melhor ser discreto. Então, tirou a


túnica e a blusa de baixo e ficou apenas de calça. Emalie estava com os olhos fechados, mas ele sabia que era observado. Ele não se importou e se deitou. Seria muito difícil superar a situação, justamente quando naquele mesmo dia ele havia admitido o quanto a desejava. A hora não era das melhores. Ele se mexeu, procurando um lugar na cama sem chegar muito perto dela e tentou dormir. Contudo, o cansaço e o silêncio do quarto não ajudaram muito. Emalie continuava imóvel. Tomara que ela tivesse mais sucesso para pegar no sono. Quando ele decidiu se virar para espiá-la, deparou-se com o olhar dela fixo no teto. Ela segurava a coberta até o queixo e estava bem acordada. As chamas da lareira iluminavam o rosto delicado, incentivando a urgência que ele teve em beijá-la. – Temo que não vamos conseguir, Emalie – sussurrou ele, deslizando a ponta do dedo pelo nariz dela, descendo pelo queixo até tocar o cobertor e sorriu ao ouvi-la suspirar. – Como assim? – Eu te quero muito. Christian enfiou a mão por baixo do cobertor e passou a explorar o corpo dela bem devagar para não assustá-la e ser rejeitado. Cobriu um dos seios, aguardando a reação dela que veio com um suspiro. Ele notou a diferença no tamanho dos seios e sorriu, mas os mamilos intumesceram quando tocados. – Christian… – Emalie pousou a mão sobre a dele. – Emalie? – Você não precisa fazer isso. – Não? – Nay, uma criada mais assanhada pode satisfazer suas necessidades. Christian não acreditou no que acabara de ouvir e, jogando as cobertas para o lado, saiu da cama. – Uma criada assanhada, Emalie? Você acha que é isso que quero? Emalie também se sentou, observando-o dar a volta na cama. O cabelo comprido descia em cascata pelos ombros dela, emoldurando seu rosto e o pescoço. As chamas da lareira emprestavam o tom dourado à sua pele, proporcionando um jogo sensual de sombras. Foi difícil para Christian resistir à beleza tão única… e ele também não queria. Será que ela temia a intimidade que haviam experimentado, mesmo que parcialmente? Naquela noite, ela havia demonstrado desejá-lo muito. Será que isso também havia mudado? – Você está com medo de mim, Emalie? – Não… – Ela balançou a cabeça, negando. – Você teme o que pode acontecer se continuarmos na mesma cama? – Acho que não. – Então, por que sugere que eu procure alguém em vez de agradar minha esposa? Emalie corou conforme ele esperava. – Eu pensei que… – Ela hesitou e gaguejou um pouco para continuar. – … como você procurou Lyssa e Belle em Greystone, imaginei que… Se ela não estivesse tão séria, Christian teria começado a rir. Seria possível ela imaginar que ele preferia mesmo as meretrizes? Se ela soubesse que as tentativas dele não lograram nenhum êxito… será que devia contar? Christian se sentou na beira da cama, forçando-a a chegar mais para o meio. – Eu quero você, Emalie. Eu a desejo desde o dia em que você me observou na banheira quando


cheguei a Greystone. – Ouvi falar que um homem pode se satisfazer com qualquer mulher se não conseguir se segurar. Agora ele riu de verdade. – De quem são essas palavras de sabedoria? Emalie titubeou, mas acabou revelando: – Lady Fatin. Ele sorriu. Fatin conhecia bem os homem. Emalie ficaria chocada em saber que a esposa de Luc havia passado anos como escrava sexual de um rico mercador perto de Jerusalém, que a dividia com os clientes preferenciais. Luc a tinha conhecido nessa época. Christian ficou curioso em saber o que mais Fatin tinha dito a Emalie. – Você falou disso com Fatin? Emalie respondeu que sim, meneando a cabeça. – Por que você perguntaria essas coisas a ela? – Sei sobre o passado dela. Não havia outra pessoa a quem eu poderia perguntar sobre “essas coisas”, como você disse. Christian arregalou os olhos. Emalie o surpreendera mais uma vez. – Você sabia que tipo de vida Fatin levava antes de conhecer Luc e ainda assim aceitou a presença dela? Você se senta perto dela à mesa e ainda a protege? – Acho que posso dizer que não há muita diferença entre nós duas. As palavras dela atingiram-no como um soco. Emalie estava certa, qualquer mulher que se deitasse com um homem sem ser casada era considerada uma meretriz, independentemente de Emalie ter pagado por suas atitudes. Se bem que as circunstâncias eram bem diferentes nos dois casos. Mas, até então, Christian sabia que Emalie não procurava a atenção de outros homens, infelizmente nem a dele. – Você se considera assim? – Acho que aqueles que me chamariam assim se soubessem a verdade não se importariam com o que penso. Christian franziu o cenho e culpou-se por ter achado o mesmo quando descobrira que ela estava grávida. Se uma nobre tivesse perdido a virtude antes do casamento, teria perdido tudo. Ele balançou a cabeça, recusando-se a julgá-la daquela forma. Apesar de ter sido desonrada, Emalie continuava educada, doce e gentil. Apesar do que havia passado, suas qualidades permaneciam intactas para quem quisesse ver. Se alguém a desconsiderasse pelo erro cometido… Bem, ele próprio a havia julgado mal e não aceitara que ela podia ter alguma coisa de bom. Por sua honra, não podia ter aceitado. Descontente com o rumo que a situação seguira, ele vestiu a blusa e a túnica. Precisava de tempo para pensar a respeito, mas já havia decidido que não validaria seu casamento enquanto não descobrisse toda a verdade que os separava. – Para dizer a verdade, Emalie, eu tinha pensado em seduzir você. – Ele colocou o cinto na cintura e o apertou. – Mas fiquei preocupado com o que me disse e quero pensar a respeito. – Fique, por favor – ela pediu com a voz trêmula, preocupada por tê-lo contrariado. – Não tema, Emalie. Não dormirei com ninguém. Aliás, não levei ninguém para minha cama desde que nos casamos. – Ele assumiu uma expressão séria. – Eu tentei substituir você, mas falhei. – Com Lyssa e Belle?


Christian notou o desdém com o qual ela disse o nome das criadas. – Confesso que tentei, mas… mesmo com a ajuda do vinho, não consegui dormir com ninguém. Era você que eu queria. Assim dizendo, ele se inclinou e beijou-a nos lábios. Mesmo ela tendo correspondido ao beijo, ele se afastou e se dirigiu até a porta. – Volto mais tarde. Preciso de um pouco de ar. Christian saiu do quarto em silêncio, desceu para o salão, saiu para o pátio e para o celeiro. Durwyn havia usado todo o espaço disponível para acomodar os convidados e aqueles que os serviam. Luc era um dos que estavam hospedados ali. Christian não parou em nenhum momento, nem mesmo quando os guardas o saudaram, até abrir a porta lateral do celeiro. Esperou um pouco para que seus olhos se acostumassem à fraca luz de algumas lamparinas. Os roncos ecoavam pelo amplo salão, além de outros sons de um tipo específico de atividade. Ele percebeu que estes provinham de um andar superior. – Achei que conseguiria dormir aqui sem Fatin para me manter acordado a noite inteira – reclamou Luc. – Não recuse alguns minutos de seu precioso sonho a um amigo. Venha, vamos dar uma volta – Christian o chamou, inclinando a cabeça na direção do pátio. Enquanto eles circulavam pelo castelo, Luc não parava de bocejar, enquanto Christian se decidia como deveria abordar a questão que o afligia. Depois de terem passado três vezes pelos mesmos guardas, Luc parou. – Chega. Pergunte logo o que quer, ou então volto para o miserável colchão onde eu estava. – Luc cruzou os braços sobre o peito. Christian se sentiu acuado, mas precisava do amigo se quisesse entender os sentimentos que o perturbavam. – Como você consegue conviver com o fato de que sua esposa se deitou com tantos outros homens antes de você? Luc ficou vermelho até a raiz do cabelo e deu um tapa no ombro do amigo, não muito forte, mas suficiente para que Christian percebesse que tinha tocado num assunto delicado. Luc nunca tinha falado sobre Fatin, nem mesmo quando chegara casado da Terra Santa. Na época, ele limitara-se a apresentar sua esposa de beleza exótica a Christian, informando-o do casamento. A verdade só foi revelada depois de uma noite de bebedeira. – Imbecil, não me importo com quem a possuiu antes de mim, mas sei que sou o último. – Você não se importa que ela… – Christian não terminou a frase porque Luc o segurou pela gola da túnica, impedindo-o de respirar direito. – Se você não fosse meu suserano eu o derrubaria no chão por insultar minha esposa. Luc soltou Christian, que deu alguns passos para trás para recuperar o equilíbrio e a respiração. – Não estou ofendendo ninguém, Luc. Quero apenas entender. – Eu a salvei do massacre porque ela me dava prazer, mas depois ela aceitou se casar comigo porque temos muito mais coisas em comum. Christian sabia que deveria parar de perguntar, mas ainda não tinha obtido a resposta que queria. – Como você convive com a desonra do que ela fez diante dos seus olhos? Christian viu o brilho de ódio nos olhos de Luc quando levou um soco no rosto e caiu do chão. – Desonra? Onde está a desonra? – indagou Luc num grunhido. – Não proclamo entender ou aceitar a infidelidade, mas Fatin foi criada para ser assim. Não há desonra nenhuma nisso. Ela é uma boa


pessoa, carinhosa e dadivosa. Isso é tudo o que importa para mim. – Luc abria e fechava as mãos conforme falava. Ainda no chão, Christian pensou no que tinha ouvido. Luc estava certo, a honra devia-se muito mais à maneira como a pessoa se comportava atualmente do que como havia sido taxada por receber moedas ou prestar um serviço desonrado. Emalie também podia ser considerada uma mulher honrada, pois considerava as necessidades de seu povo acima de suas próprias. Uma noite em que porventura se comportara mal não afetava quem ela era de fato. Na realidade, ele estava sendo contraditório, pois se pedira ao rei para restaurar sua honra, como poderia não fazer o mesmo por Emalie? – Muito obrigado. Você me fez entender o quanto eu estava errado – agradeceu Christian ao se levantar e bater a poeira das calças. Em seguida, estendeu a mão para Luc. Luc hesitou um pouco antes de apertar a mão do amigo. – Você não tinha feito as pazes com sua mulher? – Na maioria das coisas sim, menos uma. – Venha cá, deixe-me enfiar um pouco de bom senso nessa sua cabeça dura. – Luc segurou Christian pela gola da túnica de novo e soltou-o em seguida. – Vá fazer as pazes com ela antes que você perca o que ela está oferecendo. Christian abriu a boca para responder, mas Luc o interrompeu: – E não estou falando de terras ou riquezas. Passe por cima disso e valorize o que você recebeu. Vá logo. Vá logo. Quero voltar a dormir e sonhar com o tesouro que deixei em Greystone. Sem dizer mais nada, Luc deu as costas e deixou Christian ali parado. O que Luc havia dito fazia todo o sentido e refletia o que era certo. Ele havia colocado em palavras o problema principal do casamento de Christian com Emalie. Agora dependia dele agir da maneira certa.


Capítulo 17

CHRISTIAN SENTIA-SE diferente naquele dia. Emalie estava acordada quando ele voltou para o quarto depois de uma saída intempestiva, mas não disseram nada um para o outro. Ele havia se despido depressa e se deitara ao lado dela. Depois de esperar e esperar por um gesto ou uma palavra, ela o ouviu roncar num sono profundo. Ela ainda levou algumas horas para conseguir dormir. Quando acordou na manhã seguinte, Christian a abraçava com o corpo colado ao seu. Emalie não se lembrava de ter se aproximado dele durante a noite e nem de ter sido abraçada, mas independentemente disso, a sensação de estar aninhada naqueles braços fortes era das mais gratificantes. Horas depois, a mesma sensação a invadira ao estar ao lado dele. Christian conversava animado com lady Hertha, mas encostava a perna na dela deliberadamente. Durante a refeição ele colocara a mão sobre a perna dela ao perguntar sobre Fayth, e mesmo depois de retirá-la, a pele dela continuava aquecida pelo toque. Ela sentiu a respiração dele roçar-lhe o pescoço como se fosse uma carícia cada vez que ele se inclinava para sussurrar algo ao seu ouvido. Houve inclusive um momento em que ele prendeu um cacho do cabelo dela atrás da orelha e insinuou beijá-la. Desde o momento em que haviam se levantado naquela manhã, Christian não perdeu nem uma oportunidade de tocá-la, quer beijando-a na mão, quer enlaçando-a pela cintura ao caminhar, quer encostando a coxa na dela e sussurrando em seu ouvido a toda hora. Entretanto, a maior surpresa foi quando ele a convidou para uma dança quando os músicos começaram a tocar. Os olhares se prendiam enquanto executavam os passos intricados. Parecia que dançavam sozinhos no salão. Era a primeira vez que ela o via dançar. Quando questionado, ele respondeu que lutar era como dançar, por isso seu treinador pedia que ele fosse um mestre na dança. Ele se movimentava com muita sensualidade, e volta e meia roçava o braço nos seios dela em passos


que ela não conhecia. No momento em que todos levantavam suas parceiras, Christian demorou mais tempo do que os demais para colocá-la de volta no chão, escorregando-a bem rente a seu corpo. Quando os olhares se nivelaram, ela reconheceu o brilho da paixão nos olhos dele e sua pele se levantou em doces arrepios. Emalie desejou que ele a segurasse daquela forma quando estivessem nus para que pudesse desfrutar do calor de seu corpo másculo. Emalie balançou a cabeça para tentar afastar o sonho, porém, seu corpo já havia reagido aos pensamentos libidinosos. Os mamilos rijos estavam doloridos por causa do vestido apertado. Gotas de suor desciam pelo vão dos seios e corriam pelo ventre até se alojarem em seu baixo-ventre, causando uma sensação desconhecida, mas não menos intensa. – Não tenho sido muito gentil com você – disse ele, ao voltarem para o sofá. – Deixe-me servi-la. A maneira como ele enfatizou a palavra “servir” levou-a a pensar em um significado bem diferente do que simplesmente encher sua taça de vinho. Teve certeza do que havia pensado quando ele levou a taça aos lábios dela, aguardou que ela tomasse um gole e copiou o gesto, pousando a boca no mesmo lugar sem desviar o olhar. Emalie deixou-se hipnotizar quando ele capturou uma gota de vinho nos próprios lábios com a ponta da língua. Ela ainda não havia se recuperado do transe quando ele espetou um pedaço de faisão do prato que compartilhavam e esperou que ela abrisse a boca para colocar o garfo. Emalie fechou os olhos e degustou como se a carne fosse uma iguaria perfeita, porém, a tensão que pairava entre os dois a impedia de engolir. – Tome um pouco de vinho para ajudar – sugeriu ele, servindo-a de mais bebida. Os dois bebiam da mesma taça, por isso a borda estava morna quando ela a tocou com os lábios. Aquilo tudo a estava levando à insanidade. Foi preciso se segurar para não implorar para que ele a levasse para o quarto e continuasse com as carícias iniciadas na noite em que pretendia seduzi-la. Naquele momento eles eram como duas metades que se ansiavam. Na verdade, o ritual da sedução havia começado desde que ambos chegaram ao salão. Ao final da refeição, Emalie estava totalmente lânguida, como se tivesse sido hipnotizada. Ah, ele sabia direitinho como enfeitiçá-la, deixando-a sedenta para se entregar em toda a sua plenitude. Como se não bastasse, ele ainda conseguiu desvendar as intenções dela com um olhar apenas. Com uma pressa inesperada, ele se levantou num repente e dirigiu-se aos anfitriões: – Milady e eu agradecemos muito a generosa refeição e a diversão. Até amanhã… Ele inclinou a cabeça a Durwyn e, sem dizer mais nada, conduziu Emalie para fora do salão. Quando Alyce deu um passo para segui-los, ele a dispensou com um gesto. – Pode deixar que eu cuido de milady, Alyce. – Aye, milorde. – Alyce baixou em uma vênia. – Espere um chamado meu para vir ao quarto amanhã de manhã – acrescentou ele ao passar pela criada. Emalie estava ansiosa demais para protestar ou contrariá-lo. Na verdade, nem ouviu se Alyce respondeu que sim ou não, pensando apenas no que aconteceria quando chegassem ao quarto. Só em pensar, ela começou a tremer inteira, seu corpo já umedecia antecipando as carícias íntimas que receberia. Os dois praticamente subiram as escadas correndo, vencendo sem demora a distância que os separava da cama. Christian soltou a mão dela apenas para baixar a trava na porta, mas logo se virou para beijá-la. Os dois corpos estavam a ponto de soltarem labaredas. As batidas do coração se confundiam. Parecia


que beijos não eram suficientes para aplacar aquele apetite selvagem inicial. Se passassem uma eternidade juntos não seria suficiente para aplacar todos os desejos. As línguas bailavam juntas numa sincronia perfeita, o gosto de vinho era dividido entre uma boca e outra. Sem deixar de beijá-la um segundo sequer, Christian livrou-a do véu e da tiara, ocupando-se em desmanchar as tranças que Alyce tinha se empenhado tanto em fazer. Seria impossível precisar quanto tempo haviam passado se beijando e foi Christian quem se afastou primeiro. – Serei seu criado, Emalie. Deixe-me ajudá-la a se despir – ofereceu ele, ocupando-se em desfazer os laços da manga longa sobreposta e presa ao avental. Ele não parecia ter pressa nenhuma para soltar as mangas e deslizá-las pelo braço dela até deixá-las cair no chão. Depois a acariciou no pescoço e nos ombros. – Vire-se para que eu possa desabotoar seu vestido. Emalie hesitou, mas acabou de frente para a lareira, com Christian às suas costas. Com as mãos hábeis, ele soltou um por um os minúsculos laços até a cintura e afastou o vestido dos ombros dela, acariciando cada centímetro de pele coberto pela camisola de baixo. Antes mesmo que ela tentasse tirar o vestido, ele o deslizou até seus pés e voltou segurando a barra da camisola de baixo, levantando-a bem devagar pelas coxas, quadris, lateral dos seios, até passar o tecido por cima da cabeça dela. Embriagada por sensações arrebatadoras ela apoiou as costas no peito dele, amoldando-se aos músculos bem delineados do tórax daquele guerreiro. Christian passou a beijá-la no pescoço com uma delicadeza que se contrapunha à força de seu corpo. Levantou os braços dela para trás e fez com que ela enlaçasse seu pescoço. Ao passar as mãos pelos ombros dela e segurar os seios fartos nas mãos em concha, Christian dava início a uma doce tortura. Os mamilos pareciam ter criado vida própria à medida que ele os girava e apertava. Os dedos ágeis continuaram a percorrer o ventre dela como se fossem plumas, deixando um rastro de pele arrepiada. Ora ele apenas insinuava um carinho mais forte, ora espalmava as mãos inteiras como se redesenhasse o corpo feminino até chegar à penugem que revestia o centro das coxas bem-torneadas. Ela esperou ser tocada, deixando perceber o quanto estava úmida, mas ele a segurou pelas coxas afastando-as levemente. O contato tão esperado não veio. Emalie tinha vontade de se entregar aos desatinos de seu corpo, queria ser movida pelo prazer, mas ele seguia disposto a torturá-la um pouco mais. Quando ela sentiu os joelhos dobrarem, ele finalmente rolou os dedos sobre a penugem sedosa e a virou de frente. Os lábios se tocaram e aos poucos o beijo foi se tornando cada vez mais ardente, provando que a paixão os sucumbia. A sensação de estar nua contra o tecido das roupas dele era intoxicante, mas ela ansiava por mais. – Christian… – sussurrou ele durante um pequeno intervalo entre os beijos. – Suas roupas… Como se ela tivesse dado uma ordem, ele se afastou um pouco e se despiu com a pressa dos amantes. A ansiedade era tamanha que ele não se preocupou em desfazer laços e nós, arrancando a túnica e a calça com rápidos puxões. Emalie prendeu a respiração ao revê-lo nu diante de si. Lembrou-se de ter visto pequenas nuanças daquele corpo enquanto Christian se banhava na noite em que chegara a Greystone. Mas agora ele era um novo homem. Além de sarar completamente, ele ganhara peso e músculos, assemelhando-se ao guerreiro descrito pela rainha. O olhar dela se perdeu em cada músculo, cada reentrância, como se desvendasse segredos até finalmente fitar o membro enrijecido. Envergonhada com tamanha ousadia, ela levantou a cabeça e o encarou. – Agora estamos iguais, Emalie.


