Resenha do livro Entre Amigos, de Amós Oz

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SALVADOR SÁBADO 5/4/2014

O sonho do Kibutz e a solidão da humanidade nas palavras de Amós Oz

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Divulgação

Lara Perl

ENTRE AMIGOS / AMÓS OZ

lara.perl@grupoatarde.com.br

Aos 15, Amós Oz saiu da sua casa em Jerusalém e mudou-se para um kibutz, comunidade agrícola organizada a partir de princípios socialistas. Era 1954, e o estado de Israel completava seis anos e meu pai também. As três décadas que Oz viveu no kibutz Hulda já foram intensamente exploradas em sua obra e agora ganham um novo olhar no livro Entre Amigos. A partir de oito histórias, o autor mostra o funcionamento e os ideais do kibutz como cenário intensificador de dramas universais que trazem a solidão, a distância entre as pessoas e a dimensão frustrante dos ideais.

Companhia das Letras / 135 páginas / R$ 34 / companhiadasletras.com.br

Os kibutzim dos anos 1950, em Israel, desenvolviam diversas atividades agrícolas

Sonho

O adolescente Oz foi em busca de uma vida simples e de trabalho físico, mas, ironicamente, encontrou no kibutz sua vocação para a escrita e convenceu os chaverim (companheiros) a liberá-lo do trabalho para dedicar-se às palavras. Mati Perl (meu pai) também foi em busca de ideais: integrava um grupo juvenil de esquerda que passava temporadas no kibutz Malkiya. Depois do exército, mudou-se definitivamente para lá. Cuidou das plantações

Nas oito histórias que compõem o livro Entre Amigos, Oz mostra o kibutz e seus ideais como cenário de grandes dramas universais

de abacate por três anos, mas, sempre que podia, voltava sempre para visitar seus chaverim. Se Amós Oz e Mati Perl viajaram algumas horas de ônibus para chegar em seus kibutzim, jovens do leste europeu criaram o movimento quando migraram no início do século 20 para fundar as primeiras comunidades. Eram grupos sionistas que estabeleceram uma vida comunitária, na qual todos trabalha-

vam na terra e dividiam igualmente os bens. Tudo era de todos (até mesmo as crianças) e a vida simples traria a felicidade. Mas Oz mostra que a solidão fala mais alto em um lugar onde ela não deveria existir e que o ideal do kibutz, por ser um sonho, acaba quando se realiza. Ainda hoje, existem 270 kibutzim em Israel. Alguns mais próximos, outros distantes do

kibutz Ikhat dos anos 50, cenário ficcional de Entre Amigos.

Companheiros

A cada página do livro, os jardins impecáveis do kibutz tomam forma. Eles são minuciosamente cuidados pelo polonês Tzivi, senhor solitário que costuma anunciar aos amigos notícias de tragédias que escuta na rádio. Em certo momento,Tzivi decide assistir a uma aula de es-

Roberto Maryuk / Divulgação

LIVRO

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peranto, convocada por Martin Vanderberg, idoso muito doente que insiste em continuar trabalhando como sapateiro. “O trabalho é uma obrigação moral e espiritual”, dizia ele. Era sobrevivente do holocausto e propôs aulas de esperanto no seus últimos dias de vida, acreditando que uma língua universal uniria todos os povos e acabaria com os estados, governos e conflitos. A jovem Osnat, que cuidou dele nos últimos anos de vida, gostava de ouvir sua filosofia idealista e positiva. Ela, no entanto, passa por um momento triste, já que o seu marido a trocou por outra mulher. O secretário do kibutz, Ioav, se preocupa com o futuro das famílias. Precisa conciliar de todos os desejos individuais e coletivos, convocar as assembleias. Mas muitos problemas aparecem. Roni Schindler, conhecido pelas suas piadas provocativas, entrou na escola e espancou uma criança que tinha batido no seu filho. O jovem Artur quer estudar na Itália. Nina organiza um movimento para que as crianças voltem a viver com seus pais. Na intimidade das casas, silêncio. Descrevendo sentimentos e angústias de personagens que se veem cada vez mais sozinhos, Oz fala na primeira pessoa do plural: nós. Ele ainda é um chaver, assim como meu pai, que descansa em seu kibutz.

