PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2018.0000468575
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação 0020533-60.2011.8.26.0562, da Comarca de Santos, em que é apelante/apelado FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados/apelantes NATHALIA SCHINEIDER RODRIGUES (MENOR(ES) REPRESENTADO(S)) e GISLAINE FERNANDES SCHINEIDER (MAE REP FILHA MENOR). ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "RECURSO DA RÉ PROVIDO EM PARTE, COM DETERMINAÇÃO. RECURSO ADESIVO NÃO PROVIDO. V.U..", em conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Excelentíssimos Senhores Desembargadores CLAUDIO AUGUSTO PEDRASSI (Presidente) e CARLOS VON ADAMEK.
São Paulo, 19 de junho de 2018 Alves Braga Junior Relator Assinatura Eletrônica
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Voto Apelação Origem Apelantes/Apelados Juiz de Primeiro Grau Decisão/Sentença
01821 0020533-60.2011.8.26.0562 fh (físico) 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos Fazenda do Estado de São Paulo N.S.R. (menor) José Vitor Teixeira de Freitas 7/2/2014
AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. BULLYING EM ESTABELECIMENTO ESCOLAR. Pretensão de reparação por danos morais, em razão de bullying em escola estadual. Abaixo assinado por colegas de classe para mudança de turma da autora, criança com retardo mental leve e transtornos hipercinéticos. Negligência do professor comprovada. Dano in re ipsa e nexo causal comprovados. RECURSO DA RÉ PROVIDO EM PARTE, COM DETERMINAÇÃO. RECURSO ADESIVO NÃO PROVIDO.
RELATÓRIO Trata-se de apelação e de recurso adesivo interpostos, respectivamente, pela FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e por N.S.R. contra a sentença de fls. 170/173 que, em ação indenizatória, julgou procedente em parte o pedido para condenar ao pagamento de R$ 8.000,00, a título de danos morais. Requer a Fazenda Estadual a inversão do julgado. Subsidiariamente, pede a redução da indenização e dos honorários advocatícios, bem como a incidência de juros de mora e correção monetária a partir da sentença (fls. 175/184). A autora pugna pela majoração da indenização e da verba honorária (fls. 187/194). Apelação nº 0020533-60.2011.8.26.0562
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Contrarrazões a fls. 195/206 e 211/213. Parecer da Procuradoria Geral de Justiça pelo não provimento dos recursos (fls. 219/221). FUNDAMENTAÇÃO A apelação comporta parcial provimento. O recurso adesivo não deve ser provido. A autora, criança com retardo mental leve (CID F 70) e transtornos hipercinéticos (CID F 90), representada pela genitora, pleiteia reparação por danos morais em razão de bullying sofrido em escola estadual. A Constituição Federal, em seu art. 37, § 6º, ao condicionar a responsabilidade do Estado ao dano decorrente de sua atividade, adotou a teoria do risco administrativo1. O c. STF consolidou o entendimento de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos causados a terceiros, tanto por atos comissivos quanto por omissivos; basta que se demonstre o nexo causal entre o dano e a conduta, e que não haja qualquer excludente de responsabilidade (força maior, caso fortuito, fato exclusivo da vítima ou de terceiro)2. O professor Maurício da Silva confirmou que, em 1º/4/2010, colegas de classe fizeram um abaixo assinado para tirar a autora da turma (fls. 25), que a fez chorar. Ele negou ter rubricado o documento e ser o mentor do ato (fls. 245/246 e cópia de gravação de áudio e vídeo de fls. 129). Tão logo teve conhecimento dos fatos, após reclamação da 1
“Art. 37 (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” 2 Cf. ARE 754778 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli.
Apelação nº 0020533-60.2011.8.26.0562
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genitora, a direção notificou o docente para se manifestar sobre a (in)observância da seguinte “Orientação Técnica” (fls. 59/60): “(...) faz-se necessária sua manifestação sobre o fato ocorrido e o atendimento da Orientação Técnica a seguir, visto que cabe ao professor observar o comportamento da turma e fazer perguntas para identificar possíveis vítimas e autores. Ao surgir uma situação em sala, a intervenção é imediata. Interrompe-se a aula para colocar o assunto em discussão e relembrar os combinados. 'Se algo ocorre e o professor se omite ou até mesmo dá uma risadinha por causa de uma piada ou de um comentário, vai pelo caminho errado. O professor deve ser o primeiro a mostrar respeito e dar o exemplo'. Para que o professor possa inibir o bullying na sua sala de aula e fazer da escola um ambiente saudável na escola, é fundamental trabalhar cada item abaixo: - Esclarecer o que é bullying, uma vez que todas as informações a respeito foram passadas na HTPC pela Coordenadora Martha. - Avisar que a prática não é tolerada. - Conversar com os alunos e escutar atentamente reclamações ou sugestões. - Estimular os estudantes a informar os casos. - Reconhecer e valorizar as atitudes da garotada no combate ao problema.
