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Crescimento das Cidades O crescimento natural dos centros urbanos deu-se por diversos motivos, mas pode-se destacar alguns como a compressão do espaço que resulta em uma maior eficiência temporal e a capacidade de aproximar as relações sociais. O meio urbano é naturalmente um espaço dinâmico que aumenta a criação de trabalho, possui maior assistência médica e meios de socializar. A cidade tem um potencial de fazer a vida humana florescer e tem a capacidade de, em um menor espaço de tempo, disseminar as criações do espírito humano. Os agrupamentos humanos sempre refletiram um sentido de proteção, a polis atrai as pessoas quase que por um instinto humano natural, que move o indivíduo para o lugar onde seus potenciais floresçam e seu conhecimento se amplie e se dissemine de maneira sólida e segura. Dito isto, a partir de 2008, a maioria da população mundial, que era do campo, migrou para as áreas urbanas. Mais da metade da população mundial vive agora nos centros urbanos. Como explica Townsend (2013, p. 2):


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“As cidades floresceram no século XX (...), em 1900 apenas 200 milhões de pessoas viviam nas cidades, um oitavo da população naquela época. Hoje, (...) 3.5 bilhões chamam uma cidade de casa. Em 2050 as Nações Unidas projetam que a população urbana irá expandir para 4.5 bilhões. Em 20100, a população global será de 10 bilhões de pessoas e a população urbana de 8 bilhões. (...) Isso irá proporcionar o maior crescimento de prédios da humanidade. Hoje a Índia precisa construir o equivalente a uma Chicago todo o ano para manter a demanda para moradia urbana. Em 2011 a China anunciou planos para construir 20 novas cidades todo o ano até 2020, para acomodar a estimativa de 12 milhões de migrantes chegando anualmente das zonas rurais. (...) O Brasil vai gastar tempo reconstruindo suas favelas. Na África subsaariana, onde 62% dos moradores das cidades vivem em favelas, a população está projetada para dobrar na próxima década. Apenas no mundo desenvolvido, é estimado que cerca de um milhão de pessoas nasçam ou migrem para cidades toda a semana”

Figura 1 - Cidade de São Paulo. Fonte: Acervo Pessoal


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A realidade brasileira não é diferente: “A imensa e rápida urbanização pela qual passou a sociedade brasileira foi certamente uma das principais questões sociais experimentadas no país no século XX. Enquanto em 1960, a população urbana representava 44,7% da população total – contra 55,3% de população rural – dez anos depois essa relação se invertera, com números quase idênticos: 55,9% de população urbana e 44,1% de população rural. No ano 2000, 81,2% da população brasileira vivia em cidades. Essa transformação, já imensa em números relativos, torna-se ainda mais assombrosa se pensarmos nos números absolutos, que revelam também o crescimento populacional do país como um todo: nos 36 anos entre 1960 e 1996, a população urbana aumenta de 31 milhões para 137 milhões, ou seja, as cidades recebem 106 milhões de novos moradores no período” (ROLNIK, 2001). A situação do crescimento das cidades é algo vivenciado a muito tempo, a racionalização urbana gerou a possibilidade das cidades crescerem de maneira que antes eram inimagináveis, onde cidades com milhares de habitantes passaram a ter milhões de habitantes, utilizando a verticalização e racionalização das quadras. Entretanto, um novo nível de crescimento está sendo exigido, como é possível observar. Diante desta realidade, conclui-se que é necessário não só o entendimento maior destas demandas urbana e de projetos urbanos, mas também de novos métodos para desenvolver o terreno onde essas mudanças urbanas irão ocorrer. Diversas companhias perceberam esta necessidade crescente e desenvolvem ideias e produtos para ajudar na evolução das cidades, para escala-las para as necessidades dos próximos anos. Empresas como CISCO, IBM, Intel, Siemens, Oracle e SAP defendem um


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desenvolvimento inteligente das cidades, controlando sua infraestrutura por meio de sensores que se conectam como os nervos do corpo humano, transformando estas cidades em cidades mais inteligentes, “seguras, funcionais, competitivas e sustentáveis” (KITCHIN 2013b), tal desenvolvimento seria feito de maneira centralizada, aplicada de forma especializada e precisa, visando a ampliação dessas cidades para que elas possam florescer seus reais potenciais. A cidade, se expandindo em eficiência, conseguirá abrigar mais pessoas em menos espaço. Tal como aconteceu nos períodos de rigorosas transformações urbanas proporcionadas pelo advento do automóvel, cidades começaram a alterar sua estrutura gerando a possibilidade de uma expansão periférica quase indefinida. Entretanto, tal modelo, já saturado, gera uma segregação e setorização insuportável nos grandes centros. Historicamente, com o crescimento da indústria automobilística, cidades começaram a alterar suas estruturas para abrigar a introdução do automóvel. Na década de 40, a população americana começou a alterar seu estilo de vida para abrigar novas rodovias, e então a malha e estrutura das cidades foram mudadas de maneira drástica, exigindo da população a adaptação a um estilo de vida implantado por um planejamento centralizado que elevou a possibilidade de crescimento destas cidades (TOWNSEND, 2013). Uma relação é criada por essa situação histórica: nos centros urbanos, quanto mais pessoas surgem, mais devem se submeter a uma transformação urbana centralizada, para aumentar a possibilidade de crescimento destes centros, ao mesmo tempo em que esses indivíduos vão perdendo o direito de alterar estes centros de acordo com suas vontades, ficando sujeitos ao poder do planejamento central. Quanto mais pessoas aparecem, menor o poder de mudança que elas possuem. Um cidadão em uma cidade grande perde, conforme o crescimento dessa cidade, sua


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liberdade criativa diante desta cidade, e rompe de algumas maneiras essa falta de liberdade com certas atividades externas e menores, reduzindo sua possibilidade de tomada de espaço a certos “pinups” urbanos e civic hackings. Tudo isso parece necessário para possibilitar e abrigar sempre mais pessoas dentro do meio urbano: Quanto mais gente, mais rigidez. Como dissolver esta rigidez que corta a possibilidade criativa do indivíduo no meio urbano? Eis a pergunta que fica. Para a expansão de eficiência dentro das cidades que, de certo, se mostra necessária para diminuirmos os espaços ocupados conseguindo preenche-los com maior qualidade e com menos desperdício, algumas ferramentas tornam-se extremamente úteis. Tais ferramentas servem para ampliarmos e melhorarmos as cidades para a escala e necessidade de um futuro que já se faz quase presente. Para adquirir este nível de precisão do qual é necessário para se criar propostas e espaços mais eficientes, é necessária a utilização de ferramentas que possam medir de maneira eficiente a pulsação, o ritmo de nossas cidades. Este trabalho analisa duas destas possíveis ferramentas, que se complementam para criar analises precisas tão necessárias para as exigências de hoje. Será analisado a seguir duas ferramentas que podem cumprir o papel de interpretador preciso de nossas cidades. Tal qual o medidor de pressão que o médico utiliza nos braços do paciente para medir seus batimentos, estas ferramentas servem para medir a pulsação da cidade, utilizando cada referência, cada sensor, cada SmartPhone para criar uma malha de informações que possibilitam a ampliação da eficiência de espaços, transportes e da qualidade de vida dos cidadãos, aumentando assim a “saúde” para poder abrigar sempre mais indivíduos nestas cidades. São elas a Internet das Coisas e o Big Data.


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Internet das Coisas Falando de maneira geral, a internet das coisas, que também pode ser chamada de internet dos objetos, representa a intercomunicação digital dos dispositivos utilizados diariamente, que são em geral equipados com computação ubíqua. Este termo, por sua vez, diz respeito a um “modelo de computação no qual usuários móveis, serviços e recursos são capazes de descobrir outros usuários, serviços e recursos. A ideia básica é que a computação mova-se para fora das estações de trabalho e computadores pessoais e torne-se pervasiva em nossa vida cotidiana” (SIMPÓSIO BRASILEIRO DE REDES DE COMPUTADORES, 2003). Como diz Xia et al., a “internet das coisas vai aumentar a ubiquidade da internet integrando os objetos do dia a dia via sistemas integrados, que levará a uma alta distribuição de redes de dispositivos que se comunicarão com seres humanos e outros dispositivos” (2012).


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A internet das coisas é caracterizada como a troca de informação entre dispositivos eletrônicos que estão conectados à internet. É importante destacar que dispositivos são comumente entendidos como objetos projetados com uma finalidade específica, podendo ele ser simples ou complexo, analógico ou digital. Quando um dispositivo se conecta a internet pode gerar informações, e tais informações podem ser reutilizadas pelo próprio dispositivo: Uma geladeira que, por meio de sensores, percebe que está ficando vazia, pode colocar esta informação na rede, e tal informação pode ser reutilizada por algum outro dispositivo para, por exemplo, pedir alimentos na internet para preencher esta geladeira. Todo esse processo gera informação que pode ser retida não só no hardware do dispositivo, mas também na própria rede. Em 2008 atingimos o ponto onde existem mais dispositivos conectados à internet do que pessoas no mundo conectadas à internet e este número tem crescido abundantemente desde então. Estamos diante de uma nova relação (TOWNSEND, 2013). Onde antes existia a relação de pessoas com coisas, informação ou outras pessoas; relação de informação com informação ou outras pessoas, hoje temos presente a relação de dispositivos com dispositivos. Podemos ver coisas se relacionando com coisas e coisas se relacionando não só com elas próprias mas com as informações que elas geram. Esta é a nova dinâmica criada pela internet das coisas. As coisas ganharam uma capacidade de comunicação com elas mesmas e com a própria informação que elas mesmas ou outras coisas geram. Uma relação de máquina com máquina (SHANE MITCHELL, 2013). E é neste tipo de relação em que a geladeira que foi citada anteriormente se encaixaria. Ela se relacionaria com as informações que ela própria, por meio de sensores que estejam nela ou nos produtos dentro dela criaram, e a partir deste relacionamento surge uma interpretação de informação que possibilita alguma


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ação seguinte como, por exemplo, pedir a comida que está acabando na geladeira pela internet. Este conceito está em atuação constante, todos os dias surgem dispositivos cada vez menores e mais sofisticados conectados à internet, dispositivos de utilização diária e universal como uma escova de dentes (STARTUP FRANCESA LANÇA NA CES ESCOVA DE DENTES CONECTADA À INTERNET, 2014) e outros dispositivos como relógios (IWATCH PODE SER O PRÓXIMO GADGET REVOLUCIONÁRIO DA APPLE, 2013) todos conectados à internet, captando informações e as transformando de maneira útil. No primeiro caso, vemos um produto trivial do dia a dia conectado à internet. Por meio de sensores, a escova de dente pode detectar informações biológicas do usuário e compara-las em um banco de dados on-line, podendo assim prever doenças bocais, criando a possibilidade de indicar para o usuário algum possível tratamento. Estas são algumas inovações que a internet das coisas possibilita, a pervasividade do meio digital no contexto diário. O termo não diz respeito portanto somente a coisas conectadas à internet, mas a uma internet que seja realmente das coisas, uma rede onde não há apenas pessoas trafegando, mas coisas também, coisas que geram informações e compartilham informações. (PALESTRA... [2016]) Desta forma, a internet das coisas faz crescer de maneira acelerada a quantidade de informações criadas e armazenadas ao redor do mundo. Tal crescimento de informação tem como princípio o crescimento da conexão de rede móvel, como a conexão wi-fi e a conexão 4G. Pode-se destacar que tal tipo de conexão é o tipo de conexão com maiores usuários no mundo se comparado com a conexão fixa. Existem mais dispositivos conectados à rede de maneira móvel do que de maneira fixa desde 2008. Tal conexão móvel gera a possibilidade de transmissão de


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informação de virtualmente qualquer lugar e isto é justamente o que possibilita o crescimento massivo de informações que existem no mundo atualmente (TOWNSEND, 2013). No contexto urbano, a internet das coisas é um conceito importante na capacidade de transformar as relações humanas com os objetos e, por consequência, a relação com as cidades. O conceito de internet das coisas pode ser usado em favor da maior integração social entre pessoas, além de da possibilidade de utilização como ferramenta para a diminuição de problemas ambientais, consumo de energia, desperdício de recursos, etc. A partir da ideia de que a criação urbana se efetiva de maneira física, pode-se aplicar o conceito de internet das coisas nos componentes físicos urbanos para faze-los “inteligentes”. Luminárias urbanas não precisam ser apenas fornecedores de luz, podem ser roteadores wi-fi, sensores de movimento, detectores de presença, etc., mas a grande diferença vem de fato se tal luminária urbana for integrada a rede e poder comunicar as presenças que ela detecta com seus sensores, o horário em que essas presenças são detectadas, a quantidade de pessoas que se conectam a sua rede wi-fi, e assim por diante (SHANE MITCHELL, 2013).