– Nem tanto… – sussurrou ela, voltando a descer os olhos para baixo da cintura dele. – Você é bem maior… Um beijo ardente a impediu de continuar. Os corpos se tocavam, os arrepios se mesclavam… inexperiente, Emalie decidiu copiar a maneira como ele a tocava, acariciando-o e espalhando as gotas de suor pelos músculos, seguindo-as pelas costas até as nádegas. Christian foi andando para trás, puxando-a consigo até caírem na cama. Emalie percebeu que podia senti-lo como desejava, pois havia caído por cima dele. Assim, movimentou os quadris aninhando o membro túrgido no calor de sua intimidade. Mas não chegou a aproveitar o contato plenamente porque ele a virou num repente, cobrindo-a com seu peso. Emalie estava prestes para rogar que ele terminasse logo com aquela espera torturante, mas ele passou a beijar-lhe o rosto com calma, delineando-o com a ponta da língua. – Quer ser minha esposa? – Mas eu sou sua esposa. – Assim como prometeu nos votos de casamento? Você será só minha? Mesmo com a mente enevoada pelo delírio de estar ali, ela entendeu que Christian queria consumar os votos do casamento. – Sou somente sua. – Só minha. Era o que ele queria ouvir antes de penetrá-la. A partir daquele momento seriam verdadeiramente homem e mulher, marido e esposa. Na tentativa de se fundir a ele, ela seguiu seus instintos mais primitivos e o abraçou com as pernas. Começou, então, a dança da paixão com movimentos cadenciados. Emalie se assustou quando se viu dominada por ondas fortes que inundaram seu corpo inteiro, fazendo-a sentir algo inexplicável, que a satisfez por completo. Christian aumentou o ritmo das estocadas até alcançá-la nos píncaros do prazer. Seguiram-se minutos de silêncio sem que ele saísse de dentro dela. Emalie achou que fosse cochilar quando ele recomeçou os movimentos de vaivém, porém, numa calma agonizante, aumentando mais o prazer, como se isso fosse possível. Dessa vez chegaram juntos ao prazer extremo. E ainda se amaram novamente em seguida, como se todas as barreiras e os pudores tivessem sido derrubados, permitindo a total entrega de corpo e alma. Christian rolou para o lado e caiu no sono murmurando durante a noite inteira: – Só minha. Um sorriso se esboçou no rosto de Emalie externando uma sensação de conforto e felicidade por estar ali. OS DIAS seguintes passaram muito rápido. Fayth era a noiva, mas era Emalie quem se sentia como recém-casada, corando com os comentários obscenos sobre a intimidade física do casal. Christian era seu companheiro constante, tocando-a e beijando-a repetidas vezes sempre que possível. Algumas vezes ele saía para caçar com os outros convidados e o anfitrião, mas sempre a recompensava com um imenso carinho ao voltar. Quando Fayth e Hugh partiram para a futura casa, Emalie e Christian voltaram para Greystone. A viagem de volta foi completamente diferente. Os dois estavam tão envolvidos numa sintonia perfeita que o tempo e a distância deixaram de ser importantes.


Já de volta ao castelo, Emalie sabia que ela e o marido seriam alvo dos comentários dos criados particulares e os da cozinha. Todos perceberam a mudança de comportamento entre eles, e Emalie ficou feliz em evidenciar sua felicidade. Emalie errou em pensar que Christian tinha tornado todos seus sonhos em realidade. Depois de terem consumado o casamento, os dois criaram um vínculo muito forte de corpo e alma. Emalie desabrochou e se igualou a ele. Havia apenas um aspecto que ainda os deixava inseguros: o bebê que se desenvolvia no ventre dela. Christian era bem cuidadoso em tudo que faziam juntos, desde andarem pelo vilarejo até fazerem amor. O conforto dela vinha antes do dele, porém, ele nunca perguntava sobre o bebê, sequer puxava o assunto. Mas a atitude não era incomum. A maioria dos homens não se importava com os bebês, a responsabilidade era toda da mulher. Se isso era normal nos casamentos normais, em que o marido era o pai da criança, Emalie achou que o comportamento distante de Christian era compreensível. Os meses de verão se passaram, veio o outono e, quando todos os moradores de Greystone se preparavam para o inverno, Emalie sentiu uma pontada no coração. Era como se previsse que algo estava por acontecer, alguma coisa ruim e poderosa o suficiente para destruir a ela e o homem que amava, além de tudo o que haviam construído juntos. Emalie passou a rezar mais do que costumava, visitando a igreja de manhã e à noite e assistindo a missa sempre que possível. Todos à volta dela acreditavam que se tratava da preocupação com o nascimento do bebê, mas não era. Ela rezava para que Christian a perdoasse quando descobrisse a verdade sobre aquele bebê e por tê-lo arrastado para o jogo dos Plantagenet.


Capítulo 18

UM DOS guardas da torre o avisou da chegada de visitantes. Subindo ao alto da muralha, Christian observou por entre as ameias quando um grupo deixava a floresta e se aproximava dos portões do castelo. O vento batia forte, e mechas do cabelo cobriam seu rosto, enquanto ele tentava descobrir quem estava chegando. Lançou um olhar inquiridor ao soldado a seu lado, mas este balançou a cabeça em negativa. O grupo ainda estava muito longe. Ainda era novembro, mas os ventos avisavam que o inverno seria rigoroso e chegaria antes do previsto. Os aldeões e criados dobraram os esforços para consertar o que fosse necessário em toda parte, preparando-se para o pior. Quando o grupo fez a última curva e se avizinhou, Christian viu o estandarte real. Ali estavam os três leões dourados, símbolo dos Plantagenet, passant guardant num campo vermelho. Aquele era o novo brasão do Rei Richard. Os cavaleiros vinham muito depressa, por isso não podia ser Eleanor. O rei estava muito ocupado recuperando o controle de suas terras no continente para viajar para a Inglaterra. Só poderia ser um membro da família real de Henry: o Príncipe John. – Acho que ele se cansou de beijar o traseiro real do irmão – comentou Luc, sarcástico. – Eles brigam e fazem as pazes numa velocidade incrível. – Mas a clemência deles se restringe àqueles com o mesmo sangue real. O restante de nós tem de pagar pelos nossos erros. Christian virou o rosto e cuspiu no chão. Seu pai havia perdido tudo por julgar mal as pessoas. – Você precisa cumprimentá-lo direito, Chris. Ele se ofende até com os mínimos gestos. – Sei que este é o meu dever. Emalie já deve saber que o príncipe está chegando. Vamos recebê-lo juntos. – Lamento, mas Fatin não irá recebê-los.


– Por que não? – perguntou Christian, encarando o amigo. – Ouvi muitas histórias sobre o comportamento dele com esposas alheias. Não permitirei que ela chegue perto. Christian meneou a cabeça, dando razão ao amigo. A aparência exótica e a sexualidade latente de Fatin atrairia John como a abelha ao mel. Luc tinha de proteger a esposa da luxúria do príncipe, que era conhecido por obter tudo o que queria, sem diferenciar uma mulher de um castelo ou de riquezas. Além do mais, um simples guerreiro não podia negar nada ao príncipe dos Plantagenet. – Infelizmente Emalie terá de cumprimentá-lo, mas vou deixá-la no quarto sempre que possível. Ela não tem se sentido bem ultimamente. Na realidade, Emalie não tinha nada, mas ele não hesitaria em usar essa desculpa para não deixá-la sozinha com John ou com qualquer outro de seu séquito. – Isso mesmo, milorde. Vamos descer, eles já passaram pelos portões principais. Christian entrou no castelo e se dirigiu ao Salão Nobre. Conforme o esperado, Emalie estava ali dividindo os criados entre aqueles que trariam refrescos e outros que seguiriam para arrumar os quartos. Ela não parecia saber quem eram os visitantes. – Teremos visitas! – exclamou ela sorrindo e acenando para ele quando notou sua presença. – Eu os vi chegando do alto da muralha e vim recebê-los. Christian e Emalie se postaram diante do tablado e aguardaram. Christian achou melhor preveni-la: – Trata-se de um visitante real. – Eleanor? – Não consegui identificar de longe, mas acredito que seja John. Emalie estava com a mão sobre o braço de Christian e não conseguiu esconder o tremor que sentiu. Parecia até que ela estava com dificuldades para respirar. Christian estranhou os sintomas, mas quando as portas se abriram ela recuperou a compostura. – O que será que ele quer aqui? – perguntou em voz baixa. – Não sei, mas vamos descobrir logo – Christian disfarçou para responder e em seguida fez uma reverência ao príncipe: – Ah, milorde. Seja bem-vindo a Greystone. – Olá, Dumont. Agradeço sua acolhida – disse John baixando a cabeça ligeiramente. Em seguida, tomou a mão de Emalie. – Você está muito bem, condessa. E grávida? Que encantadora. Christian percebeu o quanto Emalie ficou perturbada quando o príncipe se curvou para beijar sua mão. – O que o traz aqui, milorde? – Christian achou que seria melhor descobrir logo. – Trago saudações do meu irmão, o rei, e de minha mãe, que não puderam vir. Christian estranhou a informação, sabendo que Richard preferia Anjou, Aquitânia e Poitou e tão cedo não visitaria seu reinado inglês. Já Eleanor viajava quando e para onde desejava. – Veja, William – John elevou a voz e acenou para um dos homens da comitiva –, a condessa não só é linda, mas também generosa. Um homem corpulento, com a mesma idade de Christian, vestido de preto e cinza, se destacou do grupo e se aproximou. Emalie voltou a tremer. Alguma coisa não estava certa. Para confirmar a suspeita de Christian, Alyce postou-se de um lado de Emalie e Walter do outro. – Emalie, querida – disse John. – Felicito-a pela fertilidade. William, você não diz nada? – Como vai, milady? – William a cumprimentou. A princípio, Christian notou que William parecia hostil, mas bastou que ele olhasse para Emalie para


assumir uma postura não muito apropriada. Principalmente porque se tratava de sua mulher. Em silêncio, observou que o soldado media Emalie dos pés à cabeça para finalmente deter-se no ventre dela. – Nós já nos conhecemos, sir? – Christian decidiu que era hora de interromper. – Ainda não, milorde – respondeu William sem desviar o olhar de Emalie. – Mas conheço Emalie. Christian se enfureceu ao ouvir aquele desconhecido chamá-la pelo nome e não pelo título. Sentiu o estômago se contrair ao perceber que John se divertia com o desconforto dele e de Emalie. – Como isso é possível? – perguntou Christian, inclinando a cabeça para Alyce. Emalie estava prestes a desmaiar e ele não queria nem pensar no porquê. – As famílias DeSeverin e Montgomerie são da mesma região de Anjou. William e Emalie se conhecem desde a infância – respondeu John pelo outro. Ao notar como Emalie estava pálida, Christian decidiu que precisava afastá-la do príncipe. – Milady? Imagino que tenha trabalhado muito e deve estar cansada. Por favor, recolha-se até mais tarde. Emalie piscou várias vezes antes de focar o olhar no rosto dele. Christian sorriu na esperança de passar um pouco de segurança e prosseguiu: – Alyce, acompanhe a condessa até os aposentos e não permita que ninguém a perturbe. Alyce segurou o braço de Emalie e a conduziu para a escadaria. Walter as acompanhou, certificandose de que ninguém os impediria. Christian convidou John para se sentar à mesa, mas o príncipe não se mexeu enquanto Emalie não sumiu de vista. Ele e DeSeverin trocaram olhares estranhos antes de se sentarem à mesa. Fitzhugh serviu o melhor vinho de Greystone, enquanto Christian ainda se preocupava com a reação de Emalie a John e William. – Para quando é o bebê? – indagou John depois de tomar um gole de vinho e rasgar um pedaço de pão. – A parteira acha que a criança chega na primavera, mas, como é o primeiro bebê da condessa, não se pode ter certeza. – Na primavera? Acho que não – John o contradisse, aumentando o tom de voz. – Como? – Christian encarou John. – O que você acha, William? Acho que a condessa não está num estado tão avançado. Você não acha que o bebê nasce antes do dia da Candelária? William balbuciou alguma coisa e ergueu a taça, fingindo brindar. Christian sabia exatamente o que os dois faziam, mas se recusou a entrar no jogo antes de saber as regras e qual seria o prêmio. Bem, não era muito difícil de adivinhar que o prêmio era Emalie, o título e as terras que ela dera ao marido. Antes de ele continuar com o jogo, Luc se aproximou, fez uma reverência ao príncipe e cochichou no ouvido de Christian. As palavras atingiram Christian direto no coração, mas ele continuou impassível, disposto a não deixar que aqueles abutres soubessem até que ponto haviam aterrorizado Emalie. – Milorde, preciso resolver um problema – disse ele a John. – Meu mordomo o atenderá no que necessitar até o jantar. Christian não deu chances para que John o impedisse, levantando-se num repente e seguindo Luc na direção da cozinha e das escadas da parte de trás do castelo que também levavam aos aposentos. Ele entrou no quarto sem se preocupar em bater na porta e encontrou Emalie na cama, pálida e com dificuldades para respirar.


– Onde está a parteira? – Já mandei chamá-la, milorde. E Timothy também – disse Alyce ao lado da cama de Emalie. Não havia nada que Christian pudesse fazer a não ser se sentar e esperar. Ao se sentar, ele pegou uma das mãos frias dela e a esfregou. Ela não olhou para ele, mas murmurava repetidamente algumas palavras desconexas. A porta se abriu e Enyd entrou apressada. Ele pensou em argumentar quando o mandaram sair do quarto, pois não havia nenhuma parte no corpo de Emalie que ele não conhecia ou não havia tocado. Mas aquele não era o momento de exigir nada. Assim, ele beijou a testa de Emalie e a deixou aos cuidados das mulheres. O jantar foi uma cerimônia solene. Apesar de John continuar provocando, Christian manteve a calma. Ele conhecia bem as artimanhas do outro, pois também as usara em tempos de guerra. Distrair. Desarmar. Destruir. Christian não disse nada sobre o estado de Emalie, preferindo ignorar as tentativas deliberadas de insultos à sua honra e à da esposa. Não era hora nem lugar, para discutir, mas ele sabia que o momento adequado para tanto não demoraria a chegar. Assim que possível, considerando o status real de John, ele se desculpou, saiu da mesa e foi em busca de notícias de Emalie. Alyce abriu a porta do quarto antes mesmo de ele empurrá-la e o convidou a entrar. Emalie estava acordada, pálida e amedrontada. – Ela precisa descansar o máximo possível, milorde – Enyd o instruiu. – Claro. – Timothy preparou umas poções para ela e o bebê se fortalecerem. – Alyce alternou o olhar entre ele e Emalie. – Providenciem para que ela siga as prescrições. – Ela vai… A expressão grave de Enyd evitou que ele continuasse. – Ela teve algumas contrações e sangrou um pouco. Se tomarmos todas as precauções necessárias, ela ficará bem. Assim dizendo, Enyd saiu do quarto e Alyce a seguiu. Christian ficou sozinho com a esposa. – Você precisa de alguma coisa? Uma bebida ou comida? Emalie respondeu que não balançando a cabeça. Ao notar as lágrimas empoçando nos olhos dela, Christian se sentou na beirada da cama e a abraçou. Ela não hesitou em se aninhar nos braços dele e começou a chorar, implorando por perdão. – Emalie. Emalie, por favor, você precisa se acalmar. Por favor. Ele começou a niná-la até que ela finalmente parou de chorar e adormeceu, exausta. Ele ainda ficou segurando-a por mais alguns minutos antes de deitá-la na cama. Era a primeira vez em que Christian a via perder o controle, o que não havia observado nem quando ele se enfureceu ao saber da gravidez. Mesmo sabendo que era normal que mulheres grávidas ficassem mais sensíveis, o desespero de Emalie devia estar relacionado à verdade sobre o que havia acontecido. Verdade esta que ela ainda não contara, mas a reação que teve ao encontrar John e seus companheiros deixou claro que eles tinham tido uma parte importante na trama. Mas as explicações teriam de ficar para depois. Uma leve batida e o ranger da porta se abrindo um pouco anunciaram a presença de Luc. Christian gesticulou para que ele não fizesse barulho e se levantou. Luc sabia do estado de Emalie, e não teria ido


até ali se não fosse algo importante. – Sua Alteza quer falar com você, agora. – Ele não pode esperar? Não quero deixá-la sozinha. – Se fosse possível, eu não teria vindo chamar você. Chris, ele ordenou que eu dissesse que ele quer discutir assuntos pessoas e precisa ser agora. Achei que era uma ameaça, por isso vim correndo. Christian levantou da cama com cuidado para não acordar Emalie. – Onde ele está? – Na capela. Parece um sacrilégio, não é? – indagou Luc com desdém. – Você pode ficar aqui? – Christian não queria deixar Emalie sozinha. – Fatin está esperando no corredor para entrar e ficar ao lado de milady. Ficarei de guarda até você voltar. Não permitirei que ninguém entre. – Muito obrigado, Luc. Christian saiu para o corredor, esperou que Fatin entrasse no quarto e que Luc tomasse posição de guarda à porta. Satisfeito por Emalie estar em segurança, ele atravessou o salão, saiu do castelo e seguiu na direção da capela de pedra. O príncipe o aguardava no altar. Luc estava certo. Era mesmo um sacrilégio encontrar-se com aquele homem num lugar sagrado. Christian se aproximou e esperou que John iniciasse a conversa. John não mediu as palavras e foi direto ao assunto: – Confesso que durante um tempo eu quis a posse de Greystone e de todas as propriedades de Harbridge. Se não fosse pela interferência do meu irmão e de minha mãe eu teria conseguido, Emalie incluída. – John fez uma pausa e encarou Christian. – Farei a você a mesma proposta que fiz a DeSeverin. Christian sentiu o sangue ferver de ódio pela audácia do príncipe, mas sabia que sua sobrevivência… e a de Emalie… dependiam de sua capacidade de se conter. – E qual seria a proposta? – Você pode manter o título de conde e administrar as terras, mas eu ficarei com as riquezas geradas e controlo Greystone. Ah, sim, claro, a Condessa Emalie também será minha e deve me satisfazer onde e quando eu quiser. John não fazia ideia de como estava próximo à morte, tanto que não se deixou abalar pela raiva aparente de Christian. – William e eu tivemos pouco tempo para treiná-la, mas suponho que um homem sofisticado como você deve tê-la ensinado bastante nesses últimos meses. Confesso que não vejo a hora de ela parir logo para rever aqueles belos seios. A visão de Christian se turvou de tanto ódio. John não teria uma morte rápida, ele o faria sofrer até o último segundo por ter falado de Emalie sem nenhum respeito. Mas era preciso conter a vontade de estrangular aquele bastardo e procurar descobrir como Emalie tinha sobrevivido àqueles dois sem ninguém para protegê-la. – Lamento, Vossa Graça, mas terei de recusar sua oferta generosa – disse ele, controlando a respiração para se acalmar. – Recusar? Acho que você não entendeu sua situação, Dumont. Estou oferecendo minha amizade. – Sou leal a Richard. – Eu também. Passei os últimos meses demonstrando meu afeto por meu irmão e fui perdoado por todo tipo de transgressões que cometi enquanto ele era prisioneiro no exterior.


