ARTE VISUAL COMUNISTA imprensa comunista brasileira, 1945-1958
Alberto Gawryszewski Coleção História na Comunidade – volume 4
ARTE VISUAL COMUNISTA imprensa comunista brasileira, 1945-1958
Coleção História na Comunidade volume 4
Reitora Profa. Dra. Nádina Aparecida Moreno Vice-Reitora Profa. Dra. Berenice Quinzani Jordão Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduação Prof. Dr. Mário Sérgio Mantovani Pró-Reitora de Extensão Profa. Dra. Cristianne Cordeiro Nascimento Pró-Reitor de Ensino Prof. Dr. Ludoviko Carnascialli dos Santos Diretor do Centro de Letras e Ciências Humanas Profa. Dra. Mirian Donat Chefe do Departamento de História Profa. Dra. Edméia Ribeiro Coordenador do Ledi Organizador da Coleção História na Comunidade Prof. Dr. Alberto Gawryszewski
Agradecemos: • Ao CEDEM/UNESP pela disponibilização do acervo, em especial ao funcionário Luis Alberto Zimbarg; • Aos funcionários da Biblioteca Nacional, em especial do Setor de Periódicos e da Divisão de Informação Documental; • Aos funcionários da Divisão de Arquivo e Microfilmagem da UEL: Antonio Edson Menusso, Pedro Raimundo de Souza, Márcio Máximo Santo Agostinho, Roderley Rodolfo Santini • Pela cessão de imagens: – Juliana Dela Torres (Momento Feminino); – Rodrigo Rodrigues Tavares (A Classe Operária).
Alberto Gawryszewski
ARTE VISUAL COMUNISTA imprensa comunista brasileira, 1945-1958
Coleção História na Comunidade volume 4
Universidade Estadual de Londrina Londrina • 2010
Uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina Copyright© do autor
Capa e editoração: Humanidades Comunicação Geral Imagem da capa: Revista Esfera, dezembro de 1948, p.19. Autoria de Quirino Campofiorito Imagem da contracapa: Tribuna Popular, 11/09/1946, p.5. Sem assinatura Tiragem: 1000 exemplares Distribuição gratuita. Venda proibida.
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Catalogação elaborada pela Bibliotecária Roseli Inacio Alves – CRB 9/1590
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Arte visual comunista: imprensa comunista brasileira, 1945-1958 / Alberto Gawrysewski. - Londrina : Universidade Estadual de Londrina / LEDI, 2010. (Coleção História na Comunidade, v.4) 90 p. : il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-065-5 1. História – Brasil. 2. Comunismo – Brasil. 3. Imprensa comunista – Brasil. 4. Imagem – História. 5. Arte visual. I. Gawrysewski, Alberto. CDU 930.1:77
Impresso no Brasil / Printed in Brazil Feito depósito legal na Biblioteca Nacional
Sumário
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Apresentação
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Introdução
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Imprensa Comunista
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Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
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Os Heróis da “Causa Operária”
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Cotidiano, Organização e Festas
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Referências bibliográficas
Apresentação A publicação deste quarto livro, integrante da coleção História na Comunidade, é a continuidade da realização de um desejo: dar transparência às atividades científicas produzidas pelos professores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em especial do Departamento de História, que participam do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI). Objetiva também possibilitar um diálogo entre o saber científico e a comunidade. Em agosto de 2006, foi criado no Departamento de História da UEL, na forma de projeto integrado (pesquisa/extensão), o LEDI. Em quatro anos de existência, este tem desenvolvido diversas atividades relevantes, entre elas podemos apontar: a realização do I e II ENEIMAGEM (Encontro Nacional de Estudos da Imagem); a publicação da revista semestral Domínios da Imagem – http://www2.uel.br/cch/ his/dominiosdaimagem/; cursos de extensão e a futura realização, em maio de 2011, do III ENEIMAGEM (www.uel.br/eventos/eneimagem). Em 2008, o LEDI teve aprovado seu projeto junto ao PROEXT/2008Programa de Extensão Universitária (ProExt Cultura), um programa dos Ministérios da Cultura e da Educação, realizado com a colaboração da Fundação de Apoio à Universidade Federal de São João Del Rei (FAUF), o que possibilitou o início da coleção História na Comunidade e a realização de exposições e produção de vídeos. Tivemos, ainda em 2008, a grata notícia da aprovação de nosso projeto junto ao Conselho Nacional Científico Nacional (CNPq), no Edital MCT/CNPq nº 42/2007 - Difusão e Popularização da C&T, com o qual daremos continuidade à coleção História na Comunidade, das exposições e da produção de vídeos. Para este projeto, partimos da afirmação contida nas Diretrizes Curriculares para o Ensino da História na Educação Básica, o que diz que as imagens, livros, jornais, fotografias, filmes etc. são documentos que podem ser transformados em materiais didáticos de grande valia na constituição do saber histórico. Os documentos possibilitam a reflexão e a construção de conceitos sobre o passado e permitem a formulação de questões sobre os conceitos já constituídos. Compreendemos a imagem como importante instrumento/documento para a formulação do conhecimento histórico. Na realidade, ela pode ser a mediadora desse conhecimento. Assim, o projeto proposto atua em duas frentes: primeira, proporcionar ao aluno um novo olhar sobre as imagens, não como mera ilustração, mas rica de conceitos e interpretações; segunda, ajudar o professor a trabalhar com a imagem como instrumento de ensino e como fruto de uma criação humana repleta de significados. Este material pode ser copiado, no todo ou em parte, devendo ser nomeada sua fonte. O download dos textos poderá ser realizado pela página do LEDI (http:// www.uel.br/cch/his/ledi/), bem como dos vídeos produzidos e das imagens que compõem a exposição Arte visual comunista. Prof. Dr. Alberto Gawryszewski Coordenador da coleção
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INTRODUção Este trabalho é, em parte, fruto de meu pós-doutoramento em História Social na UFRJ, com orientação do professor Renato Lemos, sob o título A caricatura e a charge política na imprensa comunista - 1945/57 e da pesquisa Caricaturando e Ilustrando: O desenho político na imprensa comunista (194557), que contou com o apoio financeiro do CNPq (Edital no. 32/2004).1 Nessas ocasiões, coletamos juntos aos periódicos do Partido Comunista do Brasil (PCB) cerca de cinco mil imagens, sobre os mais diversos temas. O relatório final do pós-doutoramento foi dividido em cinco partes. Na primeira parte, buscamos desenvolver os conceitos de caricatura, especialmente, e de charge, de suas origens à atual posição dos estudiosos. Desdobramos estes conceitos em caricatura política, especialmente, e charge política. Esta versão foi revista e publicada na revista Domínios da Imagem, na qual propomos uma nova visão sobre os conceitos de caricatura e charge política: quando se tratar de fontes retiradas de imprensa engajada, produzidas por artistas engajados, o melhor conceito seria de charge ideológica e caricatura ideológica. Na segunda parte, estudamos a imprensa comunista brasileira, em especial a produzida na cidade do Rio de Janeiro, ou seja, em como ela estava inserida em um projeto político-pedagógico do Partido Comunista. A sua concepção de possuir a “verdade”, de querer conduzir as massas populares para a “revolução”, de guiá-las, de instruí-las, de tirar de suas cabeças as confusões e fazer as análises necessárias, dar as explicações compatíveis com seu ideário político, as notícias, os editoriais e as imagens (incluindo aqui as caricaturas e charges) funcionavam como um importante suporte. Da mesma forma que fornecia e criava seus mitos, o Partido procurava destruir as mensagens e as imagens de seus inimigos. Adjetivos pejorativos (“entreguista”, “lacaio”, “vendepátria”, “fascistas”, “ianques”, “trostkistas” etc.) foram fartamente usados por esta imprensa para qualificar aqueles de quem divergia politicamente. Buscamos compreender seu alcance popular, sua estrutura financeira e suas relações entre militantes, redatores e o Comitê Central. Esta parte foi revista e compõe o primeiro capítulo deste livro. Na terceira parte, partimos para o estudo da construção de um imaginário comunista em relação ao governo Dutra. Na quarta parte, o político visado pelo Partido Comunista Brasileiro foi Getúlio Vargas. Foi um dos mais retratados, nas páginas da imprensa do partido. Em um momento político de grande radicalização (pós-50), o PCB - regido pelo “Manifesto de 50” e pelo 1
Veja outras produções em http://www2.uel.br/cch/his/ledi/pesquisas.htm.
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IV Congresso - queria derrubar o governo por meio da criação de um exército popular. Foi um período fértil de lutas políticas, em que as caricaturas e as charges passaram a ser mais um importante componente. Trechos desta parte podem ver vistos no decorrer deste livro. A quinta parte enfocou a questão da crise interna do PCB devido à divulgação do relatório secreto de Krustchev. Após este, muitos questionamento passaram a ocorrer entre os militantes e simpatizantes do Partido. Dogmas sagrados foram postos à prova: o culto à personalidade (Stálin e Prestes); a verdade partidária, a política do “prato feito” (cópia às determinações dos congressos do PCUS) etc. A luta pela democratização do Partido e pela efetivação de uma direção coletiva foram apresentados de forma contundente pelos militantes. Tudo isto pode ser acompanhado pelas charges políticas que, inteligentemente, foram usadas pelo Redator do jornal Voz Operária. O uso das charges de autores estrangeiros mostrou que o debate era mundial, não apenas localizado. Na última parte, buscamos compreender a construção do imaginário comunista frente às questões externas, ou seja, sobre temas internacionais, que não passavam por decisões internas. Os temas que optamos em trabalhar foram o Imperialismo (e suas formas de expansão), a Guerra da Coreia e a “Campanha Mundial pela Paz”. Trechos desta parte poderão ver visto neste livro. No decorrer do período do fim do pós-doutoramento até hoje (2010), continuamos a estudar o discurso da imagem e a orientar trabalhos sobre o tema. Em fins de 2009, concluímos uma versão deste trabalho. Mas, diante das possibilidades apontadas e das dúvidas apresentadas, resolvemos rever esta versão. O grande problema de escrever um trabalho deste tipo é a variedade de cortes, escolhas de temas e imagens. Se pensarmos no limite imposto pelo número de páginas dos livros que compõem a coleção História na Comunidade (80 páginas) a situação se complica. O que colocar e deixar de fora? Deixamos de fora no que se refere à questão imagética e conceitual: a História do PCB, em especial com sua fase legal e sua organização eleitoral; a discussão teórica sobre o conceito de charge política e caricatura política e nossa proposta do conceito de charge ideológica e caricatura ideológica; a guerra de Porecatu (PR); a Campanha do Petróleo; as formas de trabalho sob a ótica dos artistas comunistas; a Guerra Fria; o uso intensivo das Histórias em Quadrinhos e o discurso ideológico, combatendo-as enquanto produto a serviço dos interesses estadunidenses; as imagens dos políticos entre outras. Algumas questões estão presentes por serem obrigatórias, tais como: o “culto à personalidade” de Prestes e Stálin; a discussão da reforma agrária; a heroína Olga Prestes; e a luta sindical contra o pelego, incluindo a questão do Primeiro de Maio.
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O número de artistas brasileiros e estrangeiros que pudemos encontrar nas páginas da imprensa comunista foi muito grande. Podemos citar como principais: Paulo Werneck, Arydio Cunha e Jorge Brandão, Maria Helena e Leda Sá. Outros que apareceram com certa frequência: Quirino Campofiorito, Hilda Campofiorito, Carlos Scliar, Edíria, Toledo, Ramiro, Pedrosa, Dan, Augusto Rodrigues e Percy Dean. Com menos frequência: Portinari, Virgina Artigas, Renina Katz entre outros. Do estrangeiro podemos citar: Gutuso (Itália), Miltelberg (França), Gropper (EUA, com muitas charges) entre outros. Sem falar em militantes que enviavam desenhos isolados. Enfim, uma quantidade enorme de imagens (variando em sua forma de criação e suporte) e de artistas. Portanto, a dimensão da pesquisa e o limite imposto por esta publicação nos obrigaram às opções relatadas. Vários intelectuais, inclusive o líder comunista Luiz Carlos Prestes, escreveram artigos, publicados na imprensa comunista, pedindo a união dos artistas “democratas” em torno da causa de uma arte que ajudasse a fortalecer cultural e politicamente o povo brasileiro. Os artistas deveriam produzir a arte do povo, com suas lutas e conquistas. O trabalhador, o comunista, o sindicalista, o lutador pelas causas populares deveria expressar orgulho em sua luta, expressar confiança e ser vitorioso. Aqui está se falando, sobretudo, da produção artística: pintura, gravura, caricatura, teatro, cinema, poesia, romance etc. O período aqui estudado (1945-58) foi influenciado pelo chamado “realismo socialista” vindo da União Soviética. Na verdade foi mais uma orientação do que uma influência. Os temas das ilustrações, dos poemas, dos romances entre outras produções artísticas e literárias enfocavam o cotidiano urbano e rural, com seus problemas, lutas e, principalmente, conquistas. A leitura da imagem ou do texto tinha que conduzir a um momento de otimismo, de êxtase. A vitória era a meta final. Entretanto, uma observação atenta às imagens produzidas pelos artistas comunistas ou engajadas faz-nos perceber mais uma arte “crítico-social”, sem a ênfase na vitória. Estão mais voltadas à narração da miséria, das dificuldades da vida do que a uma condução à luta, isto é, tem um caráter mais de denúncia do que de propor organização (talvez possamos excetuar muitas imagens ligadas ao movimento operário e às lutas camponesas). No decorrer deste livro, o leitor poderá verificar as temáticas e as imagens voltadas ao “realismo socialista” e/ou ao “crítico-social”. A bibliografia utilizada foi composta pelos periódicos publicados pelo PCB (diários, quinzenais e mensais), voltados para os mais diversos segmentos: sindical, feminino, cultural, para o público em geral, entre outros. Foi possível com tal material obter as imagens, os discursos dos membros do Comitê Central, das propostas voltadas à área da cultura e da organização
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popular. Sobre o estudo da imagem comunista como fonte histórica existe, além de nossa pesquisa, a Tese de doutoramento de Rodrigo Tavares (2010) e a Dissertação de mestrado de Juliana Dela Torres (2009). Esta desenvolveu pesquisa voltada sobre a imagem da mulher na imprensa comunista estudando o período 1945/57. Rodrigo Tavares fez um trabalho mais amplo, seja temporal, seja temático. Estudando o período de 1945-64, fazendo incursões na produção imagética dos anos 1920 aos 1960. Entretanto, o período mais estudado foi dos anos da legalidade (1945) ao golpe militar (1964). Trata-se, portanto, de um trabalho bem amplo sobre o PCB, utilizando-se das imagens como fonte e como importante componente de análise. Este livro está dividido em quatro capítulos que se relacionam. O primeiro capítulo é sobre a imprensa comunista, já comentado em parte acima. O segundo capítulo é sobre o uso dos símbolos e das formas na defesa e no combate ideológico travado entre a esquerda e a direita com uso das imagens obtidas na imprensa comunista. O terceiro capítulo trata-se dos heróis da “causa operária”. Logicamente estamos falando de Stálin e “La Passionária”, no campo internacional, e Luiz Carlos Prestes e Olga Benário, no campo interno. Mas, além destes obrigatórios, foram selecionados alguns outros mártires: a estudante e militante Zélia Magalhães e a tecelã e militante Angelina. As imagens do “Bem”, representado pelos comunistas, contra o “Mal”, representado pelos capitalistas, estão presentes, em especial, na causa da paz. Por fim, a militante Elisa Branco, presa por estender uma bandeira brasileira em desfile de sete de setembro contra o envio de tropas brasileiras para a Coreia. O último capítulo, de maior formato, buscou-se, por meio das imagens contidas na imprensa comunista, mostrar: alguns problemas enfrentados no cotidiano da população brasileira (alimentação, transporte coletivo, moradia, saneamento básico, custo da vida e inflação); a atuação das organizações sindicais, suas lutas e as repressões patronais e governamentais; os movimentos pela posse da terra e condições de vida do camponês e, por fim, as festividades envolvendo os militantes em campanhas de integração, arrecadação de dinheiro etc. Neste item, há destaque para o Primeiro de Maio. Como já foi escrito em linhas passadas, muito se deixou de discutir e mostrar. Imagens que não compõem este livro poderão ser visualizadas na exposição Arte visual comunista e no vídeo de mesmo nome. Mesmo este conjunto deixará de fora um grande número temas e questões. Isto mostra a importância e a dinâmica da produção visual comunista neste período (1945-58). Esperamos que ajude a instigar novas aventuras neste campo historiográfico e neste tema.
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IMPRENSA COMUNISTA
Introdução O objetivo deste capítulo é compreender, em especial nas palavras dos dirigentes comunistas, as razões do surgimento da imprensa comunista no pós-guerra. Este texto vai apresentar a trajetória desta imprensa entre os anos de 1945 e 1958. Assim, dados numéricos sobre a produção da imprensa comunista, as mobilizações em torno dela (festas, campanhas etc.), o financiamento, e a repressão sofrida entre outras questões poderão ser vistas adiante.
A imprensa comunista
Tribuna Popular, 01/05/1952
Na imagem acima, podemos visualizar vários títulos de jornais. Neles verificamos diversas coisas: o uso comum da expressão povo; a busca de uma identidade (A Classe Operária, Tribuna Popular, Jornal do Povo, O Trabalhador, Voz do Povo); sua expansão geográfica (Goiás, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, São Paulo – Hoje, Bahia – O Momento, Rio de Janeiro – Tribuna Popular, entre outros). Conhecendo um pouco do tema, pode-se acrescentar outro aspecto, o nacional: A Classe Operária, Voz Operária e o Momento Feminino tinham distribuição para todas as capitais estaduais, entretanto, não eram diários.
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Arte Visual Comunista
A partir de 1945 o Partido Comunista do Brasil (PCB), recentemente colocado na legalidade, depois de 10 anos de repressão política empreendida pelo governo de Getúlio Vargas, deu início à construção de uma vasta rede de publicações nacionais e regionais, revistas, romances, discursos, clássicos do marxismo (Lênin, Marx etc.), jornais e panfletos. Tal rede foi chamada de Imprensa Popular. O tamanho da produção jornalística e cultural do PCB não é de fácil quantificação e tem gerado controvérsias entre os pesquisadores. Moraes (1984, p.65) apresenta, para o ano de 1945, o total de oito jornais diários nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará, Espírito Santo e no Distrito Federal. Rubim (1986, p. 180, 352) afirma que entre 1945 e 1964, o PCB possuía as livrarias Itatiaia e Das Bandeiras, em São Paulo, a agência Farroupilha, em Porto Alegre, Popular, em Salvador, e Independência, na cidade do Rio de Janeiro. Além das editoras Vitória e Presença, contava com a simpatia da editora Calvino. Em pesquisa junto ao Arquivo do Estado do Rio de Janeiro (fundo DOPS – Departamento de Ordem Política e Social), localizamos um relatório sobre a imprensa comunista em papel timbrado do Departamento Federal de Segurança Pública, do Ministério da Justiça e Negócios do Interior. No qual dizia: “A imprensa vermelha conta no país com cerca de 25 jornais, 07 revistas e 100 panfletos – estes custeados pelas comissões das categorias profissionais que os editam”.1 Embora não datado, o relatório descreve os anos 1950, dando uma visão da dimensão da imprensa comunista e chamando a atenção para um dado importante: a publicação profissional controlada por esse partido político. Afirma também possuir o PCB duas casas editoriais e uma agência noticiosa, a Interpress. Esta última adquire um papel fundamental em nossa pesquisa, pois é ela que vai distribuir aos jornais e revistas comunistas brasileiros as charges e desenhos políticos produzidos em todo o mundo, em especial, na imprensa comunista mundial. Já em 1922, ano de sua fundação, o PCB encarou a imprensa como um importante instrumento de divulgação de suas propostas e 1
Dossiê PCB, Pasta 3B, folha 613.