Figura 3 - Cidade de São Paulo. Fonte: Acervo Pessoal


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A partir desta informação é possível criar uma malha de mobiliários urbanos, itens urbanos, etc., conectados e conversando entre si e conversando com as pessoas desta mesma cidade. Radares inteligentes que controlam o trafego a partir de sensores e que se comunicam entre si, luminárias inteligentes que economizam energia ascendendo suas luzes apenas na presença de alguma pessoa, além de medir o fluxo de pessoas que passam por ela e comunicar esta informação para a administração pública, e assim por diante. Esta ferramenta cria uma malha de informação complexa, que leva em consideração dados que são de difícil acesso por pesquisas de campo, tudo isso em tempo real. Tal é a importância que a internet das coisas pode ter no meio urbano: Pode criar uma maior eficiência nas ações e no entendimento urbano.


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Além dos dados de internet das coisas poderem ser localmente interessantes, o crescimento de informação gerado pela internet das coisas deposita na rede uma quantidade enorme de dados que, por sua vez, podem e devem ser interpretados para um melhor entendimento destas informações. As informações acumuladas por tais dispositivos podem ser lidas de tal maneira que dá a quem analisa o conjunto de informações a possibilidade de identificar características do próprio comportamento humano e, consequentemente, do funcionamento de nossas cidades como um todo (MILLER, 2010). Quando aplicado localmente, a internet das coisas pode gerar benefícios locais, além de possibilitar a integração física e digital dos objetos e pessoas, mas quando analisados de maneira total, surge o que pode ser chamado de Big Data ou, literalmente, “grande informação”.


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Big Data É comum atualmente se defrontar com o conceito de Big Data ou, traduzindo livremente, “grande informação” nos debates sobre tecnologia nas revistas especializadas e principalmente nos artigos digitais. Apesar de não ter o conceito bem definido, o termo Big Data contrasta com as informações coletadas de maneira analógica. É mais simples entender o que significa Big Data se comparado com a maneira analógica de se coletar e analisar informações: Nas pesquisas feitas a campo utiliza-se formulários, com perguntas específicas, ou entrevistas, ou métodos parecidos, para se entender um determinado comportamento, preferência ou informação. Tais métodos analógicos conseguem captar uma parcela de informações, limitada normalmente por perguntas, tempo e muitas vezes pela opinião dos pesquisados que podem não coincidir com suas próprias realidades e ações. Tais informações devem ser necessariamente analisadas após a captação, contadas, tabeladas, etc., para poderem ter alguma validade na utilização. Pode-se dizer que este tipo de coleta e análise de dados é em certo nível desejável e eficiente, e em certos casos pode ser barato. Entretanto, quando escalada a necessidade de informações, como em um censo por exemplo, fica-se diante de uma clara limitação deste método. As informações serão, em comparação com o tamanho da demanda, limitadas, demoradas, além de serem caras por exigirem uma grande quantidade de trabalhadores para analisar tais informações. (MILLER, 2010) Pode-se entender o termo Big Data, portanto, pelas suas características que contrapõem com as informações captadas de maneira convencional. As características principais são as de ser incrivelmente grandes em volume de informações no mesmo tempo em que são rápi-


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das para serem captadas, além de serem incrivelmente abrangentes pois podem captar informações de grupos inteiros ou populações inteiras. As informações possuem grande variedade, como gênero, número, podendo ser referenciadas espacialmente, o que cria uma grande capacidade de análise, além de poderem ser relacionadas umas com as outras. Por fim, podem ser escaladas, aumentando a abrangência e a flexibilidade das informações como novas variedades de captação. O Big Data, ou grande informação, é de uma utilidade incrível quando em face a grande dimensão. Se precisarmos de uma análise local, pequena, podemos utilizar um método de pesquisa convencional, mas se nos depararmos com uma necessidade de um volume grande de informações, como em um censo, os princípios de Big Data podem ser altamente eficientes (KITCHIN, 2013a)


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A ideia de Big Data, portanto, tem a capacidade de captar e transformar informações de maneira incrivelmente eficiente, moldando-as em algo de alta precisão que é gerada pelo volume de informações captadas, inteligentemente organizadas graças a capacidade dos sistemas de informação, que podem aprimorar as inter-relações entre as informações coletadas. Isto gera uma possibilidade de sofisticação nas informações captadas, que podem ser captadas em tempo real ou muito aproximado, o que possibilita a análise constante das informações, além de ser relativamente mais barato se comparado com os métodos tradicionais, quando aplicados em larga escala (KITCHIN, 2013b).


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Atualmente sofremos um processo revolucionário no crescimento de informações criadas e de armazenamento. Kitchin nos oferece uma boa visão do crescimento das informações ao redor do mundo: “Zikopoulos et. al. detalha que em 2000 cerca de 800000 petabytes (250 bytes) de informação foram guardadas no mundo (2012). Em 2010, MGI “estima que empresas no mundo todo armazenaram mais de 7 exabytes (260 bytes) de novas informações em discos rígidos... enquanto consumidores guardaram mais de seis exabytes de novas informações em dispositivos como computadores e notebooks” (MANYIKA et al., 2011) Eles estimaram posteriormente que em “2009, quase todos os setores da economia americana terão pelo menos uma média de 200 terabytes (240 bytes) de informações gravadas... por companhia com mais de 1000 funcionários. Muitos setores têm mais de um petabyte em informações gravadas por companhia.” Baseado em sua revisão no crescimento do volume de informações, Manyika et al. (2011) projetou um crescimento de 40% em criação de informação no mundo por ano. O crescimento é tão fenomenal que Hal Varian, economista chefe do Google, estima que mais data está sendo produzido a cada 2 dias no presente que em toda a história anterior a 2003 (SMOLAN; ERWITT, 2012) e Zikopoulos et al. (2012) espera que o volume de informações chegue a 35 zetabytes (270 bytes) em 2020” (2013b) (2013a).

Estes dados revelam o assombroso crescimento de informação pelo qual o mundo passa atualmente. Informações que tem um verdadeiro potencial de transformação, e que são captadas e criadas a partir dos dispositivos conectados a rede, como os smartphones, computadores, e também alguns dispositivos que ficam integrados a rede. O conceito de internet das coisas revela como os itens que usamos no dia a dia podem ser instrumentos para a criação de mais informações. Estas informações são de utilidade variável, de extrema importância em diversos setores do


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conhecimento, como o de transporte, turismo, segurança, transformando esta ferramenta em um forte aliado ao urbanismo. O conceito de Big Data, portanto, é aplicado diante de uma grande quantidade de informações capitadas, armazenadas e analisadas. Não é necessariamente diferente das informações coletadas manualmente, sua diferença consiste basicamente em seu volume e em seu método de análise. A eficiência das análises por meio do grande volume e dos métodos de análise é o que dá destaque para este método e é o que possibilita uma transformação revolucionária no método em que as coisas são produzidas, transportadas e criadas. As informações em geral vêm de diversas fontes, e sua captação não é coisa atual mas, mesmo assim, a evolução e aperfeiçoamento dos métodos de coleta podem causar transformações revolucionárias no mundo, pois como diz . O caso do nascimento da indústria multibilionária IBM, que nasceu da necessidade de captação de dados, é um exemplo de como a expansão da capacidade de absorver informações pode transformar o mundo. Como diz Townsend, no final do século 17 os EUA estavam crescendo de maneira vertiginosa graças a imigração, ocasionada pelo seu crescimento econômico. Desde sua fundação, escrito na sua constituição, constava a necessidade de se fazer um Censo de 10 em 10 anos. Entretanto, graças a este crescimento, a capacidade de contagem das tecnologias da época estava em desvantagem em relação a velocidade de crescimento do país. A partir desta necessidade, Herman Hollerith desenvolveu sua máquina de contar, a partir de um cartão perfurado que funcionava segundo a lógica de números binários. Tal máquina conseguiu salvar o senso americano, pois o Censo conseguiria ser completo em muito menos de 10 anos, tendo seus resultados completamente anunciados em cerca de um ano e


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meio (2013). Por meio dessa invenção, não só o tempo de avaliação do Censo diminuiu mas também a complexidade das perguntas aumentou, pois agora uma maior quantidade de informação poderia ser computada. Este crescimento na capacidade de absorção e analise de informações gerou, em 1900, um Censo complexo e mais preciso, com informações mais definidas e contadas em menor tempo. Tal tecnologia foi posteriormente aplicada não só a governos, mas também ao mercado de cargas, e posteriormente transformada em uma tecnologia de medições estatística muito aprimorada, que culminou, em 1911, após a aposentadoria de Hollerith, sob a presidência de Thomas J. Watson, na renomeação da empresa para IBM. Esta empresa por meio do desenvolvimento das tecnologias de informação transformou não só a capacidade de contagem de informações, como também a inter-relação delas. A infraestrutura necessária para o controle aéreo só existe graças as inovações neste setor propostos pela IBM. Graças a tecnologia proposta pela IBM para as redes aéreas, foi possível pela primeira vez computadores ficarem conectados em uma rede que permitia pessoas incluírem informações e pedidos e “isso não deixou apenas os americanos coordenarem suas operações melhor, isso revolucionou a viagem aérea e deu a base para a globalização econômica e o crescimento urbano revolucionário” (TOWNSEND, pág. 63, 2013). Para ilustrar melhor este efeito que o domínio sobre as informações pode causar, pode-se também citar como exemplo o crescimento dos transportes no final do século XVII, onde as mercadorias tinham uma maior velocidade de chegada do que as informações sobre as mesmas. Com o advento do telégrafo, as mercadorias chegavam depois de as informações sobre as mesmas serem transmitidas. Tal evolução possibilitou não só a expansão do volume enviado de mercadorias nos períodos


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de crescimento da indústria, mas também possibilitou o crescimento das comunicações ao redor do mundo, expandindo tais comunicações para ramos ainda maiores (TOWNSEND, 2013). Estes exemplos servem para ilustrar não só todo o desenvolvimento tecnológico que necessitou para existirem atualmente ferramentas de disseminação de informação como a internet, mas também para ilustrar a possibilidade de transformação que as novas tecnologias de informação geram, com potencial para alterar todo o modelo econômico e diversas atitudes sociais comuns, além de transformarem e expandirem os centros urbanos. Como diz Miller, a quantidade de informações que pode ser armazenada hoje tem como origem nas pesquisas online, transações bancárias, conexões em redes sociais e comentários online, todas essas ações podem ter arraigada nelas outras informações como a geolocalização, o tempo de ação, e diversas outras informações agregadas. Tais informações podem gerar, no caso das vendas on-line, um perfil do consumidor, podendo por meio da análise de dados, entender os hábitos de um consumidor específico, podendo também fazer associações de suas preferências por meio dos dados de suas pesquisas on-line, ou por meio do que eles deixam em suas “cestas de compras”. A utilização da internet em geral pode deixar rastros que podem ser associados para criar certos padrões de entendimento social, como por exemplo, a interpretação de que lugares com baixo índice de entrada na internet podem ter relação com o comportamento econômico daquele lugar (2010). Estas são ferramentas utilizadas em geral pelos mercados para entender seus consumidores, mas para o desenvolvimento urbano existem algumas ferramentas de captação de informações especialmente importantes, as tecnologias de localização conscientes e as tecnologias de geolocalização. Ambas relacionam as ações de rede com a localização


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de quem age dentro da rede. Estas ações são de grande importância para se entender os acontecimentos dentro dos grandes centros porque, além das ações serem geolocalizadas, podem também ser relacionadas com o tempo. Pode-se saber onde e quando determinadas ações são tomadas na cidade relacionando esta ação com o tempo, graças aos dispositivos eletrônicos que indivíduos utilizam, como os smartphones ou os dispositivos de radiofrequência que ficam presos a objetos e podem transmitir informações de modo ativo ou passivo, tais como os que ficam dentro dos nossos passaportes. Este controle sobre a localidade e temporariedade das ações tomadas por certos indivíduos pode gerar preocupações relacionada a privacidade do mesmo, e tais questões serão discutidas mais à frente. Pode-se citar também as redes de geocensores, que servem para monitorar o ambiente, tais como sensores de humidade, movimento, etc, e são de grande utilidade para as cidades no conceito das Smart-Cities (MILLER, 2010). A partir das ferramentas de georeferenciamento, surgem não só informações geográficas relativas a um eixo cartesiano, mas podem ser incluídas ai a direção, que surge a partir da análise em tempo real de indivíduos ou dispositivos georefernciados, e a partir desta análise em tempo real, é possível deduzir também coisas como a velocidade em tempo real destas mesmas pessoas ou dispositivos. Pode-se atuar, portanto, em quatro dimensões, criando assim uma rede de informações que indica a posição, direção e velocidade de indivíduos e/ou dispositivos (MILLER, 2010). Tal informação pode ser utilizada, por exemplo, para o controle eficiente de trafego de veículos e pessoas em grandes centros, do mesmo jeito que já é utilizado para o trafego de aviões a mais de 50 anos (TOWNSEND, 2013).