Se ao menos Deus fulminasse John por pecar e mentir tão descaradamente em Sua casa… – Esqueci de dizer que Richard me fez seu herdeiro com direito a toda a Inglaterra quando morresse. Imagino que sabendo disso você queira fazer parte daqueles que me apoiam e não se tornar meu inimigo. – Agradeço por sua oferta generosa, mas preciso declinar. Christian já estava se sentindo enjoado com a conversa e não hesitou em dar as costas ao príncipe para sair. – Você sabia que o pai de Emalie aprovou o noivado dela com o meu amigo William antes de morrer de repente? Christian parou à porta e esperou John continuar: – William estava tão ansioso para desposar uma mulher linda que acabou antecipando os votos. Mas quem pode culpá-lo? Que homem em sã consciência negaria as súplicas de uma mulher tão ansiosa em se oferecer? Estou certo de que você não resistiria, nem eu. Christian se imaginou apertando o pescoço de John até que ele não conseguisse mais respirar. – Uma criança vai nascer e William possui um contrato de compromisso matrimonial comprovando o noivado dele e irá processar você para ter Emalie e o bebê de volta. – Qual a razão de você me dar uma oportunidade destas? – Dumont, andei observando e concluí que você é melhor para ser o marido de Emalie do que DeSeverin. Você está mais apto a administrar essas terras e me trazer os lucros. Christian ouviu os passos de John se aproximando. – Então, devo apoiar DeSeverin no processo ou faço as provas do noivado dele sumirem? – John colocou uma das mãos sobre o ombro de Christian. – Quero uma resposta antes de partir amanhã cedo. Christian limitou-se a menear a cabeça. – Você não tem escolha, Dumont. Se quiser, posso providenciar para que seu casamento seja anulado sem muito alarde. Depois você pode seguir sua vida e se casar de verdade quando encontrar uma noiva adequada. Christian levantou o braço, afastando a mão de John. – Christian, filho de Guillaume Dumont, pense bem antes de decidir qual membro da família Plantagenet vai apoiar, caso contrário, você pode terminar debaixo da terra assim como outros que cometeram o mesmo erro. John saiu da igreja rindo, como se tivesse dito alguma coisa realmente engraçada. O ódio que dominou Christian foi tanto que ele teve vontade de gritar e matar, mas por experiência sabia que não podia fazer nada daquilo, caso contrário, tudo e todos aqueles que queria bem estariam em perigo. CHRISTIAN VOLTOU para o quarto e ficou ao lado de Emalie durante o resto da noite. Como não havia mudado de ideia, ele achou melhor não confrontar John. Por isso não apareceu no salão na manhã seguinte. Ausência de resposta também significava que ele não havia aceitado a proposta. As palavras de John ajudaram-no a tomar uma decisão. O príncipe havia dito que, se ele concordasse com a proposta, seria livre para procurar um casamento de verdade. Um casamento de verdade. O casamento com Emalie havia sido validado depois da primeira noite em que dormiram juntos. As juras feitas meses antes foram confirmadas depois que eles haviam feito amor, tornando-se assim


marido e mulher. Nada poderia anular uma união feita perante Deus. Christian resolveu esperar pela reação de John e decidir o que fazer quando chegasse a hora. Seria bem melhor saber de todos os fatos para poder julgar, mas não podia exigir que Emalie se explicasse nas condições em que estava. John não demoraria a dar o próximo passo. Isso era certo. Provavelmente ele já havia feito planos alternativos quando propôs amizade. Christian meneou a cabeça, duvidando que o príncipe não tivesse considerado todas as possibilidades de ambas suas respostas. Mas, sem a ajuda de Emalie, ele não poderia lutar contra John. Na verdade, ele não tinha certeza de que poderia vencer o príncipe mesmo com ajuda dela. E se John tivesse de fato toda a força que proclamava ter? O pior, porém, tinha sido a insinuação de que ele também pudesse ter se envolvido com Emalie fisicamente. Christian não conseguia imaginá-la com o príncipe ou com William. Será que não estava se iludindo? Ele relanceou o olhar para a cama onde ela dormira. Quantas vezes havia velado o sono dela desde a viagem a Lemsley? Ele gostava de se sentar na cama ou deitar-se ao lado dela para admirá-la dormindo. Ora, que bobagem pensar naquilo num momento tão delicado. Além do mais, qual outro homem se contentaria com um gesto tão simples? Emalie suspirou e o tirou do breve devaneio. As chamas da lareira iluminavam o rosto delicado. Os olhos dela já não estavam mais tão inchados, mas a respiração ainda se mostrasse ofegante. Quanto tempo levaria para ela se acalmar totalmente? Christian pensou na noite em que tinham feito amor em Lemsley. Lembrou-se também da noite em que quase haviam consumado o casamento. Emalie havia demonstrado muita inocência sexual. John não poderia manter com ela, conforme insinuara, o mesmo tipo de relação imoral e humilhante a que estava acostumado. Ela não poderia ter fingido o espanto e a intensidade do orgasmo que sentiu. Mesmo depois de ter adquirido mais experiência com ele na cama, ela ainda se comportava com a timidez de uma mulher pura. Não. Christian balançou a cabeça de novo. John não a tinha depravado. Mas, infelizmente, o príncipe podia ser o pai do bebê que ela carregava, roubando o direito de seu fiel companheiro, DeSeverin. A dúvida só se sanaria com o nascimento da criança e a semelhança de cor e feições de John ou de DeSeverin. Christian coçou os olhos e se levantou. Logo o sol se levantaria finalizando a noite terrível. Se bem que a vida deles continuaria escura por um bom tempo. Distrair. Desarmar. Destruir. John o havia distraído com a chegada repentina, depois o desarmou com a oferta de que Christian continuaria como Lorde de Greystone, mas a um preço inaceitável. Restava saber quando John pretendia destruí-lo e como usaria as armas que tinha: o medo e a participação de Emalie, a cumplicidade de DeSeverin e o medo de Christian em cair na mesma armadilha que matara seu pai. A ansiedada aumentava a cada hora. Ao se deitar para tentar dormir, pensou que o jogo final havia começado. E que Deus os ajudasse.


Capítulo 19

POR MAIS esforço que fizesse, Emalie não conseguia abrir os olhos, tão inchados estavam. Sua cabeça latejava, e sentia dores no corpo inteiro ao tentar se movimentar. – Deixe-me ajudá-la, milady. – Fatin? – Aye, milady. Alyce saiu um pouco, mas deve voltar logo. Estou aqui para cuidar da senhora. Emalie finalmente conseguiu abrir os olhos e perscrutou ao redor do quarto. Pela luz do sol que entrava pelas frestas da janela, devia ser o final da tarde. Ela não havia percebido passar a noite nem a manhã. Ao lado da mesa havia várias garrafas e taças, dispostos de maneira que só Timothy poderia ter feito. – Oui, madame – disse Fatin, pegando o frasco mais próximo. – Tenho instruções a seguir sob “pena de morte” como declarou seu marido. – Não quero que você sofra ameaças por minha causa, Fatin. Prometo que vou obedecer a tudo o que disser. Emalie se esforçou para se sentar e engolir o remédio num gole só. Pelo gosto, ela identificou alguns dos ingredientes que Timothy havia misturado, sabendo o quanto eram amargos e difíceis de digerir. Fatin ofereceu uma taça de vinho para tirar o gosto ruim da boca. – E o meu marido? – Ele saiu para cumprir com as obrigações diárias, mas pediu para ser avisado quando a senhora acordasse. – E o príncipe? Fatin fez uma careta de quem havia comido carne estragada. – O príncipe e a comitiva partiram hoje bem cedo. E, por mim, já foram tarde – disse ela, demonstrando desprezo na voz.


– Alguém… saiu ferido? – perguntou Emalie com cautela, temendo pela resposta. Fatin hesitou, mas acabou respondendo: – Aye, milady. Uma das moças do vilarejo, mas não foi nada sério. Enyd disse que ela ficará boa. Emalie ficou devastada: havia falhado mais uma vez. Uma das moças havia sofrido por causa de seus temores. Se estivesse melhor, ela teria feito um acordo com alguma vadia do vilarejo que não se importaria em ceder aos gostos de John. Isso o teria acalmado, e uma inocente estaria a salvo. Ela pediria informações a Alyce mais tarde. – Fatin, gostaria de pedir um favor. – Sim, milady. – Eu gostaria de ver o padre Elwood. Será que você o chamaria antes de avisar meu marido? – A senhora quer ver o padre antes do seu marido? – indagou Fatin. – Por favor. Fatin meneou a cabeça e se dirigiu até a porta. – Seu marido também disse que aquele que deixasse a senhora sair da cama pagaria com a própria vida. Não arrisque a minha enquanto vou buscar o sacerdote. Emalie concordou e observou Fatin sair e fechar a porta. Ela precisava se confessar antes que perdesse a coragem, pois havia pecado no dia anterior. Resignada, ela recostou-se nos travesseiros e esperou. Pouco tempo depois, uma batida na porta anunciou a volta de Fatin. O sacerdote que há anos atendia a família em suas necessidades espirituais entrou no quarto logo em seguida. Fatin verificou se a ama estava bem e se retirou do quarto para informar a Christian, para que Emalie ficasse mais à vontade. – MILORDE, MILADY está acordada – informou Fatin, depois de dobrar os joelhos numa breve reverência. – Você tinha ordens específicas para ficar com ela, Fatin. Por que não mandou um criado me avisar? Luc ficou vermelho, mas Christian não se abalou e continuou: – Não quero que ela fique sozinha – explicou ele aos dois. – Ela não está sozinha. O sacerdote está lá. Vim avisá-lo para que ela tivesse maior privacidade, milorde… – Fatin enfatizou a última palavra com desdém e não com respeito. Christian entendeu a indireta. – O que o sacerdote foi fazer no quarto dela? Eu havia ordenado que ela não recebesse visitas enquanto não saísse da cama. Por favor, me diga que ela não se levantou. Christian havia avançado alguns passos na direção de Fatin quando ela respondeu. – Milady continua deitada, mas foi ela mesma que me pediu para chamar o padre. Eu o acompanhei até o quarto e vim avisar o senhor. Não sei a razão do chamado… ninguém saberia explicar por que os tementes da sua fé procuram conselhos de um sacerdote. Fatin sabia do risco que corria ao mencionar as crenças católicas, por isso, só fazia um comentário como aquele na presença de Luc e Christian. Christian estreitou a distância que o separava de Fatin e Luc se apressou a se postar atrás dela. – Perdão, Fatin. Exagerei na minha preocupação com Emalie, mas não quis insultá-la. – Fatin aceitou as desculpas, meneando a cabeça. – Agradeço e prezo sua ajuda a minha esposa, principalmente porque ela não tem nenhuma amiga para conversar.


Luc ficou impressionado com a condescendência de Christian e sorriu. – Entendo sua preocupação, meu amigo. Quando alguém que amamos está em perigo… – Amor? – Christian o interrompeu. – Emalie é minha esposa. É normal que eu me preocupe com o bem-estar dela. Claro que ele nutria um carinho por Emalie, mas não se considerava apaixonado. O casamento havia sido um acordo entre duas pessoas com interesses comuns e que tinham se dado bem. Ele a respeitava e até gostava dela, sem falar no desejo que sentia. Mas amor? Não. Ele balançou a cabeça, negando um sentimento que só complicaria a situação. Amor, não. Christian deixou o celeiro e usou as escadas de trás do castelo para subir, assustando duas lavadeiras que desciam muito lentamente com uma trouxa de roupa suja. Ao chegar ao andar superior, ele se apressou na direção dos aposentos. Encostou o ouvido na porta e ouviu apenas sussurros. Sem paciência para esperar mais de um minuto, ele bateu na porta e, antes de ouvir qualquer resposta, entrou no quarto. O sacerdote estava com a mão estendida sobre a cabeça baixa de Emalie, rezando baixinho. Christian parou à porta e observou. Ao notar que lágrimas escorriam pelo rosto de Emalie, ele teve vontade de interromper, mas se conteve pelo olhar preocupado do sacerdote. O padre Elwood terminou a bênção e ergueu o rosto de Emalie pelo queixo, fitando-a dentro dos olhos. Depois de sussurrar mais algumas palavras, ele se levantou. – Ah, milorde. Como vai? – Não quero que a condessa seja incomodada, padre. – Christian se aproximou para olhar Emalie mais de perto. – Às vezes, milorde, chorar faz bem para a alma. – O sacerdote pegou a estola e o crucifixo e se preparou para sair. – Vou rezar por você. Venha à missa assim que puder. Emalie meneou a cabeça em resposta. – Você está bem? – perguntou Christian, sentando-se na beirada da cama. – Sim, mas um pouco cansada, apesar de ter dormido bastante. Christian segurou-lhe o queixo como o sacerdote havia feito e enxugou as lágrimas com um lenço. – Você está com fome ou sede? – Nay, milorde. – Você se esqueceu que pode usar meu nome, Emalie. – Eu não sabia quais eram seus sentimentos… – Depois que eu soube a verdade? Ela o encarou, temerosa. Fazia muito tempo que ele não a via naquele estado e não gostou. Emalie se afastou um pouco, mas ele percebeu o movimento sutil e se levantou. Depois de andar de um lado a outro no quarto, ele a encarou e fez a pergunta, a qual já havia respondido para si mesmo na noite anterior. – Estamos casados de verdade, Emalie? – Claro que sim – respondeu ela, franzindo o cenho. – Existe alguma razão que possa anular o casamento que o rei abençoou? – Não que eu saiba. – Nós não consumamos nossos votos? Emalie corou desde o colo, o pescoço e até as maçãs do rosto. Christian ficou feliz com a reação. – Sim, várias vezes, Christian.


Ao ouvi-la pronunciar seu nome, ele se lembrou das noites em que haviam feito amor. Emalie havia se entregado de corpo e alma, portanto, pertencia a ele. – Você prometeu alguma coisa ao pai de seu filho? A cor se esvaiu completamente do rosto dela. – Por que tantas perguntas, milorde? – Quero apenas determinar se compartilhamos dos mesmos sentimentos sobre nossos votos e nosso casamento. Emalie estremeceu, mas confirmou com um sinal de cabeça. – Não prometi nada. Christian ficou satisfeito em ouvir a resposta, pois confirmava o que Durwyn havia dito sobre desconhecer um noivado anterior. Se Gaspar houvesse prometido a filha para outro, teria feito sem o conhecimento do melhor amigo, o que era muito estranho, pois Durwyn era padrinho e guardião de Emalie. E um noivado era algo muito importante para se manter em segredo. Normalmente uma cerimônia de noivado era testemunhada pela família e amigos que também compareceriam ao casamento. Era tão importante perante a Igreja e a corte quanto o casamento, faltando apenas os votos nupciais para selar a união. Gaspar discutia todos os assuntos referentes às propriedades com Emalie. Por que ele teria deixado de falar com a filha algo tão importante? Não fazia sentido algum. Ele decidiu esperar que John se manifestasse primeiro e procurar não se preocupar muito com o assunto até então. – Por que você chamou o sacerdote? – Christian estava curioso. Até onde sabia, Emalie só se encontrava com o padre nas missas e, pelos comentários que já tinha ouvido, ela nunca pedira conselhos. Pela maneira como Emalie o encarou, assustada, Christian percebeu que tinha ido longe demais ao tentar se intrometer entre a penitente e seu confessor. Antes de responder, ela deslizou as mãos sobre o cobertor e agarrou as cobertas, como já havia feito anteriormente quando estava nervosa. – Eu desejei que ele morresse – disse ela num sussurro. – Ele? – Christian se aproximou para ouvi-la melhor. – O bebê – respondeu ela colocando as mãos sobre o ventre. – Desejei que morresse. – Ah, Emalie – murmurou ele, sentando-se mais perto. John havia espalhado sua maldade. Christian procurou não julgá-la, mas entendia a dor que ela sentia. – Quando o príncipe chegou, saí do Salão Nobre com muito medo. Pensei que, se a criança não existisse, não haveria ameaça. Christian imaginou que ela não teria mais lágrimas, mas ela começou a chorar copiosamente. A primeira reação dele foi abraçá-la e confortá-la enquanto ela soluçava, mas não parou de falar. – Eu estava subindo as escadas quando rezei para que o bebê morresse e assim me salvasse dos planos de John. – Emalie, não é sua culpa. Procure ficar em paz – disse ele, passando a mão nas costas dela. – Você não entendeu, Christian? Eu rezei para que a criança morresse. Um bebê inocente! – exclamou ela por entre lágrimas. – Tudo porque eu não queria admitir a verdade e os meus erros. – Não se cobre tanto. Você não é responsável pelo o que John destrói. – Outra coisa que você não entende… – sussurrou ela, rouca. – Por causa da minha fraqueza, John


violentou uma moça da aldeia ontem à noite. Ele a possuiu evocando o desígnio de Deus a um príncipe! E em nenhum momento ele teve remorso ou se sentiu culpado por estar agindo exatamente ao contrário, como se tivesse encarnado o demônio. Christian não tentou contrariá-la, pois receava pelo pior que podia acontecer a ela e ao bebê sob o domínio de John. Em silêncio, ele continuou ninando-a até que ela parasse de chorar. Aos poucos ela foi se acalmando e os soluços cessaram. Ele achou que ela havia dormido, mas… – Eu só soube o quanto queria essa criança quando desejei a morte dela, Christian. Tentei ignorar a gravidez durante todos esses meses, mas ontem, quando comecei a sangrar, eu soube o quanto amava esse bebê. Não me importo como ele foi gerado, ou a razão de estar aqui, só sei que esta é a minha criança. Só minha. A maneira possessiva como Emalie falou afetou Christian diretamente. Ficou claro que aquelas palavras eram tão verdadeiras para ela quanto para ele. Se ele pretendia lutar por Emalie, teria de pensar na criança também. Não podia mais ignorar o bebê se tinha em mente opor-se aos planos de John. Pensando assim, ele colocou a mão sobre o ventre dela. Emalie não se mexeu, mas ele notou que ela havia prendido a respiração. E pela primeira vez, ele sentiu o bebê se mexer no ventre dela. A surpresa foi tanta que ele chegou a esboçar um sorriso, antes de baixar a cabeça para beijar os lábios de Emalie. – Você é e sempre será só minha – disse ele baixinho, selando o destino dos dois e do bebê.