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Imprensa Comunista
metas, de sua ideologia e ditames do Comitê Central. Tal modelo estava baseado em três pressupostos: a) educar as massas para elevar o nível de consciência política; b) organizar os setores mais combativos da classe operária em torno do partido; e c) propagar a linha ideológica. (MORAES, 1994, p. 63). Ao obter sua legalidade, voltou-se para reorganizar e expandir sua imprensa. A leitura dos editoriais e manifestações dos dirigentes do PCB, em especial de Luiz Carlos Prestes, publicados por essa imprensa, ajuda a compor esse quadro. O jornal diário Tribuna Popular, chegou às bancas em 22 de maio de 1945, editado na cidade do Rio de Janeiro. Neste número, na primeira página, é possível encontrar uma carta do dirigente máximo e herói comunista Luiz Carlos Prestes em que dizia que este jornal era uma demanda do povo para representá-lo e denunciar os males pelos quais passava. Nesta missiva, acompanhada pela foto do líder, incluía outros escritos interessantes: “Saúdo [...] o advento em nossa terra de uma nova imprensa – a imprensa popular capaz de esclarecer, orientar e unir o nosso povo no caminho da democracia e do progresso.”2 A referência aqui não é somente ao jornal mas a Imprensa Popular, ou seja, a nova rede de jornais que, ao contrário da então existente (que ironicamente a imprensa comunista chamava de “sadia”), seria um espaço para o povo propor e resolver os seus problemas. Mas a orientação “correta” seria dada pelo PCB. Em seu editorial, intitulado O jornal que o povo espera, expressava: Nosso jornal chega na hora certa. Chega quando o povo necessita de uma tribuna a que possa assomar com a sua voz clara e firme, e através da qual receba mais diretamente a palavra orientadora de seus guias. Jornal que quer ser companheiro, amigo de todos, sem outro desejo que o de falar a verdade, esclarecer dúvidas, pôr fim a confusões, indicar o rumo seguro das aspirações comuns dos brasileiros [...].3
Claro está que o papel da Tribuna Popular (e das demais publicações que compunham a Imprensa Popular) era, na perspectiva do partido, de esclarecer as dúvidas do povo, de pôr a cabo as confusões 2 3
“A saudação de Prestes”. In: Tribuna Popular, 22/05/45, p.01. “O jornal que o povo esperava”. In: Tribuna Popular, 22/05/45, p.03.
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existentes nas mentes dos brasileiros, enfim, de orientar, conforme as palavras de seus guias (certamente os membros do Comitê Central do PCB, de Prestes – “guia de todos os brasileiros” – e de Stálin – “guia de todos os povos”), de dar rumo a um povo A Classe Operária, 25/01/1947 perdido e desorientado, de defendê-lo de seus inimigos, que na visão do PCB seriam os integralistas, fascistas, falsos democratas, trotskistas etc. A imagem ao lado deixa entrever que o imperialismo alimentava não só a imprensa “sadia” como também o anticomunismo. Em 31 de março de 1946, circulou em Salvador o primeiro número de O Momento. Em sua primeira página foi publicada uma carta de Prestes saudando o surgimento do jornal. Nesta carta, que já anunciava o início do radicalismo que se romperia em 1947/8, novamente se contrapunha a uma imprensa vendida, contra a qual surgia uma “verdadeira”, “autêntica”, “popular” e “esclarecedora” das necessidades do povo brasileiro. Saúdo o aparecimento do diário do proletariado e do povo da Bahia. [...] O Momento deverá ser a mais autêntica voz do povo no desmascaramento dos traidores da pátria, agentes do capital colonizador estrangeiro, no esclarecimento das grandes massas trabalhadoras e populares, pondo a nu a verdadeira face dessa imprensa vendida, que vive a soldo dos senhores estrangeiros. O povo e o proletariado da Bahia saberão apoiar o seu diário, saberão fazer dele sua trincheira e sua tribuna. (apud, FALCÃO, 1988, p.311).
Em 25 de julho de 1947 foi às bancas pela primeira vez o jornal Momento Feminino. Este era editado por mulheres comunistas, mas se apresentava com um caráter pluripartidário e feminista. Diante de seu público alvo, continha em suas páginas os clássicos artigos sobre corte/costura, culinária, psicologia infantil e escolar etc. Entretanto, frente ao seu caráter feminista e político possuía também reportagens sobre custo da vida, problemas do cotidiano: (filas, aquisição de gêneros alimentícios, o trabalho fora e no lar etc.), luta feminina, entre outros assuntos. Na citação a seguir, podemos entender que o Momento
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Imprensa Comunista
Feminino tinha como intenção “esclarecer” as dúvidas de todas as mulheres brasileiras. Vejamos: Precisamente quando avultam os problemas do povo brasileiro e sua solução econômica encontra obstáculos cada vez maiores, aparece Momento Feminino, órgão de luta auxiliar de todas as mulheres para cumprir uma tarefa no seio da coletividade brasileira para ajudar o erguimento intelectual, político e econômico em nossa pátria.4
Grabois, outro importante dirigente do PCB, quando do aniversário do semanário A Classe Operária, em 1951, na fase do radicalismo do Manifesto de Agosto, em que defendia a luta armada contra o governo estabelecido pelas urnas, afirmou: “A Classe Operária é um instrumento dos mais importantes para a educação revolucionária dos operários e assalariados agrícolas para a liquidação do espontaneísmo em suas lutas, para a estruturação das células que reforçarão de maneira decisiva as bases partidárias”. (apud, MORAES, 1994, p. 68). Tal “espontaneísmo” era inconcebível dentro de doutrina stalinista do PCB, pois aqueles deveriam seguir os ensinamentos e direcionamentos de seu líder Prestes e, portanto, de seu partido. A expressão “revolucionária” encaixava-se na proposta de luta armada que então levava a cabo contra um governo que considerava de “traição nacional e parceiro do imperialismo estadunidense”. Quanto às publicações das revistas, Floriano Gonçalves assim descreveu a função destas: Hoje dispomos de revistas literárias e de divulgação cultural em cinco grandes Estados: Para Todos, Fundamentos, Horizonte, Seiva e brevemente Itinerário [...] Cada uma destas revistas [...] deverá ser o centro aglutinador dos intelectuais democratas e das forças jovens que procurem orientação justa e correta em torno do programa de defesa da independência nacional e da paz. Nossas revistas nos Estados devem unir-se uma às outras para formar ampla rede e refletir nacionalmente uma cultura revolucionária em desenvolvimento, com novos valores e novas perspectivas, uma cultura do ponto de vista da classe operária e que traduza o interesse das amplas massas que lutam pela paz e pela 4
“Nossos problemas”. In: Momento Feminino, 25/07/47, p. 02.
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libertação nacional no jogo dos imperialistas forjadores de guerra e de seus sócios nacionais. (apud MORAES, 1994, p.143).
O jornal A Classe Operária defendeu a aglutinação dos intelectuais democratas, aqueles que pensassem a cultura revolucionária em desenvolvimento, que lutavam pela paz mundial e pela libertação nacional do imperialismo ianque. Assim, cristalino está o objetivo principal apontado pela própria imprensa comunista, do papel que deveria exercer sobre a população leitora e sobre os próprios produtores culturais, que deveriam produzir a arte do povo, com suas lutas e conquistas (realismo socialista) O jornal Tribuna Popular, diário editado na cidade do Rio de Janeiro (como Hoje, na cidade de São Paulo; O Momento, em Salvador, entre outros), trazia em seu conteúdo, editoriais e colunas de pensadores alinhados com o PCB, notícias do cotidiano do cidadão, problemas com o transporte, alimentação etc.; das lutas dos setores organizados da população, sindicatos, associação de moradores etc.; seções culturais, de cinema e teatro, esportiva e de carnaval (no caso do Rio de Janeiro). Os periódicos não diários, como a Voz Operária e A Classe Operária, adquiriram um sentido mais programático. Possuíam muitos artigos da direção do PCB e os mais diversos possíveis, mas com conteúdo político e cultural. As lutas cotidianas dos trabalhadores, as greves, postura contra as políticas econômicas e trabalhistas do governo aí encontravam espaço privilegiado. As revistas políticas e culturais como Fundamento, Seiva e Horizonte entre outras, seguiam a linha de propagação do ideário marxista-leninista-stalinista. Artigos dos dirigentes do partido e de intelectuais com eles afinados, transcrição de artigos de pensadores estrangeiros, em especial da URSS, lá eram encontrados. Propostas de políticas culturais a serem produzidas pelos artistas comunistas estavam ali posicionadas. Análise da situação econômica e política nacional, das condições de vida no campo e cidade, informes do partido e orientação política eram também os temas tratados, bem como elogios ao governo de Stálin e sua organização. Os romances e títulos publicados pelas editoras do PCB (Vitória, Presença etc.) tinham um caráter político-pedagógico de extrema
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importância na luta empreendida por este partido, pois era mais uma forma de divulgar seu ideário. Muitos títulos publicados em formato popular e em papel jornal se destinavam ao grande público. Romances de autores brasileiros vinculados ao partido eram encomendados. Os temas escolhidos pelos dirigentes do PCB referiam-se aos problemas da classe trabalhadora (luta dos pescadores, mineiros etc). Produções que passavam pelo controle cultural do partido corriam o perigo de serem engavetadas se não atendessem os seus objetivos. Por fim, encontramos traduções de romances estrangeiros que também estavam dentro dos interesses culturais do PCB. A composição da chamada Imprensa Popular era ampla. Buscava-se atingir diversos setores da população. Como afirmou Hélio Benévolo, “no mundo jornalístico e cultural, tínhamos um jornal para cada setor mais importante de atividades.” (BENÉVOLO,
2003, p. 133). Para os leitores comuns e setor de massas, existia o jornal Imprensa Popular (antes chamado Tribuna Popular); para o simpatizante e militante, Voz Operária; e para o militante, A Classe Operária; o primeiro era diário, com notícias da cidade, do mundo e do partido, o segundo semanário, com notícias sobre o movimento agrário, operário e sobre os partidos comunistas do Brasil e do mundo, o último “[...] era só doutrinário, cada tijolo desse tamanho, ninguém lia”.5 Também existia Gazeta Sindical, editada pela Frente Sindical. Enfim, nada ficava de fora desta construção e luta ideológica. O relatório do Departamento Federal de Segurança Pública, anteriormente citado, dizia que os jornais Voz Operária e Imprensa Popular seriam os principais órgãos do Partido: “[...] Através de suas colunas é que são transmitidas às massas a orientação da direção do partido, além da matéria doutrinária e propaganda que enchem suas colunas. Os órgãos publicitários do PCB não se acham registrado sob a responsabilidade do Partido e sim em
Imprensa Popular, 21/08/1955
Hélio Benévolo Nogueira – Entrevista ao autor, na cidade do Rio de Janeiro, 20/10/2003.
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nome de elemento ao mesmo filiado”. Um exemplo real desta afirmação foi o caso da compra da nova sede do jornal Imprensa Popular, localizada na Rua Álvaro Alvim, centro do Rio, que foi registrada em nome de Eros Martins, um militante.6 Estes artifícios eram necessários uma vez que o PCB estava na legalidade. Da mesma forma em que não há consenso quanto à produção jornalística e cultural do PCB, não há quanto à tiragem de seus jornais. Os números variam conforme a época e a fonte consultada. Por exemplo, em sua edição de 12 de janeiro de 1947, ainda na legalidade, uma propaganda do próprio jornal Tribuna Popular afirmava que a tiragem daquele número era de 132 mil exemplares, “a maior de todo o país”.7 O contador do próprio partido, analisando as contas deste diário em abril de 1947, afirmou que este era deficitário, tendo havido uma grande queda em sua circulação. (FALCÃO, 1988, p. 336). Na afirmação de Raimundo Souza, a tiragem média era, em 1945, de 90 mil exemplares nos dias de semana e 150 mil aos domingos. (SOUZA, 2005, p. 17). Agildo Barata, o responsável pelas finanças gerais do PCB, por sua vez informou que a Tribuna Popular fora recebida inicialmente com curiosidade, tendo grandes tiragens, mas que foram caindo verticalmente posteriormente. (BARATA, s/d, p. 350). Já o referido relatório de polícia diz que “[...] a tiragem média das folhas comunistas é de mais ou menos 8 mil exemplares”. Rubim afirmou que a venda da Imprensa Popular no ano de 1954 era de 5 a 7 mil exemplares, caindo para cerca de 4 mil em 1957, após a crise política-institucional que viveu o Partido. (RUBIM, 1986, p. 71). Basbaum, por sua vez, disse que após a saída de Agildo Barata da Comissão Nacional de Finanças, ficou ainda mais difícil a manutenção do Imprensa Popular, que passou a distribuir cerca de 1.000 exemplares. (BASABAUM, 1976, p. 237). Pode-se concluir, com certeza, que houve uma queda dos números de exemplares no decorrer do tempo, em especial com a ilegalidade do partido em 1947 e com a saída de Agildo Barata, em 1956. Vimos que a Imprensa Popular comprou um imóvel para sua redação, o que demonstra que as sedes deste jornal e do jornal Voz 6 Hélio Benévolo Nogueira – Entrevista ao autor, na cidade do Rio de Janeiro, 20/10/2003. 7 Tribuna Popular, 12/01/1947, p. 03.
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Imprensa Comunista
Operária ficavam em locais diferentes. A compra daquele imóvel, de máquinas (ou aluguel delas), de material de consumo, pagamentos de funcionários, distribuição etc., exigiam gastos constantes. Os anunciantes eram escassos e as vendas não eram suficientes para cobrir os custos. A Tribuna Popular, no ano de 1947, ainda teve propaganda de agências oficiais (Caixa Econômica Federal, Institutos de aposentadorias e pensões, por exemplo), mas com o acirramento das críticas ao governo Dutra e a perseguição ao comunismo empreendida por este governo, perdeu-se praticamente todos os anunciantes, os que se prontificaram a usar este veículo de comunicação a partir deste momento eram médicos, dentistas, advogados e de empresas de militantes e simpatizantes do PCB. No caso do jornal Imprensa Popular de 1951 a 1953, por exemplo, um anunciante constante era de uma loja chamada “Tic-Tac” e praticamente mais ninguém. Outro exemplo pode ser encontrado no ano de 1955 é da loja “O Camarada”, nada mais sugestivo. Poder-se-ia pensar no medo de represália por parte de agentes policiais aos anunciantes, mas para Falcão os problemas eram: queda das vendas, pouco noticioso, sectário e mal-impresso. Em síntese, para ele o jornal não era um bom veículo de propaganda. (FALCÃO, 1988, p. 336). Barata compartilha desta opinião ao afirmar que é um jornal pouco noticioso, mal elaborado, com péssima
Imprensa Popular, 21/08/1955
apresentação gráfica. (BARATA, s/d, p. 350). Não se pode desprezar a ideia dos temores em anunciar ou comprar exemplar de noticioso comunista nesse período. O próprio Falcão relata que alguns jornaleiros atuavam como informantes da polícia, assim não haveria certeza de que sua compra era “segura”. (FALCÃO, 1988, p. 371). No Fundo DOPS do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro é possível encontrar um exemplar do jornal Voz Operária, de 31/05/1951, acompanhado de uma carta na qual um cidadão afirmava ter recebido em sua residência o referido exemplar e
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Arte Visual Comunista
do qual não era assinante. Vê-se, portanto, o medo do cidadão de ver sua imagem vinculada a um partido ilegal por meio do recebimento do
Imprensa Popular, 31/08/1955
jornal Voz Operária, mesmo sendo este de circulação pública normal.8 Para resolver o impasse da falta de verbas pela pouca venda e escassa publicidade e objetivando poder ampliar as ações da imprensa comunista foi criado o “Movimento de Apoio à Imprensa Comunista – MAIP”, que visava, por meio de contribuintes permanentes por festas, leilões, “pic-nics” etc., arrecadar as verbas necessárias para tal.9 Hélio Benévolo, que entrou para o jornal Imprensa Popular em 1951, lembra dessas festas: “As festas do Partido marcaram-me sobremodo. [...] Dias imorredouros, durante os quais, além da distração, geralmente se fazia coletas de ajudas e recrutamento de militantes e amigos.” (BENÉVOLO, 2003, p. 178-9). Mas não relatou apenas a parte alegre, descreveu ações das forças repressivas, prendendo e ameaçando os participantes das festas. A primeira Campanha Pró-Imprensa Popular, ocorreu em julho de 1946 por chamamento de Luiz Carlos Prestes, que desejava a construção de uma grande imprensa “democrática”. Todos os comunistas e simpatizantes foram mobilizados para a campanha, que visava arrecadar 10 milhões de cruzeiros. Seguiu-se ao lançamento da campanha intenso trabalho de organização e divulgação e emulação. Todas as células, comitês distritais e municipais tiveram sua cotas pré-fixadas e competiam entre si. Em todos os bairros, empresas e setores profissionais foram criados comissões Pró-Imprensa Popular. (FALCÃO, 1988, p.318-9).
Doadores e doações de todos os tipos: fazendeiros doando gado, arrobas de cacau, populares doando alianças, joias antigas de família, automóveis entre outros objetos. Foi uma campanha que teve forte
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Dossiê PCB, Político/ Pasta 3B, folha 589. APERJ, Fundo DOPS, Dossiê PCB, Pasta 3B, folha 613.
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Imprensa Comunista
apelo popular. Com o dinheiro arrecadado foram compradas máquinas de impressão para diversos jornais. Com uma imprensa deficitária e uma máquina partidária na clandestinidade a sustentar, a Comissão Nacional de Finanças do PCB se tornou um dos pilares deste, cuja arrecadação, que chegava a milhões de cruzeiros, era suficiente para cobrir os custos das publicações e gastos com a manutenção e segurança do Comitê Central do partido (aluguel de imóveis, roupas, alimento etc.). (BARATA, s/d, p. 351). A arrecadação se dava por cinco fontes: a) dos próprios comunistas; b) dos simpatizantes; c) dos amigos; d) dos aliados; e) dos inimigos. O primeiro grupo era obrigado pelo estatuto a contribuir, sendo os mais aquinhoados economicamente, sempre participantes das campanhas promovidas pelo partido. O segundo grupo, sempre disposto a ajudar regularmente nas campanhas do Partido. O terceiro grupo era de amigos dos comunistas ou liberais que discordavam da política governamental de repressão aos comunistas. O quarto grupo era o principal fornecedor de bens, visto que as campanhas nacionalistas, por exemplo, defendiam interesses da burguesia nacional, ou seja, de grandes grupos nacionais que discordavam da entrega do capital estrangeiro. Por fim, o último grupo, constituiu-se de burgueses temerosos de uma possível vitória do PCB, ou seja, compravam uma apólice de seguro de vida. (PERALVA, 1960, p. 292; BENÉVOLO, 2003, p. 143). O artista plástico Arydio Xavier da Cunha, ilustrador da Voz Operária, escreveu, com rancor, uma das formas percebidas para arrecadar dinheiro: [...] Considerando suas relações com os colecionadores de obras de arte, grande número de artistas plásticos foi integrado em comissões de finanças, com a tarefa ‘específica’ de conseguir dinheiro através de visitas e do comércio de quadros, cujo valor era medido exclusivamente em cruzeiros [...].10
A maioria dos empregados dos jornais comunistas fazia parte do partido ou eram simpatizantes, assim diversos foram os relatos dos memorialistas do partido em destacar a doação e coragem destes CUNHA, Arydio. “Como organizar os artistas plásticos?” In: Voz Operária, 17/11/56, p. 06.