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Smart City Foram analisados dois dois aspectos diferentes e complementares sobre como informações podem ser criadas e utilizadas. No primeiro caso, vê-se a internet das coisas atuando para criar uma ligação entre coisas e seres humanos, uma relação que transforme atitudes físicas quantificáveis digitalmente, caminhando na direção da computação ubíqua. É possível encarar a internet das coisas como uma primeira camada no desenvolvimento das cidades inteligentes, onde as informações coletadas pelos objetos conectados as redes são informações locais, que revelam comportamentos locais e podem gerar reações locais. Por meio desta primeira camada as relações sociais físicas podem ser amplificadas por meio desta ferramenta, e a coleta de informações pode ser também local. Como uma segunda camada aparece o termo Big Data, que consiste na expansão da análise das informações digitais da cidade. Big Data é a junção de todas as informações coletadas sobre determinada perspectiva para transformar a junção das informações locais em uma análise mais precisa sobre determinados temas. Estes dois fatores podem atuar de diferentes maneiras complementares e importantes dentro das cidades, ajudando não só no entendimento mas também na sua transformação eficiente e inteligente. Dentro deste sentido, aplica-se o termo Smart City. O termo diz referência, na maioria das vezes, as cidades que utilizam sistemas e dispositivos conectados, que geram informações que tem como objetivo entender e transformar seus espaços urbanos. Tais dispositivos consistem em objetos como sensores e câmeras, que servem para captar a humidade do ar, detectar locais com buraco nas pistas, manejar o desperdício de materiais, coleta de lixo ou a limpeza das ruas,


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vigilância para aumentar a segurança e traçar planos para detectar áreas de risco, etc. O termo também serve para designar cidades voltadas para o desenvolvimento aprimorado de seus centros comerciais, voltando suas políticas para as novas modalidades de empreendimento a partir de análise inteligente de dados, ou até mesmo designa a cidade que é, de certa maneira, coordenada por setores que determinam suas ações baseados em análise de dados feitos por empresas entendidas como “inteligentes”, como Cisco, IBM, Intel, etc. O termo é usado para descrever a ideia de desenvolvimento urbano baseado em novas tecnologias e em novas metodologias de empreendimentos. Para Townsend, Smart Cities “são lugares onde tecnologia da informação é combinada com infraestrutura, arquitetura, objetos do dia a dia, e até os nossos corpos, para acrescentar problemas sociais, econômicos e ambientais”. Esta definição abarca a complexidade do termo Smart City, que tenta qualificar e quantificar ao mesmo tempo os problemas das cidades, buscando soluções inteligentes para os mesmos (2013). A Smart City pode proporcionar analises e possibilidades de mudança no senário urbano quase que em tempo real. As grandes empresas que voltam seu foco a este tipo de serviço argumentam que será possível, com a introdução de suas ideias, controlar o trafego da cidade inteira de maneira centralizada, apenas observando as informações captadas pelos seus sensores, ou que será possível controlar os gastos com a coleta de lixo graças a sensores instalados nas latas de lixo e assim fazer a coleta apenas quando necessário: A partir de censores locais presentes nas latas de lixo, seria possível saber a quantidade de detritos presente em cada lixeira, criando assim a informação sobre a presença ou não de detritos na mesma. A partir desta informação, poderia ser informado aos serviços de coleta quando seria necessário passar para recolher os resíduos em certas regiões, deixando assim a coleta mais barata e eficiente. Portanto, a


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partir de informações locais que serão enviadas para um banco de dados, será feita uma análise para traçar a rota mais econômica para a retirada de resíduos. Outra ideia é aplicar este conceito de coleta local para traçar um plano geral utilizando vigilância. Algumas empresas e entidades defendem a vigilância e monitoramento de determinados locais estratégicos das cidades para poder criar um mapa eficiente de violência, criando assim meios de impedir e até prever acontecimentos criminosos baseado na análise de dados passados. (KITCHIN, 2013a) Alguns exemplos de como estas ideias tem sido aplicada, começando pela França, que aplicou o conceito da Internet das Coisas na cidade de Nice, criado pela empresa Cisco, implementando serviços como “iluminação inteligente”, “circulação inteligente”, “gerenciamento de detritos inteligente” e “monitoramento ambiental inteligente”. Além da França, a Cisco atuou também no Busan, criando um sistema integrado de informações públicas, atuou em Amsterdan transformando a iluminação da cidade e diminuindo o consumo em 20%, atuou em Chicago desenvolvendo um planejamento digital e oferecendo serviços voltados para os bairros da cidade além de atuar em Nova York no projeto City 24/7, uma plataforma de informação, projetos urbanos e revitalização da cidade. (KITCHIN, 2013a) Além destes exemplos, existe também o Centro de Operações, na cidade do Rio de Janeiro, projetado pela IBM. O Centro de Operações começou como um esforço do prefeito Eduardo Paes de prever os acontecimentos climáticos da região, logo após a catástrofe dos deslizamentos em 2011. Este esforço trouxe para a cidade equipamentos de medição proporcionados pela IBM, e tal iniciativa se expandiu não só no sentido meteorológico mas também para a segurança pública (TOWNSEND, 2013, p.90). Em seu site é possível encontrar que “O Centro de Opera-


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ções do Rio faz o monitoramento permanente da cidade e está sempre pronto para atuar em situações de emergência. Com um sistema de dados integrado e suas 560 câmeras, é o quartel-general onde se coordenam e planejam todas as ações em momentos de crise” (RIO DE JANEIRO, 2016) além de fazer parcerias com empresas de tecnologia como o Waze que serve, neste caso, para ajudar no gerenciamento do trafego na cidade. Estes exemplos servem para ilustrar o potencial das ideias que envolvem o termo Smart City. Entretanto, o exemplo de Songdo, uma cidade projetada para ser a maior Smart City do mundo, na Coréia do Sul, revela o poder utópico por trás desta ideia, e de como grandes corporações como a Cisco, batalham para implementa-la. Songdo foi criada primeiramente como uma cidade aeroporto, feita para atrair os voos comerciais da Ásia que em sua grande maioria utilizam como ponte a China. No entanto, a ideia não vingou, as companhias aéreas não aderiram a cidade como nova ponte aérea, mas o caminho estava aberto para a Cisco deixar seu marco na cidade (TOWNSEND, 2013).


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O marco seria transformar Songdo em uma Smart City complexa e totalmente conectada, um local onde seus moradores poderiam ter de maneira integrada na própria estrutura da cidade funções de estacionamento inteligente, compras, educação inteligente, planos de saúde inteligentes, portais digitais como os do Centro de Operações no Rio de Janeiro, internet regional e um cartão inteligente que daria acesso a todos estes itens além de possibilitar pagar as contas universalmente dentro da cidade, além de ter todos os cidadãos conectados a um sistema criado pela Cisco de videoconferência que possibilitaria entrar em contato até mesmo com seu médico da sala da sua casa (CITIES... 2011) . A ideia por trás de Songdo de ser uma cidade ubíqua tem como princípios algo que Mitchell descreveu em seu livro City of Bits: “Tal cidade não é enraizada em um local na superfície da terra, é moldada pela conexão e banda larga mais do que acessibilidade e valores da terra, em grande parte assíncronos em suas operações e habitadas por coisas não corporais e fragmentadas que existem como aglomeração de agentes. Estes locais serão construídos virtualmente por softwares ao invés de fisicamente por pedras e madeira, e eles serão conectados logicamente ao invés de serem conectados por portas, passarelas e estradas” (1996, p. 24).


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Quando se observa o exemplo de Songdo implantado pela Cisco e o exemplo do Centro de Conferências implantado pela IBM podemos ter uma pequena noção da dimensão e complexidade do termo Smart City. Em ambos os casos o termo é utilizado como um meio para a solução de problemas urbanos, transformando as soluções para problemas já conhecidos em ações mais precisas e “inteligentes”, utilizando sempre a tecnologia da informação e análise de dados. No caso de Songdo existe uma aplicação mais complexa e extensa das ferramentas das Smart Cities, já no Centro de Operações cria-se algo mais específico apesar de, ainda sim, ser muito complexo. Entretanto, a preocupação tecnológica na solução dos problemas está em ambos os casos acima das preocupações urbanísticas. Tais ideias urbanas revelam uma nova utopia urbanística visualizada pelas grandes companhias: Transformar nossas cidades atuais em utopias tecnológicas, uma cidade repleta de sensores, conectados de maneira inteligente o suficiente para capturar e armazenar informações, capaz de, pela análise histórica de dados, “prever” acontecimentos como trafego e enchentes, crimes e incêndios, para poder administrar com uma eficiência nunca antes sonhada. Toda a ideia é de certa forma positiva, mas não parece ter um fundamento profundo na questão urbanística das cidades, pois resume a solução dos problemas a introdução de mais tecnologia.


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UTOPIA TECNOLÓGICA: A BUSCA DE UMA NOVA UTOPIA URBANA Em seu livro Vida e Morte das Grandes Cidades, Jacobs disse que “cidades tem a capacidade de dar algo para todos, somente se, e somente quando, elas forem criadas por todos” (2009, p. 238), e esta frase mostra uma ideia interessante, revela a ideia de uma cidade cheia de células criadoras, como se cada indivíduo fosse parte importante no processo de criação do meio urbano, transformando os locais inspirados pelo vento glorioso da democracia. Uma cidade, de acordo com Jacobs, só vai ter a capacidade de proporcionar algo para todos, ser verdadeiramente inclusiva em seus benefícios, se for feita pelos seus cidadãos. Não é necessário imaginar uma cidade a ser projetada por todas as pessoas, mas é necessário imaginar uma cidade que tenha flexibilidade o suficiente para ser alterada por cada pessoa de acordo com sua necessidade. Cada pessoa é, portanto, uma célula integrante e transformadora deste corpo complexo que chamamos cidade, e este corpo só será bom para tais células quando estas mesmas células tiverem a liberdade de atuar e modificar este corpo. Tal qual anticorpos, o indivíduo participa da vida urbana defendendo seus interesses e se encaixando nos interesses coletivos, a cidade se vê dividida entre construções privadas e públicas, que funcionam como órgãos dentro deste organismo complexo. Entretanto, a quem discorde desta visão biológica defendida por Jacobs. No final do século XIX, começo do século XX, como bem descreve Townsend, o mundo viu surgir as ideias de Ebenezer Howard e sua famosa cidade jardim. A base da ideia tinha uma simplicidade um tanto quanto complexa: Vamos começar a cidade do zero. Fugindo das ideias naturais de crescimento biológico dos quais Jacobs falava, Howard propõem começar do zero e recriar as cidades baseado em sua visão dos três


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imas que atraiam a população: A cidade, o campo e a cidade campo. Todos os desdobramentos que se dariam na cidade projetada deveriam ser de antemão pensados pelo utopista Howard, que já no começo do século XX propunha a construção de uma Songdo, mas sem tanta tecnologia. A cidade seria limpa, livre da sujeira provocada pelo carvão em Londres, teria suas funções bem divididas e o campo e a cidade conviveriam em harmonia unidos pelos anéis da cidade jardim (2013).


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Como pode ser notado, a ideia do novo começo, das soluções planejadas, do mesmo jeito que acontece em Songdo construído em 2009, foi pensado na cidade jardim em 1904, com a diferença da aplicação de tecnologia. Podemos dizer que Songdo tem sim uma roupagem tecnológica do século XXI, mas ossos do século XIX. A cidade de Songdo, portanto, recebe com igual precisão a leitura de Jacobs sobre Haward: “Ele concebe um bom planejamento como uma sucessão de atos estáticos; em cada caso o plano deve antecipar tudo o que é necessário... Ele era desinteressado pelos aspectos da cidade que não podiam ser abstraídos na sua utopia” (TOWNSEND, 2013, p.19).