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- Identificar possíveis agressores e vítimas. - Acompanhar o desenvolvimento de cada um. - Criar com os estudantes regras de disciplina para a classe em coerência com o regimento escolar. - Estimular lideranças positivas entre os alunos, prevenindo futuros casos. - Interferir diretamente nos grupos, o quanto antes, para quebrar a dinâmica de bullying. - Prestar atenção nos mais tímidos e calados. Geralmente as vítimas se retraem.” Não há provas de que o professor Maurício tenha adotado qualquer providência, a não ser o recolhimento do abaixo assinado. Pesa o fato de ele ter sido afastado para exercer atividades burocráticas na Diretoria de Ensino, por determinado período (fls. 65/67). Conforme ressaltado na sentença: “Vale consignar que a autora, à época dos fatos, tinha onze anos de idade e sua condição especial, sendo portadora de retardo mental leve e transtornos hipercinéticos (fls. 19), demandava cuidados e atenção especiais por parte dos educadores. (...) Do relato da autora, no laudo psicológico (fls. 100/108), nota-se que a mesma (sic) vinha enfrentando diversas formas de agressões (físicas, psicológicas, subtração de dinheiro de dinheiro) Apelação nº 0020533-60.2011.8.26.0562
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dentro da escola e, por vezes, na presença do professor. Apesar da alegação da requerida de ter tomado providências quanto a essa situação, após reclamações da genitora da autora, as ofensas continuaram por quase um ano e só cessaram com a mudança da autora da escola. Os fatos relatados fogem da normalidade e não podem ser considerados apenas como brincadeira de crianças. É evidente a falha do Poder Público, consubstanciada na ausência de medidas pelo estabelecimento escolar em proteger e resguardar a integridade física da autora, confiada à sua guarda, devendo responder objetivamente pelos danos advindos de sua omissão.” Durante o período de aula, é dever do Estado, por meio dos educadores e dirigentes, zelar pela integridade física, moral e psicológica dos alunos. Comprovados o dano in re ipsa e o nexo causal, a responsabilização do Estado é medida que se impõe. No tocante à reparação por danos morais, confiram-se os ensinamentos de Sérgio Cavalieri Filho3: “(...) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causandolhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exagerada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem 3
Programa de responsabilidade civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros. p. 78.
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parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações individuais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos”. Embora a lei não estabeleça os parâmetros para a fixação da reparação por danos morais, cabe ao juiz fazê-lo com base no princípio da razoabilidade, observado o grau de culpa do responsável, a extensão do dano, a capacidade econômica das partes e as vantagens auferidas pelo responsável. O valor da indenização (R$ 8.000,00) é razoável, consideradas as circunstâncias do caso. No tocante aos juros de mora e correção monetária, por se tratar de matéria de ordem pública, aplica-se o quanto decidido pelo c. STF, em sede de repercussão geral, em 20/9/2017, no RE 870.947/SE (Tema 810): “1. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídicotributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de Apelação nº 0020533-60.2011.8.26.0562
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remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; 2. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.” Destaca-se do voto do Ministro Luiz Fux: “A fim de evitar qualquer lacuna sobre o tema e com o propósito de guardar coerência e uniformidade com o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a questão de ordem nas ADIs nº 4.357 e 4.425, entendo que devam ser idênticos os critérios para a correção monetária de precatórios e de condenações judiciais da Fazenda Pública. Naquela oportunidade, a Corte assentou que, após 25.03.2015, todos os créditos inscritos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Nesse exato sentido, voto pela aplicação do aludido índice a todas as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, qualquer Apelação nº 0020533-60.2011.8.26.0562
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que seja o ente federativo de que se cuide.” Na fase de execução, ou seja, no período compreendido entre a inscrição do crédito em precatório/ofício requisitório e seu efetivo pagamento, deverá ser observado o quanto decidido pelo c. STF na Questão de Ordem proferida nas ADIs 4.357 e 4.425, em 25/3/2015. A correção monetária incidirá a partir da data da sentença (Súmula 362 do STJ4) e os juros de mora desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ5). Com relação à verba honorária, dispõe o art. 20, § 4º, do CPC/73, vigente à época da sentença, que, nas causas em que for vencida a Fazenda Pública, a fixação se dará consoante apreciação equitativa do juiz, atendidos o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (§ 3º). Trata-se não de privilégio, mas de prerrogativa, que tem origem no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. A quantia fixada (R$ 2.000,00) é razoável, consideradas as circunstâncias do art. 20, § 3º, do CPC/73. A matéria infraconstitucional e constitucional fica prequestionada. Desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais. Basta que a questão tenha sido decidida. Os embargos declaratórios só são admissíveis se a decisão embargada estiver eivada de algum dos vícios que ensejariam sua oposição (STJ, EDRMS 18.205/SP, Rel. Min. Félix Fisher). DISPOSITIVO 4 5
“A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.” “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.”
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Ante o exposto, dá-se parcial provimento à apelação apenas para determinar a incidência da correção monetária a partir da sentença (Súmula 362 do STJ). Nega-se provimento ao recurso adesivo. De ofício, determina-se a incidência de juros de mora desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ), nos termos da Lei 11.960/09, e correção monetária pelo IPCA-E, conforme decisão do c. STF, em repercussão geral (RE 870.947/SE, Tema 810). Sem condenação em honorários recursais, conforme Enunciado Administrativo nº 7 do e. STJ: “Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”. Alves Braga Junior Relator ASSINADO COM CERTIFICADO DIGITAL
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