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Arte Visual Comunista
funcionários na existência desta imprensa: salários muito baixos, horas extras, repressão policial etc. Um aspecto que encontramos foi a solidariedade de militantes, simpatizantes e democratas no apoio aos jornais comunistas na falta de material, mão de obra qualificada, material gráfico e fotográfico e proteção quando da repressão. Uma editora de importante revista feminina desviava material fotográfico para atender as demandas do jornal Momento Feminino; quando da invasão e empastelamento do jornal Imprensa Popular, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) cedeu espaço em seu prédio para a instalação provisória da redação, além do envio de matérias por diversos jornalistas; linotipistas que também trabalhavam para outros jornais e traziam escondidos matrizes em seus bolsos, devolvendo no dia seguinte. Raimundo Alves de Sousa lembrou a campanha de recolher tubos de pasta de dente vazios (que eram feitos de chumbo, caro e necessário para confecção dos tipos), da qual foi arrecadada uma tonelada. (SOUSA, 2005, p. 36).
A repressão e ameaça foi uma constante na vida dos funcionários da imprensa comunista. Quando da declaração da ilegalidade do PCB pelo Tribunal Superior Eleitoral em 1947, imediatamente houve várias ações repressivas por parte do governo: invasão da sede do partido; violência policial contra atos populares e comícios; e o empastelamento11 do jornal Tribuna Popular entre outras atividades. No dia 21 de outubro, este jornal foi invadido por forças da repressão e teve suas oficinas e escritórios destruídos. Voltou a sair em 31 de outubro, mas somente em suas oficinas em 12 de novembro, ou seja, foi feita a recomposição das máquinas de impressão independente de que forma, somente 22 dias depois da invasão. O empastelamento é uma ação de invasão e destruição dos escritórios e oficinas de uma empresa jornalística. Tal ato foi comum na História do Brasil. O empastelamento pode ocorrer por ação de civis revoltados pelo posicionamento do jornal, como também por forças repressivas oficiais.
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Imprensa Comunista
Mas a repressão estava em todos os movimentos do PCB: sindical, imprensa, festas, comícios, greves, movimentos populares, favelas etc. Houve prisões, assassinatos, tortura, demolição de barracos, apreensão de jornais, ameaças morais e físicas entre tantas formas de ações. Onde lutasse o partido lá estava a força repressiva para atuar. Em 1955 podemos encontrar nas páginas da imprensa comunista uma “Associação Carioca dos Amigos da Imprensa Democrática” (ACAID). Esta promovia e organizava festas para arrecadação de verbas para os periódicos do partido e as ações de propaganda e venda dos exemplares. Em 1956 ressurgiu o Movimento de Apoio a Imprensa Popular (MAIP). Agora era a campanha dos “Vinte Milhões para os jornais do povo”. Foram chamados os “comandistas” para ajudar na arrecadação de verbas e venderem assinaturas e exemplares avulsos. Festas eram promovidas, mas o momento era outro, o entusiasmo não era mais o mesmo de outros tempos. “[...] Existem muitos amigos nossos que não têm manifestado a propósito desta nova campanha de reaparelhamento da imprensa popular.” Estes colaboradores não queriam apenas dar dinheiro, queriam também ter voz sobre o conteúdo dos jornais. Este ponto não agradava o Comitê Central, o que dificultava ainda mais a vitória da campanha.12 Um exemplo foi a crítica, até bemhumorada para os padrões comunistas, do militante que não tinha aderido à campanha (imagem abaixo a direita).
Imprensa Popular, 17/08/1956
Imprensa Popular, 15/08/1956
O próprio jornal Voz Operária afirmou que: 1º) os problemas da imprensa popular não poderiam ser resolvidos apenas com campanhas populares; 2º) os problemas não eram apenas materiais e técnicos. Afirmou que o marasmo da campanha estaria no atraso das análises, dos debates sobre a Imprensa Popular (conjunto de publicações do “Abrir amplo debate sobre o conteúdo de nossos jornais”. In: Voz Operária, 22/09/56, p. 05.
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partido). Por fim, clamou os leitores e o povo a se manifestarem com suas críticas e opiniões.13 Toda essa mudança de posição, tanto dos colaboradores como da própria concepção de ver o papel da imprensa comunista, estava vinculada à crise interna, aos debates contra o centralismo e o autoritarismo vigente no PCB. Uma pressão das bases, das editorias dos jornais, dos militantes e simpatizantes que passaram a questionar os mitos, as determinações do Comitê Central do Partido etc., acarretou a decadência das publicações do Partido. A desobediência dos diretores dos jornais Imprensa Popular e Voz Operária, em promover um debate amplo e democrático sobre a situação mundial e nacional após a divulgação do relatório segredo de Krutschev (que denunciou os crimes de Stálin e condenou o culto à personalidade), chegou a um ponto de crise interna que levou ao Comitê Central do PCB a intervir duramente nos jornais. Esta postura autoritária da direção do partido ocasionou a saída em massa dos jornalistas dos jornais Voz Operária e Imprensa Popular, significando o afastamento de 27 dos 32 jornalistas então existentes. Segundo um militante: “Em 1959, o PCB, que possuíra uma das principais cadeias de jornais e publicações do país, ficava sem nenhum jornal diário.” (RODRIGUES, 1981, p. 424). Voz Operária e a Imprensa Popular permaneceram até 1958, mas sem quase nenhuma representatividade. Em 1959, o PCB compra a gráfica Itambé e novos maquinários, lançando neste ano o semanário Novos Rumos. Durante o governo de João Goulart (1962-64), chegou a ter certo prestigio, mas com o golpe militar de 1964, volta a se esvair. Nos próximos capítulos, buscar-se-á mostrar o uso da imagem na imprensa na construção de um imaginário comunista (heróis, lutas, unidade entre outros modelos), bem como na descrição do cotidiano do brasileiro e da postura do partido frente a este.
“Levar ao povo o debate dos problemas de nossa imprensa”. In: Voz Operária, 27/10/56, p.11.
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Tribuna Popular, 22/05/1947
USO DE SÍMBOLOS E FORMAS NA DEFESA E NO COMBATE
A caricatura e a charge ideológica buscam, em essência, denunciar, desnudar, desmascarar o seu alvo. O uso de símbolos conhecidos pelo leitor da imagem é fundamental para o seu entendimento. Uma charge ou uma caricatura muitas vezes ilustram ou apoiam sua criação em um fato encontrado no noticiário, daí a dificuldade de seu entendimento com o passar do tempo. Os personagens deixam de ser conhecidos. Se havia uma graça, uma razão para o riso, muitas vezes isto se perde. No caso da caricatura e charge ideológica, tal circunstância também acontece, mas pode não ocorrer se o motivo extrapolar o tempo e mantiver a atualidade. Podem-se citar dois importantes símbolos bem conhecidos por todos e de fácil entendimento: a suástica, que representava o regime nazista alemão de Hitler e a cruz, símbolo do cristianismo. Outros que podem ser lembrados são a letra sigma, que identificava o integralismo brasileiro; o cifrão, referente ao dinheiro, suborno etc.; a pomba, simbolizando a paz; o punho em riste, dando a ideia de luta; braço, simbolizando a força, a unidade da classe operária; e a cartola, representando o burguês, o capitalismo etc. Na imprensa comunista, a suástica foi diversas vezes utilizada para reforçar ou desmascarar a essência, o caráter de um regime ou de um político. Quando houve a ruptura completa entre o PCB e o governo Dutra (1946-50), anticomunista histórico, um dos principais responsáveis pela cassação do partido em 1947, sua figura foi constantemente retratada como de um traidor da pátria, ditador, mentiroso etc. A charge ao lado é muito elucidativa do momento.
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Arte Visual Comunista
Interessante como esta não se encontrava associada, diretamente, a nenhuma notícia. Se na primeira página desta edição comentou-se que a legalidade do partido era fundamental para a democracia brasileira, na página três, na qual estava localizada, as referências são somente sobre o Projeto número 24, na Câmara Federal, que tratava da cassação dos mandatos, que se efetuaria em janeiro de 1948. A charge não possui título, apenas a citação de uma poesia, que sintetizava a própria charge. Tudo é nominado para não deixar dúvidas da mensagem pretendida. A pedra, que havia no caminho era o chamado do PCB pela unidade nacional contra os atos fascistas do presidente “ditador”, que realizou alguns de seus sonhos e desejava realizar outros, como a cassação dos mandatos e o fechamento do parlamento. Um braço (a democracia) segura um cartaz clamando a volta do PCB à legalidade. Somente sua existência poderia garantir tal fato. A figura de Dutra é de fácil identificação. Seu corpo foi constituído pela suástica, símbolo maior do nazismo. A relação nazismo/Dutra tem função demolidora da imagem que Dutra queria construir de um presidente democrático. O braço não é símbolo novo, pois foi bastante usado nas causas proletárias de todo o mundo pelos diversos matizes. Junto com o pé, que representa o chute que expulsa o inimigo, a mão traz em seu conteúdo a ideia de união. Um símbolo vinculado à suástica é a letra sigma, que identificava o fascismo caboclo, o integralismo, sob as ordens de Plínio Salgado. Na figura ao lado, pode-se visualizar uma figura sinistra, violenta, pois além de ter um punhal na mão direita, sua face, por meio do olhar e da forma da boca, dão um aspecto ameaçador. Seu cabelo e seu bigodinho lembram outro personagem político da história de então: Hitler. A camisa repleta com o sigma e a braçadeira com a suástica deixam clara a relação entre os dois símbolos, entre os projetos políticos. Para completar o quadro de identificação, na mão esquerda, o personagem carrega uma bandeira Tribuna Popular, 13/12/1945 do partido PRP, denunciando sua relação com este partido político.
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Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
Voz Operária, 09/08/1952
Na imagem a lado temos a união dos brasileiros impedindo que o presidente Getúlio Vargas (1951-54)
assinasse
o
Pacto
Militar, dito pelos comunistas como de
a
subordinação
soberania
interesses
brasileira
total aos
estadunidenses.
Ilustrava a página que tinha por título “Getúlio prepara a morte e a ruína para o povo”. Em várias sub-reportagens, denunciava os excessivos gastos com as Forças Armadas, a vinda de oficiais norteamericanos no Brasil para treinar as tropas brasileiras, que seriam encaminhadas para a Coreia, criticava a nova Lei do Serviço Militar, que autorizava a convocação de todos os brasileiros de 16 a 47 anos de idade a qualquer momento e estavam contra o Acordo Militar. A charge ganha força e, às vezes, traz o riso quando se utiliza da forma animal, a zoomorfia. Neste caso, há uma ilustração que trata do tema acima, ou seja, o Pacto Militar. Vemos o Tio Sam com a chave na mão, afastando os cães com “biscoitos”. A chave que garantia a entrada no Brasil era o Acordo Militar, e os animais foram identificados pelas faces e por uma marca na parte traseira deles “JN” e “G”, ou seja, João Neves e Getúlio
Voz Operária, 09/08/1952
Vargas. Estes cães que deveriam cuidar do Brasil, em troca de uns biscoitos (moedas), deixam seus postos e não cumprem suas funções. O uso de animais serviu para desqualificar os governantes e mostrar o caráter frágil e dúbio de ambos. De outro lado, a nação norte-americana foi representada pelo seu símbolo maior o Tio Sam, que aqui aparece em papel suspeito, um tanto furtivo. Esta charge resumiu bem a visão construída pelo discurso da imprensa comunista em relação ao governo brasileiro e ao Acordo Militar: submissão, intervenção e controle.
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Arte Visual Comunista
Voz Operária, 23/07/1949 Imprensa Popular, 10/05/1952
O zoomorfismo está presente em outra charge de um grande inimigo: o presidente dos EUA, Truman. Este está na forma de um morcego sobrevoando a América Latina. O morcego com rabo de diabo é identificado como sendo o imperialismo ianque, que estava em busca do sangue dos latino-americanos. O uso de animais, com suas características específicas somadas aos atributos negativos do caráter humano poderia trazer consequências terríveis para o caricaturado, uma vez que ficava marcado na memória do leitor, de tal modo que seria difícil destruí-la. A charge ao lado, de autoria do brasileiro Jorge Brandão, denunciava o uso de armas bacteriológicas na guerra da Coreia. Truman foi caricaturado na forma de um mosquito transmissor de uma doença letal, assim sendo não possuía nenhum caráter cômico, visto a mensagem transmitida e o título que carregava, mas funcionava muito bem como arma de luta política, de denúncia de uma política guerreira contrária à Convenção de Genebra. Sua legenda diz: “Ordenando e desencadeando a agressão microbiana na Coreia, Truman se apresenta aos olhos da Humanidade como o transmissor da morte, o portador de bactérias e germes das mais terríveis doenças epidêmicas [...]”. Voz Operária, 26/04/1952
Gombrich ensina que a descoberta da diferença entre semelhança e equivalência possibilitou a transformação da arte de desenhar e de interpretar. Na caricatura acima, vemos a essência de Truman,
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Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
Tribuna Popular, 27/08/1947
ela é pura destruição, seu sorriso é falso. Mensagem direta, que nem necessitava de legenda, mas esta veio realçar a proposta. É cômica, a bomba se voltou contra o lançador. Quem viu não pôde esquecer, é o traço básico da caricatura ideológica. Truman também foi retratado ao lado do maior símbolo dos EUA, a estátua da Liberdade. Na realidade encontramos no decorrer desta pesquisa várias charges em que este símbolo foi usado para combater os dirigentes do país e desqualificar o discurso sobre a existência de liberdade nos Estados Unidos. Afinal, estávamos em plena Guerra Fria, ou seja, o discurso ideológico de destruição do outro era fundamental. Assim, utilizar um símbolo do tamanho da Estátua da Liberdade para destruição, da imagem de país berço da democracia, tornava-se fundamental. A seguir, comentamos dois exemplos. Na primeira imagem, ao lado, há uma longa legenda explicando a charge. Diz a mesma: “Na excelente ilustração ao alto, Gropper, o grande caricaturista norte-americano, figura o panorama político dos Estados Unidos sob o regime de Truman: a liberdade está sendo acusada e contra ela e os cidadãos inermes investem os monstros da reação. O membro da “Klu Klux Klan”, Franco, o Comitê de Atividades Antiamericanas, o Federal Bureau of Investigation, os grandes banqueiros e os veteranos fascistas da primeira guerra ensaiam um festim selvagem, visando destruir aquilo que o grande povo de Roosevelt tem de mais sagrado.” Lá vemos Franco, o ditador espanhol, figura sempre presente nas caricaturas e charges ideológicas da imprensa comunista carioca. O caráter fascista de seu regime e as ligações com os Estados Unidos o colocou como um personagem importante a ser caricaturado. Todos os caricaturados com traços grotescos. A cartola, o boné, o chapéu de investigador, o punhal, o machado, o fogo, a suástica, o cifrão etc., lá estão. Enfim, as siglas e os nomes ajudam a compor o quadro. Lembramos que Gropper, o
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Arte Visual Comunista
Imprensa Popular, 17/01/1951
desenhista, foi acusado de traidor, de atividades antiamericanas, pela comissão do Senado (MacCarthismo). Nesta charge também não houve a preocupação por parte do redator de se fazer a tradução. Na segunda imagem, a estátua da Liberdade está sendo identificada pelas forças policiais, como se fosse um perigo para os Estados Unidos. Assim, o autor da imagem busca reforçar a ideia de que neste país a liberdade estava vigiada, era vista como algo perigoso, contrário aos interesses do país. Percebe-se o descontentamento e o desconforto da senhora Liberdade ao ter que ser identificada. Nessa linha de descaracterização do ocidente como o defensor do Bem contra o Mal que vem do Oriente, da União Soviética, houve toda uma construção imagética por parte da imprensa comunista procurando mostrar os males que a cultura capitalista no Ocidente traz. Foi lançada uma série chamada de “Civilização Ocidental”, na qual são apresentadas várias denúncias sobre a sociedade capitalista: corrupta, violenta, antidemocrática, desigual, entre outras. Muito dos desenhos que compunham a série traziam crianças, como no caso da imagem ao lado. Denuncia a promoção da violência e o acesso às armas. A criança se utilizou de uma arma automática, fabricada nos EUA, e fez vários disparos. Mas não foi só isto, com uma faca matou Imprensa Popular, 18/07/1952 o cachorro, com uma machadinha arrebentou a porta do armário e, ainda por cima, enforcou o gato. Toda a família se protege sob a mesa, exceto a vovó, que foi atingida por alguma coisa que não é claro para o leitor. Um símbolo que não poderia faltar e que se soma à Campanha da Paz é a pomba, mundialmente reconhecida. Essa foi desenhada de várias formas e sentidos e podem ser visualizadas abaixo de duas maneiras. Uma simboliza sua força perante a ganância dos ricos e guerreiros capitalistas. É uma imagem positiva na qual a paz será sempre mais
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Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
forte que os interesses do capital. Na outra imagem, utilizando-se da figura do Tio Sam, a paz situa-se em posição menos gloriosa, mas denuncia o caráter guerreiro dos Estados Unidos. Aqui temos três símbolos em apenas uma imagem: a paz, na forma da pomba com o ramo, os Estados Unidos na forma do Tio Sam, e o símbolo do nazismo, a suástica, representado pelo animal de estimação do Tio Sam. O gato está aguardando o lanche, no caso, a paz mundial. A legenda reforça ainda mais o desenho, não deixa dúvidas ao leitor. Em outra imagem, do genial artista brasileiro Dan, denuncia o desejo do capitalista pela guerra ao ver a pomba da paz abatida pelo tiro do canhão. Dan conseguiu trazer o riso para um tema tão importante e sério para o partido.