Seguindo o argumento, pode-se notar o centro do problema do projeto não só de Songdo, mas das ideias urbanas defendidas pelas empresas defensoras das Smart Cities: Estas cidades são inteligentes para quem? Existe sim um notório arsenal tecnológico capaz de transformar nossas relações com o urbano, capaz de deixar as funções urbanas mais otimizadas, mas eles teriam a capacidade de fazer um bom urbanismo? Com toda a complexidade de Songdo criou-se um ambiente inflexível ur-


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banisticamente, composto inteiramente de medidas criadas de cima para baixo, invertendo totalmente o papel de importância do indivíduo no planejamento urbano. Tal fato é visível também no Centro de Operações do Rio. Observando pela visão técnica, nota-se a capacidade do COR de administrar problemas urbanísticos reais, mas a partir de uma visão estritamente técnica não se responde completamente questões sociais no quesito urbano. Pode-se saber a quantidade de carros em uma via, mas não se pode saber o porquê dos carros passarem por ali e não por uma via mais vazia. Tal questão só é respondida pelo indivíduo que optou pegar aquela rua e não outra. Qualquer caminho de terra ao lado de uma calçada projetada consegue explicar esta questão tão trivial no planejamento urbano. Como lembra Townsend, o contemporâneo de Haward, Patrick Geddes, tinha uma visão local do planejamento. Era um biologista e defendia a visão evolucionista não só da biologia mas também da cidade. Geddes foi responsável pela visão processual do urbanismo, introduzindo o planejamento regional, assim como foi responsável pelo termo conturbação e megalópole, termos sempre pautados em sua ideia precisa de região. Geddes tinha um método inusitado para restaurar a identidade histórica da cidade de Edinburgh: “Dentro de um velho observatório astronômico no centro de Edinburgh, que Geddes renomeou de Torre de Observação, foi um centro de imersão para a educação cívica. Começando no teto, vistitantes começam por pegar uma visão ao vivo da região, apresentada em uma câmera escura – como se fosse um pinhole do tamanho de uma sala. Conforme eles descem pelo telhado, eles passam por uma sucessão de câmaras que emolduram a cidade em escalas cada vez maiores – com a Escócia, com a Europa, e com o mundo – O edifício cresce como um re-


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positor dos arquivos e informações que Geddes recolheu sobre a região, que ele pretendia que os visitantes experimentassem inteiramente. Quando chegavam ao térreo, os visitantes saiam pela porta, entrando na cidade real” (2013, p. 97).

As ideias urbanas de Geddes e de Jacobs seguiam a mesma linha, e tinham um princípio que pode-se ler até mesmo em Burke em sua crítica a revolução francesa, quando disse que a partir da ideia de tábula rasa, da estruturação cultural (neste caso, urbanística) a partir de um zero, “não há mais bússola que nos guie, nem temos meios de saber a qual porto nos dirigimos” (1992, p. 102). Songdo cria um exemplo duvidoso de modelo urbanístico pois parte de uma tabula rasa, e a dúvida surge pois “não temos meios de saber a qual porto nos dirigimos”.


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Songdo se dirige a um lugar que não existia antes, uma cidade criada a partir de uma ideia. O não lugar aparece nas cidades inteligentes na sua forma ideológica de perfeição. A dúvida a pergunta “estas cidades são inteligentes para quem?” surge justamente da inflexibilidade das transformações. Quem domina o entendimento da tecnologia e de suas análises domina o direcionamento das ações, e é justamente desta característica que surge um medo. Tal poder, enquanto na mão de planejadores benevolentes e de qualidade pode gerar alívio, bons projetos e transformações que modifiquem qualitativamente a vida dos cidadãos, mas e quando na mão de alguma outra pessoa ou organização de diferentes interesses? Certamente tais ferramentas podem exercer um controle sobre a população em uma escala que não seria possível sem elas, o que abre espaço para a tirania sobre os cidadãos a partir de um centro único com poder de controle. Um dos pontos importantes a ser observado e a ser criticado é a forma rígida de domínio destas propostas urbanas. As mudanças urbanas implantadas pelos defensores desta postura utópica são justamente mudanças técnicas, embasadas em cima da grande quantidade de informação captada e analisada pelas mesmas. Tem pouca relação com o conceito social urbano da cidade, deixando as causas de determinados problemas urbanos em aberto, pois tais problemas não podem, como Jacobs dizia sobre Haward, “ser abstraídos na sua utopia”. Apesar das soluções previstas serem de uma complexidade ímpar, e de tal complexidade de ação ser possibilitada pela utilização de Big Data, tais soluções geram uma inflexão da posição dos desenvolvedores e administradores urbanos. As cidades devem se dobrar as ferramentas e não as ferramentas as cidades, tal como aconteceu quando o planejamento urbano se dobrou a ferramenta que mais transformou os centros urbanos desde o nascimen-


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to das cidades: o carro. A postura inflexível não é opcional nestas ideias utópicas, justamente porque o oposto causaria flexibilidade de ação e consequentemente descentralização do poder de ação. O poder de ação é, por justamente as propostas estarem atreladas a grandes empresas de tecnologia, centralizado e controlado pois é reflexo de uma propriedade intelectual e tecnológica de tais empresas. A inflexão gera portanto a concentração do poder transformador do urbano em alguns centros transformadores, que tiram o poder individual. Seguindo Jacobs, tal ideia nunca criaria uma cidade boa para todos, justamente porque não seria feita por todos, nem para todos. Seja esta ideia em uma escala de cidade como acontece em Songdo ou seja ela em escala reduzida como acontece no Centro de Operações do Rio de Janeiro. O potencial de transformação sai da célula individual e é transferido para o poder central, as ações são tomadas necessariamente de “cima para baixo”. As ações transformadoras da cidade, quando tomadas de cima para baixo, excluem o indivíduo que possui intrinsicamente em seu ser o conhecimento dos motivos de seus atos urbanos. Quando o indivíduo é reduzido apenas as suas ações, que por sua vez são abstraídas em dados, que por sua vez são analisados, o fruto desta analise fica necessariamente vinculado a interpretação do analisador e não na intenção real do indivíduo. Isso não quer dizer que as abstrações de tais ações em massa não sejam de valor dentro da vida urbana, mas se o sentido for a alteração do meio urbano baseado apenas nelas, tal alteração não será feita em cima de desejos reais e sim em cima de desejos imaginários e pré-determinados do analisador dos dados coletados. Talvez isto de clareza a importância da pergunta feita anteriormente: As cidades inteligentes são inteligentes para quem? Mesmo que a abstração de ações para a elaboração de uma vi-


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sualização de Big Data sirva de forma precisa para a transformação das cidades, ainda sim existem questões importantes a se pensar quando tratamos de assuntos que relacionam uma absorção de poderes urbanos tão grandes na mão de poucos analisadores de informação e ou administradores públicos. É difícil imaginar tais concepções centralizadas, que podem estar repletas das boas intenções urbanísticas, sem imaginar também a questão da privacidade pública, onde a informação dos indivíduos de toda a cidade fique disponível na mão de poucos analisadores e administradores públicos.


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O Centro de Operações do Rio de Janeiro possui mais de 560 câmeras espalhadas pelo Rio de Janeiro, onde 400 funcionários analisam diariamente, 24 horas por dia, todas as informações e ocorrências que conseguem captar por meio dessas ferramentas de vigilância. Entretanto, cabe apontar o fato de que, apesar da boa intenção da prefeitura do Rio, tais ferramentas ainda sim são de vigilância. A cidade, portanto, é observada por 24 horas em 560 pontos diferentes (RIO DE JANEIRO, 2016). Isto revela uma ferramenta que, além de seu potencial qualitativo para a cidade, têm um potencial de controle e vigilância massiva, levando assim ao questionamento de até que ponto tal vigilância massiva afeta o direito de privacidade do cidadão. Afinal, pelo argumento de análise de dados sobre crimes e acidentes na cidade, cria-se a possibilidade de análise de dados e ações de indivíduos nessa mesma. Informações pessoais de hábitos cotidianos que, mesmo resguardado o anonimato, são fornecidos na rede por meio de boletins periódicos. O direito coletivo de segurança está sobre o direito individual de privacidade neste caso. Tais ferramentas criam uma tenção legislativa de difícil resolução, o que abre precedentes para parcerias e relações público – privadas onde o interesse público seria dificilmente contemplado. O conceito de Smart-City atrelado a ideias de Big Data e Internet das Coisas não é, entretanto, como podemos ver nos capítulos acima, algo que não possa ser usado como ferramenta urbana. A grande questão é como podemos deixar a Smart-City realmente inteligente para o usuário das cidades, sem excluir os fatores de tensão que atuam sobre este conceito. Como criar uma relação que não exclua o potencial de transformação do indivíduo, mas que use também o potencial de informação definida criada pela Big Data para transformar e urbanizar as cidades com medidas mais precisas e eficientes.


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Diante desta tensão entre o individual e o coletivo, entre o centralizado e o descentralizado, entre o real e o utópico é que será construída a proposta para um modelo de desenvolvimento urbano deste trabalho. A proposta visa não excluir nenhum membro de atuação nas nossas cidades contemporâneas, mas tenta atrela-los entre si para criar um urbanismo que surja desta tensão democrática entre estas forças atuantes. O projeto buscará harmonizar as forças atuantes em um conjunto lógico que é ao mesmo tempo versátil e flexível, tentando assim criar estruturas urbanas que cresçam de maneira natural, análoga a ideia biológica defendida por Jacobs e Geddes, mas que estejam interligadas em uma superestrutura inteligente e central defendida pela Cisco, IBM, Intel e tantas outras empresas do ramo das Smart Cities, assumindo a realidade da cidade e moldando um novo modelo por cima deste mesmo. Esta proposta não é, entretanto, um meio termo. Não é uma tentativa de apaziguamento entre essas duas forças que atuam antagonicamente no meio urbano, onde de um lado temos representantes de grandes indústrias do mercado e do outro temos representantes da individualidade da cidade, que podem ser caracterizados como cidadãos ou, em alguns casos, como Civic Hackers (TOWNSEND, 2013). Esta proposta busca abarcar a melhor parte das duas tensões para criar uma mistura desses dois lados, não apenas pela mistura, mas sim pela lógica do sistema que será proposto. Não é um meio termo pois a tendência das criações nesta proposta é em maior parte individual, o projeto tende para o cidadão e não para o processo centralizado, e o foco do projeto é em maior parte a união comum de indivíduos dentro de uma comunidade específica e local. Entretanto, a expansão do modelo se dá por uma característica geral e global, criada para estruturar em uma trama maior todo o sistema.


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UM MODELO PARA A CRIAÇÃO E EXPANSÃO DE LOCALIDADES INTELIGENTES É um ponto interessante pensar que existe uma tensão de interesses, onde podemos observar um lado tendendo para uma concepção de cidade com um esqueleto urbano projetado a partir de uma prancheta, transformando o centro urbano não a partir das potencialidades dos cidadãos individuais, mas a partir da análise do conjunto dos cidadãos, partindo de uma análise particular do urbanista. E do outro lado temos o indivíduo criador e morador do centro urbano, flexibilizando os espaços a partir de suas experiências e conhecimentos pessoais daquele mesmo espaço. Tal tenção pode ser caracterizada de um lado pelo urbanista utópico e em uma abordagem mais contemporânea pode ser também caracterizado como grandes corporações tecnológicas que querem implantar suas ideias de Smart City. Na outra ponta aparecem os cidadãos comuns, urbanistas regionais e grupos contemporâneos que podem ser caracterizados como Civic Hackers. Temos então uma batalha de dois interesses diferentes, que podem funcionar em escalas reduzidas, como veremos, mas não podem funcionar universalmente sob pena de causar injustiças. Os princípios podem ser resumidos da seguinte forma: Do lado das grandes corporações e dos urbanistas utópicos aparece a ideia de um poder transformador centralizado a partir de pessoas tecnicamente capacitadas e de informações precisas e devidamente interpretadas. O poder de um conhecimento científico preciso concentrado na mão de pessoas cientificamente capazes que utilizarão tal conhecimento para aplica-los em mudanças precisas, eficientes e transformadoras, levando em conta princípios contemporâneos aceitos