Capítulo 20

ELE SÓ conseguiu evitar que Emalie ficasse sabendo do que acontecia por causa do estado de saúde dela. Como a condessa estava confinada à cama, sem sair do quarto, Christian controlava os visitantes e as notícias que traziam. Claro que ela não sabia disso. Ele não permitiria que ninguém perturbasse o sossego e o aconchego que criara para ela. O primeiro transtorno veio na forma de visitantes enviados pelo bispo de Lincoln. Uma comitiva de clérigos chegou discretamente certa noite, logo antes de os portões se fecharem. Foi somente na manhã seguinte, depois de conferenciarem com o padre Elwood, que eles o informaram sobre sua missão. Uma queixa havia sido registrada ao bispo e à corte eclesiástica sobre a validade de seu casamento com Emalie. Os sacerdotes não podiam compartilhar detalhes específicos do caso, mas estavam ali para averiguar os fatos sobre a união. Christian quase riu na cara deles, até que compreendeu que aquela era uma questão de vida ou morte. Aqueles padres provavelmente não tinham ideia de que estavam sendo manipulados e ficariam horrorizados se soubessem a verdade. Eles apenas obedeciam às ordens dadas pelo bispo, que atualmente era o peão do príncipe. Entretanto, eles precisavam da autorização de Christian para interrogar as pessoas que poderiam dar informações, e ele a concedeu. Era melhor cooperar àquela altura dos acontecimentos e descobrir o plano de John. Ele providenciou para que Luc fosse seu representante e estivesse presente para ouvir todos os testemunhos. Se os padres acharam que esta imposição ultrapassava os limites dos direitos dele, não demonstraram. Concordaram sem protestar e apresentaram a ele uma lista das pessoas que seriam interrogadas, o que não foi surpresa para Christian. A única requisição que ele negou foi de os padres falarem com Emalie. Ele usou a recente enfermidade dela como desculpa, mas não permitiria que nada interferisse no casulo de proteção que havia criado para ela e que estava ajudando muito em sua recuperação. Apenas explicou a eles que,


como marido, podia representá-la em qualquer situação. Eles concordaram e aceitaram os direitos de Christian como uma atitude prudente, pois sabiam que as mulheres mentiam com mais facilidade e não tinham o mesmo raciocínio lógico dos homens. Posteriormente, ele daria graças a Deus pelo isolamento em que aqueles padres viviam e pela falta de experiência que tinham da vida real e de conhecimento das mulheres. Eles interrogaram criados, soldados, fazendeiros e aldeões. Christian não preveniu ninguém com antecedência e descobriu, por intermédio de Luc, que todos se mostraram discretos e protetores de Emalie. Sem exceção, elogiaram a bondade e a generosidade dela e não forneceram nenhuma outra informação aos inquiridores. Uma única vez apenas, Luc contou a ele depois, um dos padres se irritou com a avalanche de elogios e louvores e exigiu uma resposta a uma pergunta que havia sido ignorada. A mulher, uma das meretrizes da aldeia, limitou-se a olhar para os clérigos e começou a chorar. Exasperado, o padre ordenou que ela se retirasse. Controlando a tentação de cair na risada, Christian lembrou-se das próprias experiências ao ter de lidar com o povo de Emalie e sentiu-se grato por estarem do seu lado dessa vez. Então, dois dias e duas noites depois de terem chegado, os sacerdotes partiram. Christian não tinha ilusões de que aquilo tivesse acabado. John estava testando sua resistência e faria outra oferta em breve. Ele tinha tanta certeza disso que já estava no portão quando veio o ataque seguinte. Este foi um ataque frontal, sem disfarces, impossível de esquivar-se ou de amenizar. Um padre se aproximou a cavalo, acompanhado por um grupo de soldados, e Christian convidou-os a entrar no Salão Nobre. Novamente vinham por ordem do bispo de Lincoln, mas dessa vez eles não pediram, e sim exigiram. Os papéis que traziam intimavam Christian a dar uma satisfação à corte da Igreja com relação a seu casamento ilegítimo com a Condessa de Harbridge. Exigiam que ele se apresentasse à corte para ser interrogado e, pior, que Emalie também fosse, para responder por seus atos. As palavras que mais o assustaram foram as duas últimas sentenças escritas. O Reverendíssimo Bispo, em sua sabedoria, decidiu que lady Emalie Montgomerie, agora Dumont, deverá se submeter à custódia do bispo previamente ao resultado destes procedimentos. Representantes de Sua Graça e acompanhantes do Convento de Maria Imaculada aqui em Lincoln se apresentarão em Greystone no prazo de três dias a fim de cumprirem esta ordem. Ele se sentia mal só de pensar em Emalie sob a custódia do bispo, pois não sabia se isso significava que ela estava em segurança ou se ficaria sujeita às vontades de John e William. Mas a ordem que ele tinha em mãos não lhe dava escolha. O mensageiro entregou-lhe um pacote menor antes de partir; Christian tirou o lacre e o abriu. A última oferta de John. Com o estômago contraído, ele leu o bilhete, um convite para ir para casa com a honra intacta. John prometia aplacar Richard com qualquer explicação que fosse necessária para que tudo transcorresse com tranquilidade. A proposta tinha mudado, pois agora tudo o que Christian precisava fazer era abrir mão de todas as reivindicações de terras, títulos, bens, riqueza e da pessoa da Condessa de Harbridge. Antes que ele tivesse tempo de ler os documentos anexos, Luc se aproximou do tablado. – Ela está vindo, milorde. Christian viu Emalie atravessando o salão com passos lentos em direção ao tablado onde ele estava sentado.


– Leve tudo isto daqui, Luc. Ela não pode saber ainda. – Ele juntou os pergaminhos, enrolou-os e entregou-os a Luc. Christian levantou-se, enfiou a mão no bolso e pegou uma chave, que também entregou a Luc. – Coloque no ateliê de ervas de Emalie. Ela ainda não está bem para trabalhar lá. E tranque a porta com esta chave. Com toda a eficiência, Luc pegou tudo e saiu antes que Emalie chegasse perto. A visão dela se aproximando, um progresso que era retardado pelos desejos de melhoras das pessoas ali presentes, era algo agradável de se ver. A saúde dela estava retornando e não foi registrado nenhum outro episódio de hemorragia ou contrações. Christian sabia que o risco seria grande quando ela descobrisse o que ele estava escondendo. Tinha de encontrar uma maneira de explicar a situação para ela sem alarmá-la. – De quem eram as mensagens? – perguntou Emalie quando ele a ajudou a subir no tablado. Ela se sentou e Alyce colocou uma manta sobre suas pernas. – Mensagens? – Eu vi pela janela do nosso quarto os visitantes chegando, mas eles foram embora tão rápido… Na hora certa, pensou Christian. Ele sorriu, sentindo o peso de cada mentira que dizia. – Nada para se preocupar, ou para anuviar o prazer de sua primeira refeição conosco no salão. Emalie olhou ao redor da mesa e cumprimentou cada um com um aceno de cabeça. Christian podia ver a alegria no rosto dela e queria que aquela expressão durasse para sempre. Daria qualquer coisa para tornar isso possível. A um sinal dele, os criados começaram a servir a refeição. Todos os pratos favoritos dela tinham sido preparados, e o grupo estava alegre e animado, conversando, rindo e saboreando boa comida e bom vinho. Não demorou muito, porém, para Christian perceber a expressão abatida e cansada de Emalie e sugerir que ela se recolhesse. Depois de uma breve argumentação, ela se retirou, embora relutante, conduzida até o quarto por Luc. Christian prometeu juntar-se a ela em seguida. Ele foi até o ateliê de ervas para examinar os documentos; precisava ver como o homem de John justificava sua reivindicação. Assumindo o risco, decidiu mostrá-los ao padre Elwood e pedir a opinião dele. Levando consigo as cópias do contrato de noivado e o testamento de Gaspar, ele foi à procura do padre e encontrou-o na pequena sacristia ao lado da capela. Os minutos de conversa se estenderam por horas, mas o bom padre não pôde fazer nada para ajudar Christian naquela disputa. Christian teria ficado mais tempo, mas sabia que Emalie estava à sua espera. Ele voltou para o ateliê de ervas para guardar os papéis. Emalie estava sentada à mesa, com a carta de John nas mãos. Aberta. – Parece que esta não é a primeira proposta de John nesta questão. – O tom de voz dela era de indiferença, mas obviamente estava chocada com o conteúdo da carta. – Não, não é. A primeira proposta foi apresentada pessoalmente, durante a visita dele. – Era algo diferente disto? Sua atitude serena o surpreendeu. Ela estava pálida, naturalmente pela agitação e pelo esforço físico, mas parecia calma. – Emalie, não quero que você se preocupe com isso. – Não tenho muito tempo para me preocupar. A comitiva do bispo estará aqui em três dias. – Ela entregou a Christian a carta de John e o édito do bispo. – Há quanto tempo você sabe? Ela fitou o lampião sobre a mesa, evitando olhar para ele. – Vamos para o quarto. Prefiro discutir isso na nossa privacidade e onde você possa ficar mais confortável.


Emalie levantou-se e deixou que ele a conduzisse de volta para os aposentos deles. Christian levou todos os documentos. Não estava contente por ela ter descoberto daquela forma, mas ouviria de bom grado o conselho dela. Assim que entraram, ele fechou a porta e não perdeu tempo. – John veio aqui uma noite enquanto você estava de cama. Ele me ofereceu a possibilidade de tomar o lugar de DeSeverin em seus planos, mas queria ter você e a fortuna gerada pelas terras. – Ter a mim? – perguntou ela. – Sim. Eu seria conde, seu marido e assumiria a propriedade. Você seria condessa e minha esposa. John ficaria com os bens que desejasse e teria você sempre que quisesse. Emalie estremeceu de tal forma que Christian correu para perto dela. Pegou uma taça de vinho e forçou-a a beber um pouco. – Aparentemente, esse é o acordo com DeSeverin, e ele achou que eu concordaria com tais condições. Mas em algum momento deve ter percebido que eu não aceitaria e me ofereceu uma escapatória. – E qual foi? – Ela quis saber. – Eu poderia simplesmente ir embora, levar Geoffrey e meus homens e voltar para Poitou e minhas terras lá. Ele providenciaria a anulação do casamento e eu ficaria livre de tudo isso. – Anulação? Por que eu iria querer uma anulação? – Emalie olhou desolada para os documentos sobre a mesa. – DeSeverin tem um contrato de compromisso matrimonial, assinado por ele e seu pai. Ela balançou a cabeça, negando as palavras dele. – Foi assinado no ano passado, Emalie, antes da morte do seu pai. – Não houve compromisso nenhum, Christian! Acredite em mim! Ele ergueu a mão, interrompendo-a. – Eu acredito em você, mas eles têm provas. O contrato e uma cópia do testamento do seu pai, ambos nomeando William DeSeverin como seu prometido noivo e marido, e guardião depois da morte de seu pai. As cortes, tanto a laica quanto a eclesiástica, têm uma grande quantidade de provas. Emalie jogou os papéis para o lado. – Isso é um desperdício de pergaminhos, que além de tudo custam caro. Tudo mentira, meu pai não fez acordo algum com William. – Emalie, como provar que é mentira? Você afirma que não existe contrato, mas DeSeverin tem o contrato. Você diz que seu pai jamais a entregaria a ele, mas ele tem o contrato e o testamento em mãos. Diga-me como provar que é falso. E se devo provar. – Está dizendo que vai abandonar a causa? Que vai me abandonar? Christian não respondeu imediatamente. Uma parte dele já sabia o resultado, e sabia que não seria favorável. O que fazer: tentar cortar suas perdas, aplacar a indignação de John e tentar fazer o melhor acordo possível com o príncipe no interesse de Emalie; ou lutar contra todos e perder tudo no final? Ir embora agora com a honra intacta ou ir embora depois sem nada? Por alguns minutos os dois ficaram em silêncio. Christian sabia que ela precisava compreender os motivos para o casamento deles antes de compreender por que ele considerava a oferta de John. Sentou-se diante dela, do outro lado da mesa. – Eu me casei com você como parte do acordo com o rei. Meu indulto da prisão, minha vida e a de Geoffrey dependiam do meu cumprimento do acordo com o rei.


– Prisão? – sussurrou ela, perplexa. Agora entendia a razão das feridas e da condição física dele quando chegou ali. – Passamos oito… quase nove… meses de fome constante, em meio a imundície e ninhos de ratos. Sofrer ataques de outros prisioneiros também era frequente. Conseguimos sobreviver, mas foi por pouco. Tenho a impressão de que Geoffrey não aguentaria mais um dia. Eu talvez aguentasse mais uma semana, no máximo. – Mas por quê, Christian? Que crime vocês cometeram? – Nós não cometemos nenhum crime, mas pagamos pela traição de nosso pai contra o rei. No ano anterior ao resgate de Richard, meu pai tinha obtido controle de várias outras propriedades e depois jurou lealdade aos inimigos de Richard. Antes da libertação do rei, o chanceler decidiu agir e vingar-se. Richard continua fazendo isso até hoje, em suas terras em Anjou e Poitou. – Você teve participação nisso? Ou Geoffrey? – Eu tinha levado Geoff para a Escócia e passado a maior parte do ano lá, com primos nossos. Quando voltamos, descobrimos o destino de nosso pai, e o nosso também. – Ele foi… – Emalie não conseguiu pronunciar a palavra. – Enforcado. Por ordem do chanceler do rei. A nossa sentença era ir para o cadafalso também, mas acho que a fome nos teria matado antes disso. – Ele viu Emalie encolher-se. – Então, certo dia fui levado até a presença do rei e me ofereceram a chance de viver e recuperar meus títulos, minhas terras e a honra de minha família. Embora eu temesse a tarefa, tenho de confessar… que escolha eu tinha? Qualquer adiamento implicaria a morte de Geoff. Eu concordei em realizar qualquer tarefa que fosse exigida de mim. – Você não sabia? Eu pensei que você tivesse ficado surpreso com as palavras de Eleanor. – Eu fiquei, mas com toda a sinceridade, eu teria implorado, roubado ou matado, se precisasse. Casar era uma perspectiva bem mais atraente. – Até comigo? – perguntou ela. – Até com você. Apesar da sua hostilidade contra mim e da sua solicitação por um adiamento, o casamento ainda era preferível às outras coisas que eu imaginei que me pediriam para fazer. O mais importante para mim, Emalie, era resgatar a honra e a reputação que meu pai tinha perdido. Eu não responsabilizei Richard pelo destino do meu pai. A culpa foi dele próprio. E se eu não obedecesse ao comando do rei, eu seria tão desonrado quanto meu pai tinha sido. – Havia algo mais que você podia fazer? – Richard exigiu que eu reportasse a ele todos os planos que a mãe dele tivesse para mim. Acho que ele sabia que John estava criando problemas e queria ficar de olho. – Christian levantou-se, foi até a janela e espiou o escuro lá fora. – Você já contou a ele sobre isto? – Ela apontou para a pilha de papéis na mesa. – Será que ele vai intervir? – Três filhos de Henry passam de lutar para amar e vice-versa com a mudança do vento. Se John estiver nas boas graças de Richard, ele vai sair vitorioso. Se ele tiver feito algo que Richard não pode ignorar, então pode ser que fique contra ele. Se o que John diz é verdade, Richard está em dívida com ele neste momento pelos recentes esforços dele em Anjou. E, nesse caso – continuou ele, voltando para perto da mesa e sentando-se –, se você não tiver como apresentar alguma outra prova contra essas reivindicações, eu não terei escolha a não ser honrá-las. – Você faria isso? Você me deixaria à mercê deles?


– Minha honra exigiria que eu fizesse isso. Aquilo era o que ele temia, a pior parte. Enquanto ele não tinha conhecimento daquilo tudo, poderia honrar seus votos para com Emalie. Agora que sabia daquela reivindicação anterior e não tinha meios de contestá-la, não possuía direito algum com relação a ela. Apesar de seu desejo de lutar por aquela mulher, não tinha direito nem estava em posição de fazer isso. Emalie engoliu em seco e começou a tremer. Ele ofereceu vinho a ela e esperou enquanto ela tentava recuperar o controle. – Quando nos casamos e eu fiquei sabendo sobre o bebê, eu aceitei porque acreditava que Eleanor tinha providenciado tudo para encobrir algum namoro mal planejado da sua parte. Não é incomum casar para dar um sobrenome a um filho ilegítimo. Isso eu podia ignorar… – ele apontou para a barriga de Emalie – … e continuar casado com você. Minha honra não seria afetada, já que ninguém sabia que eu não era o pai da criança. – Alguns sabem. – Mas, como você mesma disse, eles levariam o segredo para o túmulo. Ela fechou os olhos por um momento e então olhou para ele. – Você sabe que John está por trás disso. Christian assentiu. – Você sabe que isso é falso. – Ela mostrou a ele o contrato de compromisso e o testamento. – É o que você diz. – Ele não pretendia insultá-la. – E eu acredito que seja falso mesmo, mas você não pode ir lá e pôr a culpa toda no príncipe. Sem uma prova da cumplicidade dele, é um crime por si só. O olhar dela vagueou pelo aposento, sem fixar-se em Christian em momento algum. – E essa é a sua decisão? – Meu Deus, Emalie! Eu estou dividido nessa história! – Ele bateu os punhos na mesa. – Eu tinha acabado de me acostumar com a ideia do bebê que você está esperando e decidido que poderia aceitar como meu o filho de outro homem. – Mas só se você não soubesse quem era o pai? – retrucou ela com sarcasmo. – Se o pai estiver morto ou ausente, ou se não tiver conhecimento. Não posso disputar uma criança com um homem que alegue ser o pai. – O que você vai fazer agora? Vai embora? Vai pelo menos depor a meu favor nas sessões? – Ela estava perdendo as forças, Christian podia perceber isso na voz dela. O esgotamento estava tomando conta, conforme ele já havia previsto que aconteceria. – Dê-me alguma prova! Dê-me alguma evidência que eu possa usar. – Não tenho. – Então me diga pelo menos a sua verdade, para que eu possa… para que eu possa… – Julgar-me? – Sim. Porque naquele tribunal você terá muitos juízes, e cada palavra, cada gesto, cada hesitação estará sujeita ao escrutínio de homens que não a conhecem. Você será avaliada e criticada por desconhecidos antes que eles decidam o seu destino, e é possível que eles nem permitam que você fale. Dê-me alguma coisa, Emalie… por favor. – Não tenho nada para lhe dar, Christian. Se você… – Ela engoliu em seco e não disse mais nada. – Pense um pouco. Não temos muito tempo. Olhando ao redor do quarto, ele sabia que não passaria a noite ali. Foi até a porta contígua a seu


quarto e abriu-a. Fazia meses que n達o dormia com Emalie, mas, de qualquer forma, ele n達o dormiria naquela noite.


Capítulo 21

SE VOCÊ me amasse. Essas eram as palavras que ela quase disse a Christian quando ele lhe pediu uma prova contra aquelas alegações feitas por John em favor de William. Se ele a amasse, ele a reivindicaria e lutaria por ela. Se ele a amasse da forma que ela o amava… Seus lábios se curvaram num sorriso triste. Christian não sabia de seu sentimento, porque ela nunca lhe contou. Já o havia sobrecarregado com problemas demais, e declarar seu amor em palavras era algo que não faria. Não havia mais espaço para o amor em um casamento entre nobres. Foi necessário um bom tempo, e muito sofrimento, para que ela aprendesse essa simples verdade. Seus pais eram uma rara exceção, e, apesar de ser possível existir felicidade em um casamento, era muito raro existir amor entre marido e mulher. Ela olhou mais uma vez para os documentos sobre a mesa. Será que alguma coisa lhe passou despercebida nas dez vezes em que os leu? Na manhã seguinte ela pediria conselho ao padre Elwood a respeito daquilo. Ele conhecia a lei da Igreja; e também seu pai. Faltavam muitas horas para o dia seguinte amanhecer, mas Emalie não sentia necessidade nem vontade de dormir. De novo. Ela havia passado a noite anterior e o dia inteiro confinada às quatro paredes de seu quarto, pois não tinha forças para enfrentar os habitantes do castelo, nem os da aldeia. Nem ele. Estava com vontade de andar um pouco. Sem acordar Alyce, vestiu a capa e foi até as ameias no topo da fortaleza. Inalando o ar frio, ela foi até o lugar que gostava e contemplou a paisagem de Greystone. Christian estava certo… o inverno chegaria cedo naquele ano. O vento parecia já trazer partículas de geada, o que normalmente acontecia só no final do outono.