Voz Operária, 26/04/1952
Voz Operária, 10/09/1949
Fundamentos, setembro de 1951
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Arte Visual Comunista
Gazeta Sindical, 2ª quinzena dezembro de 1955 Voz Operária, 01/05/1954 Imprensa Popular, 23/05/1952
Se a pomba da paz surgiu para denunciar a posição guerreira do capitalismo, também foi usada para a defesa da paz mundial e para reforçar uma visão pacífica da política externa da URSS. Inúmeras imagens foram criadas nesse sentido. A imagem ao lado, na qual é possível ver um homem e uma mulher jovens abraçados, sobressai a figura da pomba entre os braços de ambos, como se a protegessem. O sentido é a difusão da união entre todos na defesa da paz mundial. Não se pode esquecer a Campanha Mundial pela Paz levada a cabo em todo o mundo pelos partidos comunistas e por entidades de diversos matizes contra uma nova guerra mundial. (Ver capítulo 3 deste livro). Podemos ver mais duas caricaturas que desnudam, na visão da imprensa comunista, o caráter belicista de dois importantes membros da comunidade estadunidense e inglesa. A primeira, de 1954, denuncia a política guerreira de Dulles de forma inconteste, dura, mas que causa admiração e riso pela sua beleza plástica e genialidade. Sob a imagem veio escrito: “A revista ianque ‘Visão’ diz que Dulles atua hoje com a bomba-H na mão como supremo argumento, dando prova de uma ‘inflexibilidade’ só comparável à de Hitler. Os povos, porém, respondem com a exigência de paz a esse maníaco da guerra, de cujo cachimbo sobe um cogumelo atômico’, na concepção do caricaturista norte-americano Max, de “The Worker”. A segunda, seguindo o padrão da anterior, mas sem sua sutileza, apresenta o Primeiro Ministro da Grã-Bretanha Churchill com seu notório charuto na boca. De 1955, traduz muito bem a visão de uma figura belicosa. A transformação do clássico charuto em canhão deixa claro seu caráter guerreiro. Talvez, diferentemente de seu colega norte-americano, sua ação está mais no discurso do que na ação. Lembrando que em 5 de março de 1946, Churchill, em visita aos EUA, fez um discurso
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Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
Imprensa Popular, 22/06/1952
na Universidade de Werstminster, Fulton, Missouri, afirmando que havia descido sobre a Europa uma Cortina de Ferro e muitos países estavam se subordinando a uma “esfera soviética”. Pediu, diante disto, uma reação aliada para impedir a sovietização dos países do Leste. Um símbolo que caracteriza o capitalismo, o poder, é o cifrão. Ele foi usado, em geral, de três maneiras: para denunciar a compra de um político/dirigente/ industrial, como lucro do capital, e para representar o próprio capitalista. Em duas imagens anteriores já foi mostrado o uso do cifrão: em uma está nas moedas jogadas aos “cachorros” GV e JN, e na outra está no peito de um dos dançantes em volta da estátua da Liberdade. Neste caso, veja-se como foi construída a imagem do capitalista: obeso e de cartola (o padrão), de luvas e com uma arma medieval em uma das mãos e uma saia de palha, enfim uma figura grotesca. O grotesco também foi uma estética a serviço da formação de opinião. O monstruoso, o bizarro, o assustador, a aberração, o diferente, o “feio”, enfim, o grotesco causava reações àquele que visualizava o desenho. Estas reações variam conforme o gosto do público e do personagem retratado, podendo causar o riso, a repulsa, o constrangimento entre outras. No caso da charge e da caricatura ideológica da imprensa comunista, o objetivo era reforçar o caráter de denuncia contra o retratado. Exemplos já foram vistos. Outro desenho que se utiliza do grotesco para denunciar uma “traição” é este ao lado, que retrata o jornalista e político Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados. Este grupo editava a revista de maior circulação do país, O Cruzeiro, que costumeiramente apresentava em suas páginas reportagens contrária à URSS e ao socialismo. Assim, a imagem representa a compra do jornalista pelo capital para produzir as ditas reportagens. O corpo do jornalista não é humano, mais parecendo um rato, suas unhas são afiadas e enormes, tem os dentes para frente e a língua saindo da boca; babando, possui uma coleira que, somada ao cifrão, indica que recebe ordens de alguém. Por fim, a bandeira norte-americana no bolso da vestimenta diz que é seu dono.
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Arte Visual Comunista
Dois símbolos que não poderiam ficar de fora: Tio Sam e a foice e martelo. Tio Sam certamente foi um dos símbolos usados com grande frequência pela imprensa comunista. Ele foi produzido de várias formas, mas com apenas um objetivo: vincular a imagem dos Estados Unidos ao Mal, sinônimo do imperialismo norte-americano. O caricaturista Thomas Nast, que contribuiu para a fixação da imagem do Tio Sam, com suas calças de listas, colete estrelado, casaca azul chapéu de chaminé, teria se baseado na figura de Lincoln. Tal figura adquiriu com o tempo o valor de representar uma nação. (HERMAN, 1963, p. 09). Se na imagem anterior de Tio Sam é apresentado como contrário à paz e aliado ao nazismo, nas duas seguintes podemos perceber mais duas facetas, com aspectos distintos. A charge ao lado seguiu a linha de denúncias contra o governo Vargas (1951-54), apresentando-o como “entreguista” das riquezas nacionais. Tio Sam, com suas enormes unhas, está satisfeito com que lhe é ofertado pelo governo Vargas: manganês, Voz Operária, 19/09/1953 areia monazita, café, petróleo e, por fim, o sangue do povo brasileiro. Para garantir a alegria do visitante, Vargas pede a Vicente Ráo que lhe “pergunte o que ele quer mais...”. O ano de 1954 foi marcado por grave crise social, com a alta dos gêneros alimentícios e muitas greves exigindo aumento de salários. O movimento da Panela Vazia, no qual a dona de casa paulista saiu às ruas para protestar contra a alta do custo da vida, marcou este período. Tio Sam foi apresentado como importante componente nessa crise. A dona de casa, tradicionalmente vestida, reage com uma panela às ingerências de Tio Sam na política econômica e política do país. O calendário na parede com a data Voz Operária, 28/08/1954 de 3 outubro, dia das eleições estaduais e municipais, simbolizava a derrota nas urnas dessa política de aliança entre o governo de Getúlio Vargas e os Estados Unidos, representado na figura de Tio Sam. Esta charge possuía uma legenda: “Esta charge,
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Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
publicada em ‘notícias de Hoje’ está sendo distribuída, com grande sucesso, entre os trabalhadores de São Paulo.” O seu autor foi Ramiro, importante chargista da imprensa comunista paulista. O símbolo maior do comunismo mundial é o conjunto formado pela foice e o martelo, mostrando a força da união entre o operariado urbano e o camponês. A estátua, de tamanho monumental, usada na charge abaixo, estava colocada em Moscou até recentemente, quando foi desmontada e guardada em depósito para “reforma”. A estátua é composta por um homem que segura um martelo, e uma mulher que segura uma foice de cabo curto, instrumento característico do corte do trigo. Tal relação foi construída em função das referências ao homem como ferreiro, com o uso do martelo e da bigorna (imagem clássica na iconografia operária) e da mulher camponesa, a que colhe os frutos da terra e usa a foice de cabo curto, geralmente na forma agachada. Na imagem em questão, vemos os capitalistas chutando e não conseguindo afetar a estátua, dando a entender a força do comunismo mundial. Como legenda traz a seguinte frase: “Desespero do imperialismo ianque contra a URSS”.
A Classe Operária, 18/11/1949
Arquivo CEDEM/UNESP
Não é o propósito fazer aqui um histórico e uma explicação exaustiva do uso da foice e do martelo no movimento operário mundial. As publicações iniciais oficiais da Rússia soviética não traziam a foice e o martelo entrecruzados. Muitas traziam engrenagens de máquinas, entre outras. A imagem acima, na direita, traz um desenho que foi muito reproduzido pelas publicações dos diversos partidos comunistas,
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Arte Visual Comunista
inclusive pelo partido comunista do Brasil, no ano de sua fundação, em 1922. O destaque da imagem acima, na direita, é o uso do martelo por um homem forte. A mensagem é clara, o trabalhador está libertando o mundo das correntes exploradoras do capitalismo. É a vitória do comunismo internacional. A imagem da foice e do martelo passou a ser a marca da luta pelo comunismo. Em todas as publicações oficiais dos partidos comunistas era encontrada: na Franca, em Portugal, entre outras tantas nações. Nas imagens abaixo, podemos visualizar a presença da foice e do martelo. Arquivo CEDEM/UNESP
No Brasil, no período aqui estudado (1945-1964) a imagem da foice e o martelo entrecruzados não foi usada na imprensa comunista de forma exaustiva. Embora encontrada, desde suas origens, nos cabeçalhos dos periódicos, em panfletos, faixas e propagandas, e tenha marcado o imaginário dos militantes, não foi grande marca do Partido Comunista do Brasil (PCB). O periódico A Classe Operária, órgão central do PCB, foi um que utilizou em seu cabeçalho a foice e o martelo, embora não em todo o período de sua existência.
A Classe Operária, 29/06/1946
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Uso de Símbolos e Formas na Defesa e no Combate
No período da legalidade (1945-1947) foi o símbolo mais visível na imprensa comunista, seja em fotos de atos públicos, seja em atos mais privados. Fora deste período, irá aparecer mais em datas ou acontecimentos políticos importantes, tal como o IV Congresso do PCB, realizado em 1954, conforme podemos visualizar na imagem abaixo. Na realidade a foice de cabo curto era muito pouco utilizada nos campos brasileiros, sendo mais comum o uso da foice de cabo longo, ou a enxada. Em geral, a representação visual do camponês na imprensa comunista era com o uso da enxada. Ora estava em pleno uso, ora no ombro do camponês, na pausa ou no caminho da casa.
Imprensa Popular, 06/11/1955
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Arte Visual Comunista
No capítulo a seguir, partiremos para a análise de outras formas de símbolos: ações humanas. Para o fortalecimento do ideário comunista no Brasil, o uso da figura do herói foi muito importante, de um lado estava vinculada à prática do culto à personalidade, mas de outro serviu para difundir exemplos individuais e coletivos que deveriam ser seguidos como modelos da causa comunista.
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OS HERÓIS DA “CAUSA OPERÁRIA”
Heróis internacionais A construção do herói é fundamental para legitimar qualquer causa. O herói traz unidade, agrega valor. O herói é um ser superior, possui ícones importantes no conjunto mental da coletividade. Estes valores, reais ou não, estão expressos em sua ação (ou conjunto de ações) que realizou em determinado momento de sua vida (ou em toda a sua vida, neste caso demonstrando coerência). Se assim não for, não conquista seguidores. Apesar de estarmos lidando com um grupo político dito com um caráter laico, nem todos os militantes e simpatizantes do comunismo o eram, basta lembrar a importante atuação de judeus, espíritas e católicos, entre outros, dentro dos partidos comunistas em vários países. Como disse Mircea Eliade (2010, p.188): “O homem profano, queira-o ou no, conserva ainda os vestígios comportamentais do homem religioso, mas esvaziado de significações religiosas”. Podemos pensar na inter-relação entre os dois campos simbólicos, ou mesmo numa troca entre as esferas do profano e a política. O fortalecimento da visão dicotômica do mundo entre a luta do Bem contra o Mal, que faz parte da tradição cristã brasileira, portanto, popular e religiosa, encaixava-se bem no discurso comunista em diversas partes do globo. Assim, compreendemos a sacralização da terra mãe do socialismo (URSS), dos heróis do comunismo, dos mártires e de seus líderes, entre outros, como a identificação de suas causas e lutas no combate do Bem contra o Mal. Nas páginas dos jornais comunistas, as imagens dos heróis (e heroínas) foram uma constante. Heróis internacionais, nacionais, coletivos ou individuais. No primeiro caso, podemos nominar os idealizadores do ideário marxista, ou seja, o próprio Marx e seu parceiro Engels. Somando-se a este, no mesmo nível de importância, temos os fundadores do estado soviético na Rússia: Lênin e Stálin.
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Arte Visual Comunista Tribuna Popular, 30/01/1946.
Stálin esteve no comando da URSS do ano de 1924 a 1953, quando veio a falecer. A construção de sua imagem como grande intelectual, militar e guia foi um dos pilares do comunismo internacional. Vincular sua imagem aos criadores do marxismo e ao líder e fundador do estado soviético (Lênin) foi fundamental para legitimar sua autoridade internacional na causa comunista. Assim, a imagem ao lado, com ligeiras modificações foi por diversas vezes republicada nas páginas dos diversos periódicos comunistas. No caso, estava ilustrando uma propaganda do livro História do Partido Comunista da URSS. Abaixo uma legenda: “Marx, Engels, Lênin e Stálin, as maiores figuras de dirigentes da luta mundial do proletariado, são os gênios criadores que inspiram as páginas deste livro, através da teoria aplicada à prática política”. A figura de Stálin foi reforçada com o importante papel da URSS na derrota do nazismo/fascismo na Segunda Guerra Mundial. Destacou-se como grande líder, estrategista militar etc. Sua figura foi retratada de várias formas: altivo, sereno, com uma criança no colo, com as medalhas etc. Sempre que possível, como visto, sua imagem era relacionada à de Lênin, Marx e Engels. Na imagem da direita abaixo, Stálin está sentado ao lado de Lênin, sem as medalhas. Chama a atenção nesta imagem que ambos estão sorrindo, algo raríssimo em suas representações imagéticas. Na imagem do centro, portando inúmeras medalhas, tem como legenda: “O Generalíssimo Stálin, criador do Exército Vermelho e edificador do Socialismo”. A imagem da esquerda,
Tribuna Popular, 04/05/1946.
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Tribuna Popular, 07/11/1946.
Tribuna Popular, 07/07/1946.
Os Heróis da “Causa Operária”
um perfil sereno e tranquilizador. Todas as imagens feitas por artistas comunistas brasileiros, Quirino Campofiorito e Paulo Werneck. Stálin ganhou o epíteto de “Guia dos povos”, aquele a que todos deviam seguir, pois só ele saberia conduzir as massas para a sua liberdade, para conquistar seus direitos, ou seja, a construção de um mundo comunista. Sua fala passou a ser considerada sagrada, sua imagem idolatrada. Enfim, sua figura adquiriu aspectos místicos. Na data natalícia de Stálin, os jornais do partido abriam páginas inteiras para homenagear sua “liderança”, sua “clarividência” e as “conquistas sociais e econômicas na URSS” sob sua direção. Com sua morte, mais uma data passou a ser apresentada nas páginas comunistas para homenageá-lo. Isto até a divulgação do relatório secreto de Krutschev, em 1956. Heróis nacionais: Prestes e família No caso brasileiro, não podemos deixar de destacar a figura de Luiz Carlos Prestes. Se Stálin era o “Guia dos povos”, Prestes era o “Guia dos brasileiros”. Da mesma forma que se construiu o ideal de herói de Stálin o foi com Prestes. Mas, deve-se destacar que a lenda e as passagens heroicas de Luiz Carlos Prestes não começaram nas páginas dos periódicos da imprensa comunista, muito pelo contrário. Como um importante líder dos tenentes revoltosos da década de 1920, Prestes, assim como a grande maioria dos revoltosos, não era comunista, pelo contrário, queria distancia do povo. Possuía uma visão positivista, defendia uma ditadura militar para fazer as reformas sociais, econômicas e políticas que julgava necessárias para o país. O povo ficaria fora disto. No ano de 1924, Prestes levou o Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo a aderir ao movimento dos Tenentes que já eclodira em São Paulo. A fama da coluna é conhecida de todos. Esta atiçava a imaginação popular e acalorava os debates políticos: teriam o corpo fechado? Afinal, foram vinte e quatro mil quilômetros sem nenhuma derrota militar, mesmo considerando o exílio ao final da caminhada. O Partido Comunista já na década de 1920 procurou chegar a Luiz Carlos Prestes para tentar cooptá-lo para sua causa revolucionária,
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Arte Visual Comunista
mas fora em vão. Em 1927, Astrojildo Pereira vai ao seu encontro, mas foi pouco produtivo, pois a coluna do “Cavaleiro da Esperança” nada tinha de pretensões de levar a cabo a reforma agrária e agregar os camponeses. Apenas em 1929 que Prestes começou a se empolgar com a doutrina comunista. Em 1930 rompeu com os antigos aliados da Coluna e, em 1931, aderiu à causa da III Internacional e do PCB, partindo para o “solo sagrado da pátria mãe do socialismo”: a URSS Retorna somente em 1935 ao Brasil, aderindo à Aliança Nacional Libertadora e apoiando o movimento comunista revolucionário de 1935. Como este fracassou, a repressão se abateu sobre os diversos grupos políticos, não só para os comunistas. Assim, Prestes foi encarcerado e condenado à prisão, onde permaneceu por dez anos. Jorge Amado, na biografia de Prestes, de 1941, mas lançada no Brasil somente em 1945, escreveu: E o prendem, amiga, e o encarceram e o torturam e o emparedam e o condenam. E ainda assim o povo tem esperança, ainda confia e ainda crê. Tem os olhos no grande prisioneiro, sabe que ele é o homem indicado para mudar a face do destino do Brasil. [...] Se ele está vivo é que vivo está o Brasil. (AMADO, 1945, p. 43).
Mesmo na prisão, apesar de todo o seu sofrimento, o Cavaleiro da Esperança estava a dar conforto ao povo brasileiro. A foto ao lado, que ilustrava a edição de 45, mostrava um Prestes que, apesar de todos os sofrimentos, era feliz e esperançoso com o futuro. Ao findar a Segunda Guerra Mundial, o mundo se colocava frente ao problema da reconstrução da Europa e de um discurso de paz. A união URSS/EUA/Inglaterra/França contra o movimento nazifascista permitiu um momento de calma e liberdade mundial. No Brasil, como em vários países, os partidos comunistas puderam se tornar legais e participar das eleições. Getúlio Vargas, em plena vigência do Estado Novo (1937-45), assinou a anistia para os presos políticos e autorizou o funcionamento do Partido Comunista do Brasil (maio de 1945). Prestes pôde sair da prisão. A foto deste acontecimento torna-se histórica.
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Os Heróis da “Causa Operária”
Tribuna Popular, 11/07/1945
Voz Operária, 10/09/1950
Para difundir sua proposta política no meio popular, o PCB promovia os chamados “comícios monstros”, que eram realizados com frequência. A manchete acima diz que Prestes era “o grande líder” e que sua palavra era aguardada com ansiedade pelo povo paulista. De fato, os comícios eram populares, alcançando um número elevado de participantes, deixando claro o seu prestigio popular. O culto à personalidade de Prestes exigia o fortalecimento de sua figura como “guia”. Por ser dirigente máximo do PCB, tornar a figura de Prestes em sagrada e em mito era fundamental para os objetivos deste partido. Então, a partir de 1945, temos o engrandecimento de sua imagem. Lembremos das palavras de Jorge Amado: era um mártir herói. Livros, cartazes, fotos, desenhos e gravuras reforçavam os epítetos de “homem provençal”, “chefe”, “guia”, “salvador”, “clarividente” entre outros. Sua fala tornava-se verdade, única. Era um erudito, um professor que a todos ensinava. A charge ao lado, intitulada “Golpismo”, procurava mostrar que até para seus inimigos era difícil derrotá-lo na oratória. Assim disse o “golpista”: “O diabo é Tribuna Popular, 26/05/1945 a clareza do discurso dele.” Todo tipo de suporte imagético foi usado para valorizar os atos heroicos de Prestes, sua liderança, seu caráter impoluto, sua altivez: foto, cinema, desenho, gravura, História em Quadrinhos. Logicamente que a
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Arte Visual Comunista
caricatura estava descartada, pois poderia trazer o riso e este tiraria a seriedade do personagem, poderia destruir o mito. Dezenas de perfis foram feitos de Prestes, todos o trazem em ar sério e pensativo: perfil à direita, à esquerda, cabeça levemente curvada, semblante sempre sério, firme, mas ao mesmo tempo sereno, passando tranquilidade e paz. Uma exceção: o desenho de Jorge Brandão o traz de barba, entretanto, sem as vestes do uniforme de militar da coluna. Os dois primeiros desenhos, com traços mais leves, são de autoria de Portinari.