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em meios científicos. Por outro lado, temos a defesa de um princípio de liberdade e potencialidade individual que possibilita um poder disperso na mão dos indivíduos, sem concentração de informação ou de poder de ação, possibilitando uma complexidade de ações individuais que flexibilizam as malhas urbanas organicamente, transformam as ações em forças dispersas sem um controle central, sem um domínio geral. Uma força de ação que é minimamente previsível pela cultura do local. Vê-se de primeiro instante que o poder individual tem sua característica amplamente defendida pelo modelo democrático de civilização, e que de fato representa profundamente uma qualidade para todos, e vai de encontro com a frase de Jacobs que diz “cidades tem a capacidade de dar algo para todos, somente se, e somente quando, elas forem criadas por todos” (2009, p.238). Entretanto, vê-se que o poder técnico centrado na mão de especialistas também tem sua razoabilidade até mesmo dentro da própria democracia, pois as infinitas possibilidades individuais ficam sempre submissas a uma lógica maior de lei e ordem criada não por cada um, mas por um poder técnico e centralizado. Aristóteles, em seu livro Ética para Nicomato, dizia que a virtude humana fica sempre entre dois vícios, que são entendidos como extremos. Por exemplo, temos a virtude da coragem, que fica entre a covardia que é o extremo de deficiência e entre a imprudência, que é o extremo de excesso. Entretanto, é um erro comum acharmos que Aristóteles estava falando sobre um “meio-termo”. Diante de uma situação em que devêssemos agir com coragem, provavelmente a virtude estará mais próxima do excesso de ação do que da deficiência. Ou seja, provavelmente, ao agir com coragem, o indivíduo estará mais perto de agir com imprudência do que com covardia, assim como quando alguém age com integridade estará mais perto de agir como legalista do que como corrupto (ARIS-


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TÓTELES, 1991). Esta mesma lógica pode ser aplicada ao modelo urbano, diante dos dois extremos que citamos aqui. Temos o extremo do individualismo, com o poder transformador urbano dissoluto entre todas as células deste organismo urbano, ou o extremo da concentração do poder urbano, onde os indivíduos são reduzidos a ações grupais, interpretados como simples dados a serem analisados em um contexto geral. Para se criar uma política urbana ou um método de transformação urbano virtuoso é necessário balancear a ação destes dois extremos não em um meio termo, mas em um ponto justo. O ponto justo defendido por este trabalho tem uma proximidade maior com a ação individual de liberdade, para o indivíduo poder usufruir do seu potencial transformador urbano, do que com a ação centralizada que transfere o poder de ação para a mão de alguns indivíduos especializados. Tendo em vista os problemas apresentados na primeira parte deste projeto, quando observado o problema da urbanização acelerada em contraste com as novas tecnologias capazes de aumentar a eficiência da urbanização, podemos entender a necessidade das redes sociais neste processo entendendo a revolução das ciências humanas que será baseada na captação de informações humanas que surgem a partir destas mesmas redes. Essa revolução proporcionaria um entendimento melhor das atividades humanas nas cidades e estas atividades podem ser monitoradas a partir das redes sociais que dispõem de uma gama nunca antes vista de informações humanas. Estamos, segundo Pierre Levy, diante de um período de transição, entre a simples automação da reprodução e difusão de símbolos e a manipulação automática de símbolos. Podemos dizer que estamos com os pés fincados neste período de manipulação automática de símbolos, mas que


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ainda não estamos com o corpo inteiro neste espaço, nossas capacidades humanas caminham neste sentido, em uma transição lenta e inevitável. Esta transição é referente a capacidade humana de ter uma inteligência coletiva, do mesmo modo em que formigas e abelhas possuem. Entretanto, seres-humanos são dotados de inteligência individual, coisa que abelhas e formigas não são. Esta inteligência coletiva humana passou por alguns níveis de evolução para chegar ao que Pierre Levy chamou de período da manipulação automática dos símbolos, começando no seu conhecimento oral, transmitido por meio oral e de rituais, passando pelo conhecimento escrito, que possibilitou aumentar a quantidade de símbolos correntes e deixá-los duradouros, caminhando para a simplificação destes símbolos em forma de alfabetos, automatizando a reprodução destes símbolos aumentando sua difusão por meio da imprensa e, finalmente, como começou a acontecer em nossa era, a manipulação automática dos símbolos (PIERRE... 2014). Podemos entender essa transição como o aumento da potencialidade de ação do ser humano no mundo, explicando assim o desenvolvimento maciço da tecnologia em nossa época. Onde antes o máximo de conhecimento que se podia alcançar chegava apenas por meio oral, hoje temos um acesso irrestrito de informação que nos chegam por diversos meios. A partir de uma junção de conhecimento as pessoas conseguiram superar infinitamente seu período de vida, onde pesquisas são continuadas além da possibilidade do pesquisador inicial, se ramificando em tantos meios que fica praticamente impossível seu controle por apenas uma pessoa. Diante disso, podemos dizer que quanto mais exploramos a potência da disseminação de conhecimento e informação, mais complexo se torna nossa capacidade de pensar coletivamente (PIERRE... 2014). Onde muito antigamente era necessário estar diante de alguma


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pessoa que de fato soubesse do assunto de interesse para ouvi-lo da boca deste detentor do saber, criaram-se alfabetos e junções linguísticas para repassar esse saber de forma escrita, sem a necessidade do interlocutor. Onde era necessário muito dinheiro e sorte para ter acesso aos manuscritos e livros publicados, criou-se a imprensa, possibilitando a disseminação fácil destas informações e aumentando a acessibilidade do conhecimento. Onde antes era necessário despender tempos enormes em pesquisas e buscas infindáveis pelo conhecimento necessário, criaram-se bibliotecas e outras divisões que facilitaram a aquisição do saber. O próximo passo necessário foi armazenar estas informações não em locais físicos, mas em locais universais, que pudessem ser acessados por qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo a qualquer momento: A internet. Entretanto, a internet como conhecemos é uma extensão, um aprimoramento da difusão dos símbolos. O próximo passo necessário será a manipulação automática destes símbolos, criando uma era do algoritmo (PIERRE... 2014). Todo este conhecimento, principalmente a partir da era da difusão dos símbolos por meio de bibliotecas e da internet, geraram uma revolução científica sem precedentes, a tecnologia alcançou escalas inimagináveis e a cada ano os aparelhos que utilizamos ficam menores e mais potentes. Entretanto, as informações que dispomos hoje, além de serem informações científicas, são também informações humanas. O Big Data possibilita a observação de informações sobre ações humanas de uma maneira nunca antes vista. A próxima revolução não será das ciências exatas, mas das ciências humanas, que evoluirão em diversos sentidos antes inimagináveis (PIERRE... 2014). Grande parte desta revolução das ciências exatas surgirá a partir da grande quantidade de informações armazenadas a partir de redes sociais (PIERRE... 2014).


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A partir desta premissa, surge então o projeto Local Data, todo o conceito é de integração e ação individual no espaço urbano, sendo tal ação não só possibilitada pela ação física das pessoas no centro urbano, como também possibilitado pela ação digital em uma rede social local. Uma rede social pode ser caracterizada como: “Sistemas de nodos e elos; uma estrutura sem fronteiras; uma comunidade não geográfica; um sistema de apoio ou um sistema físico que se pareça com uma arvore ou uma rede. A rede social, derivando deste conceito, passa a representar um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados” (MARTELETO, 2011).

Seguindo uma definição mais geral, uma rede social possibilita os indivíduos que as usam de “(1) construir um perfil público ou semi-público com um sistema limitado (2) articular uma lista de outros usuários com quem ele pode compartilhar uma conexão e (3) ver e atravessar sua lista de conexões e seu próprio perfil com o sistema” (BOYD; ELLISON, 2007) Seguindo as três características de uma rede social, será proposta uma com a finalidade de atrair seus usuários para um ambiente de interação e transformação urbana, onde os usuários possam criar um perfil que será semi-público, se identificar com outros usuários e analisar seu perfil e dos outros usuários dentro de um sistema específico. O foco da rede será quebrar a ideia da falta de uma barreira geográfica das redes sociais, incluindo assim um limite espacial para os usuários, ou seja, os usuários dessa rede terão seus registros relacionados com suas localidades geográficas, com o objetivo de ampliar seus “interesses compartilhados” em relação a este mesmo local limitador. Pode-se dizer que tal rede social


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pode ser comparada a uma associação de bairros com uma complexidade tecnológica organizacional maior, feita para facilitar discussões, propostas e iniciativas individuais feitas na região e para a região. As redes sociais atuais como Facebook, Twitter, LinkedIn, etc., são feitas para serem aplicadas em escalas globais, atualmente apenas o Facebook possui mais de um bilhão de usuários, um número completamente assombroso. Dentro destas redes sociais é possível jogar, conversar, agendar eventos, ver vídeo, músicas, notícias, e várias outras opções de fácil acesso dentro destas redes. Entretanto, o diferencial principal é de que as redes sociais atuais têm como finalidade manter o usuário preso a elas, gerando assim visualizações e, consequentemente, lucro. Tais redes disputam o tempo do usuário de forma intensa, fazendo o possível para mante-lo conectado e, para isso, utilizam estudos capazes de entender o comportamento de determinadas pessoas para mante-las presas a rede. Um exemplo disso seria a utilização da noção de recompensa, onde o usuário ficaria sempre recompensado ao encontrar algo que gostasse e esse encontro de algo de seu interesse gera uma carga de endorfina proporcionando prazer instantâneo (basicamente o que acontece quando nos encontramos diante de um vídeo de um cachorrinho bonito ou um bebê risonho). Este prazer instantâneo é a recompensa que o cérebro dá ao usuário por encontrar algo que estava procurando. Desta maneira, o usuário fica sempre a procura desta mesma recompensa na rede social, descendo seu “feed de notícias” (Facebook) até encontrar o próximo vídeo engraçado. Resumindo, estas redes criam ferramentas para prender seus usuários a elas, concorrendo o tempo do usuário até mesmo com seu sono. O diferencial da rede proposta pelo projeto Local Data é justa-


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mente o de incentivar seu usuário a utilizar o espaço que limita esta rede, incentivando assim o consumo no comércio local, a descoberta de serviços e atividades culturais deste local, conhecendo novas pessoas e compartilhando interesses. Este incentivo é proporcionado pelo jeito que a informação coletada pela rede é utilizada e pelas ferramentas que ficarão à disposição nesta mesma. Existem alguns exemplos da utilização de redes sociais que de fato criam uma interação com o mundo real, onde podemos citar como exemplo o Foursquare, um aplicativo responsável por marcar a localização GPS do usuário a partir de comando do próprio usuário. Esta ação recebe o nome de Check-in. Tal marca (Check-in) cria um histórico de presença pessoal em um mapa, este histórico pode revelar seus hábitos alimentares, rotas e preferências de transporte que o usuário decide compartilhar por meio do Check-in. Este Check-in é responsável por criar este histórico do usuário na cidade, e este histórico, por sua vez, pode ser compartilhado com outros usuários como forma de indicação para lugares gastronômicos, locais de lazer, etc. Este compartilhamento de informações cria uma rede, onde todos os usuários são convidados a compartilhar suas posições geográficas e suas preferências de restaurantes, bares, casas de shows, parques e outras localidades na cidade, além de convidar o usuário a receber indicação de outros lugares por causa dos hábitos dos outros usuários (PHITHAKKITNUKOON; OLIVIER, 2011). É uma plataforma que auxilia uma pessoa a descobrir as peculiaridades do ambiente urbano que o rodeia. Um mapa que auxilia na leitura de algum outro mapa, um indicador para locais físicos que toma forma a partir de compartilhamento de informação. Uma rede social virtual que leva a tomada de decisões reais, uma plataforma digital que auxilia a experiência urbana de seus usuários e surgiu a partir desta


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premissa. No website desta plataforma online é possível encontrar a seguinte frase: “Encontre os melhores lugares para comer, beber, fazer compras ou visitar em qualquer cidade do mundo. Acesse mais de 75 milhões de breves dicas de especialistas locais” (FOURSQUARE, 2016) e esta frase revela a real intenção da plataforma: Transformar sua vivência em determinados locais a partir da experiência de pessoas que já estiveram e analisaram determinados locais. Foursquare é um exemplo dentre vários que entram na categoria de uma plataforma de rede social baseada em localização, onde existem outros exemplos como o Facebook Places, Yelp, Loopt e tantos outros. Podemos citar também o Tinder que utiliza a localização como um limitador para a descoberta de novos usuários. O Tinder, uma plataforma de encontros, tem como objetivo descobrir, a partir da localização GPS do usuário, outras pessoas que queiram se comunicar com ele. Em seu website, pode-se ler a frase “Tinder, encontre pessoas interessantes perto de você” (TINDER, 2016), neste caso a geolocalização funciona como um limitador, onde o usuário escolhe o raio limite para encontrar outras pessoas dispostas a realizar este encontro e, se acontecer um “match”, iniciam uma conversação que pode resultar em um encontro real. Este aspecto das redes sociais baseadas em localização e em compartilhamento de informações são realmente transformadoras no sentido urbano, pois por meio do compartilhamento de informações podem gerar uma transformação real no meio urbano e podem gerar relações sociais reais. No exemplo do Foursquare pode-se ver o poder que o compartilhamento de informação exerce sobre o conhecimento da cidade e no exemplo do Tinder pode-se ver como esta plataforma exerce impacto sobre as relações sociais reais no local a partir de uma plataforma digital.