Emalie só tinha mais um dia ali antes que tudo mudasse. Se o tribunal decretasse a favor de William, seu casamento com Christian seria anulado e ela teria de se casar com William. Naquele instante, ela admirava Christian mais do que nunca. Sorriu com amargura ao relembrar os meses que passou resistindo aos avanços dele em Greystone. O vento soprou ao seu redor e ela fechou os olhos, deixando que a força da natureza a envolvesse. Surpreendia-se com aquele poder do vento de acalmar seus nervos, apesar do frio e da intensidade. Afastou o capuz para trás, deixando o cabelo solto esvoaçar. Com os olhos ainda fechados, ficou ali parada, esquecida de todos os pensamentos e preocupações. Não que isso fosse ajudar muito no futuro próximo, mas pelo menos trazia algum alívio naquele momento. O som de passos arrastados se aproximando interrompeu o devaneio de Emalie, e ela afastou-se para dar passagem aos guardas. Ao fazer isso, avistou Christian na extremidade oposta das ameias. Ele a cumprimentou com um aceno de cabeça quando os olhares de ambos se encontraram, mas não se aproximou. Ao contrário da outra vez, quando ele a seguiu até ali algumas semanas antes e a beijou avidamente. Quando ela achou que ia desmaiar, ele a envolveu em sua capa e a beijou novamente, explorando seu corpo com as mãos. Ela achou que ele iria possuí-la ali mesmo, em pé contra a muralha, mas em vez disso eles correram para seus aposentos e se entregaram um ao outro. De pé contra a parede. Será que ele se lembrava disso com a mesma emoção que ela? A expressão dele estava impassível, indecifrável. Emalie ergueu os braços e colocou o cabelo dentro do capuz. Talvez fosse aconselhável sair dali, voltar para o quarto. De fato, parecia a coisa certa a fazer, então ela atravessou a passagem em direção às escadas. De volta ao quarto, ela refletiu sobre as palavras de Christian na véspera. Ele tinha lhe pedido a verdade, a sua verdade. Será que ela podia falar, e será que ele ouviria? Faria alguma diferença, além de ver a decepção nos olhos dele? Ela já tinha visto desejo, raiva, contrariedade, compaixão e carinho. Será que ele a consideraria desonrada quando ouvisse sua história? Ela andou para um lado e para outro por um longo tempo, em seu quarto, enquanto esperava Christian chegar ao dele. Finalmente, quando ouviu a porta ao lado se fechar no corredor, decidiu contar a ele aquilo que mais se empenhava em guardar segredo. Sem bater na porta contígua, entrou no quarto ao lado e esperou que ele a olhasse. Quando Christian se virou, ela disse: – Eu não quis invadir a sua privacidade lá em cima. – Eu sei que não. – Ele sorriu. – Mas eu já estava lá antes de você chegar. – Eu não vi você. – Não, mas eu vi você. Subitamente Emalie se deu conta de por que ele gostava de sentir o vento. Os meses passados na prisão. – Eu compreendo agora. A necessidade de sentir o vento. A porta sempre entreaberta. O modo como você come. Ele assentiu com a cabeça. – Resquícios lamentáveis da época de cativeiro. Não pensei que alguém fosse notar. – Eu notei, mas não disse nada porque imaginei que fossem idiossincrasias poitevinas. Christian sorriu, sem levar o insulto a sério. – Aqui, sente-se. – Ele colocou uma cadeira mais perto da lareira e ajudou-a a se sentar. – Você deve


estar com frio, por causa do vento. – Eu quero falar com você sobre a minha verdade – começou ela, sem preâmbulos nem aviso, pois sentia a coragem se esvaindo. Christian sentou-se na beirada da cama, observando-a. A descontração que costumava existir entre eles não estava mais lá. Preocupação. Compaixão. Nada mais, porém, os mantinha juntos. Os laços que eles haviam construído, camada por camada, postos à prova e fortalecidos, estavam desfeitos. Se Emalie ainda tivesse lágrimas, ela choraria naquele momento. – Meus pais tiveram um casamento extraordinário. Você já deve ter ouvido falar. Christian assentiu com a cabeça e ela continuou: – Minha mãe morreu há alguns anos, e meu pai decidiu que eu seria herdeira dele. Ensinou-me a cuidar e administrar a propriedade, e também me ensinou noções de contabilidade e planejamento. Nós trabalhamos lado a lado pelo bem do nosso povo. Ela mudou de posição na cadeira, tentando ficar mais confortável para contar a história. – Há cerca de um ano e meio, William sugeriu ao meu pai um compromisso de noivado comigo, o qual meu pai recusou taxativamente. Ele tinha planos de solicitar um novo compromisso a Richard, quando ele fosse libertado. Eu vi a carta que ele enviou para Longchamp em Londres, sobre isso. Eu não entendo a mudança que ocorreu em William. O príncipe estava certo ao dizer que nossas famílias se conheciam bem e que convivemos bastante quando crianças. Mas William passou a insistir que era necessário um acordo com ele. Meu pai recusou, apesar da determinação dele. Então o Príncipe John visitou Greystone. Ele nunca havia estado aqui antes, pelo menos não que eu saiba. Ele começou a encorajar meu pai a aceitar o pedido de William casar-se comigo. Mas, quanto mais ele insistia, mais teimoso meu pai ficava e se recusava a receber William em Greystone. – E John? – perguntou Christian, calmamente. – Não tem como rejeitar o príncipe. John passava quase o tempo todo aqui. E então, de repente, meu pai ficou doente. – O que ele teve? – Foi tão repentino que eu não soube ao certo. Tivemos pouco tempo para chamar os frades da Abadia de Thornton que praticavam cura. Ele adoeceu à noite, começou a ter convulsões no dia seguinte e à noite estava morto. – E o príncipe estava aqui quando tudo isso aconteceu? – Sim. Ele foi muito solícito e prestativo. Depois que ele foi embora, William apareceu, oferecendo ajuda. Aqueles meses foram muito difíceis, sem meu pai aqui. – Eu imagino, com propriedades tão vastas como as suas. Mas você conseguiu se sair muito bem, considerando… – Que sou mulher? – Considerando que você é jovem e estava sozinha. – Todo mundo me ajudou, desde os criados até os moradores da aldeia. Até os encarregados das minhas outras propriedades estavam sempre dispostos a fazer qualquer coisa que eu pedisse. – Eles sabiam qual seria a alternativa, creio eu. Emalie assentiu. – As intenções de John e sua recente história de se apossar de terras eram conhecidas por todos nós. Durwyn, quando podia vir, estava sempre alerta, prevenido para não ser apanhado na teia de John. – Continue – pediu ele.


– Bem, isso nos leva à última primavera. Eu tinha enviado uma petição ao chanceler de Richard, perguntando sobre minha tutela e um possível compromisso, mas nunca obtive resposta. Presumi que o que eu desejava ou precisava era insignificante, dentro do plano grandioso de governar a Inglaterra e as outras províncias plantagenetas. Emalie levantou-se e se espreguiçou; ficar muito tempo sentada na mesma posição dava-lhe cãibra nas costas. Ela foi até a mesinha ao lado da cama e serviu duas taças de vinho. Entregou uma a Christian e andou um pouco pelo quarto enquanto falava. – Eu enviei uma mensagem à rainha, pedindo orientação, mas antes que ela chegasse… aconteceu. Uma noite, William e John estavam no meu quarto quando entrei. Eles amarraram e amordaçaram Alyce e a colocaram dentro de um cubículo para impedir que ela fosse buscar ajuda. – Eles machucaram você? Emalie olhou para ele, tentando relembrar a manhã seguinte. – Não – murmurou, balançando a cabeça. – Não me lembro de ter sido machucada. Lembro-me dos dois discutindo e de William me forçando a beber uma taça de vinho. Eles continuaram a discutir e o quarto começou a girar. Um deles, William, eu acho, me ajudou a ir até a cama e eu caí deitada. Lembro-me de estar muito tonta e de John vindo na minha direção. – Ela olhou para a parede e forçou a memória. – Lembro que ele me beijou e também das mãos dele em mim. Eu quase não conseguia me mexer. Depois os dois discutiram novamente. – Você se lembra qual era o assunto da discussão? – Era eu… algo sobre a minha resistência. John queria que eu lutasse com ele. Mas não fazia sentido para mim, na ocasião. Ele ficou bravo porque William misturou alguma coisa no meu vinho que me deixou sonolenta. – Ela olhou para Christian enquanto repetia as palavras das quais agora se lembrava bem: – “De que me serve uma mulher que fica jogada na cama feito uma boneca sem vida? Eu esperava uma explosão de emoções esta noite.” Um arrepio percorreu Emalie. – Ouvi mais gritos e então senti mãos em cima de mim. Não com violência, não me machucando, apenas desamarrando os laços e afastando minhas roupas. Depois me lembro de ver o rosto de William em cima do meu. Ele estava transpirando e se movendo de um modo estranho. Eu sentia o peso do corpo dele, e um calor que contrastava com o lençol gelado. Eu não estava completamente lúcida, não conseguia me mexer, eu só me movia porque ele me empurrava. E ele ficava repetindo umas palavras… – Que palavras, Emalie? O que ele disse? – “Perdoe-me.” O silêncio pairou no ar conforme ambos refletiam sobre o que ela acabara de revelar. Emalie não se lembrara das palavras até aquele momento. – Como eu disse, William estava diferente de antes. Estava impulsionado, irredutível na questão de me pedir em casamento, como se John exercesse uma espécie de poder sobre ele. Se ele desse algum sinal de que estava fraquejando, bastava uma palavra de John para encorajá-lo. – Todo mundo tem um preço, Emalie. Talvez John tenha descoberto qual era o de William e o pagou. – Ele fez uma pausa e perguntou: – E depois disso, eles deixaram você em paz? – Eu não sei. A última coisa que me recordo é de Alyce me sacudindo para me acordar e descobrindo o lençol ensanguentado. Christian bebeu todo o vinho de um só gole e colocou a taça sobre a mesinha ao lado da cama. Parecia perturbado pelas palavras de Emalie. Ela própria ainda se sentia assombrada pelas lembranças


daquela noite. – Eles ficaram até Eleanor chegar, e então William alegou ter tido relações comigo e ofereceu-se para me desposar. – Ele não disse nada sobre o contrato de compromisso matrimonial que está apresentando agora? – Nada. Ele confessou que o desejo dele por mim tinha ultrapassado o bom senso e que estava arrependido de seu comportamento precipitado e disposto a casar-se comigo, já que havia me desonrado. Eleanor não ficou impressionada e mandou os dois embora enquanto investigava por si mesma. – Tenho certeza de que o seu povo foi reticente para dar informações sobre você tanto nessa ocasião quanto agora. Ela sorriu ao se lembrar da coragem demonstrada a seu favor mediante a fúria de John. Não foi algo fácil nem tranquilo na época, mas agora ela se sentia grata pelo que haviam feito. – Ninguém me traiu. Ninguém disse se lembrar de ter visto ou ouvido John e William na fortaleza ou na aldeia na noite em que disseram ter estado aqui. Ninguém mostrou lençóis com sangue, e Eleanor encerrou o assunto ignorando a ordem de John de me levar para ser examinada por um médico ou parteira. Como eu fiquei de boca fechada e não comentei nada sobre ter sido atacada ou coisa assim, eles não puderam provar nada. Emalie voltou para a cadeira e sentou-se. – Richard foi libertado e veio à Inglaterra por pouco tempo antes de ir para a Aquitânia e Anjou. Acho que Eleanor falou com ele nessa ocasião, pois ela acreditava que só um casamento às pressas poderia me salvar, e ao meu povo, se o plano deles obtivesse êxito. Você chegou poucos dias depois. – Ela ergueu os olhos e deu um sorriso triste. – O resto você sabe. Antes que Christian falasse, ela acrescentou o que mais queria e temia dizer a ele. Sua falta de informações o forçara à posição em que ele se encontrava agora, e ela não permitiria que ele tomasse uma decisão sem conhecer a sua verdade. – Eu sei que suas atitudes foram movidas por outros motivos, mas acho que comecei a me apaixonar por você quando você me pediu para acompanhá-lo à sessão de reivindicações. Depois eu soube que estava apaixonada por você quando fomos a Lemsley para o casamento de Fayth e me encantou com suas palavras e seu charme. – Ela se levantou e foi até a porta que ligava os dois quartos. – E eu amarei você para sempre pelo homem honrado que você é, Christian. Seja qual for o caminho que nossas vidas tomem a partir de hoje, meu coração será somente seu. Ela então saiu sem mais uma palavra, sentindo a alma mais leve depois daquela confissão.


Capítulo 22

DEPOIS DE saber a verdade, Christian bebeu até ficar num estado de letargia que durou dois dias. Havia pedido que ela falasse, mas, ingenuamente, não tinha ideia de como aquelas revelações o afetariam, no fundo da alma. E sua incapacidade de apoiá-la na época o consumia. Só mesmo o vinho para aliviar sua angústia. Emalie havia partido. O próprio Christian tinha tomado as providências para a viagem, embora ela não soubesse disso. Ele incumbiu sir Walter de acompanhá-la ao convento e de ficar lá até que os procedimentos na corte começassem. Ele não prometeu comparecer, e as perguntas não respondidas no olhar de sir Walter conforme ele dava as instruções o incomodaram. Ele não tinha resposta para nenhuma delas. Afastou qualquer coisa semelhante a um pensamento racional até depois de ela partir e então continuou bebendo para sufocar a dor insuportável. Era tão doloroso que ele nem conseguia examinar os motivos com mais detalhes. Retirou-se para seus aposentos e deixou que o álcool o embalasse. Não comeu. Não dormiu. Existia, meramente. Ignorar a maioria deles era fácil. Os apelos de Geoffrey podiam ser bloqueados. As perguntas de Fitzhugh eram desnecessárias, já que o homem podia tomar suas próprias decisões. Luc era o pior. Ele não dizia nada, apenas ficava ali parado, olhando para Christian como se ele fosse um estranho. Permanecendo em seu quarto, pelo menos ele os evitava. Então, na terceira ou quarta manhã após a partida de Emalie, Luc veio avisar que ela havia chegado bem e que estava em segurança dentro dos muros do convento. Eles deviam ter misturado água no vinho que traziam para ele, pois sua mente começou pouco a pouco a fazer perguntas. Será que a viagem tinha sido confortável? Será que ela se sentiu nauseada com os solavancos da carroça? Será que a tinham tratado com o respeito que ela merecia como Condessa de Harbridge, ou como a uma outra mulher qualquer? Será que a deixavam passear ao ar livre para sentir o vento, como


tanto gostava, especialmente quando precisava espairecer? Christian foi para o local onde ela gostava de ficar para contemplar a vista de Greystone, sem ter total noção de que havia saído do quarto e sem se importar com o vento e a chuva enquanto se apoiava nas ameias. Ergueu o rosto, enfrentando as forças da natureza, deixando que exteriorizassem a mesma fúria que o consumia por dentro. Ele a queria de volta. Queria-a como mulher, como esposa. Lutaria por ela. Mas como faria isso? Christian ergueu mais uma vez o rosto para o céu turbulento e gritou de dor e de frustração por não conseguir entender os sentimentos que o atormentavam. O vento que em geral o acalmava não estava fazendo efeito naquele fim de tarde. Ao contrário, ele se sentia mais descontrolado que nunca. Naquela cela na prisão, muitos meses antes, ele havia rezado ao Todo-Poderoso para conseguir escapar. Pedido para encontrar um meio de resgatar sua honra e para conseguir salvar sua vida e a do irmão. E o resultado foi aquela barganha com o diabo, que os estava ameaçando ainda mais. E agora havia outra pessoa correndo perigo, envolvida por todo aquele mal que os rodeava. Ainda assim, as dúvidas o assaltavam, naquela condição de fragilidade em que se encontrava, enquanto a tempestade o açoitava. Que espécie de homem reivindicava uma mulher que estava prometida a outro e que esperava um filho de outro? Onde estava a honra dessa atitude? Um homem que amava uma mulher faria isso. Um homem que amava sua mulher faria qualquer coisa para protegê-la. Um homem que amava sua mulher moveria céus e terra para tê-la consigo. Christian cambaleou e escorregou pela muralha molhada até o chão. Era difícil respirar e mais difícil ainda aceitar o que ele acreditava estar descobrindo. Ele afastou o cabelo do rosto e inalou o ar com força. Só minha. Ele dissera as palavras ao reivindicar o corpo e a alma daquela mulher, sem perceber que estava entregando seu próprio corpo e sua própria alma também, em troca. Só minha. Ele não tinha consciência de que não só estava reivindicando Emalie ao dizer as palavras, mas também estava se comprometendo ao mesmo tempo. Só minha. Ela havia sido sua e voltaria a ser. Nesse momento, Christian deu-se conta de que o sofrimento que sentia não era causado por seu amor por Emalie, mas sim por sua recusa em reconhecer e aceitar esse amor. Agora, conforme ele aceitava o fardo que aquele amor colocava sobre ele, tudo ficava claro. Ele encontraria uma maneira de recuperá-la. Ou criaria uma. Tentaria manter sua honra, mas Emalie era a pessoa mais importante de sua vida e faria o que fosse preciso para trazê-la de volta. A chuva gelada se infiltrava pelas várias camadas de roupa que ele usava, e ele estremeceu quando o frio atingiu sua pele. Virou-se para sair dali, pois tinha providências a tomar e planos a traçar. Precisava examinar o plano de seus inimigos e definir uma estratégia. Também conhecia a importância de distrair, desarmar e destruir. E mostraria aos inimigos que o Conde de Harbridge lutaria pelo que era seu. Com um grito de guerra que ecoou por sobre as ameias e se dissolveu no céu escuro, Christian sentiu o júbilo de uma batalha que estava muito próxima. ANSIOSO DEMAIS para esperar a manhã seguinte, ele mandou chamar os criados e Fitzhugh aos seus


aposentos e revelou suas intenções. Percebendo a urgência, eles obedeceram sem questionar, mas trocaram vários olhares entre si. Novamente vestido como conde e ciente do que queria, Christian reuniu seus mais confiáveis partidários, e os de Emalie, no solário e começou a trabalhar. Com o escrivão copiando incansavelmente suas instruções, preparou várias mensagens para aqueles que ele sabia que poderiam colaborar na causa. Em alguns casos preferiu transmitir a mensagem diretamente a um de seus homens, não confiando na palavra escrita. Criados e soldados foram enviados com dinheiro a Lincoln para providenciar acomodações para o conde e sua comitiva. Como a apropriação, em alguns casos, era uma garantia de êxito, Christian procurou reforçar as defesas de Greystone contra um possível ataque ou cerco. Convocou mais cavaleiros entre seus vassalos e informou-os sobre as reivindicações feitas contra ele e a condessa, e que DeSeverin teria de usar força bruta se quisesse se apossar da fortaleza. Le Comte de Langier, Conde de Harbridge, não baixaria a cabeça. Sabendo que John raramente atacava se corresse o risco de ser visto, ele se preparou para a batalha maior estudando os documentos e aprendendo mais sobre o pai de sua esposa e a morte abrupta e oportuna do antigo conde. Oito dias depois que Emalie havia saído de Greystone, Christian e seu grupo partiram para Lincoln. A DISTÂNCIA entre a estalagem escolhida por Walter até o convento nos arrabaldes de Lincoln era de menos de uma hora a cavalo. Apesar de muitas instituições como essa ficarem localizadas ao lado, ou perto, da catedral ou igreja da cidade, esta ficava mais distante, fora da área urbana, num terreno extenso, com plantações e campos cultivados que forneciam alimento para a comunidade e também para escambo e venda, para suprir as outras necessidades do convento. Christian quis ir sozinho até lá, mas Luc fez questão de acompanhá-lo, alegando que um homem sozinho atacado à noite não despertaria suspeitas e poderia até ser conveniente para alguns, para instaurar o caso na corte do bispo. Christian aceitou o sábio conselho do amigo e os dois cavalgaram juntos. Ele não tinha certeza se conseguiria ver Emalie, mas precisava falar com ela antes que os procedimentos começassem, na manhã seguinte. A condessa tinha o direito de saber o que eles tinham em mente. Ele havia passado dias planejando, conversando, discutindo, refletindo sobre o que poderiam fazer para ganhar. Até aquele momento, embora sua determinação fosse sólida, o caso não era. Nem mesmo os clérigos incumbidos pelo bispo para conduzir os procedimentos podiam lhe dar esperança, já que o contrato de compromisso matrimonial era uma prova concreta. Ele também queria que Emalie soubesse de seu amor por ela. Na última vez em que tinham se falado, ele ficou chocado com a declaração dela e não soube o que dizer. Claro que, na ocasião, ele ainda não havia se dado conta da profundidade dos próprios sentimentos. Já estava escuro quando eles chegaram, e conforme imaginavam, os portões estavam fechados. Bateram e socaram por muito tempo, até que um postigo se abriu e apareceu o rosto de um homem, que lhes disse com toda a veemência que voltassem no dia seguinte pela manhã. Não houve argumento que convencesse o guarda a chamar a madre superiora, então Christian apelou para uma das maiores fraquezas da natureza humana, que era a ganância, e ofereceu ao homem algumas moedas. Com isso, e com a promessa de mais algumas, o guarda finalmente se dirigiu à casa principal do convento. Alguns minutos depois, um grupo de freiras abriu os portões e conduziu Christian e Luc até a sala da