Quando a imprensa comunista o retratava como Cavaleiro da Esperança, na forma de desenhos ou gravuras, fazia-o em grupo, em geral mostrando sua liderança e comando, ou de forma isolada, isto é, de barba e com uniforme militar e a galope. Os demais membros poderiam ir a cavalo ou a pé, o fundamental é que sempre estariam o seguindo, ele era o líder. Três imagens chamam a atenção, uma é a do cavalo que é maior que Prestes que, apesar de sua beleza plástica, deve ter causado certo constrangimento, em especial, levando-se em consideração a estatura real de Prestes. Como a ilustração é de autoria de Portinari, amigo do figurado, as críticas devem ter sido minimizadas. As legendas reforçam as imagens. Muitas vezes Prestes está a conversar
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Os Heróis da “Causa Operária”
Tribuna Popular, 03/01/1947
A Classe Operária, 01/01/1949
Voz Operária, 29/10/1954
com os camponeses, dando a impressão de preocupação e liderança com e sobre eles.
A Classe Operária, 01/01/1949
Tribuna Popular, 01/05/1946
O culto à personalidade não poderia descartar o uso da arte sequencial ou história em quadrinhos. Em uma HQ publicada em maio de 1946 podemos ver um pouco da construção do mito Prestes. Descreve sua trajetória desde os 26 anos quando adere ao movimento de 24, passando pelo exílio, pelo movimento de 35, sua prisão, o envio de Olga para Alemanha e, por fim, a democracia de 1945.
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Arte Visual Comunista
No requadro 1: Lá está Prestes montado em seu cavalo liderando os revoltosos: “escreveu a epopeia da Coluna Invicta”. Depois desta veio o exílio e a luta solitária: “[...] a coragem de ficar sozinho quando os seus companheiros aderiram ao movimento de 30 [...]”; já no requadro 2: há a ausência de Prestes na imagem, mas no texto estava “chefiando o glorioso movimento da Aliança Nacional Libertadora”; no requadro 3: Prestes, barba por fazer, cercado pelos algozes: “E foi por mais uma vez levado à barra dos tribunais da reação revelando sempre aquela fibra de aço que o povo já conhecia”; no requadro 4: novamente a figura de Prestes não está presente, entretanto, o povo está ao seu lado: “O povo brasileiro jamais esqueceu o seu líder heróico [...] E o governo, sob a pressão do povo, assinou o decreto libertando Prestes e os seus companheiros de ideal, a 18 de abril de 1945”; para fechar, no requadro 5: só os jovens não conheciam a grande história de Prestes: “[...] e a frente do povo, que nele enxerga o seu guia esclarecido, dirige a grande luta contra o retrocesso nas medidas democráticas já decretadas pelo governo [...]”. Na HQ “Prestes – herói e guia do povo brasileiro” publicado no semanário “Voz Operária”, de 1949, portanto três anos após, vemos novamente a trajetória da vida de Prestes, com novos dados.
Voz Operária, 03/01/1952
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Os Heróis da “Causa Operária”
Vincular seu nome a outro herói reconhecidamente popular foi uma tática usada para reforçar ainda seus valores heroicos. Assim, no semanário Voz Operária, de 1952, vemos seu nome ligado a Tiradentes (“O glorioso exemplo de Tiradentes; Prestes – o glorioso continuador de Tiradentes”). A figura barbuda de Tiradentes é associada à figura barbuda de Prestes da Coluna. Tal como o herói mineiro, Prestes lutava pela emancipação do povo contra a exploração estrangeira, agora representada pelos trustes e monopólio imperialistas. No final do texto conclui: “Indicam (Prestes e o PCB) ao povo o caminho da luta pela paz, pela libertação nacional e a democracia popular. Milhões de brasileiros seguem este caminho”. Clássica é a imagem de Tiradentes feita pelo artista Portinari cuja semelhança com Prestes é absoluta. Tal qual Stálin, o “guia dos povos”, Prestes, o “guia dos brasileiros” era muito festejado em seu aniversário. Páginas e páginas na imprensa comunista comemorando o seu grande líder. Lembrados eram seus feitos, como as histórias em quadrinho vistas acima. No seu 57º aniversário, por exemplo, o periódico Imprensa Popular publicou várias páginas dedicadas a Luiz Carlos Prestes. Na imagem ao lado, vemos ao centro sua figura serena. Ao redor, outras imagens impactantes sobre sua trajetória. Ao fundo fábricas, o porto com a figura do estivador, a favela e um prédio. Pessoas (homens e mulheres) trajando roupas simples estão atentas e caladas, possivelmente ouvintes da fala do líder. Abaixo da multidão, pessoas atentas ao cartaz que sugere a leitura do Programa do PCB. No lado inferior direito, temos mais uma vez o Cavaleiro da esperança. Acima dele outro Prestes, agora de terno, de gravata, o que indica o seu período de Senador da república. E, por fim,
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Arte Visual Comunista
Voz Operária, 15/12/1956
acima desta imagem, vê-se um grupo de pessoas lendo, provavelmente um periódico do partido, com notícias do “IV Congresso”, no qual Prestes foi reeleito Secretário Geral do PCB. Esta liderança foi contestada em 1956/7, quando da divulgação do relatório Krutschev, que denunciava os erros e massacres sob as ordens de Stálin, outro mito, como vimos. A partir deste fato, muitos começaram a contestar o Comitê Central do PCB e a falta de diálogo com as massas. Estavam se cansando de seguir cegamente suas ordens e decisões. Queriam ter voz ativa, queriam pensar, como mostra a imagem ao lado (“Finalmente, agora posso usar minha cabeça para pensar”). A forte centralização do poder no PCB e o stalinismo reinante não permitiram mudanças. Prestes não saiu, então o partido perdeu de seus quadros importantes militantes, inclusive artistas plásticos, escritores e jornalistas (ver capítulo 1 deste livro). Por fim, três figuras intrinsecamente ligadas a Prestes: sua mãe, esposa e filha. As duas primeiras consideradas heroínas: a primeira pela luta internacional de defesa de Prestes e depois no resgate de sua neta, Anita; a segunda por toda sua trajetória de vida na defesa do comunismo internacional. Leocádia Prestes não foi desenhada. Fotos houve, mas nenhuma ilustração desenhada. Já Olga, por sua trajetória política, seu fim na câmara de gás em campo de concentração nazista, tornou-se uma mártir da causa. Olga Benário Prestes foi aquela que combateu o fascismo, interno e externo, que defendeu com seu corpo a vida de seu marido, portanto, uma mulher apaixonada, humana em todos os sentidos. Este ato de bravura em que se colocou à frente de Prestes quando da prisão em 1936, evitando que levasse um tiro, sempre foi lembrado nas HQs de Prestes. A seguir temos duas imagens de Olga: uma, com cabelos longos e face tranquila; outra, quando defendeu Prestes e teve uma arma apontada para seu peito, destemida, com o rosto ligeiramente inclinado para cima, e com olhar confiante.
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Os Heróis da “Causa Operária”
A Classe Operária, 14/06/1947 Tribuna Popular, 12/02/1947
Mas não foi só, ainda ganhou nas páginas da imprensa do partido uma história em quadrinhos que contava sua vida, de sua prisão até sua morte. Nesta pode-se ver e ler toda a saga de uma mulher corajosa, forte, solidária, boa mãe, enfim, de uma mulher comunista, um exemplo a ser rememorado e seguido. Como diz o texto: “combatente heroína”.
A Classe Operária, 08/12/1947
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Arte Visual Comunista
Tribuna Popular, 29/11/1947
No primeiro requadro está à frente de Prestes a protegê-lo da morte e de seus algozes, em 1936. No segundo requadro, consolando as companheiras do cárcere. No terceiro requadro, sua expulsão do país, para ser entregue ao regime nazista da Alemanha, mesmo grávida de um brasileiro, que lhe garantia sua permanência no Brasil. Os três últimos requadros retratam sua vida na Alemanha: no campo de concentração, sob a guarda nazista, com a filha no colo e, por fim, enfrentando com coragem e serenidade o fuzilamento (ainda não se tinha o conhecimento da causa real de sua morte: câmara de gás). Anita Leocádia, filha de Prestes e Olga, foi sempre lembrada na imprensa comunista, por ser quem era, por sua triste trajetória, pela alegria de sua vitória. Muitas fotos com o pai, a tia e sozinha, às vezes com suas bonecas. Sua imagem reforçava a causa comunista e mantinha viva a memória de sua avó, que lutou pelo seu resgate após a guerra, e de sua mãe, vítima dos campos de concentração nazista. Entre tantos festejos temos mais uma festa na vida dos comunistas: o aniversário de Anita em 1947. Abaixo se visualiza as imagens de Anita com seu pai, solitária, a chamada para sua festa e um desenho no colo de Olga, escrevendo uma carta para o seu marido, em sua cela na Alemanha. Esta possuía uma legenda na qual está escrito: “A vida e a luta de Olga Benário Prestes devem guiar-nos para os combates que travamos hoje pela União Nacional, a democracia e o progresso [...]”. Faz a chamada para a página 05, que contém duas cartas de Olga para Prestes.
Tribuna Popular, 20/11/1947
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Imprensa Popular, 06/04/1952
A Classe Operária, 15/02/1947
Os Heróis da “Causa Operária”
Heróis coletivos (campanhas populares) e outros heróis da “causa” As lutas operárias, as campanhas nacionais e internacionais mostravam outros heróis da “causa operária”. As massas populares foram exaustivamente retratadas. No Primeiro de Maio, data histórica para os trabalhadores de todo o mundo, lá estavam elas, segurando faixas e exigindo direitos. Assim foi com a luta pelo abono de Natal, aumento de salários, melhores condições de trabalho entre outras causas trabalhistas. Outras campanhas políticas e populares foram empreendidas: melhorias nos transportes e moradia, contra o custo da vida (“panela vazia”), constituinte, anistia, “Petróleo é nosso”, legalidade do PCB entre outras. Todas devidamente ilustradas. Algumas destas tinham uma qualidade artística excepcional, outras com o padrão de ilustração convencional ou charge de traços simples, embora diretas e algumas vezes cômicas. Destacamos para este trabalho as campanhas: pela paz mundial; contra o envio de tropas brasileiras para a guerra da Coreia; contra a condenação do casal Rosenberg pela justiça dos Estados Unidos; pela memória do “movimento revolucionário de 1935”. Por fim, citamos três heroínas da “causa”: duas brasileiras e uma espanhola. A Campanha pela Paz foi empreendida pela imprensa comunista mundial. Sua análise deve ser feita dentro de uma perspectiva de época para não se cair em armadilhas ideológicas atuais e passadas. Em primeiro lugar, encontrava-se em plena Guerra Fria, ou seja, os embates ideológicos estavam à flor da pele de todos. Era a luta do Bem contra o Mal, mas o problema era saber quem dizia a “verdade”, quem era o Bem e quem era o Mal. A Segunda Guerra deixou um rastro de destruição inédito pela grandeza e pela dimensão mundial. Esta destruição foi marcante e a reconstrução não foi fácil, em especial nos países que não contaram com o apoio do dinheiro americano (Plano Marshall). Deve-se destacar que uma campanha ou movimento popular pela paz surgiu logo após a Segunda Guerra. Por toda a imprensa mundial foram publicadas reportagens e imagens sobre o medo de outra guerra, e a busca da paz por meio de encontros internacionais. A imprensa
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Arte Visual Comunista
comunista não tardou em iniciar a publicação de imagens pela paz. A imagem ao lado, capa da revista Para Todos, trouxe uma imagem fora dos padrões. Uma mulher com a bandeira da paz enfrenta um homem em uma armadura segurando uma espada. Ao chão um tipo de seringa gigante. O homem tem a face enrugada. Uma jovem mulher, defensora da paz, luta com uma figura grotesca, de igual para igual. A paz simbolizada pela beleza feminina e a guerra por suas formas horrendas. Outra imagem do mesmo ano, mas de outra publicação do partido, é a que está ao lado, na qual se vê duas mulheres chorando e se consolando. Uma legenda reforçava a mensagem: “Para que as mães e filhas não sucumbam num mar de lágrimas, lutemos por um Pacto de Paz entre as cinco grandes potências”. A figura da mãe, desacompanhada ou Imprensa Popular, 10/05/1951 com a presença do filho, foi frequente na campanha da paz nas páginas comunistas. Assim, o medo de uma nova guerra era uma possibilidade na mente de milhões de pessoas que tinham passado recentemente pelo drama desta guerra. A campanha pela paz mundial, de 1955, independente de suas reais razões políticas, atingia diretamente muitas pessoas. Ferreira afirmou que os 500 milhões de assinaturas conquistadas pelo Movimento Mundial pela Paz (Apelo de Estocolmo) não significou um sucesso, pelo contrário, pois 400 milhões de assinaturas teriam vindo dos países comunistas onde esta seria uma “obrigação”. (FERREIRA, 2002, p.240). O fato de ser “obrigação” não significava que os que colocavam sua firma não concordassem com a campanha. Os 100 milhões
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Os Heróis da “Causa Operária”
de assinaturas restantes, vindas de 69 países, seriam muito pouco para o autor. Não se pode esquecer que fazer tal campanha ou colocar sua firma em países não comunistas poderia ser muito perigoso. O título da imagem é muito significativa sobre a questão. Diz sua legenda: “[...] Esses abnegados partidários da paz, no seu heroísmo anônimo, são os propulsores da campanha em que manifesta o mais profundo anseio de nosso povo”. Para Falcão, que participou da delegação brasileira ao Congresso Mundial pela Paz, em Helsinque, Finlândia, em junho de 1955, o Movimento Mundial dos Partidários da Paz era composto por pessoas comuns que não queriam uma nova guerra, abrigando não somente comunistas, mas, também, democratas, socialistas, budistas, cristãos, israelitas entre outros. (FALCÃO, 1988, p.401). A Campanha da Paz contou com importantes artistas plásticos brasileiros que produziram belas obras pela paz mundial. Os periódicos comunistas ainda publicaram obras de renomados artistas mundiais, trazendo para a campanha um arsenal de imagens de alto valor artístico. Do lado brasileiro temos os gravuristas Danúbio Gonçalves Scliar, Glênio Bianchetti, Virgina Artigas, Renina Katz, Arydio Cunha, Jorge Brandão, entre outros. Do exterior, podemos citar Gutuso (Itália), Diego Rivera (México), Gropper (EUA), Miltelberg (França), entre outros. Ao lado vemos a capa do periódico Voz Operária, de março de 1955, em que se destaque a “Campanha pela Paz Mundial”. A imagem, uma gravura de Danúbio Gonçalves, está dividida em duas partes: um homem assina o Apelo pela Paz; em destaque, a professora ensina os valores da paz aos alunos em uma escola rústica popular.
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Arte Visual Comunista
Benévolo afirmou que o termo Partidário da Paz foi cria do PCB ficando na memória de todos. Para ele, foi uma campanha vitoriosa, em especial dentro das duras condições em que foi realizada no país, pois muitos companheiros teriam sido presos e torturados. (BENÉVOLO, 2003, p.129). As imagens da campanha foram inúmeras, representando os operários, camponeses, massas anônimas etc. Estes que simbolizavam o Bem e o Mal eram aqueles que desejavam a guerra, que foi representada como fator de riqueza do imperialismo e dos países capitalistas, principalmente dos Estados Unidos e dos que compunham a OTAN. Eisenhower, presidente dos EUA após Truman, os secretários de Estado Acheson e Dulles, bem como o general MacArthur eram sinônimos de violência igualmente. Fundamentos, janeiro de 1952
Voz Operária, 18/08/1951
Acima vemos duas imagens. Na charge da esquerda, de 1951, lê-se na legenda: ”A guerra de agressão de Truman e dos monopólios ianques ao povo coreano, é o motivo da expressiva charge ao alto.” A caveira, sempre sorrindo, foi tema corrente no imaginário comunista, pois simbolizava a morte causada pelas guerras e pelos interesses imperialistas norte-americanos. O homem de cartola, identificado como o capitalismo, sorri com seu charuto na boca. Estava satisfeito com os lucros da guerra. Não se preocupava com as mortes causadas por ela, somente seu lucro era importante. Na outra charge, do ano de 1952, com o mesmo sentido mas com a suavidade e genialidade do brasileiro Dan. As notícias vindas sobre a paz na Coreia não eram boas para os capitalistas, visto a perda de lucros que o fim da guerra causaria.
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Os Heróis da “Causa Operária”
Paratodos, março de 1952
Curiosa a presença do quadro onde um capitalista comete suicídio com o uso de arma de fogo e do enforcamento da cadela “fru-fru”. Por fim, mais um suicídio à vista: um dos capitalistas segura em uma das mãos uma garrafinha com veneno e na outra um copo cheio. Em uma charge sobre o lucro com a guerra, vê-se Truman trasvestido de estátua da Liberdade, sendo a coroa formada por facas de guerra, a tocha foi substituída por uma bomba e a tábua com a data da independência dos EUA por um saco de dinheiro. Aos pés, vê-se homens agachados e acorrentados, simbolizando a exploração e a opressão sob o regime capitalista. Os governos brasileiros também foram retratados na Campanha de forma negativa, em especial no de Getúlio Vargas. A charge ao lado seria um exemplo deste embate na política interna. Nela vemos, provavelmente, Truman, Acheson e MacArthur, ao lado de um saco com um cifrão marcado, observando o “enrosco” de Vargas, Góes Monteiro e João Neves. Na mão de um desses personagens (achamos que Góes) encontrava-se um papel amassado com os dizeres “envio de tropas para a Coreia”, e pela boca de João Neves escorre uma longa baba. Um enorme abaixo-assinado feito por brasileiros procurava impedir que o governo brasileiro aderisse aos anseios norteVoz Operária, 25/08/1951 americanos. A mensagem é compreensível para o leitor: as figuras do governo foram identificadas e mostrava que somente com a união (abaixo-assinado) seria possível derrotar a política guerreira. O saco de dinheiro com seu cifrão, tema constante das caricaturas e charges, significava o suborno realizado ou os empréstimos sempre disponíveis ao Brasil, caso apoiasse os interesses norte-americanos. O tema do envio de tropas brasileiras para a guerra da Coreia foi outro grande movimento levado a cabo pelo PCB: “mais uma memorável batalha de mobilização popular”. (BENÉVOLO, 2003, p.128). Deste movimento surgiu uma personagem que passou a figurar entre as
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heroínas do PCB e que impulsionou o movimento: Elisa Branco. Em solenidade, na data de 7 de setembro, na cidade de São Paulo, esta militante do partido abriu uma faixa com os dizeres: “Os soldados nossos filhos não irão para a Coreia”. Propondo uma insubordinação militar, no pensamento da elite militar, foi presa e condenada a quatro anos e três meses de prisão. Este fato foi retratado de várias formas pela imprensa comunista. Elisa teve sua biografia sempre divulgada, na qual era apresentada como uma mulher comum, batalhadora (na vida e no trabalho) e militante do partido. Vamos analisar três imagens. A primeira, de autoria do ilustrador da “Imprensa Popular”, Jorge Brandão que se preocupou em fazer uma Elisa sorridente, bem feminina, com cabelos penteados, brincos e de batom. Na segunda e terceira imagens visualizamos a militante. Numa mais próxima do real, está segurando a faixa com a frase referida, noutra, longe do que poderia ter ocorrido, conduz uma leva de mulheres, muitas carregando faixas, em defesa da paz. Fundamentos, janeiro de 1951
Impressa Popular, 03/08/1952 Impressa Popular, 03/08/1952
Outro fato, que estranhamente não constou nas autobiografias dos militantes, mas que esteve presente na imprensa do partido, foi o movimento mundial em defesa ao casal Rosenberg. Acusados pela justiça americana de passar informações secretas à União Soviética e por tal razão condenados à morte, pena capital pela cadeira elétrica. O julgamento, iniciado em 1951, somente teve o seu desfecho no ano de 1953, quando da execução do casal. Durante estes dois anos, movimentos em defesa do casal foram realizados no mundo todo. As ilustrações apresentadas na Fundamentos, janeiro de 1952 imprensa comunista eram de vários artistas brasileiros e internacionais.