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O projeto Local Data busca se encaixar entre estes dois exemplos, tendo seus usuários limitados por uma localização GPS regional, ao mesmo tempo em que os usuários compartilham informações que podem ser acessadas globalmente. O projeto Local Data busca criar portanto interação social em uma determinada região e busca possibilitar, a partir desta limitação local, a interação destas pessoas para pensarem e criarem transformações urbanas reais na região. A finalidade do projeto Local Data é causar a integração do meio físico e digital, possibilitar ao usuário atuar no contexto urbano de sua localidade, dar liberdade para não só criar como aplicar projetos, liberdade para socializar com as pessoas de seu entorno e discutir e criar métodos de integração social e transformação urbana. Esta rede social portanto parte da escala local, regional, mas expande seu conceito de maneira global. O projeto Local Data tem como principal ideia a criação de uma rede social local com a entrada apenas dos residentes desta localidade, que possibilite a criação de projetos urbanos, sua implementação, além de possibilitar uma junção social do local. Este modelo, entretanto, se expande para outros lugares, mas sempre como uma nova rede em um novo local, com novos usuários e novos projetos e vontades sociais. Um modelo local, e sempre local, mas que pode ter a base aplicada em diferentes localidades, criando assim uma trama de localidades dentro de novas escalas da rede social, que são escalas da região, da cidade, do país, etc. Esta trama pode criar um sistema inteligente de troca de informações de região para região, além de criar uma trama inteligente dentro das localidades específicas, com decisões locais dentro deste contexto regional, criando assim um urbanismo participativo e característico de cada área. O projeto Local Data, portanto, será uma plataforma local, será


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dividido pelas regiões pequenas, dentro de contextos maiores, e crescerá como camadas. Redes sociais dentro de redes sociais, todas ligadas em uma superestrutura que surge a partir das redes menores, e não o inverso. Para exemplificar como o projeto Local Data irá funcionar, será elaborado um projeto piloto imaginário, que buscará demonstrar, a partir da menor escala possível da rede, como funcionariam as redes sociais menores e como funcionaria a ligação das escalas menores desta rede com as superestruturas desta rede. A menor escala desta rede seria a local. A escala local pode ser ligada a características físicas marcantes da região, como uma praça, um bairro, uma faculdade, etc. A rede social específica desta área teria como usuários os moradores deste local ou frequentadores deste local, se vinculando a ela por meio de presença física no local. Neste primeiro nível a atuação urbanística do indivíduo seria de fato mais incisiva e marcante. Usuários desta rede local poderiam fazer propostas de projeto, organizações de encontros locais, dividir e compartilhar itens, criar ligações sociais e culturais, propor legislações locais, etc. Todas as atividades possíveis estariam incluídas dentro de uma destas quatro áreas: Projetos físicos, projetos culturais e sociais, projetos legislativos, e compartilhamentos em geral. A segunda camada da rede seria a camada regional, relacionada com o bairro do local, onde pode-se aplicar propostas de cunho urbanístico em geral, onde a população poderia propor textos de lei relacionando a mobilidade do bairro, o zoneamento da região, propor encontros regionais, etc., sempre dentro das quatro áreas da plataforma: Social/cultural, legislativa, compartilhada e projetual. A terceira camada seria na escala da cidade, e as propostas sociais/culturais, legislativas, projetuais e os compartilhamentos aconteceriam dentro da escala da cidade. As próximas camadas podem crescer


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de acordo com a lógica da expansão das camadas menores, mas a rede vai perdendo força em suas superestruturas. Fica claro nesta divisão o objetivo de criar iniciativas urbanas que surjam de baixo para cima, ao contrário de imposições de cima para baixo. O projeto a ser mostrado a seguir tem como objetivo definir a abrangência da plataforma e propor projetos que poderiam acontecer dentro dela, para explorar as potencialidades da mesma, mas antes será explicada a maneira de atuação dos usuários nesta plataforma, utilizando exemplos reais, sempre com o foco de como tais exemplos podem se encaixar numa lógica de transformação urbana.


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PROJETO LOCAL DATA Em princípio será detalhado como funcionará a rede proposta pelo projeto Local Data, elaborando uma breve descrição de por onde os projetos de transformação urbana serão executados, como esta rede funcionará e quem serão os usuários desta rede. O objetivo, entretanto, é focar na área de projetos físicos que serão elaborados futuramente. Será descrito a seguir a ideia geral da rede, contando sobre os quatro meios de atuação nesta rede, como será o usuário da rede e as ações que ele poderá tomar nesta rede e por fim as escalas de atuação desta rede. Para exemplificar as potenciais utilidades do projeto Local Data, foi escolhido um local específico na cidade do Rio de Janeiro, no Bairro de Botafogo. O foco será a praça Nelson Mandela e seu entorno, onde será descrito as potencialidades desta rede local para os seus usuários.

A Rede O projeto Local Data consistirá em uma rede social em que os dela poderão se comunicar com os outros usuários, mas só poderá utilizar a rede quem estiver na localização geográfica da mesma, que será limitada por uma localização GPS. Cada localidade terá uma rede social específica. Por exemplo, (seguindo o local proposto para demonstrar ideias projetuais para esta rede) a praça Nelson Mandela terá sua própria rede social, onde os usuários serão as pessoas que moram na localidade ou que utilizam o espaço com frequência. Esta rede social da praça Nelson Mandela teria uma quantidade significativa de usuários pois se trata de uma praça que abriga o ponto de metrô de Botafogo e uma extensão da linha do metrô superfície, além de abrigar diversos bares, restaurantes, centros religiosos e culturais ao redor.


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Esta localidade será definida pelo criador da rede neste local, que será alguém ligado a parte administrativa do projeto Local Data, que será administrado como uma rede social comum. O diferencial é que o foco na administração é em propostas urbanas e em propostas que gerem ações reais e não apenas virtuais, visando o relacionamento social e transformações urbanas. As ações legislativas e projetuais da rede podem ter o suporte de arquitetos, urbanistas e legisladores que façam parte do projeto Local Data. Estas pessoas podem fazer propostas de projetos dentro das redes sociais locais ou acesoarias para a criação de projetos em conjunto com outros usuários. As ações desta rede poderão ser feitas no sentido de projetos urbanos, cultural e social, legislativo e ações de compartilhamento.

O Usuário O usuário do projeto Local Data é o cidadão morador do local de atuação do projeto Local Dataou frequentador deste mesmo local, podendo o usuário utilizar várias destas redes sociais que podem ficar espalhadas pela cidade. O usuário poderá criar um perfil, com suas características físicas e pessoais, acrescentando assim seu nome, uma senha, foto, idade, sexo, e-mail, telefone e endereço. A partir deste perfil ele terá acesso ao projeto Local Data e outras pessoas, por meio desta plataforma, terão acesso ao usuário. O usuário dentro da rede poderá criar ou participar de ações sociais ou culturais no seu local, propor legislações específicas para seu local, compartilhar informações ou itens físicos com outros usuários do seu local, ou finalmente propor ou financiar projetos que alterarão seu local. Dependendo das propostas legislativas, das propostas de projetos sociais ou culturais, dos projetos a serem implantados ou do tipo de item


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a ser compartilhado a escala da ação pode passar para um outro nível, que seria a escala regional, e pode continuar subindo de escala até chegar a escala da cidade. Para alguma proposta subir de escala deverá passar pela análise dos responsáveis por cada área no projeto Local Data. Um urbanista analisará se a escala da proposta legislativa deverá ser de escala local, regional, do bairro ou municipal, assim como um arquiteto analisará se o projeto tem impacto local, regional, apenas no bairro ou na cidade inteira, e assim em diante. Esta metodologia é justificada na ideia de controle central na larga escala, mas serve também para destacar a liberdade individual de criação, pois a partir do momento em que uma proposta sobe de escala, quer dizer que mais pessoas deveriam ter acesso a tal proposta e não que a proposta ficaria mais difícil de ser executada. Por exemplo, algum projeto de transporte urbano que envolva diretamente uma área central de alguma região específica, importante não só para o local isolado mas para toda a região ou talvez todo o bairro ou cidade deve subir de escala para a região desta cidade, para que mais pessoas possam ver e analisar a proposta apresentada. A partir do exame de empresas que já desempenham importante papel que permite a interação do usuário com a cidade, será proposto relações parecidas, que servirão de exemplo para o funcionamento da rede. Estes sites podem ser entendidos como sites de economia compartilhada, onde o compartilhamento de informações e bens ocorrem por meio de uma plataforma digital. As propostas de projetos urbanos devidamente locais que os usuários poderiam apresentar seriam, por exemplo, concerto de calçadas, projetos de mobiliários urbanos, restauração de praças, criação de banheiros urbanos, etc. Além de propor os projetos, o usuário poderá criar os pro-


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jetos em conjunto com os outros usuários por meio de Crowdsourcing, como o site 99Design (responsável por criar projetos de design de maneira compartilhada) (99DESIGN, 2016) que podem ser financiados por um Crowdsourcing como o site Kickante (plataforma responsável por administrar financiamentos coletivos) (KICKANTE, 2016) tudo dentro da plataforma. Tais propostas poderiam ser implantadas na localidade sem grandes impactos na região e de maneira rápida em relação as soluções do poder público. Alguns exemplos de projetos urbanos financiados por meio comunitário podem ser a construção de uma ponte em Barra Mansa, no Rio de Janeiro, erguida pelas comunidades de Nova Esperança e São Luiz, no custo de 5R$ mil reais, financiada de maneira coletiva pelas comunidades, podemos também citar o exemplo da construção de uma estrada ligando os municípios de Livramento na Paraíba e Érico Cardoso na Bahia, feita a partir de fundos levantados pelo centro comercial da região (HERMES, 2016). Já as propostas sociais e culturais que o usuário poderia propor em escalas locais poderiam ser encontros locais, feiras gastronômicas, pequenas festividades, mutirões, etc, seguindo o exemplo de plataformas de encontros como o Meetup que possibilita os usuários a encontrarem pessoas que tenham interesses em comum perto de suas regiões (MEETUP 20016) ou também o Facebook Eventos, responsável por agendar e criar eventos. As possibilidades de compartilhamento em escala local poderiam variar desde o compartilhamento de itens de uso comum, seguindo o exemplo dos aplicativos de compartilhamento, como o Neighborgoods (site que permite o usuário compartilhar itens do dia a dia como aspiradores de pó ou cortadores de grama, em troca de dinheiro ou algum outro produto) (NEIGHBORGOODS, 2016), o compartilhamento de informa-


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ções como acontece com o Foursquare (site responsável por possibilitar os usuários a compartilhar suas localizações e dar dicas ou avaliações de locais da cidade) (FOURSQUARE, 2016) compartilhar viagens como acontece com o Blablacar (site responsável por possibilitar os usuários a compartilhar viagens) (BLABLACAR 2016), até o com o compartilhamento de carros como acontece no Zipcar (site responsável por possibilitar o compartilhamento de carro com outros usuários, pagando uma taxa mensal ou anual) (ZIPCAR) ou imóveis, como acontece no Airbnb (site responsável por possibilitar o compartilhamento ou aluguel de imóveis, podendo ser eles quartos, casas, ou até mesmo um sofá no canto da sala) (AIRBNB, 2016). As propostas legislativas podem ser definidas, incentivadas e analisadas pelo usuário, podendo assim propor projetos de lei, verificar o andamento de projetos relacionados a sua localidade, região e cidade de acordo com seus interesses, seguindo o exemplo da plataforma Nossas Cidades, plataforma digital que é “uma rede de ativismo e mobilização que reúne mais de 250 mil pessoas em diferentes cidades” (NOSSASCIDADES, 2016).

Projeto Local Data: Compartilhamento, legislativo, cultural e projetual. É importante notar que cada área destacada é uma abstração das possibilidades desta rede social. Esta rede não se limita a estas quatro áreas descritas, tais áreas foram descritas com a finalidade de focar os exemplos das possibilidades de utilização de uma rede como esta. A seguir serão descritos exemplos e o impacto destes exemplos se aplicados de maneira local como proposto pelo projeto Local Data.