madre superiora. Ela era uma mulher idosa, com as mãos deformadas e os dedos nodosos devido a anos e anos de trabalho pesado, mas seu semblante era suave, iluminado por um brilho de bondade e amabilidade. Christian esperava que ela o deixasse falar com Emalie. – Sente-se, milorde – convidou ela, quando eles entraram na sala. – Eu gostaria de lhes oferecer um refresco, mas a esta hora a cozinha já fechou. Christian sentou-se diante dela, e Luc ficou de pé atrás dele. – A condessa está…? – Ele precisava saber como ela estava passando. – Bem, milorde… ela foi entregue aos nossos cuidados pelo bispo, e nós levamos muito a sério essa responsabilidade. Ela passa a maior parte do tempo repousando ou rezando. – Ela não está bem de saúde – explicou ele, num tom de voz tenso e trêmulo. A preocupação com Emalie o estava abalando por dentro e destruindo sua intenção de ficar calmo. – A aia de milady me contou sobre os problemas dela, e nossa curandeira está prestando assistência. – Eu gostaria de vê-la, irmã. – Infelizmente todas aqui no convento já se recolheram. – Ela se levantou, como que para se despedir. – Volte amanhã de manhã e conversaremos. Christian também se levantou e se empertigou, parecendo ter o dobro da altura da pequena freira. – Eu gostaria de vê-la agora. Luc sussurrou uma advertência atrás dele. – Pretende intimidar-me, milorde? Aqui, na casa de Deus? – Sim, irmã. Se for isso que eu tenha de fazer para ver minha mulher, sim, que seja. A freira sorriu para ele com naturalidade, como se aquela troca de ameaças a divertisse. – Muitos outros homens, milorde, maiores e mais poderosos que o senhor, já me desafiaram e saíram perdendo. Christian suspirou, irritado. Teria que mudar de tática. – Reverenda madre, por favor, permita-me falar com Emalie. – Agora o senhor tenta me persuadir, ao ver que as ameaças não deram resultado? – Eu tentaria qualquer coisa, o que for necessário, para vê-la – admitiu ele. – Preciso muito falar com ela. – O senhor poderá falar com ela de manhã, milorde. Pode esperar até lá? – Não, irmã. Preciso falar com ela hoje. Ela precisa saber dos erros que cometi. Precisa saber… – Do seu amor? – Ela sorriu e Christian a fitou, perplexo. – Sim, milorde, posso ouvi-lo em sua voz e vê-lo em seus olhos. – Ela voltou a se sentar e tocou uma sineta que ficava no canto da mesa. Instantes depois a porta se abriu e uma freira mais jovem entrou. – Por favor, irmã Marguerite, diga a lady Emalie que ela tem mais visitas, se ela puder vir até aqui. – Eu posso ir até ela, irmã. – Não, milorde. Precisa ficar aqui. Não é permitida a entrada de homens em nossas instalações. – Ela fez um sinal para a outra moça, que se retirou em silêncio. – Outras visitas, irmã? – perguntou Luc, atrás de Christian. – Sim, senhor. Mas a condessa não quis recebê-lo. Sir William ficou muito ofendido com a recusa dela. Christian olhou para Luc. Ambos estavam pensando a mesma coisa… o que levara William até ali? O que ele queria dizer a Emalie? Christian tinha obtido tantas informações sobre DeSeverin naquela útlima semana que agora tinha a sensação de que conhecia melhor seu oponente e as estratégias


daqueles que planejavam sua destruição. Todos ficaram sentados em silêncio enquanto esperavam Emalie. Olhando ao redor da sala, a atenção de Christian foi atraída pela grande quantidade de livros luxuosamente encadernados que a madre superiora tinha na estante de prateleiras largas. – O falecido Conde de Harbridge foi muito generoso conosco, milorde. Ele nos doou vários desses volumes que o senhor está vendo aqui. – O pai de Emalie? – Sim, milorde. Somos praticamente vizinhos, sabe? Parte do terreno do convento se estende para Nordeste e quase faz fronteira com a parte mais rebaixada da sua propriedade. – Ela fez uma pausa e olhou para a porta. – Ah, aí vem ela. Entre, milady. Christian levantou-se e virou-se para vê-la. Parada na soleira da porta, ainda usando a capa, somente o rosto de Emalie estava visível. Estava abatida e com olheiras, e ele sabia que era por sua causa. Não conseguia desviar o olhar, mesmo depois que a madre superiora saiu da sala. Ele teve a impressão de que Luc trocou cumprimentos com Emalie ao sair, mas tudo o que ele via, tudo o que ouvia, era ela. E assim, os dois finalmente estavam a sós. Emalie imaginara estar preparada para vê-lo, mas equivocou-se. Embora ele tivesse evitado usar roupas finas durante os dias que passaram em Greystone, agora estava vestido como o nobre que era, da cabeça aos pés. A camisa de boa qualidade, a longa túnica bordada, o cinto de couro recémenvernizado, as espessas correntes de ouro no pescoço, tudo proclamava seu título e sua riqueza. Naquele momento, Emalie não sabia o que era pior… descobrir a ausência dele quando os procedimentos começassem na manhã seguinte, ou a presença dele ali agora à noite para avisar que estava partindo. Como ele não mandou notícias depois que se falaram, e não se dirigiu aos acompanhantes incumbidos de levá-la até ali, ela soube qual seria a decisão dele. Ele iria embora, voltaria para Poitou e para suas terras e evitaria conflitos. As pernas dela tremeram e fraquejaram. Ele devia ter percebido, porque a amparou e a conduziu até a cadeira onde estava sentado até pouco antes. Ajeitando as longas dobras da capa sobre as pernas de Emalie, desfez o laço do capuz e deixou-o cair sobre seus ombros. Emalie não conseguia falar, não conseguia dizer uma palavra. Por onde começar? Foi muita gentileza da sua parte passar aqui para me ver a caminho de sua casa. Muita consideração vir me contar que está indo embora. Agora não preciso mais passar as noites angustiada, pensando… Christian agachou-se ao lado da cadeira e esperou em silêncio até ela fitá-lo. – Como você tem passado? – A voz dele tremeu. – Bem, obrigada. As freiras são muito atenciosas, a comida é boa, meu quarto é simples, mas confortável, e eu tenho a companhia de moças boas e amáveis. – E meu coração está partido, e minha alma destruída, acrescentou em pensamento. – E o bebê? – Christian levantou a mão como se fosse tocar a barriga de Emalie, mas abaixou-a em seguida. – Não tive mais dores nem sangramento. Obrigada por perguntar. Ela desejava poder acabar logo com aquilo e voltar para seu quarto antes que a dor causada pelo repúdio dele a fizesse desmoronar. Tentara se preparar para a dor que sabia que ia sentir, mas não estava pronta para o desespero que se alastrava em seu íntimo, corroendo-lhe a alma. – Emalie, desde que você saiu de Greystone, eu pensei muito no que você disse. – Ele se levantou e começou a andar pela sala.


Ela cruzou as mãos com força, tentando manter o controle. Ouvir a explicação dele a destruiria, e crescia dentro dela o impulso de sair correndo e não ouvir. Mas ela era uma Montgomerie, nascida e criada para cumprir os deveres que lhe cabiam, por isso não fugiria. – Eu lhe contei sobre minha luta para resgatar minha honra. – Estou familiarizada com os fardos e as recompensas da honra. Convivo com isso desde que nasci. – A verdadeira questão com que me confrontei foi: que homem honrado reivindicaria uma mulher prometida em casamento a outro e o bebê que ela carrega no ventre? Quando a névoa do excesso de vinho finalmente se dissolveu, eu descobri a resposta. – Descobriu? – Ela realmente precisava sair dali o quanto antes. Não suportaria ouvi-lo explicar que ela não era digna dele, que não merecia que ele manchasse sua honra por causa dela. Teria sido muito melhor ele ir embora sem uma palavra do que dizer aquilo, pensou. – Somente um homem que ama a esposa acima de tudo, de todos os títulos, terras, riquezas, até da honra, faria o que fosse necessário para garantir a segurança dela e mantê-la a seu lado. Os olhos de Emalie arderam com as lágrimas que ela tentava reprimir. Ela engoliu os soluços. Era hora de se retirar. Não queria ouvi-lo repudiá-la daquela forma. Levantou-se abruptamente da cadeira e cambaleou em direção à porta. Christian alcançou-a um segundo antes de ela abri-la. – Emalie, por favor… você não entendeu o que eu disse! – Ele a trouxe para si e a abraçou. – Eu sou esse homem que ama a esposa acima de tudo. Eu farei qualquer coisa para ter você comigo. Emalie olhou para ele, sem conseguir acreditar que tinha escutado direito. Christian nunca falara com ela sobre amor. Ela sabia que ele não nutria esse tipo de sentimento por ela. Mas agora, naquele convento sagrado, era o que ele declarava sentir. Ela começou a protestar, mas ele ergueu-lhe o queixo e a beijou. Beijou-a longamente, demonstrando seu amor e seu desejo de possuí-la. Ainda perplexa com a declaração dele, Emalie cambaleou e eles se chocaram contra a porta, os lábios ainda colados. – Milorde? – A voz de Luc soou do outro lado da porta. – Não creio que isso seja apropriado na casa de Deus. – Fique quieto, Luc – resmungou Christian de volta. Mas ele parou de beijar Emalie e segurou-a pelos braços ao senti-la oscilar. Em seguida conduziu-a de volta para a cadeira e ajudou-a a sentar-se. Então colocou uma banqueta diante da cadeira e sentouse de frente para ela. Segurou-lhe as mãos entre as suas e apoiou-as nas pernas dela. Piscando através das lágrimas, ela tentou se concentrar nas palavras dele. – Embora minha intenção seja lutar contra todas essas alegações mentirosas, eu não tenho muita coisa em que me basear, Emalie. Suposições, hipóteses, poucas informações e muita incerteza. No início, pensei em contestar a afirmação dele de que era o pai do bebê. Alyce e Walter me garantiram que você era virgem, mas eu tenho receio de comprometê-los se eles tiverem de jurar isso sobre a Bíblia. – Acha que eles fariam isso por mim? – Emalie nunca pensara em testar a lealdade deles à custa de suas almas nem queria que eles se comprometessem a esse ponto, em público e na corte do bispo. – Fariam. Eles já fizeram, em particular. Mas o padre Ignatius disse que, se refutarmos o documento de compromisso, não fará diferença quem é o pai da criança. – Mas… como pode ser? – Se todos sabiam que ela esperava um bebê quando se casaram, o filho não poderia ser de Christian. – Ele disse que o único problema é a anulação do nosso casamento por causa daquele contrato. Que


qualquer filho nascido dentro de um matrimônio válido é considerado como sendo do marido. A corte eclesiástica e a laica confirmam isso. Confusa, Emalie considerou as palavras dele. Então, a verdade a atingiu. – Não faz muito sentido examinar de perto os passarinhos no ninho, é isso? – perguntou. – Muitos filhos e herdeiros de casamentos nobres provavelmente têm pouco a ver com os homens que lhes deram sobrenome ou com os títulos e propriedades que herdaram. – Exatamente. Os olhares de ambos se encontraram, e o de Christian passeou pelo rosto dela. – Está com aparência cansada. Não vou mais perturbá-la com isso, Emalie. Está claro para mim que você precisa descansar. – Ele se pôs de pé e estendeu a mão para ajudá-la a levantar-se também. – Se você tiver alguma ideia de como contestar aquele documento, peça a Alyce para ir falar comigo. Christian a tomou nos braços novamente. Dessa vez, eles simplesmente ficaram abraçados durante longos segundos, enquanto Emalie se deixava envolver pela magia do amor que pulsava dentro de si. Segurando as abas da capa dele, ela sentiu a cota de malha por baixo da túnica. O perigo os rodeava, e ela relutava em afastar-se de Christian agora que ele viera até ali e confessara seu amor. Mas o movimento do lado de fora, no hall, indicava que o tempo deles juntos havia acabado. Depois do óbvio som de advertência de passos arrastados, a porta se abriu e a madre superiora entrou com Alyce, Luc e a irmã Marguerite. Emalie notou a expressão presunçosa de Luc, de quem provava que estava com a razão. Ela podia apenas imaginar os desentendimentos que ocorriam entre Christian e o amigo. – Venha, milady – disse a madre. – A noite está fria, e milady precisa reservar forças para enfrentar os próximos dias. Marguerite, por favor acompanhe-a de volta ao quarto. Antes de soltá-la, Christian inclinou-se para perto dela e sussurrou palavras de encorajamento. – Não vou renunciar a você por causa da ignorância dos outros, Emalie. Não tema. Ela se afastou, sentindo o coração encher-se de esperança, pela primeira vez em muito tempo. Virando-se, ela sorriu para a madre superiora. – Muito obrigada, reverenda madre, por permitir esta visita. – Está se sentindo melhor, seu coração está mais leve? – perguntou a freira em tom de voz baixo e sereno. – Sim – disse ela, voltando a olhar para o marido. – Então a graça de Deus foi realizada esta noite. – A freira acenou com a cabeça para eles. Christian beijou a testa de Emalie quando ela passou por ele, e depois ela deixou que Alyce e a outra freira a levassem de volta para o quarto. – O senhor também precisa realizar sua graça, milorde, fazer a sua parte. Christian virou-se para ela depois de ver a condessa sair. – Eu, reverenda madre? Mas o que eu posso fazer? A freira viu a expressão irreverente do companheiro dele, mas sabia que o conde tinha feito a pergunta com seriedade. – Resista ao mal em todas as suas formas. Use todos os seus dons, todas as suas forças, para lutar contra a maldade e a injustiça. Christian assentiu, mas a freira sabia que ele não estava pensando no que ela acabara de dizer, mas sim na mulher que amava e nos perigos que ela corria. – Existe uma oração do guerreiro da qual o senhor deve sempre se lembrar, milorde. Começa assim:


“Ó Deus, tende misericórdia e abençoai com Vossa graça aquele que é justo.” Christian assentiu de novo, reconhecendo a oração. – Reze e lembre-se de repeti-la durante a batalha que o aguarda. – Sim, senhora, reverenda madre. – Agora eu preciso rezar, e vocês têm que ir embora. Os dois homens se curvaram numa reverência e se afastaram, acompanhados pelo guarda do portão. A madre superiora se dirigiu à capela e foi até o altar, onde se ajoelhou nos degraus frios de pedra. Fez o sinal da cruz e começou a rezar. Ela sabia mais do que gostaria e do que deixara transparecer sobre aquele caso. Estava a par da corrupção que motivava o homem que deveria ser o pastor de seu rebanho. E conhecia a identidade do corruptor. Rezando para o único que poderia salvar aquele jovem casal, ela repetiu a prece que vinha fazendo com bastante frequência nos últimos dias. – Ó Deus… tende misericórdia e abençoai com Vossa graça aquele que é justo… A madre superiora permaneceu ajoelhada e rezando por mais algumas horas, pois quando o diabo estava por perto, era tudo o que restava a uma pessoa temente a Deus fazer.


Capítulo 23

O PRIMEIRO dia não transcorreu bem. Christian olhou ao redor do cômodo espaçoso que estava sendo usado para os procedimentos. Um grande número de clérigos observava as audiências, bem como alguns populares, que se entretinham com os acontecimentos da nobreza. A única pessoa que deveria estar ali, mas não estava, era a dama em questão. O pedido dela para comparecer foi recusado. Depois de testemunhar uma longa e privativa discussão entre o Príncipe John e o bispo de Lincoln, Christian soube que o resultado já estava determinado. A partida de John confirmou que ele estava certo, pois se o príncipe não sentia necessidade de ficar e acompanhar o caso, era porque já sabia qual seria o desfecho. Ele se sentou com padre Ignatius e escutou, conforme testemunha após testemunha declarava ter conhecimento do plano de casamento entre Emalie e DeSeverin. Falaram da profunda consideração que o falecido conde tinha por DeSeverin. Embora nenhuma das testemunhas fosse de Greystone, todos se saíram muito bem, e se Christian já não conhecesse a verdade, o teriam convencido. O bispo e seus dois clérigos de hierarquia mais alta escutaram tudo com atenção e inclinaram a cabeça em assentimento quando o representante de DeSeverin apresentou as evidências. Examinando amostras da caligrafia de Gaspar, eles se espantaram com a semelhança com o contrato de casamento e olharam para ele com desdém. A cópia de DeSeverin do testamento provocou a mesma reação. A cabeça de Christian latejava, num sentimento de desamparo. Ele tinha testemunhas e documentos para atestar que ninguém dentro do círculo familiar ou de amigos dos Montgomerie tinha conhecimento da intenção de Gaspar de casar sua filha com DeSeverin e que ninguém sabia de mudança alguma no testamento de Gaspar. Isso não invalidava os documentos, simplesmente mostrava que, antes de serem assinados, Gaspar não tinha intenção de designar DeSeverin como guardião e marido de Emalie.