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Miltelberg, artista francês, fez uma charge de Truman carregando duas cadeiras elétricas, as destinadas ao casal Rosenberg. Publicada na primeira página, não era acompanhada de texto, pois falava por si só. Na legenda vemos a chamada para a segunda página, na qual há demonstrações de solidariedade dos trabalhadores brasileiros e da existência da Associação Brasileira dos Direitos do Impressa Popular, 10/01/1953 Homem (ABDH). Em outra imagem temos a estátua da Liberdade transformada em símbolo do Mal. Em uma das mãos segura uma bomba “H”, com a outra aciona a energia da cadeira elétrica, simbolizando a morte do casal. O uso da caveira e das moedas traz a ideia do capitalismo como sinônimo de morte. O desenho é do brasileiro Pedrosa e ilustrava uma reportagem de página inteira com o título Pequena história do processo Rosenberg. Para dar mais emoção ao caso e ajudar a mobilizar as famílias, a imprensa comunista não poupou os filhos do casal. A imagem ao lado traz os dois filhos dos Rosenberg, Michael e Robby, com olhar de espanto, demonstrando medo e insegurança. O irmão mais velho abraçava o caçula, reforçando o apelo de solidariedade. Infelizmente, a legenda é de difícil leitura. Pelos traços, a imagem deve ser uma reprodução de um Imprensa Popular, 17/02/1954 periódico internacional. Retornando no tempo, nas páginas comunistas, o movimento revolucionário de 1935 foi anualmente festejado pelos seus atos “heroicos”. Já foi visto nas HQs sobre Prestes a memória de 1935. Mas, como exemplo de uma reportagem, pode-se citar a de 27 de novembro de 1954, do jornal diário Imprensa Popular, em sua primeira página, no lado direito, ocupando o espaço de ¼ da página. É costumeiramente a primeira notícia que o olhar humano busca ler
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Impressa Popular, 13/01/1953
Os Heróis da “Causa Operária”
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em um jornal. A imagem retrata a figura de Luiz Carlos Prestes e trazia uma faixa com a sigla ANL (Aliança Nacional Libertadora), fundada em março de 1935 e que tinha por líder Prestes. Embora não fosse um movimento de exclusividade comunista, agregava muitos democratas que combatiam o nazifascismo no Brasil, no caso, o Integralismo. Com o título Gloriosa data histórica, defendeu a data como importante para o povo brasileiro, numa disputa de memória com o legalismo do governo que rememorava os mortos que combateram este movimento, trazendo um longo texto em homenagem a Prestes e a ANL: [...] A frente do movimento popular da Aliança Nacional Libertadora e da insurreição armada deflagrada sob a sua bandeira, estava a figura de Luiz Carlos Prestes, o patriota incorruptível a que o povo ama e segue [...]. Hoje, passados 19 anos dessa luta gloriosa contra a qual se abatem as calúnias dos agentes internos do imperialismo, pode nosso povo olhar para trás com legítimo orgulho [...] 27 de novembro é uma etapa gloriosa na luta de todos os brasileiros pela independência nacional, as liberdades democráticas, o progresso da Pátria, o bem-estar e a felicidade de nosso povo.
Voz Operária, 03/01/1949
Nas Histórias em Quadrinhos sobre Prestes, se lá não estava retratado, era citado. No caso do requadro ao lado, da HQ “Prestes – Herói e guia do povo brasileiro”, possuía a seguinte legenda: “No Brasil, o povo é sacudido pela Aliança nacional Libertadora. PÃO, TERRA e LIBERDADE é a palavra de ordem que agita as massas, traduzindo os mais sagrados anseios de conquista de uma vida feliz para a classe operária e a massa camponesa sem terra”. Lembrando que em uma HQ, vista anteriormente, no requadro 2, há a ausência de Prestes na imagem, mas no texto estava “chefiando o glorioso movimento da Aliança Nacional Libertadora”. Inúmeros foram os heróis da causa operária. Muitos assassinados ou presos, de outrora ou contemporâneos, vivos ou mortos, brasileiros ou estrangeiros: Siqueira Campos, Agliberto, Jaime Calado, “La Passionária”, Barthé, Rosa Luxemburgo, Gramsci, Lênin, Mao, entre tantos.
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Os Heróis da “Causa Operária”
Zélia Magalhães, jovem de 23 anos, gênio alegre e cativante, uma moça bem brasileira, uma filha adorada, participou de todas as campanhas democráticas com fervor e entusiasmo. Defendeu a redação do jornal Imprensa Popular de uma invasão policial, em 1946. Enfrentou a ira policialesca, sua ofensa e brutalidade. Ajudou seu noivo, futuro marido, Aristeu Magalhães, jornalista do citado periódico, a suportar sua prisão abusiva em função de seu idealismo. Condenado a dois anos, casou-se com Aristeu no presídio. Jamais deixou de sonhar com a pátria livre e feliz. Em 1949, mesmo grávida, dividiu-se entre o enxoval do bebê, os estudos e a luta democrática. Neste ano, mais uma batalha política: impedir a aprovação da Lei de Segurança Nacional que iria reduzir os direitos políticos dos brasileiros. Em comício organizado pelo PCB, no dia 16 de novembro deste ano, na Esplanada do Castelo, cidade do Rio de Janeiro, em meio ao ato, a policia começou a atirar e a espancar populares. Aristeu retirou Zélia, grávida de seu primeiro filho, do local e entraram em um bonde na tentativa de se protegerem. A polícia cercou o coletivo arrancando e surrando Aristeu. Zélia começou a gritar para defender seu esposo amado, covardemente atacado: “[...] Nesse instante ouviu-se um estampido e Zélia cai mortalmente ferida!. Um tiro na Fundamentos, março de 1950 altura da nuca! Um assassinato frio, brutal, selvagem!”1 A imagem, de autoria de Virgínia Artigas, retrata este momento. Outra heroína da causa operária foi uma tecelã, Angelina Gonçalves. Nas comemorações de primeiro de maio de 1950, dia do trabalhador, na cidade de Rio Grande (RS), Angelina foi morta por um tiro da repressão policial. Embora não tenha sido a única ferida e morta neste dia, tornou-se mais simbólica para a causa em função de estar na frente da passeata com a bandeira nacional em sua mão direita. Momento Feminino, periódico do partido destinado às mulheres, trazia Fundamentos, março de 1950, p. 27. Desenho de Virgínia Artigas, para o texto de autoria de Diocelia Viana. O parágrafo foi baseado neste artigo.
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uma narrativa bem emotiva para descrever a cena de sua morte: “[...] Angelina cai. O vermelho de seu sangue mancha o pano da bandeira e o solo de sua cidade natal”.2 Angelina ganhou também uma poesia em sua homenagem em que se pode ler: A bandeira que desfraldava cobriu seu caixão; que a música que cantava [hino operário segundo a reportagem] outros lábios entoarão, chamando os oprimidos, como era Angelina, para a luta; que em outros Primeiro de Maio, nunca a esquecerão; que outras jovens operárias corajosas, como ela era, marcharão. Por fim, que sua morte não foi em vão, que será vingada por outras mãos. Canção de Angelina, a tecelã3 A primavera está florindo pelo mundo, Angelina está morta em seu caixão. Desfraldara a bandeira sobre o corpo, a bandeira que cobriu o seu caixão. O hino que seus lábios repetiam, cresce em ritmos de rápida explosão. Do coração ferido o agudo grito é mais um toque de rebelião, que chama os oprimidos para a luta e que levanta as pedras pelo chão. Porque tecia o linho do futuro, Angelina está morta em seu caixão. Mas de suas mãos, os fios que tecia, em bandeiras de paz tremularão. Pois nossas mãos já tecem os fios de fogos, que seu corpo baleado vingarão. Nos desfiles de maio do futuro, as novas Angelinas marcharão, e de mãos dadas entoarão o hino, Impressa Popular, 01/05/1952. que milhões de oprimidos cantarão. (Nair Batista)
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Retirado de Momento Feminino, maio de 1954, p. 3. Retirado de Para Todos, abril de 1951.
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Do contexto internacional podemos citar, como exemplo a ser seguido, a heroína do movimento comunista e espanhola Dolores Ibarruri. Conhecida mundialmente como “La Passionária”, foi uma das líderes contra o governo ditatorial fascista de Franco, na Espanha, foi sempre festejada na imprensa comunista brasileira. Muitas foram as reportagens publicadas sobre os combates contra a ditadura franquista, ilustradas com caricaturas de Franco e com os heróis desta luta, entretanto, “La Passionária” foi a mais ilustrada e comentada. Em reportagem do jornal A Classe Operária foi apresentada como aquela que inspirava confiança, segurança, abnegação, sacrifício, heroísmo aos que lutavam contra Franco: “Com ela, para a frente, até a nossa vitória!” A imagem ao lado traz uma mulher bem feminina, com um colar no qual se destaca uma estrela. Seu rosto é tranquilo e feliz, apesar de todo o sofrimento que tinha passado e que estaria passando no combate a Franco. Seria impensável, como vimos em outros exemplos, colocar o herói em posição inferior, de abatimento e tristeza. Muitos seriam os heróis e heroínas que poderiam ser mostrados e analisados aqui, mas, por falta de espaço, optou-se por uma pequena seleção que possibilite mostrar as formas de construção do imaginário heroico comunista e operário, enfim do militante ideal para o partido. No capítulo seguinte, buscar-se-á dar uma visão geral do cotidiano e das lutas pela organização dos trabalhadores e dos operários pelo PCB.
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A Classe Operária, 30/03/1946.
Os Heróis da “Causa Operária”
COTIDIANO, ORGANIZAÇÃO E FESTAS
Introdução Este capítulo visa estudar alguns problemas enfrentados no cotidiano da população brasileira, em especial a carioca. O cotidiano do brasileiro nos anos aqui estudados (1945/58), no que refere à alimentação, transporte coletivo, moradia, saneamento básico, custo da vida e inflação foi diariamente retratado na imprensa comunista. A organizações sindicais, suas lutas e as repressões patronais e governamentais sentidas; os movimentos pela posse da terra e condições de vida do camponês foram igualmente apresentados nesta imprensa. Ainda se pode acrescentar o programa do PCB para os problemas mencionados, seus vínculos com organizações populares, e as festividades envolvendo os militantes em campanhas de integração, arrecadação financeira etc. O cotidiano feminino ficou de fora. Para tal tema, é sugerida a leitura da dissertação de mestrado de Juliana Dela Torres.1 Este capítulo está composto pelos temas acima apontados e apresentados nesta ordem.
O difícil dia a dia A questão de moradia, incluindo o saneamento básico, foi fartamente apresentada, discutida e ilustrada na imprensa do partido. Neste aspecto, a favela adquiriu um papel importante, não só pela dimensão numérica que já tinha na época (169.305 moradores pelo Censo de 1950) como também pela penetração do ideário comunista neste meio. Quirino Campofiorito, sua esposa Hilda Campofiorito e Renina Katz produziram belas imagens deste cotidiano sofredor. 1 Sugiro a leitura da dissertação, sob minha orientação. Disponível em: <http:// www2.uel.br/cch /his/mesthis/arqtxt/disonline/DissertacaoJuliana.pdf>.
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Fundamentos, setembro de 1951
Tribuna Popular, 14/01/1947
Momento Feminino, 12/05/1947
O barraco era de paredes de barro, resto de madeiras ou metais; o telhado de zinco ou de telhas usadas ou outro material qualquer; o assoalho de chão. Sem água e com o esgoto correndo a céu aberto, casas amontoadas, ruas sem traçado ou planejamento, assim era a favela carioca. Nas imagens acima, vemos mulheres carregando latas de água na cabeça, subindo o morro com a água para cozinhar, tomar banho ou lavar seus pratos, panelas e roupas, que são lavadas em tinas e depois dependuradas em varais, para secar ao sol e vento. Crianças ficam ao lado da mãe, sem escolas para ficar ou estudar. Lembrando um sucesso carnavalesco: “Lá vai Maria, sobe o morro e não se cansa, pela mão leva a criança, lá vai Maria” (Lata d’água, Luís Peixoto e J. Junior, 1952). Diferente desta Maria, a retratada tem uma face que demonstra o cansaço de sua labuta. Em geral, a moradia popular – os cortiços, casas de cômodos e os barracos das favelas – ficavam próximas aos locais onde houvesse disponibilidade de emprego. O custo da alimentação e do transporte coletivo era proibitivo aos trabalhadores com menor poder aquisitivo. Como a procura por moradias era maior que a sua disponibilidade, seu custo era elevado, havendo a necessidade da ocupação dos morros, no qual a habitação não era gratuita, mas possível de pagar. A seguir, uma imagem fazia parte de uma propaganda do partido, publicado no jornal Tribuna Popular, visando às eleições municipais de 1946. Cinco problemas são visíveis: condições de trabalho; alimentação (uso da marmita); transporte coletivo (excesso de passageiros); habitação subnormal; alto custo da vida. O título tem a ver com o período da legalidade do PCB, da conciliação com a burguesia nacional e da união nacional, daí a vinculação da melhoria das condições de vida e trabalho com o aumento da produtividade, ou seja, do lucro patronal.
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FIGUEIREDO (1987, s/p)
Tribuna Popular, 04/03/1947
Cotidiano, Organização e Festas
No primeiro requadro, há a queixa das condições de trabalho, do ambiente insalubre e anti-higiênico, que causava o desânimo e problemas de saúde no empregado, o que dificultava sua saída da miséria. No segundo requadro, a situação da alimentação, onde o trabalhador comia sentado na sarjeta ou em cima de latas, uma comida fria e sem gosto, apenas para enganar o estômago. Muitas vezes a comida estragava ou azedava pela má conservação e o calor, causando males a este trabalhador. Tudo isto levando à queda da produtividade. No terceiro quadro, o caótico transporte coletivo, seja qual tipo fosse: trem suburbano, bondes, ônibus, lotações ou O Amigo da Onça. O cansaço das viagens ajudava na queda da produtividade. No penúltimo requadro, lá está o barraco, acompanhado da subalimentação e do cansaço físico, disseminando a tuberculose para toda a família. Por fim, a queixa da alarmante carestia da vida e a sua solução: os trabalhadores deveriam se organizar em seus sindicatos e comissões de salários na luta por melhores condições de vida e por uma produtividade maior. Neste período eleitoral, um importante membro do partido e intelectual brasileiro se destacou pela sua marca: o deboche e a comicidade. Apparício Torelly, mais conhecido por “Barão de Itararé”, lançou como seu slogan de campanha para vereador da cidade do Rio de Janeiro a seguinte frase: ”Mais leite! Mais água! Mas menos água no leite! Vote no Barão de Itararé”. A imagem ao lado traz a faixa com o perfil do “Barão”. Ela foi feita por Edíria Carneiro, uma das militantes que ilustrava o jornal
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Tribuna Popular, 25/01/1945
A Classe Operária e, quando era requisitada, fazia cartazes e faixas para o partido. O que parece cômico na faixa do “Barão”, não o era para a maioria da população carioca nas décadas de 1940 e 1950, pois a frase da campanha denunciava três graves problemas no seu cotidiano: falta de leite no mercado consumidor; falta de água nas torneiras, em especial no verão; e a adulteração do leite com a adição da água. Tribuna Popular, 15/05/1947 Após a cassação do partido, em 1947, inicia-se uma fase de muita contestação ao governo e a imagem passa a ser uma importante arma de combate e denúncia das condições de vida e trabalho da população. A charge ao lado sintetiza este momento: de um lado a sede do partido é fechada e cercada pelas forças militares do governo; de outro denuncia o alto custo das mercadorias de primeira necessidade, a cobrança de luvas para se conseguir alugar uma casa e, mais uma vez, o quadro caótico do transporte coletivo. Na realidade, não era só o leite que faltava para os consumidores cariocas. Era difícil de encontrar na praça a carne, a farinha de trigo, a banha, a cebola, entre outras tantas mercadorias alimentícias. Quando existia era com ágio, no câmbio negro, como se chamava, uma vez que as mercadorias tabeladas pelo governo eram ignoradas pelos comerciantes. Na imagem ao lado é possível visualizar mulheres e crianças na porta de um estabelecimento comercial esperando para entrar. Um cansou de esperar em pé e sentou na sarjeta. A espera por um conjunto de produtos poderia levar o dia inteiro, dependendo da quantidade de gêneros alimentícios a comprar e do número de pessoas na fila. Como dizia outro sucesso carnavalesco: “[...] Deixo em casa os meus serviços/ Toda a minha obrigação/ Saio andando pelas ruas procurando
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alimentação/ Vivo penando na fila para comprar/ A carne, a banha, o leite e o pão/ Esse sacrifício eu não aguento não [...]” (A situação vai melhorar, Claudionor Santana e Andreza M. Silva, 1946). Quirino Campofiorito produziu uma série intitulada “Zezé”. Em cada estória, Zezé ajudava, apoiava, tranquilizava, organizava entre outras ações. Foi apresentada em uma estória da série: brasileirinha morena, esportiva, alegre, boa amiga de todos; gostava de tudo que existe de bom na vida, tal como o sol, conforto, beleza e saúde. Mas o mais importante é que estava sempre disposta a ajudar, sempre solidária com quem precisava. Abaixo temos a estória “Zezé e os preços”, que parte da tristeza de Zezé até uma tomada de decisão: organizar as mulheres. A vida estava cara demais, tudo subia no cartaz, o dinheiro não chegava para gastar. O que fazer? A solução foi encontrada na solidariedade, na organização das mulheres em seus bairros por meio das Uniões Femininas. Estas foram criadas em vários bairros cariocas e tratavam de exigir aos poderes públicos ações contra a carestia, tais como: ida da vaca leiteira às praças do bairro; criação de cooperativas de consumidores etc. Também fazia trabalhos estatísticos da situação econômica e habitacional dos seus moradores. Momento Feminino, 12/11/1948
Uma figura no folclore cotidiano das pessoas de então era o “tubarão”. Este foi retratado de várias maneiras: peixe marinho sem pernas; com pernas e usando polainas; sem roupas; de paletó (com ou sem cartola); ao lado de presidentes e governadores; ou até mesmo com a face de um industrial ou de negociante. Para o cidadão comum, era aquele que ganhava muito dinheiro sobre a miséria alheia: comerciante ou atravessador ganancioso.