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Compartilhamento: O compartilhamento pode ser entendido como uma “cultura de interação social em que ocorre em que ocorre a troca de conhecimentos, experiências e habilidades” assim como objetos. A partir desta definição, a plataforma foca principalmente no compartilhamento de informações, que diz referência aos conhecimentos e experiências dos usuários, e também no compartilhamento de objetos e habilidades. O compartilhamento de informações tem uma utilidade incrível quando aplicado a rede e a seus usuários, pois a partir deste compartilhamento ações humanas ganham forma dentro da rede. A quantidade de informações que podem ser compartilhadas é das mais variadas possíveis, como opção sexual, interesses, dados pessoais, laços familiares e tantos outros, mas alguns compartilhamentos ganham destaque pela sua utilidade pública. Entretanto, para a rede social baseada em local, alguns compartilhamentos ganham mais importância do que outros.


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O compartilhamento de localização, por exemplo, teria grande utilidade para descrever o fluxo de veículos, trafego, fluxo de pessoas, locais mais ou menos frequentados, etc. Podemos ver um exemplo disso observando o funcionamento do Google Maps. O Google Maps tem sua base de dados atualizada graças ao compartilhamento de localização de seus usuários. Antes da instalação do aplicativo nos celulares, o usuário concorda com os termos e condições do aplicativo, onde o usuário teria de enviar sua localização para o Google Maps com uma certa frequência, e a partir desta localização e do tempo de envio desta informação, o aplicativo conseguiria calcular rotas, velocidade de chegada, trafego, etc. A partir da somatória de informações coletadas dos usuários do aplicativo, o Google Maps é capaz de calcular a média de trafego em lugares específicos:


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A imagem anterior diz respeito ao fluxo do trafego de veículos no histórico do Google Maps, as áreas avermelhadas são as áreas com maior congestionamento, já as verdes são as de trafego livre. A partir da análise desta imagem podemos visualizar que as zonas de maior congestionamento são as áreas sul. Se analisarmos mais profundamente, veremos que temos mais movimentação na área Leste da praça ao anoitecer do que de dia, assim como temos maior movimentação na área Norte nos finais de semana que nos dias de semana, ou como a área Sul da praça recebe mais carros na parte da tarde que da manhã. Podemos também dizer que 12h e 20h são horários de pico para a região, etc. Esta análise tem um potencial para influenciar os moradores da região para escolher seus horários para ir para o trabalho, ou influenciar os comerciantes sobre o local de instalar seu negócio. Outro exemplo de compartilhamento de informações é o que está presente o Foursquare, uma plataforma de compartilhamento de informações geográficas que induz o usuário a avaliar determinados locais da cidade. Na imagem a seguir é possível observar a quantidade de observações e avaliações presentes neste local.


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A imagem revela as atividades relacionadas a diversão, comida e vida noturna na área. Analisando a imagem é possível notar que na parte Leste da praça se concentra a maior parte dos restaurantes avaliados, o que pode ser um indicativo de qualidade do local, influenciando assim não só o morador a se dirigir para aquela região caso queira se alimentar como também para um comerciante que queira abrir um restaurante no local. É possível também notar que a diversão se localiza nos estremos Sul e Norte da praça, e essa diversão se caracteriza por salas de cinema, áreas culturais, etc. Isso direcionaria o público deste interesse para essas áreas, que são justamente as áreas de saída do metro. Este tipo de análise das informações acumuladas na rede nos revela um comportamento local, possível graças a aplicação do conceito de Big Data e de compartilhamento de informações relacionado com a localização geográfica. Entretanto, este tipo de análise pode ser feito de maneira micro, caso a análise seja somente local.


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Utilizando o conceito de compartilhamento de informações, as pessoas na rede social poderiam compartilhar suas experiências locais de maneira mais complexa e com maior volume, tal compartilhamento poderia ser feito como moeda de troca pela utilização da infraestrutura de internet local, ou como método de avaliação dos locais frequentados pelo usuário dentro da rede. Quanto maior a complexidade desta informação, mais ações micro espaciais podem ser tomadas com eficiência, e eficiência espacial é uma das premissas que constrói a ideia de Smart City. O compartilhamento de objetos pode seguir o modelo utilizado pelas grandes empresas do mercado, seguindo o exemplo do neighborgoods para o compartilhamento de objetos domésticos não utilizados pelo proprietário em troca de algum valor monetário, ou o compartilhamento de automóveis seguindo o modelo do zipcar. Existem modelos e ferramentas que auxiliam a aumentar o engajamento dos usuários na cidade. “A palavra engajamento define o fenômeno de ser cativado e motivado, não apenas na maneira como uma interação se desdobra, mas também na maneira como as pessoas desenvolvem um relacionamento com a plataforma ou serviço através de múltiplas interações. Com o objetivo de aumentar o engajamento dos usuários com os sistemas, uma série de técnicas chamadas de gamificação (do inglês gamification - uso de elementos de design de jogos em contextos não relacionados a jogos) têm se mostrado uma alternativa interessante”. (ALVES et al., 2012)

A ideia de recompensa, como tratado pela teoria da gamificação, incentiva a utilidade desta rede, gerando uma espécie de jogo onde o


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grande objetivo é compartilhar, e ganha quem compartilha mais, com o diferencial de que este ganho é aplicado localmente. O Foursqure, citado acima como modelo de compartilhamento de informações, utiliza a ferramenta de gamificação para incentivar a utilização deste aplicativo: “De forma geral, são nos check-ins que a gamificação se manifesta no Foursquare. Ao realizar uma grande quantidade de check-ins em determinado local, o usuário ganha uma Mayorship (prefeitura) e fica marcado como Mayor (prefeito) daquele local, até que outra pessoa consiga realizar mais check-ins que o usuário anterior. É uma competição na qual, para ser o líder (Mayor do local), o usuário deve realizar mais check-ins que os outros usuários naquele local, incentivando o uso do Foursquare. Ao realizar check-ins em locais ou situações especiais (como check-ins em aeroportos diferentes no mesmo dia) o usuário recebe Badges (medalhas) como recompensa. Dessa maneira o sistema incentiva os usuários a realizar check-ins em lugares diferentes dos usuais”. (ALVES et al., 2012)

Partindo desta ideia, percebe-se a possibilidade de incentivar o compartilhamento e trocar tais recompensas por transformações reais no ambiente vivido. Pode-se pensar em parcerias entre os comerciantes e os usuários da rede, entre entidades culturais e comerciantes, entre usuários e usuários, etc.

Legislativo: O processo legislativo atual por onde se transforma de forma jurídica as regiões da cidade tendem a passar pelos planos diretores, implantados pelo Estatuto da Cidade e, usualmente, são processos participativos. Entretanto, estes processos participativos não conseguem, por uma impossi-


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bilidade pura e simples, abarcar o interesse de todos os cidadãos nos termos que Jacobs defendia ao dizer “cidades têm a capacidade de dar algo para todos, somente se, e somente quando, elas forem criadas por todos”. O processo do estatuto da cidade exige “a convocação da população e associações representativas dos vários segmentos da comunidade para participação de audiência públicas” Entretanto, essa prática insiste em não “alcançar uma participação satisfatória. Na pratica, parte das normas elaboradas nos planos diretores não conta ainda com uma efetiva participação popular” (CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 2007). Os motivos alegados podem ser os mais variados possíveis, mas obviamente nenhuma convocação para definir zoneamento nas cidades poderia surtir um efeito na população inteira de uma cidade. As definições deste processo seriam sempre tendenciosas, principalmente para as organizações empresariais e para as associações representativas de segmentos de comunidades. O poder de transformação da cidade ficaria novamente polarizado entre grandes centros que concentram poder. O habitante comum da cidade fica isolado deste processo, preso em sua rotina de trabalho e descanso, sem tempo para abandonar a labuta e guerrear seus interesses com associações de bairro e organizações empresariais. Entretanto, é necessário notar que este cidadão comum é a grande massa de habitantes de uma cidade. A proposta da rede social local no sentido legislativo surge também para dar voz ao pequeno comerciante, ao usuário comum da rede como um trabalhador, um estudante, uma dona de casa com tarefas importantes, sem tempo para gastar com disputas legislativas. Essa plataforma possibilita a criação de um mapa de informações sobre as reais utilidades de cada local, que são fornecidas pelos próprios usuários do local. As áreas de comércio são destacadas por causa do compartilhamento de in-


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formações comerciais naquela região. Se o usuário avalia um restaurante, subentende-se que ali atua uma área comercial; se o usuário finaliza suas atividades em determinada região, subintendesse que ali é uma área habitacional; se a área habitacional está na mesma posição da área de comércio, subintende-se que ali é área mista, e assim sucessivamente. As atividades nesta rede podem ser abstraídas em informações técnicas úteis para o poder público ao que diz respeito à lei de zoneamento. Esta ferramenta tem o potencial de transformar as zonas da cidade em algo vivo, que se altera realmente de acordo com as utilidades das áreas. A potencialidade de uma ferramenta deste tipo é de transformação da própria noção de prefeitura, transformar as relações de poder legislativo atuais na cidade em algo fluido e vivo, onde cada cidadão tem a possibilidade de opinar. O poder de interferência do cidadão no poder legislativo pode ser amplificado ainda mais se levar em conta o controle e acompanhamento de propostas legislativas de interesses de cidadãos comuns, seguindo o modelo da plataforma “Nossas Cidades”, por onde é possível acompanhar propostas legislativas, fazer pressão em seus candidatos, acompanhar o orçamento, etc.

Cultural: Na área cultural é possível destacar a possibilidade de compartilhamento de interesses nesta área, como grupo de indivíduos interessados em discussão literária, grupos de rodas de capoeira, etc., seguindo o exemplo de “MeetUp”, plataforma já existente que propõe encontros entre grupos de interesses compartilhados. Entretanto, não é apenas a difusão de encontros e compartilhamentos de interesses culturais que esta rede seria capaz de propor. Levando em conta a escala pequena de atuação da rede,


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diversas modalidades de tecnologia poderiam surgir neste local, como a realidade virtual, que poderia atuar nas áreas culturais de museus e monumentos da região. “Um sistema RV (Realidade Virtual) suplementa o mundo real com objetos virtuais (gerados por computadores) que aparentam coexistir no mesmo espaço do mundo real” (AZUMA et al., 2001) Este sistema pode ser aplicado na rede social pela escala da mesma. Imaginando um sistema deste tipo, que revela por meio de realidade virtual as informações presentes nos ambientes históricos, percebesse o quão complexo e reduzido ele seria se aplicado a cidade inteira, ainda mais no Rio de Janeiro.


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Esta realidade aumentada provoca também um aumento no compartilhamento de informações dos usuários, principalmente informações locais, pois ao utilizar tais ferramentas de auxílio da leitura da cidade, o usuário revela sua localização a partir do momento que investiga com esta ferramenta alguma construção específica. A rede social saberia por meio destas ferramentas o interesse cultural específico de cada usuário nesta localidade e saberia também qual ambiente cultural gera maior interesse em geral. Informações deste tipo podem ser de grande utilidade para as próprias instituições culturais, para os usuários que terão informações mais precisas e direcionadas, mas também podem ser de grande utilidade para os órgãos de tombamento como o IPHAN.


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Projetual: Os projetos a serem propostos para a localidade da praça Nelson Mandela têm como princípio a sociabilização dos moradores e frequentadores do local, partindo de conceitos da internet das coisas. Os projetos também terão a tendência de criar objetos com multi-funções, criando mais funções em menos espaço. Os projetos físicos também tendem a ser conectados uns com os outros, onde as funções de alguns podem influenciar nas funções de outros, seguindo o conceito de internet das coisas. Os projetos seriam executados partindo do princípio crowdfounding, que “é um fenômeno virtual que tem como objetivo promover a realização de projetos, os mais variados possíveis, por meio da contribuição financeira de pessoas que se interessam pela concretização de tais iniciativas, motivadas por vários fatores” (COCATE; JÚNIOR, 2012). Partindo desta definição, o crowdfounding é uma importante ferramenta na rede social local por unir pessoas que tem um mesmo interesse local na região. Esta ferramenta possibilitaria a implantação de projetos de interesse comunitário de maneira rápida e eficiente, organizada de maneira coletiva e focada na região de interesse dos contribuintes. Além dos projetos poderem ser financiados de maneira coletiva, nada impede de eles também poderem ser criados de maneira coletiva. Entende-se o crowdsourcing como o “ato de oferecer um trabalho que geralmente era executado por uma pessoa, um empregado ou empresa contratada e oferece-lo em uma chamada aberta para um grupo indefinido de pessoas” (WORKSHOP DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA DO CENTRO PAULA SOUZA, 2013). A ferramenta de crowdsourcing utiliza a inteligência coletiva como base, o que resulta em projetos de soluções complexas e inesperadas, transformando alguns usuários em coautores dos projetos.