LETRAS

Marcelo Yuka conta em livro sua versão sobre a saída de O Rappa

Alagados é uma das sedes da Flupp Brasil nos dias 9 e 10 de maio

VERENA PARANHOS

Um instante pode mudar a vida de uma pessoa para sempre, de modo a dividi-la entre o antes e o depois de um acontecimento. O dia em que foi alvejado por nove tiros e teve seu destino atrelado a uma cadeira de rodas foi o momento decisivo para Marcelo Yuka, então baterista e letrista da banda O Rappa. No livro Marcelo Yuka – Não Se Preocupe Comigo, ele conta sua versão sobre este dia trágico e outros dramas de sua vida. “Fui informado depois que iam assaltar uma moça que saía de uma garagem que estava em frente ao meu carro. Havia uma situação ali. Depois disseram que eu tentei salvar essa moça. Nada disso – eu estava tentando me salvar. Não sou esse herói que quiseram pintar”, conta. A biografia tem texto do jornalista Bruno Levinson, também autor de Vamos Fazer Barulho! Uma Radiografia de Marcelo D2. O livro foi escrito em primeira

A biografia tem texto do jornalista Bruno Levinson, também autor de Vamos Fazer Barulho! Uma Radiografia de Marcelo D2 pessoa com base em mais de 30 entrevistas realizadas com Yuka nos últimos cinco anos. Isso confere à obra um tom de depoimento, em capítulos curtos, com linguagem clara e direta. O livro apresenta aspectos da vida do artista desde a infância humilde, em Campo Grande (RJ), passando pela adolescência e o começo na música.

DA REDAÇÃO

MARCELO YUKA – NÃO SE PREOCUPE COMIGO / BRUNO LEVINSON

O jornalista Bruno Levinson e Marcelo Yuka, no lançamento

Primeira Pessoa / 240 p. / R$ 29,90 /esextante.com.br

Tem grande importância na obra os desdobramentos dos eventos relacionados à paralisia: a saída d’O Rappa, não ter mais força para tocar bateria e ter que aprender a lidar com as dores constantes. A mágoa de Yuka com O Rappa está ligada à falta de consideração com que foi tratado pelos ex-companheiros.

der o que era aquilo”, confessa, sobre o bandido mais procurado do Rio de Janeiro à época. Marcelo Yuka continua engajado em causas sociais e políticas. A saúde complicada tem encontrado alento na ioga e meditação. Ele tem como planos voltar ao mar, em uma travessia Rio-Niterói, de caiaque, e finalizar seu disco solo.

“Eles tomaram a decisão de me tirar da banda por eles mesmos, porque quiseram. Não foi pressão de gravadora para produzir disco novo nem nada”, afirma em um trecho. Também ganham capítulos da obra as amizades com o poeta Waly Salomão e as vezes em que encontrou com o traficante Marcinho VP. “Eu queria enten-

Dia de França eterna Hélio Pólvora Escritor, membro da Academia de Letras da Bahia

Há sempre um dia D na vida das pessoas. O grande dia de Menezes, velho amigo de andanças em Salvador, ele aluno dos Maristas e eu do Colégio Americano (mais tarde, 2 de Julho e agora faculdade), ocorreu em setembro de 1944, quando os padres, vibrando de patriotismo, decidiram festejar a França livre. Os aliados – ingleses, americanos e franceses livres – enganaram os nazistas; em vez de Calais, desembarcaram em outro ponto na Normandia, a 6 de junho de 1944. Eram 350 mil. Em setembro tomavam Paris, à frente o general De Gaulle. Os padres franceses dos Maristas, que ensinavam francês com fervor, abraçaram-se, gritaram, choraram de emoção. E no pique da explosão de júbilo organizaram um ato cultural que atraiu personalidades baia-

nas e anônimos estudantes de outras escolas. Fui um destes, advertido e convidado pelo próprio Menezes. Bom aluno, ele mastigava um francês razoável. Sabia de cor trechos do Velho Testamento: “Et Dieu créa le ciel et la terre”...Ou: “Caën, Caën, où est ton frère Abel?”. E Abel, em grosseira resposta a Jeová: “Suis-je le gardien de mon frère?” Foi indicado por unanimidade para declamar, no pátio, mensagem de De Gaulle transmitida de Londres pelo rádio. Além de estudante aplicado, tinha porte atlético, desembaraço e voz potente. Organizados em pelotões militares, os alunos envergavam, majestosos, a farda de gala, que era branca, de botões e dragonas douradas. O capacete tinha um jorro de plumas. Os padres diretores e as autoridades estaduais e municipais ocupavam uma sacada transformada em palanque de honra. Admirei o Menezes. Galgou o pódio, em passadas firmes, aprumou o capacete de comandante-em-chefe e começou:

A Flupp Brasil reúne, a partir do dia 25 de abril, autores brasileiros e estrangeiros em quatro das sedes que receberão jogos da Copa do Mundo. A Cidade Industrial, em Curitiba, será a primeira comunidade a receber a festa literária que visa a formação de novos autores, com foco nas comunidades, nos dias 25 e 26 de abril. Em maio, nos dias 9 e 10, será a vez de Alagados, em Salvador. E já está confirmada a presença do escritor e antropólogo francês Jean Yves Loud. A Flupp Brasil substitui a Flupp Pensa, evento que teve duas edições (2012 e 2013) no Rio de Janeiro. Nesse novo formato, o evento apresentará 40 novos autores que terão seus textos publicados em um livro, com lançamento previsto para agosto. Inscrições no site (www.flupp.net.br) até a véspera de cada evento.

CURTAS “La France a perdue une bataille, mais la France n´a pas perdue la guerre. Des gouvernements de rencontre ont pu capituler, cédant à la panique, oubliant l´honneur, livrant le pays à l´ennemie”. (A França perdeu uma batalha, não a guerra. Governos ocasionais, esquecidos da honra, capitularam, cedendo ao pânico, entregando o país ao inimigo”). Soberbo, o Menezes. Fez uma pausa dramática, passeou o olhar sobre as cabeças, prosseguiu: “Cependant, rien n´est perdu. Dans l´univers libre, des forces immenses n´ont pas encore données. Un jour, ces forces écraseront l´énemie.” (No en-

tanto, nada está perdido. No mundo livre, forças imensas ainda não entraram em ação. Um dia, essas forças esmagarão o inimigo”). E por aí afora. Os padres choravam alto, convidados tinham os olhos marejados. Um acontecimento ímpar, apenas comparável, na sucessão de lances da Segunda Guerra Mundial, à entrada da vanguarda russa em Berlim e anúncio do fim do conflito. Despidos os paramentos, devolvido às proporções comuns de qualquer sul baiano jovem, embora ainda de ego exaltado, Menezes foi sentar-se à sombra de árvores no Campo Grande,

Foi indicado para declamar, no pátio, mensagem de De Gaulle transmitida de Londres pelo rádio

O Campo Grande era a referência dos alunos do Padre Vieira, Americano e Maristas, aos domingos

vadiar pelas aleias, chutar pedrinhas. O Campo Grande era então a referência dos alunos do Padre Vieira, Americano e Maristas, aos domingos. Aonde mais ir, se nenhum de nós tinha dinheiro sequer para o bonde, para o sorvete de casquinha? As mesadas de casa eram pequenas, findavam logo. Falava-se muito, por isso; ideais e acontecimentos eram revisados naquelas lengalengas domingueiras. Havia quem admirasse o marechal Rokossovsky, o general Eisenhower e até mesmo Pétain ou Von Rommel. Alguns embates acabavam em discussões azedas, empurrões, ameaça de sopapos. Menezes, que torcia pelos russos, divulgava o comunismo e mais tarde me apareceu no Rio de Janeiro com uma carta de apresentação para Plínio Salgado, cortejava as moçoilas em flor que passeavam aos pares. “Princesinha...”, sussurrou, com ademanes de Clark Gable, para uma. “Merda”, retrucou a garota. A palavra soou doce para todos nós embriagados de juventude.

Editora baiana lança livros didáticos A editora baiana Aê lança, no próximo dia 10, a coleção de livros paradidáticos Show de bola e Cidadania, dos autores Saulo Dourado e Breno Fernandes. A série, composta por três volumes, é fruto de várias reuniões da dupla com pedagogos, antropólogos, sociólogos e educadores. O evento acontece no salão de eventos do Hotel Mercure Salvador Pituba, às 10 horas, e contará com a participação da professora e ex-reitora da UEFS Anaci Paim, do professor Jorge Portugal e dos autores e editores.

A série é composta por três volumes, fruto de reuniões dos autores com pedagogos e antropólogos


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