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Na imagem da esquerda, abaixo, o “tubarão”, formalmente vestido, segura um balão bem grande, que irá subir às alturas quando se soltar. Neste balão está escrito os nomes dos bens indispensáveis para o povo (comida, escola, transporte, vestimenta e moradia). Embaixo, gritando de forma desesperada e de braços erguidos, o salário. Enfim, quem determina a altura dos custos é o “tubarão”, que tem muita linha para soltar. Neste sentido vai o desenho da esquerda, no qual o salário suando, de muletas e perna quebrada, não consegue acompanhar a escalada da carestia da vida
Gazeta Sindical, 15/02/1956
Gazeta Sindical, 1ª quinzena, maio de 1952
A alimentação, como pôde ser visto em várias imagens, era precária e cara. Morar perto do trabalho tornava-se importante por três razões: a) não se atrasava para chegar ao trabalho; b) não tinha custo com o transporte; c) economizava-se no gasto com comida, pois se poderia almoçar em casa. O gráfico abaixo traz informações precisas sobre como e onde se alimentava o operário carioca nos anos 1940. A indústria de tecelagem era a que mais empregava no período, e verificando o gráfico pode-se perceber que quase 90% dos trabalhadores comiam em casa ou traziam marmitas. Este quadro reflete bem como era cara a alimentação fora do lar. Poucos eram os operários que se alimentavam em restaurantes particulares, e poucas eram as empresas que cumpriam a lei de oferecer restaurantes ou refeitórios aos seus empregados. Lembremos o requadro já visto, em que muitos trabalhadores comiam usando a marmita, sentados em caixotes ou na sarjeta. A marmita era a companheira do dia a dia do trabalhador, lembremos assim mais um trecho de outro sucesso carnavalesco: “Você conhece o pedreiro
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Valdemar?/ Não conhece/ Mas eu vou lhe apresentar […] Leva a marmita embrulhada no jornal/ se tem almoço nem sempre tem jantar [...].” (Pedreiro Valdemar, sucesso do carnaval de 1949, de Roberto Martins e Wilson Batista) Gráfico I: formas de alimentação dos industriários – 1946
Fonte: Revista Municipal de Engenharia, julho-setembro 1951, p.147. Gráfico elaborado pelo autor.
Outro problema já apresentado nas imagens acima, e que envolvia o cotidiano do trabalhar, era do transporte coletivo. No caso da cidade do Rio de Janeiro, o bonde, principal transporte, era de propriedade de uma companhia anglo/canadense (Light). Os trens suburbanos, por outro lado, pertenciam ao governo federal (Central do Brasil e Leopoldina). Ambos os serviços se mostravam deficientes em números de carros e eram lentos, caros e perigosos. Os trens da Central, movidos a eletricidade, tinham maior rapidez, entretanto, as outras linhas ainda se utilizavam da “Maria Fumaça”, lentos e sujando os passageiros de fuligem. As portas dos trens estavam constantemente quebradas, não fechavam mais, ocasionando acidentes. Da mesma forma, as janelas quebradas e sem vidros. Isto tudo sem falar nos pingentes, passageiros que eram obrigados a viajar dependurados nas janelas e portas pela falta de espaço interno nos vagões. Os bondes seguiam as mesmas regras, eram velhos, e com o tempo não tiveram aumento no número de carros, mesmo diante do aumento
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de demanda de passageiros. A carência dos trens suburbanos e bondes fez aumentar o uso do ônibus, em especial por este ir aonde os trilhos não iam. Mas, mesmo com os ônibus, o problema não foi resolvido, pois seu custo era elevado. Assim, surgiu mais um meio de transporte: O Amigo da Onça. Estes seriam caminhões de todos os tamanhos e tipos, coberto com toldo, com escadinhas para o acesso dos passageiros, que iam aos solavancos enfrentando as ruas de terra dos subúrbios cariocas. Assim explicou uma reportagem o que seria este e o porquê de seu uso: [...] O bom humor carioca batizou de “amigo da onça” os caminhões que fazem lotação para longínquos subúrbios da Leopoldina e da Central [...]. Contudo, prestam inestimável serviço a milhares de pessoas residentes em subúrbios completamente desprovidos de condução. Vem daí o interessante apelido de “Amigo da Onça”, isto é, prestam serviços, mas são traiçoeiros, inseguros e desconfortáveis, expondo os que neles viajam, ao sol, à chuva e à possibilidade de graves desastres.2
Tribuna Popular, 31/01/1947
A imprensa comunista não desenhou nenhum Amigo da Onça, no entanto, o bonde foi muitas vezes retratado, em especial por ser de propriedade de uma empresa “imperialista”, que não visava o bemestar da comunidade, apenas o lucro. Na ilustração ao lado, mais uma vez o bonde lotado. Em sua legenda se pode ler a denúncia do aumento dos preços das passagens dos bondes, favorecendo o lucro do “polvo canadense”, como chamavam a Light. Diga-se que o desenho da Light como polvo a sugar com seus tentáculos a riqueza nacional e o salário do povo foi uma realidade na imprensa comunista. Começa a legenda com: “Isto é um escândalo! Um crime contra o povo!”. O cronista Porto da Silveira do Jornal do Brasil sintetizou em poucas palavras sua opinião, escrevendo sobre o problema do 2 Restrições aos lotações particulares – Céticos os moradores do subúrbio quanto à oportunidade da medida, O Jornal, 21/10/48, In: Recortes Lux (Transportes III), v.LXXVI, p.69.
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deslocamento na cidade: “Entre os problemas que angustiam os cariocas, o do tráfego é, no momento, talvez, o mais grave. Não há exagero em afirmar que ele constitui para a maioria dos moradores desta cidade, um verdadeiro flagelo social”. (15/08/1948). Toda essa problemática referente ao cotidiano exigia do trabalhador alguma forma de protesto. Este poderia ser organizado ou espontâneo. Na próxima parte do capítulo veremos, por meio de imagens da imprensa comunista, algumas formas levadas à cabo pelo PCB.
Organização e Luta Esta parte divide-se em duas: a luta sindical e a luta no campo. Evidentemente que dentro dos limites impostos nesta publicação, os problemas apontados não foram analisados profundamente. Procurouse apresentar questões que atingiam diretamente a organização sindical operária e camponesa por meio das imagens.
Gazeta Sindical, 15/11/1949
• A luta sindical
O jornal do partido voltado para os sindicatos era a Gazeta Sindical, de tiragem quinzenal. A imagem acima fazia parte da série “Apuros de um pelego”. Pelo formato do título, é possível visualizar que o pelego está fugindo, pois as pernas das letras que formam a palavra estão em movimento. Reforça a fuga a palavra “apuros”. No primeiro requadro, sob olhar de várias pessoas (homens e mulheres), dois militantes sindicais picham e colam cartazes no muro de uma grande fábrica. Neles há a chamada para a luta pelo abono de Natal, o que
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representa o atual 13º salário, mas dado em forma de abono, ou seja, não era obrigatório e não incidia nem descontava previdência social. Assim, em todo fim de ano era necessária a mobilização dos trabalhadores para a conquista do abono. O segundo requadro nos oferece informações valiosas (ou denúncias para os trabalhadores) tais como: o abono não desejado pelos patrões; o diretor sindical como “empregado” do Ministro do Trabalho, ou seja, deveria ser um interventor federal no sindicato; e na visão do pelego uns saquinhos de castanhas apaziguariam os trabalhadores em suas lutas. Em 15 de Março de 1946, com os poderes ditatoriais contidos na Carta de 37, o presidente Dutra baixou o decreto-lei número 9.070, regulando o direito de greve, o que significou sua proibição quase que total. Quanto aos sindicatos, em 8 de maio de 1947 foi assinado pelo governo o decreto número 23.046, autorizando-o a intervir nos sindicatos em que as diretorias tivessem dado apoio à Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), de orientação comunista. Só até agosto de 1947, o governo já havia feito intervenções em 170 sindicatos. E assim foi até o fim de seu governo em dezembro de 1950. A imagem acima é de 1949, ou seja, em plena vigência das leis repressivas de Dutra. Por fim, o último requadro: “Fica com teus sacos, puxa-saco! Castanha não veste nem enche barriga de ninguém! Nossas famílias estão passando fome e têm direito a um Natal decente! O que queremos e havemos de conseguir é um mês de abono de Natal!” O público presente ao sindicato reage e denuncia a política da direção de classe. Na mesa saquinhos de castanha, na plateia homens e mulheres com rostos raivosos, mostrando descontentamento. O pelego, por outro lado, assustado e não entendendo a revolta dos sindicalizados. A luta sindical na forma de desenhos foi fartamente usada nas páginas da imprensa comunista brasileira. Acima a existência do pelego, sua subordinação ao Ministro do Trabalho, a luta e organização do empregado pela repulsa ao pelego e na luta pelo abono. Na política de controle do sindicato por parte do governo federal dois importantes componentes foram usados: o imposto sindical e o atestado ideológico. Este era fornecido pelo Departamento de Ordem Política e Social
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(DOPS) que era responsável pela repressão aos movimentos sociais desde os tempo da ditadura Vargas (1937-1945). Aos militantes operários que tinham ficha suspeita não era fornecida o atestado ideológico, certidão obrigatória para obter a inscrição do nome na chapa sindical. Com tal atestado ficava fácil ao governo impedir que pessoas “não confiáveis” fossem candidatos e vencessem eleições para cargos em diretorias Gazeta Sindical, 2ª quinzena, maio de 1952 sindicais. A figura ao lado fazia parte de um desenho maior chamado “História de um roubo”. Nesta parte vemos trabalhadores (homens e mulheres) desfilando com uma faixa com os dizeres “abaixo o imposto sindical”. A legenda destaca a importância da união, dizendo ao final que “Não queremos mais ser roubados”. Assim, o imposto sindical era considerado um roubo. Este foi criado pelo decreto-lei n. 2.377, de 08 de julho de 1940. Descontado anualmente na Gazeta Sindical, 1ª quinzena, maio de 1953 folha de pagamento de todos os trabalhadores brasileiros, sindicalizados ou não, regidos pela CLT, no valor de um dia de trabalho. Pelo decretolei n. 4.298, de 14 de maio de 1942, ficava prevista sua aplicação pelo sindicato: a) em agências de colocação; b) assistência à maternidade; c) assistência médica e dentária; d) assistência judiciária; e) escolas de alfabetização e pré-vocacionais; f) em cooperativas de crédito e consumo; g) colônias de férias; h) bibliotecas; i) finalidades esportivas; e j) despesas decorrentes de encargos criados pela lei. Pode-se perceber o caráter assistencialista do sindicato, ou seja, pouco vinculado às lutas sindicais propriamente ditas. Do total arrecadado, 54% ficavam para os sindicatos, 15% para as federações e 5% para as confederações. Com esse recolhimento gerando verbas para os sindicatos fazerem políticas assistencialistas, com o atestado ideológico controlando o acesso às diretorias, com as intervenções sindicais pelo Ministério do Trabalho, pode-se concluir que o imposto sindical financiava a própria
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Arte Visual Comunista
manipulação, opressão e dominação dos sindicatos pelo estado e pelo patronato. Em enquete do jornal Imprensa Popular, de 13 de março de 1952, alguns operários declararam o que achavam do Imposto Sindical. Um declarou: “O imposto sindical é uma roubalheira. Em que beneficia os operários? Sai do nosso bolso para custear banquetes de pelegos e farras na Europa”. Outro concluiu: “Ser descontado em um dia de trabalho é diminuir o pão de nossos filhos.” Apesar de toda a queixa e reclamação, o imposto, agora chamado de “Contribuição Sindical”, permanece até hoje (2010). Imprensa Popular, 13/03/1952
O apelo da “União faz a força” e do lema internacional do proletariado, “operários de todo o mundo, uni-vos”, estiveram constantemente presentes nos desenhos que expressavam a luta dos trabalhadores contra os patrões. No caso das duas imagens a seguir, tais frases estão ausentes. Na esquerda, uma mão gigante esmaga os patrões. Estes estão vestidos de terno e usando cartola, símbolos tradicionais na representação patronal. Em cada dedo uma sílaba formando a palavra “organização”. Portanto, uma mensagem simples em um desenho de fácil entendimento: a organização dos trabalhadores venceria os patrões. Na outra imagem, novamente o patrão tradicionalmente vestido, obeso e de charuto na mão, tranquilo, contando com o apoio do Ministro do Trabalho e da força policial para reprimir os trabalhadores. O uso da legenda ajudava a identificar os personagens e os símbolos. Ao lado da repressão há a construção de um monstro de três cabeças, cada qual com um significado: imposto sindical; congelamento de salários e
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Cotidiano, Organização e Festas
a Lei de Segurança Nacional. No combate, os trabalhadores (homens e mulheres), unidos, contavam com outra representação, uma enorme marreta. Esta simbolizava a unidade dos trabalhadores. Novamente a mesma mensagem: só a união dos operários venceria o patronato e seus aliados do governo.
Gazeta Sindical, dezembro de 1951
Gazeta Sindical, 22/03/1949
• A luta camponesa Para o partido comunista, seguindo a tradição marxista, a revolução socialista seria uma construção da classe operária, portanto, uma revolução urbana. As massas camponesas significavam atraso, falta de consciência política, subordinação ao proprietário da terra. Os intelectuais comunistas brasileiros diziam que as relações estabelecidas entre o camponês e o patronato rural era medieval, o que demonstrava uma generalização desta relação em um país continental, portanto, desconhecimento da realidade campesina e da relação trabalhista por desconsiderar que o proprietário rural como um capitalista que explora a mão de obra, paga salários, obtém lucro com mais valia. As condições de vida no campo, o contrato de trabalho, expulsões, assassinatos, migração para a cidade, organização e congressos, enfim uma infinidade de temas voltados ao trabalho no campo foi retratado nas páginas da imprensa comunista. Falar em vida camponesa é falar de reforma agrária. No jornal Tribuna Popular, de 1947, lá estava a figura do camponês, com seu chapéu típico, roupa rude e olhar simplório, ao fundo a plantação, razão de seu sustento. Esta imagem acompanha uma coluna chamada
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Arte Visual Comunista
Tribuna Popular, 26/06/1947
“Camponês”. Esta coluna era dirigida ao camponês. Primeiro, descreve-o desesperançoso (mãos cheias de calos e mesmo depois de idoso continua a trabalhar, mais cansado e mais pobre, cultivando uma terra que e nunca será sua, sem esperança no futuro etc.). Depois coloca uma luz no fim do túnel de sua vida: “[...] Tribuna Popular tem como um dos pontos mais altos do seu programa: a reforma agrária. É a entrega das terras aos camponeses. É a melhoria de condições de vida e de trabalho da grande massa trabalhadora do campo. É dinheiro na mão do camponês, é saúde, instrução e moradia [...]”. Este jornal seria o porta-voz dos camponeses, assim pede que o assinem. Mas, percebe-se que a reforma agrária seria a solução do camponês, pois com a posse da terra ele teria melhores condições de vida. Segundo o Censo de 1950, a população rural brasileira era superior a 33 milhões, sendo o número de assalariados ativos em torno de quatro milhões. Estes seriam aqueles que recebem a maior parte do salário em dinheiro, ou seja, nesta conta se está excluindo um bom número de trabalhadores agrícolas, já que muitas vezes o contrato que faziam com o proprietário da terra variava o valor recebido em dinheiro, às vezes nem recebendo em espécie, mas na comercialização da mercadoria. Segundo o jornal Voz Operária, de 10 de dezembro de 1955, os colonos do café constituíam um dos setores mais numerosos do campesinato brasileiro. Pelo decreto n. 34.450, de 1º de maio de 1951, os trabalhadores que cuidavam de mil pés de café deviam receber o salário mínimo, que não era cumprido. No setor da cotonicultura, o mesmo jornal informou que os plantadores de algodão no estado de São Paulo pagavam ao dono da terra, pelo arrendamento, 25 a 40% sobre a colheita. Os empréstimos bancários, as compras de sementes e insumos, a plantação e colheita ficavam por conta do arrendatário. Assim se estes ganhavam pouco, quanto ganhariam os trabalhadores provisórios da colheita? O tema da reforma agrária não era novo na política nacional, já existia antes de 1945 e continua até hoje. Na proposta do PCB,
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Cotidiano, Organização e Festas
Uma imagem fundamental na questão agrária brasileira e levantada pela imprensa comunista é a posse da terra, realizada por meio da reforma agrária, com distribuição dos títulos da terra para quem nelas trabalhasse e para aqueles que chegaram primeiro, tornassem-na cultivável. A ilustração ao lado é significativa. Destaca-se o título de propriedade, mas se pode ver a terra produzindo e a alegria do camponês. Agora estaria seguro de que o título lhe garantiria a tranquilidade para continuar produzindo. Mas, o que se viu em abundância na imprensa comunista foi a denúncia de violência e mortes nos campos brasileiros. Na imagem seguinte, de autoria de Arydio, importante ilustrador da imprensa comunista, retrata a violência policial ao camponês. Esta poderia vir de
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Voz Operária, 05/01/1957
Voz Operária, 04/06/1955
como vimos acima, a ideia era doar terras para os camponeses, mas não só. Além da posse legal, medidas de estímulo à produção seriam prestadas, tais como apoio técnico, fornecimento de ferramentas, maquinário, inseticidas, adubos e sementes. Uma das grandes críticas ao governo federal seria a má qualidade das sementes, que causava baixa produtividade, denunciando o conluio com as multinacionais, em especial a estadunidense Anderson Clayton. O PCB estruturou a “União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil” (ULTAB) que promovia reuniões, conferências, campanhas pela organização dos camponeses e pela reforma agrária. Esta entidade promoveu em 1955 uma grande campanha por coleta de assinaturas pró-reforma agrária, sem obter êxito político algum.
Arte Visual Comunista
Voz Operária, 03/12/1955
agentes do estado como por capangas de um latifundiário. Para o estado do Paraná, por exemplo, nos anos de 1949 e 1950 tiveram várias reportagens do jornal Voz Operária sobre violência e assassinatos com apoio do governo estadual. A guerrilha de Porecatu, no estado do Paraná, mereceria um destaque, mas foge aos objetivos deste texto e ao espaço disponível.
Imprensa Popular, 31/05/1951
Imprensa Popular, 29/06/1951
Duas ilustrações sobre o Paraná se destacam para o ano de 1951 e que retratavam bem os problemas ocorridos naqueles tempos. Ambas de autoria de Jorge Brandão, ilustrador do jornal Imprensa Popular. A primeira, da esquerda, ilustrava a reportagem “Foi a polícia que matou meu pai!” Em sua legenda está escrito: “o heroico camponês Francisco Bernardo foi trucidado pela polícia a serviço do latifundiário Lunardelli. Mas seu filho, honrando sai memória prossegue na luta pela posse da terra”.3 A segunda, da direita, ilustra a reportagem “Forças policiais semeiam o terror em toda a região norte do Paraná”. Sem legenda, apresentava a cena de policiais e capangas incendiando as casas e matando os camponeses. Na parte frontal, à esquerda, um policial fardado impede uma mulher de socorrer seus companheiros. Da reportagem se pode ler: “[...] Sob o pretexto de revistar os posseiros,
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Imprensa Popular, 31/06/1951, p. 3.