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Academia geradora de energia

A praça possui uma academia popular, criada no conceito de praticar exercícios utilizando o peso do próprio corpo. A proposta surge para acrescentar um mecanismo que capte a energia dispersada nestes exercícios físicos e capte também informações dos usuários destes equipamentos. Tais academias gerarão não só energia mas também gerarão informações sobre o gasto de caloria de seus usuários, que ficará registrado em rede, assim como informações sobre a quantidade de energia gerada e de dinheiro economizado com a ação. As informações coletadas relacionadas ao gasto de calorias podem ser direcionadas para o perfil do


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usuário da rede social da Praça Nelson Mandela. Tal gasto calórico pode gerar benefícios para o usuário em forma de pontos, dentro da rede social da praça Nelson Manedela. Pontos esses que poderão ser trocados nos restaurantes do local, caso os restaurantes se cadastrem na iniciativa. Tal ideia geraria também a adesão de mais usuários para a rede social.

Luminária inteligente

As luminárias atuais da praça Nelson Mandela possuem 4m de altura e são responsáveis apenas pela função de iluminação, função que é exercida apenas na parte da noite. A proposta é de utilizar a estrutura da luminária para propor a inclusão dos itens a seguir: Roteadores Wifi, sensores ambientais e de presença e câmeras de segurança. Os roteadores Wifi auxiliarão na criação de uma zona Wifi que


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pode ser gratuita, gerida pela comunidade local ou patrocinada por alguma empresa de comunicação. A partir desta rede Wifi, a rede social da praça Nelson Mandela cresceria em usuários. Os roteadores Wifi podem ser entendidos como o coração do crescimento da rede social na localidade. A partir dos sensores ambientais, a luminária poderia detectar os níveis de poluição do ar e a umidade relativa do ar para informar a população, os usuários da rede e o poder público para devidas providências. Os sensores de presença servem para detectar a presença de pessoas ao redor da luminária, gerando assim informações sobre a quantidade de pessoas na região, informação que pode ser útil aos comerciantes locais, além de poder ser o ativador da luminária, podendo economizar energia ficando desligada quando não tem presença de pessoas no local. As câmeras de segurança poderão ser usadas apenas pela polícia em determinados casos, mas são interessantes de serem instaladas nas luminárias pela altura das luminárias, que dão visão a uma grande área da região. As câmeras são opcionais, dependentes da aprovação local.


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Importante destacar que a energia da lâmpada será fornecida não só pelo sistema elétrico público, como também será fornecida pela energia capitada na academia geradora de energia.

Sinal inteligente

A saída de carros da rua Nelson Mandela para a rua São Clemente é problemática, pois o fluxo de carros é alto e afunilado graças ao ponto de ônibus do metro superfície carioca, além de não existir sinalização. A concorrência deste espaço é exercida por ônibus, carros e pedestres que atravessam a faixa larga do local. A proposta é a inclusão de um sinaleiro inteligente, que funcione por meio de sensor, detectando assim o momento de saída dos ônibus para liberar o transito para a passagem do mesmo, detectando também o fluxo de pessoas nas saídas de metro para parar fechar o sinal dos carros para possibilitar a passagem dos pedestres pela faixa com maior segurança e por fim, possibilitando a passagem dos carros de maneira organizada. As informações recolhidas pelo sensor podem servir como termômetro urbano, medindo os momentos de maior fluxo de carros e pedestres, além de servir como um marcador de saída dos ônibus do local. As informações coletadas pelo sensor podem ser úteis aos usuários de ônibus de maneira a informar a saída dos mesmos da plataforma por meio da rede social da praça Nelson Mandela.


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Jardim comunitário

Esta proposta surge a partir da premissa de união social da comunidade. Será proposta um jardim comunitário, neste jardim as plantas possuirão sensores que poderão medir as características das plantas, indicando a umidade, Ph, etc. Os usuários da rede social da Praça Nelson Mandela poderão adotar as plantas, e informações sobre as plantas serão enviadas para os usuários desta rede social que se dispuserem a cuidar delas, criando assim um objetivo comunitário dentro deste local. A participação ativa do cultivo no jardim poderia gerar descontos em estabelecimentos do local, incentivando a participação da rede social da praça Nelson Mandela.


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Bicicletário

Existe um bicicletário na praça do programa de mobilidade Bike Rio, patrocinado pelo banco Itau. A proposta é criar um bicicletário de mesmo estilo, mas compartilhado pelos usuários da rede. Este bicicletário teria sensores para detectar a saída das pessoas e a volta, informando assim para os usuários informações sobre seu desempenho, gasto calórico, tempo, distância percorrida, etc. Os usuários da rede social da praça Nelson Mandela criariam um cadastro onde reservariam a bicicleta nos horários disponíveis, tendo de devolver as bicicletas no horário marcado. Tal serviço poderia ser pago pelo usuário para possibilitar a compra de mais bicicletários e bicicletas para o local.


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Lixeira inteligente

Será proposta a implantação de sensores simples de detecção de presença dentro das lixeiras, medindo assim a quantidade de lixo acumulado em cada local da praça, além de possibilitar a criação de um histórico, podendo gerar informações que poderão ser repassadas a coleta sanitária.

Big Data do projeto Local Data

A partir dos projetos vistos anteriormente, é possível imaginar a quantidade de informações geradas pelos sensores no local e pelas ações dentro da rede social da praça Nelson Mandela. Esta quantidade de informações diferentes criam um histórico do local, informações que possuem um valor e uma precisão incomparável. Tais informações acumuladas seriam as responsáveis por criar o Big Data da praça Nelson Mandela, informações que podem ser usadas para o auxílio dos comerciantes locais, dos moradores, das autoridades, dos turistas e dos transeuntes. A interpretação das informações aglomeradas da praça Nelson Mandela pode servir para os comerciantes pois tais comerciantes terão acesso a quantidade de pessoas que frequentam aquela área, a que momento elas frequentam mais, por meio da rede social eles podem descobrir qual as preferências dos seus consumidores, criar promoções especiais para a atração de público e assim por diante. No caso dos moradores, possibilitaria a todos saber a frequência da sua localidade, se ela aumenta ou diminui conforme o tempo, ter acesso a históricos pessoais dentro desta rede, poder medir seus avanços em


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exercícios físicos caso utilize as opções da praça, ter acesso aos históricos de eventos e outros itens que melhoram sua relação com sua cidade. Para as autoridades as informações acumuladas seriam importantes para a medição de índices de criminalidade, de trafego, o controle do itinerário dos ônibus do local, economia nãos serviços de coleta de lixo e de iluminação pública, tudo a partir de informações geradas dentro da praça Nelson Mandela. Os turistas teriam sua experiência no local ampliada pelo acúmulo de informações na rede social da Praça Nelson Mandela, além de ganharem indicações de locais para visitar, comer, relaxar, etc. Os transeuntes teriam estes mesmos benefícios, além de poderem observar a partir de histórico de informações geradas dentro da praça Nelson Mandela os itinerários dos ônibus, os horários de pico onde a praça tem mais usuários e acesso a outras informações referentes ao transporte do local.

A Smart City do projeto Local Data

A partir do exemplo da rede social da praça Nelson Mandela, pode-se notar que tal modelo pode se expandir para mais locais. A partir desta expansão, cria-se um modelo de modificações urbanas comparadas a pequenas células que possuem um poder transformador sobre este organismo complexo que é a cidade. O exemplo do projeto Local Dataserve como base para criar a possibilidade de contemplação do que seria uma Smart City plural, “feita por todos e para todos”. A Smart City, da maneira explicada aqui, não surge como uma criação imposta, aparecendo na cidade a partir do comando de urbanistas e especialistas, mas surge de


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maneira integrada com as vontades individuais do cidadão, surge a partir das localidades, a partir das opiniões das pessoas que são afetadas de fato pelas necessidades locais. A expansão deste modelo cria uma trama na cidade de localidades inteligentes, que podem enviar informações para uma administração central de maneira mais concisa e detalhada, além de cobrar a aplicação de mudanças efetivas na área legislativa, criando também um embasamento maior em mudanças estruturais necessárias na cidade. Esta Smart City é desenhada com a finalidade não de criar uma utopia urbana, mas de criar modificações pequenas e palpáveis para parte da população, a partir de criações eficientes, em conformidade com as realidades locais. Esta proposta, entretanto, não visa criar uma liberdade infinita de intervenções a partir do usuário, pois os projetos de certa forma passam por uma administração. Os projetos legislativos que podem ser propostos dentro das redes locais também passam por uma aprovação convencional. É importante destacar que a ideia de criar várias redes sociais separadas por localidades é uma forma de incentivar e facilitar as localidades da cidade a ganharem voz no contexto urbano e apenas isto. Tais redes não visam, portanto, substituir o poder do governo nas ações urbanísticas. Tais redes tem como prioridade transformar a cidade em uma cidade mais inteligente a partir da inteligência dos usuários da rede, ou seja, dos cidadãos da cidade, visando assim deixar os potenciais de transformação urbana nas mãos daqueles que realmente tem um conhecimento de causa. Pode-se dizer que tais aplicações causariam benefícios apenas aos usuários da rede ou para quem tem acesso a smartphones ou computa-


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dores, mas tal afirmação não se sustenta se forem analisadas as questões de segurança, questões relativas ao tratamento de resíduos, utilização pública dos projetos urbanos, e outros benefícios que as redes poderiam gerar sem a necessidade da rede. Entretanto, é importante destacar que a realidade brasileira, segundo pesquisa realizada pela FGV, é de que o país possui 210 milhões de notebooks, número que é de aproximadamente quatro notebooks para cada habitante do país, além de possuir 244 milhões de smartphones, que representa 1,2 smartphones para cada habitante. A partir desta afirmação, mostra-se que mesmo a rede social é de fácil acesso, e todos os habitantes e pessoas que passem pela localidade da rede teriam um fácil acesso a mesma (MEIRELES 2016).


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CONCLUSÃO Diante de um período de crescimento acelerado dos centros urbanos, é necessário a criação de propostas urbanas que abranjam estas novas formas de crescimento e este novo volume de pessoas nos centros urbanos. A partir deste pressuposto, foram apresentadas tecnologias relacionadas ao conceito de Smart City. Tais tecnologias são relacionadas com termos apresentados neste trabalho, como Big Data e Internet das Coisas, e a partir deste conceito foi proposto um modelo de criação de Smart City, que seria fragmentada e aconteceria a partir de localidades inteligentes, interligadas por uma rede social local. Tal proposta surgiu a partir da tensão das relações de interesses presentes na criação de propostas urbanas que utilizem os conceitos de Smart City. De um lado temos uma visão centralizadora de criação urbana, defendida por corporações do ramo de Smart City, defendendo um controle centralizado e organizado das ações sobre a cidade. Do outro lado, temos o cidadão comum, com o potencial de transformação urbana, portador de um poder descentralizado e de certa forma caótico. A proposta surge como uma forma de balancear estas tensões, tentando equilibrar de forma qualitativa a relação entre os desejos centralizadores e os desejos descentralizados das companhias e dos cidadãos, respectivamente. Pode-se concluir que o método proposto para balancear esta tensão tem como princípio devolver o potencial de transformação urbana para as mãos dos cidadãos, e a partir da rede social proposta, que seria restrita localmente, os cidadãos de fato teriam seu potencial de intervenção e vivência no local ampliados. O potencial seria aumentado não só pela rede social, como também pelos projetos que surgiriam a partir dela,


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que possibilitariam a criação de uma localidade inteligente. A Smart City se criaria, no fim, na junção de várias destas localidades inteligentes, transformando a cidade pelas suas partes.


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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ARTIGOS:

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PALESTRA na íntegra: movimento maker e IoT, com Luís Leão. Realização de Luís Leão. [2016]. (130 min.), son., color. Disponível em: <http://bcove.me/lr155nfh>. Acesso em: 30 jun. 2016. PIERRE Lévy no Senac São Paulo: Diálogos sobre Inteligência Coletiva. Realização de Centro Universitário Senac. São Paulo: Senac São Paulo, 2014. (93 min.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=98ZpPKwIjmQ>. Acesso em: 22 dez. 2016.



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