Finalmente o desastroso dia chegou ao fim e ele combinou encontrar-se com padre Ignatius na manhã seguinte para discutir os planos para apresentar o caso. Luc juntou-se a eles e conversaram por horas antes de o pacote chegar. Era um maço de cartas de Gaspar para Longchamp, o bispo de Ely, referentes ao novo arranjo de casamento para sua filha. Uma das cartas, datada de alguns meses antes da morte de Gaspar, solicitava esse acordo. Outra, assinada e datada de poucas semanas depois, autorizava o matrimônio entre a Condessa de Harbridge e um tal de Comte de Langier. Outra folha ainda descrevia o acordo entre Gaspar e o pai, Guillaume Dumont, e tinha o selo do emblema do rei e a assinatura do chanceler. Christian esboçou um sorriso triste ao examinar as cartas. Homens mortos agora colocavam suas assinaturas nos documentos com a mesma facilidade que os vivos. Obviamente, ou Richard ou Longchamp acreditavam que Greystone não devia ir para John e seus companheiros, e tinha produzido aquelas provas para refutar a reivindicação dele. Ele poderia usá-las sabendo que eram falsas? Fazia alguma diferença se fossem, como as que estavam sendo usadas para indevidamente reivindicar Emalie? Ele virou-se para o padre com seu dilema moral e perguntou, sem mostrar o conteúdo das cartas: – Padre, se uma coisa é falsa, ou maldosa, ela pode ser usada para uma boa causa? O jovem padre pensou um pouco antes de responder. Com uma ruga na testa, desenrolou alguns pergaminhos, leu alguns trechos, depois esfregou o rosto e a barba com a ponta dos dedos e olhou para Christian e para Luc. – O cânone é bem claro quanto a isso, milorde. O mal não pode ser usado para o bem, pois sua própria natureza corromperá todos os esforços, e qualquer resultado será maculado. – Os fins não justificam os meios? – interveio Luc. – Isso mesmo, sir – disse Christian. – Em poucas palavras, é exatamente isso que eu estava pensando. – O que tem aí, Chris? Do que se trata? Christian entregou as cartas ao padre e ao amigo e esperou pela reação dos dois. Luc abriu um largo sorriso enquanto espiava sobre o ombro de Ignatius e lia as frases pertinentes ali escritas. Assentindo com a cabeça, ele deixou escapar uma exclamação de alegria. – Até que enfim! Isto é exatamente o que precisávamos. Teria sido melhor se Ely as tivesse enviado antes, mas são bem-vindas em qualquer momento, ah, se são! – Eu gostaria de examinar estes documentos com mais detalhe, milorde, antes de apresentá-los à corte amanhã, se me permitir. Ao receber o consentimento de Christian, o padre juntou todas as cartas e levou-as consigo para o cômodo ao lado. Luc fez menção de dizer alguma coisa, mas Christian o silenciou com um gesto. Assim que a porta para o aposento contíguo se fechou, ele fez outro sinal para que o amigo se calasse. – Qual é o seu problema, Christian? O emissário do rei lhe entregou as provas que você precisa para ganhar este caso. Por favor, diga-me que não vai hesitar em usá-las! – Você ouviu o que Ignatius disse. Nem sempre os fins justificam os meios. – Está dizendo que aqueles documentos são falsificados? – Tanto quanto o que DeSeverin usa. Meu pai não sabia nada do Montgomerie antes de sua morte. Ely nunca respondeu ao pai de Emalie em tempo hábil, com meu nome. São todos falsos – respondeu. – Está dizendo que não vai usar essas provas amanhã? – Luc deu um riso áspero. – Com a vida de Emalie em perigo, você ainda para para pensar se é certo ou errado usar todas essas armas ao seu alcance? – Luc o fulminou com os olhos. – Só falta você me dizer a seguir que acredita em luta justa no


campo de batalha. Christian ia retrucar, mas Luc o calou com um gesto e prosseguiu: – Numa batalha de vida ou morte, quando os infiéis estão dispostos a tudo para matar, você recorre a qualquer coisa para sobreviver. Você os engana, trapaceia, passa rasteira, joga areia nos olhos deles, ataca pelas costas. Só o que importa é viver. – Não estou em uma Cruzada, Luc. – Você pode achar que não, mas os infiéis por aqui, seus inimigos, não param para pensar se estão usando meios que vão contra os mandamentos do Senhor. Eles fazem o que for preciso para vencer. – Luc foi até a porta e olhou para o amigo antes de sair. – Eu receio que você e sua senhora não sobrevivam a isto a menos que você comece a lutar do mesmo jeito que eles… com todas as armas que estão à disposição. – Luc – chamou Christian. – Até amanhã, milorde. Ele ouviu as palavras um segundo antes de a porta se fechar. FINALMENTE EMALIE obteve permissão para assistir aos procedimentos da corte. Muito embora sua vida estivesse em jogo, ela não era considerada suficientemente importante para estar presente, e foi só depois de muito pleitear que conseguiu. Sem ter notícias de Christian havia já duas noites, ela não fazia ideia do que acontecera na véspera e do que estava por vir naquele dia. Ela foi conduzida para um assento na parte da frente do recinto, longe dos dois homens que argumentavam sobre ela, mas perto o suficiente para ver e ouvir tudo o que acontecia. Alyce teve permissão para acompanhá-la, pois o padre que a levou até lá temia que ela se sentisse mal e desmaiasse no meio da sessão. Christian entrou com Luc e um padre e foi até a mesa destinada para ele. Olhando ao redor, viu Emalie sorrindo para ele e sorriu também, aquecendo o coração dela. Começou a ir na direção dela, mas a voz severa do bispo o deteve. – Milorde, ocupe seu lugar e busque não retardar os procedimentos, que são da maior seriedade. Christian pareceu dividido por um momento, mas a mão firme do padre em seu braço o fez decidirse. Ele parou e inclinou a cabeça para o bispo. – Perdão, Reverendíssimo. Não pretendia desrespeitar a corte. O bispo dirigiu-se a Emalie. – Atenção, milady. Mulheres não são bem-vindas aqui. A senhora só está aqui graças à minha misericórdia e gentileza. Se tentar perturbar a ordem, ordenarei que se retire. Emalie assentiu em silêncio, com medo de falar. – Frei Amadeus, por favor leia o registro dos procedimentos até agora. O clérigo ficou de pé, desenrolou um longo pergaminho e começou a ler o relatório, registrado por ele mesmo, de todas as testemunhas e depoimentos. A monótona leitura em latim parecia interminável, e apesar de seus esforços Emalie não conseguia acompanhar e entender tudo. Ela compreendeu, entretanto, que o caso não estava evoluindo a seu favor e que o dia anterior foi péssimo. Quando a leitura terminou, o bispo murmurou algo para os outros dois padres a seu lado. Quando eles fizeram um sinal afirmativo com a cabeça, ele disse: – Este é um relato verdadeiro e acurado das testemunhas e de seus depoimentos até agora. O


relatório será marcado com meu anel, selado e arquivado para deliberações. O frade obedeceu às instruções. Colocou o relatório dentro de uma cesta e entregou-a ao bispo. – Agora, vamos começar. Sir William, o senhor tinha algo a acrescentar à sua evidência? O padre sentado ao lado de William levantou-se e dirigiu-se ao bispo. William olhou para Emalie. Por que ele tentou vê-la no convento? O que ele poderia querer? Emalie desviou o olhar e voltou a atenção para o sacerdote. Pelo modo como ele descreveu o caso até então, ela duvidava que ele tivesse algo mais a dizer. As evidências eram claras e esmagadoras, com os documentos que haviam apresentado. Não era de admirar que Christian não a tivesse procurado na noite anterior. Provavelmente não teve coragem de encará-la, com as coisas indo tão mal. Ele sempre fazia o possível para poupá-la. Pela expressão sombria de seu rosto, ele estava profunda e verdadeiramente preocupado. Então, numa questão de minutos, instalou-se um rebuliço no recinto. Christian começou a discutir com William. – Você não conseguiu a bênção de Gaspar, não é, DeSeverin? Então você o matou! – gritou Christian. – Mentira! Ele me deu permissão. Tenho o documento para provar. – William se pôs de pé para responder à afirmação de Christian. – Ele sabia o títere que você era e por isso foi morto, e isto… esta falsificação aqui… foi criada para apoiar sua reivindicação. – Ele assinou isto, senhores. Gaspar Montgomerie… – Ele nunca assinou isso enquanto era vivo! – interrompeu Christian. – E a menos que você consiga explicar como um homem morto pode assinar acordos, isto aqui não vale o pergaminho em que está escrito! Emalie sorriu, apesar de o momento ser completamente inapropriado, pois Christian estava usando as palavras dela para descrever o mesmo documento. A alegação de Christian de que William estava envolvido na morte de seu pai a chocou. Ele podia ser fraco a ponto de ser marionete de John, mas ela não conseguia vê-lo como assassino. Fazia sentido que a morte de seu pai tivesse sido premeditada, mas não por William. Christian pegou alguns pergaminhos, aproximou-se de William e os atirou diante dele, esperando por uma reação. Emalie viu o rosto de William ficar vermelho. Por fim, ele começou a acusar Christian de calúnia, difamação, falsificação, tantas acusações que ela perdeu a conta. Com uma expressão friamente calculada, Christian deu um passo em direção ao bispo. – Reverendíssimo? Embora minha honra tenha sido insultada pela simples condução destes procedimentos, acho que eu não tenho nenhum meio de recorrer, nenhum método para provar minha negação das reivindicações de sir William, a não ser meu direito de lutar. Emalie começou a balançar a cabeça. Não, ele não podia fazer isso… mas fez. Ela tentou levantar e ir até ele, mas Alyce a segurou e a obrigou a ficar sentada. – Eu deixo a decisão nas mãos de Deus, pois Ele é justo ao favorecer os bons e punir os pecadores. Christian disse a primeira frase de uma conhecida oração. – Aceita este desafio, sir William? – perguntou o bispo em tom solene. Emalie rezou para que ele recusasse, mas William assentiu com um gesto de cabeça. O bispo conferenciou com os outros clérigos e confirmou o desafio. – Temos como dogma de nossa fé que, em um desafio feito e aceito para decidir uma questão de fé


ou de honra, Deus de fato favorece aquele que é justo e o recompensa com a vitória sobre seus inimigos. Esta corte declara que todas as reivindicações solicitadas serão provadas no campo de batalha, ao meio-dia, daqui a dois dias, em local a ser definido. – Ele olhou de um homem para o outro. – E que Deus tenha misericórdia de suas almas. Os clérigos e outros oficiais seguiram o bispo para fora do recinto, restando somente Emalie, Christian e William. Este começou a dizer alguma coisa para ela, mas mudou de ideia e saiu da sala. Christian correu para ela e a abraçou. – Seu tolo! Por que fez isso? Você pode ser morto… Ele a beijou e riu, aquele riso arrogante dos Pontevin. – Você não confia na minha habilidade? Sou conhecido no continente por minha valentia, nas batalhas e nos torneios. Até Eleanor sabe disso. – Isto não é um torneio. É uma luta de vida ou morte. – Eu sei, Emalie, e sei também que vou vencer. – Como poderia ter vencido aqui hoje. – Luc parou ao lado dele. – Se tivesse usado todas as armas ao seu alcance. Emalie olhou de um para o outro. – Do que ele está falando, Christian? Você poderia ter ganhado aqui na corte? – Com isto, milady. Previdentemente fornecido pelo chanceler do rei. – Luc estendeu as cartas para ela. Christian parecia pronto para argumentar, mas não disse nada. Emalie passou os olhos pelas cartas, balançando a cabeça. – Nem uma única palavra aqui é verdadeira. – Ela devolveu os papéis. – Meu pai não assinou isto. Esse acordo nunca aconteceu. – Agora você entende o meu dilema, Emalie. Invalido uma fraude com outra fraude? Ou lanço um desafio que sei que posso ganhar? E ganhar nos meus termos. Ela segurou o rosto dele entre as mãos e se pôs na ponta dos pés para beijar-lhe os lábios. Seu olhar não se desviou do rosto dele nem por um segundo, mas suas palavras eram dirigidas a Luc. – Ele pretende recuperar o que nunca perdeu entre homens que não conhecem o significado da palavra “honra”, Luc. Não é uma luta justa, concorda? – Concordo, milady, não é. Foi isso que tentei dizer a ele ontem à noite quando estas cartas chegaram. Da porta, Alyce fez um sinal para Emalie. As freiras estavam ali para levá-la de volta para o convento. – Sir Luc, preciso lhe pedir um favor. – Qualquer coisa que esteja ao meu alcance, milady. – Luc fez um gesto floreado só para irritar o marido dela. – Depois que meu marido derrotar William e nós voltarmos para Greystone… – Ela fez uma pausa. – Sim, milady? Ela fitou o marido direto nos olhos. – Lembre-me de minha raiva para que eu possa matá-lo eu mesma. – Ela o beijou sem muita delicadeza na boca e se afastou. Uma miríade de emoções a assolou. Raiva. Medo. Alívio. Ao olhar para trás enquanto saía, viu-o sorrir. Amor. Ela amava e era amada.


Capítulo 24

OS DOIS dias seguintes passaram depressa para Christian, e uma sensação de serenidade o dominou. Pela primeira vez em meses, ele se sentia no controle de uma situação. E estava confiante de que venceria aquela batalha. A primeira surpresa que apareceu na tenda armada para ele perto do campo de batalha foi seu baú com a sua armadura e espada. Aquele era, sem dúvida, um bom sinal. Lutar usando sua própria cota de malha e sua própria arma seria muito mais vantajoso do que usar uma armadura emprestada, conforme o planejado. A segunda surpresa foi menos agradável. Ele virou-se para agradecer a Luc pelo empenho em mandar buscar sua armadura em Greystone, mas, em vez do amigo, deparou-se com John Plantagenet. – Milorde – murmurou, fazendo uma breve mesura ao príncipe. – Dumont. – John soltou a aba da entrada da tenda e se aproximou. – Vim lhe desejar boa sorte no combate. – Sério, milorde? Eu imaginava que quisesse me ver morto. John riu. – Não me agrada perder um homem com seu senso de humor. Na verdade, sim, sua morte garantiria o êxito dos meus planos. Mas eles serão bem-sucedidos, eu sei. – John andou em círculos dentro da pequena tenda, examinando a armadura. – DeSeverin me contou sobre os documentos que lhe dariam direito irrevogável a Harbridge. Por que não os usou e evitou esta situação? – Eram falsificados, como os que milorde forneceu a William. – Você ainda acredita que a honra irá prevalecer aqui? Christian não respondeu. – Gaspar pensou da mesma forma. Por mais que eu tivesse tentado convencê-lo a cooperar pelo bem de todos, ele se recusou, em nome da honra. E onde ele está agora? – John riu, e o som de sua risada


irritou Christian. – Quer saber o que vai derrotar você hoje, Dumont? – Estou certo de que deseja me dizer, milorde. – Você mesmo vai se derrotar no dia de hoje. Porque, no fundo do seu coração, você sabe que William vai lutar pelo filho e porque ama a condessa. Você não vai conseguir liquidá-lo, mesmo que tenha a oportunidade. Você é o seu pior inimigo. Christian esforçou-se para permanecer calmo, pois conhecia aquela tática. Tinha de se focar na batalha e não se deixar distrair por palavras, por mais provocantes que fossem. John ergueu a aba de lona e virou-se para trás. – Quem sabe o próximo filhote da condessa terá o cabelo ruivo do avô plantageneta? – Com uma risada antipática, ele saiu. Christian ficou de pé no centro da tenda, abrindo e cerrando os punhos repetidas vezes. Perder o controle resultaria em desastre. Ele sabia disso, mas era difícil separar as palavras dos sentimentos. – Ele tem razão… você é seu pior inimigo. – Luc afastou a aba da tenda para entrar. – Muito obrigado pelas palavras de apoio. – Christian gesticulou zangado, e Luc riu. – Agora ele vai falar com DeSeverin para atiçar a determinação dele, como um mestre de marionetes puxando as cordinhas. – Não há muito tempo, e temos muito a discutir. Aqui… – disse Christian, tirando uma manopla do baú – … ajude-me a vestir a armadura. – Relegado às funções de um escudeiro? Até onde vai essa falta de consideração? A brincadeira terminou quando os dois se concentraram nos preparativos necessários para o combate. Luc ajudou-o a vestir a cota de malha sobre a túnica de linho e distribuiu o peso sobre o cinturão de couro. Em seguida afixou as placas de metal para proteção dos braços e pernas. Peça por peça, a armadura foi sendo vestida, até que Christian estava pronto para a batalha. Quando Luc entregou a ele o elmo, Christian não pôde esperar mais. – Tem um estojo pequeno dentro do meu baú – disse ele, fitando o amigo. – Se for necessário, você encontrará minhas instruções ali dentro. – Não precisarei de instruções, milorde. – Eu pretendo estar aqui para queimá-las, mas… Luc acenou com a cabeça. Ambos sabiam o que havia dentro do estojo. Instruções para o enterro de Christian e uma carta para Emalie. – Ele usa uma tática enganosa para aplicar o golpe de Jarnac, atrai sua atenção para o lado direito e ataca pela esquerda. Christian assentiu. Seu amigo havia obtido informações extraordinárias sobre os hábitos de luta de sir William. DeSeverin era cheio das manobras, estratagemas e subterfúgios. – Acabe com ele, Chris. Não brinque. Não tenha compaixão. – Está tudo pronto? Luc tinha descoberto outro ponto fraco de DeSeverin. Sua irmã mais nova tinha desaparecido sob a custódia de John e sem dúvida fora o instrumento de sua ruína. Luc entregou a espada a Christian, que a colocou dentro da bainha, esperando pela resposta de Luc. – Sim, milorde. Nossos homens já estão a caminho. – Independentemente do resultado. – Não vê que, a menos que ele morra, nada vai mudar para ela? Se William viver, John irá simplesmente pegar a menina de volta e usá-la, e Emalie, para permanecer no controle. A extorsão vai


continuar, da terra e dos inocentes. Matá-lo é a única solução. Pelo menos a menina e sua mulher você vai salvar. Luc puxou algumas tiras para ajustar a armadura do amigo e deu um passo atrás para examiná-lo. Dando-se por satisfeito, olhou para Christian. – Endureça seu coração, Chris. Pare de lutar consigo mesmo e lute com seu inimigo de verdade. Que a justiça prevaleça, milorde. – Luc deu um tapinha no ombro dele e saiu da tenda. Pronto para o combate, Christian saiu atrás do amigo e foi até a faixa de terra batida que seria usada como campo de batalha. Um padre aguardava para ouvir a confissão dos dois homens. Preparado, de corpo e alma, Christian mal podia esperar para que o confronto começasse. DESEVERIN LUTAVA como um demente. Christian tinha lido histórias sobre guerreiros vikings que enlouqueciam durante as batalhas e lutavam como verdadeiros selvagens. Devia ser aquela a aparência deles. Christian ficou na defensiva e simplesmente tentou se manter de pé contra o ataque. Esperando que a força inicial do oponente se esgotasse, ele apenas aparava os golpes. Imaginava vagamente o que John havia ameaçado fazer para que DeSeverin lutasse daquele jeito. E assim foi, por quase uma hora. Os elmos já estavam no chão fazia tempo, e logo os escudos também caíram. Christian sangrava de um corte no ombro, mas conseguiu furar o peitoral da armadura de DeSeverin e causar um ferimento considerável no peito, que dificultava um pouco a respiração já sobrecarregada pelo esforço. O outro pareceu voltar ao normal depois disso, e Christian sentiu que a luta estava mais equilibrada. Ele esperou por uma oportunidade. Manuseando habilmente a espada, forçou DeSeverin a defender seu lado fraco e expôs a própria perna enquanto se movia em círculos ao redor do oponente. Conforme ele esperava, DeSeverin partiu para o ataque, e Christian o derrubou com um golpe no maxilar usando o cabo da espada. Quando o outro caiu e rolou pelo chão, Christian disse: – Sua irmã está comigo. Se DeSeverin escutou, não deu sinal. Levantou-se e a luta prosseguiu. Christian não sabia se dissera as palavras para convencer a si mesmo ou para aliviar o fardo de William, mas ele as repetiu. – Sua irmã está comigo. Ela está a salvo de John. Nesse momento William tropeçou, o que deu a Christian a oportunidade perfeita. Distraído. Ele puxou um pequeno punhal de dentro do peitoral da armadura e usou-o, juntamente com a espada, para lançar a espada de William pelos ares. Desarmado. Depois de um segundo de atordoamento, William foi correndo recuperar a arma, mas Christian o seguiu de perto, esperando pelo instante exato em que o outro se abaixou para pegar a espada. O golpe nas costas derrubou William no chão. Christian debruçou-se sobre ele e cravou a espada em seu pescoço, fazendo o sangue jorrar para o chão de terra. Destruído. Olhando para o inimigo, ele sussurrou, ecoando as palavras de advertência de Luc:


– Matar você é a única maneira de salvar a ambas. Largando a espada ao lado do corpo, ele virou-se para o palanque onde estavam o bispo, os clérigos, o príncipe e outros espectadores. Mal conseguia se mover, mas forçou-se a dar um passo e depois outro. Até que o bispo proferisse as palavras, nada estava acabado. Ele tirou as manoplas e prendeu-as sob o cinto. Limpando o suor e o sangue do rosto, procurou por Emalie entre os presentes. Fez questão de não vê-la antes e durante a batalha, pois sabia que a expressão de amor e de medo no rosto dela o desencorajaria. Mas agora precisava vê-la. Então Emalie se aproximou, acompanhada por Luc. O olhar dela se voltava a todo instante para o corpo caído sobre a terra batida, e Christian teve medo que ela não o perdoasse pelo que havia feito. Ela estendeu os braços, mas ele os segurou, não permitindo que ela encostasse em sua armadura suja de terra e de sangue. – Eu quero ouvir o pronunciamento do bispo. Os dois andaram juntos até a extremidade do campo. O bispo estava de pé ao lado de um príncipe obviamente desconsolado. Quando perguntaram a ele o que deveria ser feito com o corpo de William, John deu de ombros e afastou-se. Em seguida olhou para Luc e acenou com a cabeça. Compreendendo a ordem, Luc tratou de tomar as devidas providências. – Quanto à alegação de sir William DeSeverin acerca de um compromisso anterior com lady Emalie Montgomerie, esta corte declara que a reivindicação provou ser falsa. – O bispo fez uma pausa e continuou: – Com relação à validade da união matrimonial da Condessa de Harbridge, lady Emalie Montgomerie, com le Comte de Langier, lorde Christian Dumont, e também aos direitos deste a todos os títulos, terras e propriedades como legítimo esposo da condessa, esta corte declara que o matrimônio é válido e que toda a progenitura desta união será legítima, com todos os direitos à herança. Acompanhado pelos clérigos, o bispo saiu rapidamente do palanque. Christian suspirou ruidosamente e Emalie sorriu. O escriturário informou que uma cópia do relatório com as conclusões do tribunal seria enviada ao conde. Ele se sentiria melhor tendo uma cópia, mas esperava nunca precisar. O RESTO do dia foi dedicado a empacotar os pertences da condessa e à mudança para a residência deles. Por fim, foi concedido a Christian o prazer de um banho quente e uma saborosa refeição. Emalie não saiu de perto dele nem por um minuto. O conde recebeu os simpatizantes que foram congratulá-lo e conversou com eles por algum tempo. Depois, levantou-se, sem esconder o cansaço, e todos se despediram. A sós com Emalie, ele a tomou nos braços, beijou-a longamente e levou-a para o quarto que seria deles. A cama não era tão confortável quanto a da casa dela, mas serviria à finalidade naquela noite. Pelo menos era sólida o suficiente para aguentar o peso de ambos. Ele a colocou no chão e atiçou o fogo na lareira. Pretendia manter Emalie aquecida com seu próprio corpo, mas o quarto estava frio demais, até para ele. Depois de avivar o fogo, ele voltou a atenção para ela. Como já havia feito tantas vezes, desfez os laços da túnica e tirou-lhe a roupa, deixando-a somente com a roupa de baixo e as meias de lã. Então afastou as cobertas e ajudou-a a deitar-se. Ela franziu a testa. – Não estou entendendo… – Até que Enyd garanta não haver problema – disse ele, tirando a roupa e deitando-se ao lado dela


na cama –, não vamos arriscar. Não quero machucar você. O corpo dele, porém, enviava uma mensagem diferente, e não demorou para Emalie perceber. Mas, na verdade, tudo o que ele queria era abraçá-la, aninhá-la em seus braços, sentir aquele corpo delicado junto ao seu, pois várias semanas haviam se passado desde que ele a tocara assim. – Eu estou bem, Christian. Até a curandeira do convento disse que está tudo bem. – A curandeira do convento certamente não estava imaginando que você se envolveria em práticas sexuais, quando disse que estava tudo bem. – Ele virou-se de lado. – Só quero abraçar você, Emalie. – Não me sinto confortável com isso. Ele observou enquanto ela afastava as cobertas e tirava a camisa de baixo, jogando-a para o chão. Então voltou a se deitar, de costas, permitindo que Christian a contemplasse nua. Emalie sentiu a ereção dele pressionar seu quadril. Ele tornou a puxar as cobertas, buscando usufruir daquela proximidade. – Você sabia que uma mulher pode receber um homem em outros lugares além do meio das pernas? Ele quase engasgou ao ouvir aquilo. – Como você sabe disso? – Fatin me contou. Ela disse que a mulher pode usar as mãos… Ela colocou as mãos ao redor dele para demonstrar seu conhecimento recém-adquirido. Christian prendeu a respiração, e seu membro cresceu e enrijeceu ainda mais sob os dedos dela. Porém, tão repentinamente quanto havia começado a acariciá-lo, ela parou. – Emalie… – Ele ofegou. – … o que mais você sabe? – Bem… Fatin disse que uma mulher também pode receber o homem em sua boca. Ela empurrou novamente as cobertas e o contemplou. Seu olhar dela era como uma carícia deslizando por toda a extensão do membro dele. Ela se inclinou e aproximou o rosto. A tensão aumentou e ele esperou pelo toque da boca feminina. Ela o provocou com a ponta da língua e com os lábios, até que ele gemeu alto de prazer. Demorou alguns segundos para a respiração de Christian voltar ao normal. Sua esposa ainda era uma mulher inocente, que não tinha noção do efeito que era capaz de exercer em um homem. Ela o acabaria matando de prazer se prosseguisse com aquela curiosidade e explorações. – Christian? – sussurrou ela. – Hum? – Fatin disse que… – Estou vendo que terei de falar com Fatin sobre os assuntos apropriados a serem conversados no solário. – Você não gostou? – Ah, sim, Emalie, muito… – Fatin disse que o homem também pode usar a boca… Então, antes que ela terminasse a frase, Christian virou-se e mostrou exatamente como um homem podia usar a boca. EMALIE ESTAVA esperando Christian acordar. Estavam deitados em concha, e ela podia sentir a respiração dele em sua nuca. Sabia que ele iria acordar a qualquer momento e isso a fazia sentir certa ansiedade.


– Você está bem? – A voz dele, grossa e baixa em seu ouvido, provocou-lhe arrepios. – Eu estava pensando em William. – Não é exatamente em quem eu gostaria que você estivesse pensando enquanto está na cama comigo. Mas é compreensível. – A capacidade de compreensão de Christian era uma das qualidades que Emalie mais admirava nele. – O que você estava pensando sobre ele? – O que o levou a seguir John? Por que ele fez isso? Christian não respondeu, e ela sentiu que ele estava escondendo alguma coisa. Daria tempo a ele, para falar quando se sentisse preparado. – Você sabia que William tinha uma irmã? – Sim. Faz anos que não a vejo. Como você soube? – Mandei um dos meus homens descobrir o máximo de informações possível sobre ele, antes dos procedimentos. É mais importante conhecer os inimigos do que os amigos. – O que você descobriu? Catherine deve ter uns… – Ela tem 16 anos. – E? – E? – repetiu ele. – Posso ver que você está escondendo alguma coisa. Diga o que é – exigiu ela, sem ter certeza se estava agindo de modo sensato. – Ela está sob a guarda de John há mais de um ano. – Oh, Christian. Ela está viva? Está? – Luc a localizou e alguns dos meus homens conseguiram buscá-la no lugar aonde John a tinha levado. Está viva, mas não bem. Emalie assentiu em silêncio. Poderia ter sido esse o destino dela também. Se Christian tivesse perdido naquele dia, ela teria de desposar William e seria submetida às crueldades de John, sem ninguém para salvá-la. – O que você fez com ela? – A madre superiora do Convento Maria Imaculada foi muito generosa em concordar em ficar com ela e supervisionar os cuidados e, se Deus quiser, sua recuperação. Ela me manterá informado do progresso da menina. Emalie virou-se e o encarou. As lágrimas correram por sua face quando ela levou a mão ao rosto dele. – Você é um bom homem, Christian, e eu sou abençoada por tê-lo como marido. – Foi a madre superiora que me deu a ideia de desafiá-lo para lutar. – A boa freira sugeriu que você se envolvesse numa luta de vida ou morte? Ela não me pareceu ser tão sanguinária. Christian riu do gracejo. – Ela me disse que eu tinha de combater o mal e rezou a primeira linha da prece do guerreiro. Quando eu estava tentando descobrir uma maneira de refutar aquele contrato de casamento, essa oração me voltou à cabeça várias vezes seguidas, como um cântico. Então eu compreendi que a luta nos faria quites, pois John não podia juntar-se a nós no campo de batalha. – Acha que ela fez isso de propósito? – A freira era uma mulher interessante. – Quem pode saber o que se passa na cabeça de uma mulher? Ainda mais de uma beata. Emalie deu um cutucão em Christian para que ele soubesse que a provocação não passara


despercebida. – Tem uma coisa que me preocupa. Você me odeia pelo que eu fiz hoje? Ela queria desfazer com os dedos a ruga na testa dele. – Como eu poderia odiar você? Embora eu lamente que ele tenha morrido, sei que você não teve escolha. E saber que de certa forma William lutou por uma causa nobre, que você defendeu, atenua minha tristeza. Christian gemeu baixinho e os dois ficaram em silêncio. Desta vez, ao contrário da anterior, era um silêncio amigável. E, sentindo-se segura nos braços dele, Emalie voltou a adormecer.


Capítulo 25

O INVERNO foi rigoroso, e Greystone inteira ficou em estado de espera para que o clima melhorasse. A neve cobria os campos próximos e os mais distantes, e alguns córregos congelaram. O frio chegara mais cedo, como o novo conde havia previsto, mas todos nas terras de Harbridge estavam bem e em segurança. Os preparativos avançavam, no aguardo da primavera. Christian gostaria que Emalie pudesse contemplar suas terras de cima das ameias, ver o brilho prateado da paisagem coberta de neve, mas ela estava muito perto de dar à luz e com dificuldade para andar. Enyd previa o nascimento do bebê para os feriados da Candelária no início de fevereiro, portanto, dentro de duas semanas no máximo, e aos habitantes de Greystone só restava esperar. Christian aproveitou os períodos adicionais de repouso que Enyd havia sugerido para levar a cabo uma tarefa que precisava executar sem a presença nem o conhecimento de Emalie. Luc o seguiu na cavalgada para fora do povoado até o moinho. Virando para o Sul na estrada principal, eles viajaram alguns quilômetros na direção de Lincoln. Atento aos sinais, ele parou ao ver um pequeno santuário próximo à beira da estrada. Havia um homem em pé logo ali. Luc parou e recuou um pouco, para dar privacidade aos dois homens. Christian sabia que o amigo jamais comentaria sobre aquilo com ninguém, nem mesmo com sua amada Fatin. Ele desmontou e caminhou até o santuário, as botas afundando na neve que cobria o solo, e olhou para o rosto do homem que costumava ser William DeSeverin. – Milorde – disse William, acenando com a cabeça em cumprimento. Christian notou que a voz dele ainda estava rouca devido ao ferimento no pescoço. A curandeira havia dito que talvez nunca sarasse completamente. – Como está sua irmã esta semana? – Do mesmo jeito. A reverenda madre disse que o corpo dela está curado, mas a cabeça… ela não me reconhece. – William desviou o olhar e piscou várias vezes antes de voltar a falar. – Bem, será uma


recuperação longa e difícil. – Ela está em boas mãos. – Christian olhou para além e viu dois cavalos amarrados a uma árvore. – Você vai viajar? – Com a Candelária se aproximando, achei que seria melhor partir. Os dois homens se entreolharam por um momento. – Vou procurar trabalho e moradia no Norte. Eu lhe mandarei dinheiro quando puder lhe retribuir pelo cuidado com Catherine. – Não há necessidade. Considero nossa dívida quitada. – Ele não queria dinheiro daquele homem. – Você manda me avisar quando Emalie… – Não. – Ah, sei que é pedir muito. Christian ficou observando enquanto William claramente pelejava para encontrar as palavras certas. – Ela sabe o que você fez? – Não. Ela só sabe que você lutou por uma causa justa e lamenta sua morte. Ela me disse que entende que a sua morte, mesmo por minhas mãos, salvou a vida dela e a de Catherine. William assentiu em silêncio e afastou-se. Montou em um dos cavalos, segurou as rédeas do outro e olhou para Christian com expressão indecisa, como se ainda esperasse algo mais. Christian sabia que era sua última chance de fazer a pergunta que o atormentava fazia meses, a pergunta que ele jamais faria à esposa de novo. – John também… ele…? – Apesar dos esforços, não conseguiu formular a terrível pergunta que o assombrava. – Não – respondeu DeSeverin, balançando a cabeça. – Fui só eu. Eu sou o pai da criança. – Não é mais. Seu lugar na vida daquela criança e toda e qualquer questão de paternidade acabaram no instante em que William DeSeverin morreu no campo de batalha. Elas são minhas agora. Só minhas. Christian sabia que suas palavras eram duras, mas o tempo de ter compaixão já terminara. O pior era que, no fundo, ele temia que DeSeverin tivesse mentido por culpa. Christian foi até onde estava seu cavalo enquanto via William se afastar pela estrada sem mais uma palavra. Luc aproximou-se. – Acabou? – Sim, Luc, ele vai partir agora, antes que o bebê nasça. – Vai ser melhor assim, Chris. Você não vai precisar ficar o tempo todo olhando por sobre o ombro e vendo-o espiar Emalie e o bebê. Ainda não sei por que você fez isso. Uma morte pura e simples teria tido o mesmo efeito. Christian riu. – Acho que você é mais bárbaro do que sua esposa herege, meu amigo. Nunca aprendeu os valores cristãos de fé, esperança e caridade? Ele montou no cavalo e viu Luc fazer o mesmo. Então, cavalgou de volta para Emalie, para começarem uma nova vida juntos. O Conde de Harbridge estava indo para casa.


Epílogo

Castelo de Greystone, Lincolnshire, Inglaterra – Abril, 1195

A LUZ do sol fazia os cachinhos dela parecerem fios de ouro. A boquinha perfeita lembrava a da mãe, e as feições delicadas não negavam a herança Montgomerie. Isabelle, batizada com o nome da mãe de Christian, dormia nos braços dele. Christian se apaixonara por ela à primeira vista, da mesma forma como… ele agora sabia… acontecera com a mãe dela. Demorara vários meses e muitas atribulações para que ele admitisse seu amor por Emalie, mas esse erro não se repetiria com a filha. As sombras dos últimos meses tinham desaparecido, e ele ansiava pelo futuro que se descortinava à sua frente. Emalie garantia que, no final do verão, a bebê já poderia viajar, pois ele desejava levar suas duas moçoilas, como as chamava, de volta para Poitou e suas terras. As terras deles. – Pode colocá-la no berço – disse Emalie. – Mas eu não consigo vê-la tão bem dentro do berço. – Christian gesticulou com a cabeça na direção do bercinho de madeira esculpida no pé da cama. – Ela está bem, não se preocupe. Está ganhando peso e ficando mais exigente a cada dia. – Exigente? Como o pai? Emalie não hesitou em confirmar: – Isso mesmo. Ela já tem a sua arrogância. Christian riu e deu um beijo na cabeça de Isabelle enquanto a colocava no berço. A pequenina mudou de posição e por fim se aninhou confortavelmente num canto. Logo começou a ressonar baixinho. – Outra herança do pai que ela já aprendeu. – Eu sou o culpado de tudo?


– Só das coisas ruins. Ele olhou para o outro lado do quarto, onde Emalie estava sentada fazendo uma trança no cabelo. Ela sempre o deixava solto quando estavam sozinhos, mas prendia-o para sair do quarto. A vontade de Christian era desfazer aquela trança, mesmo sabendo que Emalie ficaria contrariada. Como se lesse o pensamento do marido, seu olhar encontrou o dele através do espelho da penteadeira, e ela sorriu. – Enyd disse que já se passou tempo suficiente. Ele engoliu em seco, duas vezes. Seu corpo reagiu às palavras dela, pulsando e enrijecendo em lugares impossíveis de ignorar. – Esta noite, então? – Quando você quiser… As palavras suaves não enganaram Christian, pois ela participava com entusiasmo das práticas eróticas, sem envolver a penetração. E compartilhava de sua frustração por não poder ir até o final, em função de Emalie ter dado à luz recentemente. Com poucos passos, ele a alcançou e a tomou nos braços. Precisava beijá-la e sussurrar promessas para aquela noite. Mas tudo o que conseguiu dizer foram as palavras que se repetiam em sua mente. – Só minha, Emalie. Você é só minha. – Sim… e você é só meu. Arrebatados pela paixão, eles não esperaram a noite chegar. Deitaram-se naquele mesmo instante, com a filhinha dormindo no berço, alheia a tudo. Fazer silêncio era um desafio, mas eles não conseguiam resistir ao apelo do amor. E naquela tarde de amor e paixão, Christian e Emalie conceberam o filho que viria a ser o herdeiro de Greystone.


CATIVA DO GUERREIRO DENISE LYNN

Quando Richard começou a relaxar, Isabella estendeu os braços para a frente e inclinou o corpo, enquanto suas nádegas pressionavam a intimidade dele, afastando qualquer possibilidade de sono. Blasfemando baixinho, ele abriu os olhos. Com cuidado, puxou o travesseiro dela e colocou o braço para que ela apoiasse a cabeça. – Você está mesmo decidida a não nos deixar dormir, não é? – Para enfatizar a pergunta, ele pressionou o quadril para a frente. – Saiba que está conseguindo o que quer. Isabella ficou paralisada. – Não... A voz rouca o deixou ainda mais excitado, tornando impossível pensar com a razão. Mas por que aquela mulher o provocava tanto? Ora, ela era apenas um meio para chegar a um objetivo, um peão para ser usado a seu favor. Então, por que precisava se lembrar disto a todo instante? E como explicar o desejo de tocá-la, senti-la e torná-la sua esposa em todos os sentidos? Mesmo separado pelas roupas, o calor do corpo dela o aquecia como se fosse uma carícia, dificultando a decisão de não aceitar o convite tentador à sedução. – Você precisa me soltar – ela pediu, cutucando o braço dele. – Não. Estou bem confortável assim. Isabella bufou de raiva, mas ficou quieta. Depois de alguns minutos de um silêncio abençoado, Richard achou, tinha esperanças de que, ela havia dormido e fechou os olhos. Pela segunda vez, quando ele estava pegando no sono, ela quebrou o silêncio. – Isso não vai dar certo. – Do que você está falando? – perguntou Richard, depois de uma tossidela mal-humorada. Isabella relaxou o corpo e se amoldou ao tórax dele. – Perca suas esperanças se acha que vai me seduzir com esse lampejo de gentileza. Seduzir? Ele tinha afastado a ideia desde o início, mas voltou a cogitar o assunto. Mesmo assim, ficou


sem saber se ria ou se maldizia os pensamentos que invadiram sua mente. – Por que posso perder as esperanças? – Sou imune ao seu... charme. – Charme? – Sim, falo desse seu jeito de me segurar sem se impor. Richard riu e depois deu uma tossidela. – Só estou prendo-a para que você não tente me apunhalar o coração enquanto durmo. – Acho que não. Se você estivesse tão preocupado com isso, teria ido dormir em outro lugar. – Você não acha estranho o que poderia parecer para os outros se dormíssemos separados na noite de núpcias? – Você deu o lençol forjado para ser exibido para os outros. Até onde eles sabem, você já... cumpriu seu dever. Richard revirou os olhos para cima. Cumpriu o dever? – Por isso concluo que essa... aproximação... é uma tentativa sua de sedução – ela continuou antes que ele se manifestasse. – Para que não fique dúvidas, repito que não vai adiantar. Richard tirou o braço debaixo da cabeça dela e a perna, virando-se para o outro lado. Àquela altura só restavam duas alternativas: Ou ele a calava com um beijou, ou a trancava numa cela e perderia a chave. Já sem paciência, ele se sentou na cama e jogou o travesseiro e uma das cobertas no chão. Debruçouse sobre ela e pressionou o dedo indicador na cabeça dela. – Estou muito cansado para pensar direito e continuar com essa luta. Você ganhou esse round, milady. Para que você também não tenha dúvidas... – Richard fez uma pausa quando ela o encarou. – .... Eu nunca na vida recuei de um desafio. – Mas eu não... Ele a calou cobrindo-lhe os lábios com um beijo. Não importava mais o que dissesse, ela podia mentir para si mesmo, mas o corpo dela não mentia. Richard desvendou a verdade no instante em que sua boca tocou aqueles lábios macios.


CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B873c Brisbin, Terri Coração honrado [recurso eletrônico] / Terri Brisbin; tradução Silvia Moreira. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Harlequin, 2015. recurso digital Tradução de: The dumont bride Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-398-2030-6 (recurso eletrônico) 1. Romance americano. 2. Livros eletrônicos. I. Moreira, Silvia. II. Título. 15-26668

CDD: 813 CDU: 821.111(73)-3

PUBLICADO MEDIANTE ACORDO COM HARLEQUIN BOOKS S.A. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE DUMONT BRIDE Copyright © 2002 by Theresa S. Brisbin Originalmente publicado em 2002 por Harlequin Historical Arte-final de capa: Isabelle Paiva Produção do arquivo ePub: Ranna Studio Editora HR Ltda. Rua Nova Jerusalém, 345 Bonsucesso, Rio de Janeiro, RJ – 21042-235 Contato: virginia.rivera@harlequinbooks.com.br


Capa Texto de capa Teaser Querida leitora Rosto Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Epílogo Próximos lançamentos Créditos


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