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Cotidiano, Organização e Festas
à procura de material ‘subversivo’, os bandidos incendeiam as casas, saqueiam os paióis de cereais, destroem as plantações, matam a tiros o gado. A política de terra arrasada está sendo posta em prática em toda a região.”4 Tal política estava baseada na destruição das condições de subsistência do camponês para obrigá-lo a abandonar as terras. Este tinha chegado à região, desmatado e limpado o terreno, construído casa e plantado. Após anos, chegaram os supostos proprietários com títulos conseguidos junto ao governo do estado, exigindo a saída das terras sem nenhuma indenização.
Voz Operária, 06/03/1953
Para a organização do camponês, ou seu “esclarecimento” político, a história em quadrinho foi usada pela imprensa comunista. A HQ “Trabalho e comida para os flagelados” conta a história da seca que assolava o interior e atingia 12 milhões de brasileiros. A falta d’água matando a plantação e o gado. A população miserável em busca de comida nas cidades, sem encontrar apoio de ninguém, muito menos do governo. Aos latifundiários tudo! Eles não tinham problemas com a água, pois possuíam açudes e incentivo do governo. Ao final da HQ, os retirantes descobrem certas verdades: “[...] Verificam que as verbas para o combate às secas, além de muito pequenas, não são empregadas. Mas as despesas militares [...] aumentam sem parar. Eles protestam contra esse regime de guerra que os condena [...] que venha outro regime”. O requadro final é muito auspicioso. Carregando faixas com dizeres de luta (“Viva a união dos operários e camponeses”, “Viva Prestes”, “Terra para os camponeses”, “Por um governo do povo sem ‘coronéis’”, “Paz, pão e Trabalho”), os camponeses caminhavam para um novo porvir, um novo horizonte em suas vidas. 4
Imprensa Popular, 29/06/1951, p. 3.
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Uma HQ que não poderia ficar de fora deste trabalho é a intitulada “O camponês Belarmino encontra o caminho”. Composta por 18 requadros, conta a história de vida do camponês Belarmino.
Voz Operária, 30/09/1950
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Cotidiano, Organização e Festas
Belarmino era um pequeno sitiante, levava uma vida dura e sem apoio do governo. Morava com sua esposa Zefa e seus três filhos. Precisando de crédito foi ao banco, mas este exigiu garantias que não poderia dar. Procura, então, um armazém da cidade para conseguir fornecimentos, mas os preços estavam altos e juros medonhos. Na hora de comercializar seus produtos tinha que se sujeitar aos caprichos do “tubarão”. Confiando no governo Vargas plantou hortelã-pimenta para comercializar e um pouco de feijão, arroz e milho para o seu sustento. Mas na hora da venda, os preços tinham caído e o governo não garantiu o valor mínimo. As terras vizinhas eram do latifundiário Coronel Antão, que comprou as dívidas de Belarmino e o expulsou das terras. Diz um requadro: “Sem terra própria, Belarmino teve que ir arrendar outras terras. Tinha que pagar 40 arrobas de algodão por alqueire, fazer o rancho, o mangueirão e não tinha direito a posto. Água no corgo sujo”. Trabalhava muito e vivia na miséria. Os coronéis “Tatuíra”, como eram chamados os latifundiários, não trabalhavam nada e ficavam cada dia mais ricos. Em outro requadro está escrito: “[...] Desde o governo até o cupim, todos são seus inimigos. Belarmino há de encontrar seus amigos. Eles existem. São os operários”. Belarmino vai de sítio em sítio, fazenda em fazenda ensinando o que aprendeu com os operários e com Prestes. Participa do Congresso Camponês da Zona, do qual foi eleito presidente. Em seu discurso inflamado disse: “Chega de sermos explorados como escravos. [...] Só existe um caminho para nos libertarmos da exploração do latifúndio e dos tatuíras. É o caminho da luta organizada pela tomada da terra e pela paz. [...] O único partido capaz de nos dirigir e nos guiar
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Arte Visual Comunista
é o partido de Prestes. Só podemos seguir o que Prestes nos ensina [...]. Só podemos conseguir terra e as nossas melhorias através da luta e da organização. Com eleição isso não pode acontecer [...]. Só devemos fazer o que Prestes mandar. Ele é nosso maior amigo e nosso guia”. Nesse momento da história, novembro de 1950, o partido havia proposto a luta armada contra os inimigos (latifundiários, burguesia nacional e internacional). No Manifesto de Agosto foi declarada a necessidade da fundação de uma “Frente Nacional de Libertação Nacional”. Assim, a eleição não era vista como uma solução para os males sociais do Brasil. Somente Prestes e seu partido seriam capazes de “guiar o povo para a vitória”. Por fim, cabe destacar a imagem do Coronel “Tatuíra”: obeso, bem vestido, com chapéu de aba larga, charuto na boca, com belo cavalo ou automóvel. A HQ o descreve como uma pessoa má, pois soltava seu gado na plantação de Belarmino. Aquele que comprou suas dívidas para aumentar seu latifúndio. Aquele que se apoiava no governo e dispunha de crédito farto nos bancos e junto ao governo. Enfim, aquele que não trabalhava, mas era rico. Um inimigo a ser vencido! Mas não só de luta viviam os comunistas. Haviam as festas. É claro que voltadas a atender os interesses do partido, mas que possuíam um lado de lazer, lúdico. No caso das festividades do Primeiro de Maio, temos dois lados: da homenagem e da organização. Outras festas, entretanto ocorreram e isto será o tema da próxima parte do capítulo.
O Primeiro de Maio e Outras Festas • Primeiro de Maio: dia de festa e dia de luta A festividade do Primeiro de Maio passou por dois momentos na história do Brasil. No início do século XX, a data era comemorada com grandes manifestações populares conduzidas pelos anarquistas, em especial. Mesmo com forte repressão as festividades eram realizadas. Para o governo e para a classe patronal, estas festividades tinham caráter subversivo, de grande perigo para a sociedade capitalista. Eram realizados comícios, apresentações de peças teatrais, bailes e outras
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ações. Nem sempre os bailes tinham o aval de muitos anarquistas, mas era um importante chamariz (ver volume 2 desta coleção). Com a fundação do PCB em 1922, a festividade do Primeiro de Maio passou a ser dividida, principalmente, entre anarquistas e comunistas que tinham posição política totalmente antagônica. Ambos procuravam trazer as origens da festa. No caso do PCB, a imagem ao lado tentava explicar a data com imagens e texto: século XIX, nos EUA, no ano de 1886, mais de 5.000 mil greves foram realizadas pelas 8 horas de trabalho (8 horas de descanso e 8 de lazer). Em Chicago, grande manifestação realizada em apoio à memória de 9 operários mortos em cidade vizinha. A repressão não se fez esperar e, deste embate, 20 policiais foram mortos por uma bomba. Muitos operários foram presos, quatro condenados à forca. A partir de então, o Primeiro de Maio passou a ser uma data a ser lembrada como de luta, de lembrar os mártires de Chicago. Na imagem estão representadas as manifestações, repressões e mortes.
A Classe Operária, 01/05/1946
No período da ditadura de Getúlio Vargas, o chamado “Estado Novo” (1937-45), a festividade do Primeiro de Maio ficou restrita ao âmbito governamental, com a subordinação total dos sindicatos e a realização das grandes festas no estádio de São Januário. Após a queda de Vargas, o PCB tentou restaurar a data como de luta e unidade classista. A partir daí, a disputa pela data não se daria com os anarquistas, mas
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Imprensa Popular, 01/05/1952
Cotidiano, Organização e Festas
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com os trabalhistas, ou seja, com o Partido Trabalhista Brasileiro, o partido de Vargas. O jornal A Classe Operária, lançado em 1º de maio de 1926, como o jornal oficial do partido, em um artigo na edição de 1º de maio de 1946, assinado por Grabois, dirigente do Comitê Central, exprimia a alegria das conquistas do imediato após guerra. Dizia em relação ao Brasil: “Em nosso país, o atual 1º. de maio transcorre em circunstâncias inéditas. Pela primeira vez, o dia internacional dos trabalhadores é comemorado com o Partido Comunista na legalidade, Partido que conquistou grandes vitórias para o nosso povo [...]”. Este entusiasmo e alegria logo deram lugar ao desânimo e uma postura mais crítica, já que o PCB caiu na ilegalidade novamente em 1947. A partir daí, até o governo JK em 1956, o Primeiro de maio passa a ser uma data de embate entre o PCB e o governo federal, este aliado com a classe patronal. O cabeçalho da notícia de última página do jornal Imprensa Popular deixa clara esta disputa.
Imprensa Popular, 01/05/1952
A primeira página do mesmo jornal, do mês de abril, encontra-se uma nota do Comitê Nacional do PCB, chamando o 1º de maio de jornada de luta contra a fome e a reação, pela paz e a união dos trabalhadores. Diz: “Festejamos com orgulho e alegria as grandes vitórias alcançadas pelos povos, com a classe operária à frente, na luta pela paz, pela democracia e pelo socialismo.” Na disputa da memória do movimento operário e do 1º de maio, a imprensa comunista não cita em suas linhas as vitórias das greves e dos congressos operários sob a direção anarquista ocorridos nas duas primeiras décadas do século XX. A leitura da frase anterior nos deixa claro que: a luta é pelo socialismo, portanto, proposta distinta do anarquismo; foram incluídos temas gerais e genéricos como democracia e paz; a liderança é da classe operária, visão tradicional marxista em que esta classe é a possuidora do saber, o irmão mais velho do camponês, atrasado politicamente.
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Cotidiano, Organização e Festas
O presidente JK teve o apoio do PCB nas eleições e tomou posse em 1956. Na primeira data de comemoração do dia internacional do trabalho, o PCB estava ao lado de JK nas Imprensa Popular, 01/05/1956 festividades. Seguindo a tradição de Vargas, a festa foi no estádio de São Januário, na capital federal. No programa desfiles de entidades de trabalhadores com suas bandeiras, diversões artísticas e exibições atléticas, desfile da banda dos Fuzileiros Navais, Recepção ao presidente Juscelino Kubitschek, o discurso presidencial e, ao final, partida de futebol entre o tricampeão carioca, Flamengo, e o América de Belo Horizonte, vice-campeão mineiro. Assim, dependendo do posicionamento do partido, ora estava festejando o 1º de maio com o governo federal, ora atacando-o e promovendo a festividade só, propondo a paz mundial, a luta contra a “reação”, a carestia da vida, pela liberdade sindical, o fim do imposto Imprensa Popular, 01/05/1951 sindical etc. • Festas e eleições Em outro momento deste trabalho, vimos as festas da imprensa comunista. As demais festas do partido e suas chamadas ilustradas seguiam a mesma trilha: os locais tendiam a ser os mesmos (Praia de Charitas e Granja das Garças). Os motivos: campanha eleitoral e/ou político, congraçamentos. A Associação Brasileira de Defesa dos Direitos Humanos (ABDDH) que promovia movimentos em defesa das Imprensa Popular, 01/03/1956 liberdades democráticas no Brasil, libertação de presos no Brasil e exterior etc., promoveria uma animada festa na praia de Charitas em março de 1956. Estava previsto banho de
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Imprensa Popular, 01/08/1954
mar, angu à baiana e um baile dançante na parte da tarde e, ainda, um torreio de futebol. Na propaganda, uma imagem bem animada e feliz, vê-se o futebol, a festa, as bandeirolas dependuradas e o mar. Em 1954, uma grande chamada no jornal Imprensa Popular para uma festa: “Tudo para todos na festa da Granja”. Estava previsto futebol, vôlei, tênis de mesa, baile (foi contratada um orquestra), barracas, shows, palestras, debate etc. Seriam servidas comidas de todos os tipos (vatapá, caruru do Pará, frango assado, macarronada, peixe assado, feijoada etc.) e haveria distribuição de prêmios para as barracas e os propagandistas. Esta festa era em apoio aos candidatos populares que o PCB havia lançado sob outra legenda para as eleições desse ano. Duas imagens compõem a chamada (uma churrascada e um baile), mas na mesma página, bem ao lado, há mais duas imagens: fotografia do candidato à Câmara Federal, Lycio Hauer e um desenho de uma favela com os dizeres do programa dos Candidatos Populares e que mostravam aos favelados o caminho da luta. Sob a imagem do baile está escrito “Festa dos candidatos populares” e sua imagem composta por casais elegantemente vestidos, dançando felizes. Na edição de 10 de agosto de 1954, o jornal Imprensa Popular traz uma reportagem sobre a festa: “Mais de 5 mil pessoas na festa da Granja das Garças”. Segundo esta, a maioria dos presentes era composta por trabalhadores de vários setores profissionais, superando todas as festas anteriores no local. Estas festas ajudavam na campanha para o fundo financeiro dos candidatos do partido, que também contava com outras formas de arrecadação levadas a cabo pelos comitês eleitorais. Pela imagem a seguir, pode-se ler que a reportagem fazia parte do “Diário da campanha’, que desejava recolher 50 milhões de cruzeiros para ajudar na campanha dos candidatos “patriotas”. As faixas que os participantes (homens e mulheres) do movimento ajudam a entendêla: “Elejamos 8 patriotas”, “Votem nos candidatos populares”, “Derrotemos os entreguistas”, “50 milhões”. Assim, ao mesmo tempo pedia verbas, apoiava os candidatos do partido e conclamava a derrota aos candidatos entreguistas.
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Cotidiano, Organização e Festas Imprensa Popular, 10/08/1954
Valorizar os seus candidatos e denunciar os demais, em especial os chamados “traidores”, foi uma constante na imprensa comunista brasileira. Combater o voto nulo ou em branco, passava por diferenciar os candidatos indicados pelo partido dos demais. Em julho de 1954, o Imprensa Popular publicava a imagem ao lado, muito curiosa e bem humorada na denuncia aos candidatos “picaretas” que existiam: “Bom Zinho”, “La Drone”, “Nêgo Ciata”. Ainda apresentava a compra de votos: “paga-se bem” Imprensa Popular, 27/07/1954 e “quer ficar rico?” O personagem bem trajado, carregava em uma das mãos uma mala e na outra um martelo. A legenda explicava quem é este: Zacarias Sentomalho. Acabara de chegar ao Rio de Janeiro. Um homem de grande capacidade de observação, objetivo na argumentação, inflexível contra os aproveitadores. O desenho foi feito por ICE, ilustradora do “Diário da Campanha”, que teve a ideia de criar o personagem quando olhava as paredes da cidade cobertas por cartazes eleitorais, aí pensou: “Creio que o malho vai ter que funcionar pra cima desses chantagistas!...” O partido contava com um grande número de simpatizantes ou militantes artistas. Do meio do teatro e rádio podemos citar Mário Lago e da área da música, o comediante e cantor Jararaca. Mas, para garantir diversão e shows e comícios do partido, a Célula Mascha Berger se encarregava da matéria, como se pode ver na ilustração ao lado.
A Classe Operária, 07/12/1946
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Arte Visual Comunista
Nas HQs sobre Prestes e o PCB, por exemplo, que se encontravam nas páginas dos periódicos comunistas, os anos eleitorais de 1945 e 1946, período da legalidade, são sempre retratados na forma de comícios. Lá, falando no palanque, sendo aclamado pela multidão, está Luiz Carlos Prestes, o candidato ao Senado Federal. Voz Operária, 29/03/1952
Tribuna Popular, 01/05/1946
Quando da legalidade do partido (1945-47), os candidatos poderiam ser eleitos pela sua própria legenda. Quando da cassação do registro, a opção foi lançar seus candidatos sob legenda emprestada, como vimos. Os comícios eram chamados de “monstros”. As fotos abaixo mostram um comício composto por uma multidão e uns cartazes colados em muros e postes com fotos e nomes dos candidatos do Partido Comunista do Brasil, com sua foice e martelo. A chamada aos comícios, em todo o período estudado, seja por qual motivo fosse, campanha do “Petróleo é Nosso”, pela Anistia, campanha eleitoral, contra o alto custo da vida, contra a Lei de Segurança etc., era promovida com o apoio de ilustrações. PCB (um ano de legalidade), 1946 Campanha do PCB, 1946
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“Comício Monstro” no Rio de Janeiro
Referências bibliográficas Entrevistas: Hélio Benévolo Nogueira – Cidade do Rio de Janeiro, 20/10/2003. Édila Pires – Cidade de São Paulo, 16/12/2003. Esposa de Jorge Brandão. Edíria Carneiro – Cidade de São Paulo, 15/12/2003. Ilustradora da imprensa comunista. Esposa de João Amazonas. Leda Sá – Cidade do Rio de Janeiro, 28/08/2003. Ilustradora do Momento Feminino. Regina Yolanda Werneck – Cidade do Rio de Janeiro, 16/10/2003. Filha de Paulo Werneck e membro do Clube de Gravura do Rio de Janeiro. Ítalo Campofiorito – Cidade do Rio de Janeiro, diversos encontros não gravados. Filho de Quirino e Hilda Campofiorito. Ilustradores da imprensa comunista. Fontes primárias: Periódicos não oficiais: Jornal Gazeta Sindical – 1948-50 Jornal Imprensa Popular, 1951-57 Jornal Momento Feminino – 1947-57 Jornal Tribuna Popular – 1945-47 Jornal Voz Operária (Órgão oficial do PCB) – 1949-57 Jornal A Classe Operária – 1945-57. Revista Fundamentos – 1951-57 Revista Esfera –1945-1949. Fontes primárias não oficiais: AMADO, Jorge. Vida de Luis Carlos Prestes. São Paulo: Editora Martins, 3.ed., 1945. BARATA, Agildo. Vida de um revolucionário. Rio de Janeiro: Editora MELSO S.A., s/d. BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos: memórias. São Paulo: Alfa-Omega, 1976. BENÉVOLO, Hélio. Relembranças. Rio de Janeiro: Edição do autor, 2003. FALCÃO, João. O Partido Comunista que eu conhecia: 20 anos de clandestinidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988. PCB (UM ANO DE LEGALIDADE), Prefácio de Pedro Pomar, legenda de Astrogildo Pereira e Armênio Guedes, fotografias: Scliar, Ruy Santos, Arquivo da Tribuna Popular. Contribuição à quinzena comemorativa da legalidade do PCB. PERALVA, Osvaldo. O Retrato. Belo Horizonte: Itatiaia, 1960. SOUSA, Raimundo Alves de. Os desconhecidos da história da imprensa comunista. Rio de Janeiro: Fundação Dinarco Reis, 2005. Fontes secundárias: AMARAL, Aracy A. Arte para quê? A preocupação social na arte brasileira, 1930/70. São Paulo: Nobel, 2. ed., 1987. CARONE, Edgard. O PCB (1943-1964). São Paulo: Difel, v. II, 1982. ______. Movimento operário no Brasil (1945-1964). São Paulo: Difel, v. II, 1981. ______. O Estado Novo (1937-1945). São Paulo: Difel, 1976.
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