“Assim, encaro Scliar como exemplo, um mestre poundianamente falando. Sobretudo o ser humano que soube viver - para dar à sua expressão de arte a exata correspondência com o mundo interior pacientemente elaborado e disciplinado. Elaboração e disciplina: seus fundamentos, seus instrumentos” Roberto Pontual, 1970
CAPA A SECA - BAHIA (SÉC XX) Gravura de Carlos Scliar (ilustração para SEARA VERMELHA de Jorge Amado)
19 DE JANEIRO A 28 DE FEVEREIRO DE 2010 RIO DE JANEIRO
REALIZAÇÃO
PORTEIRA, 1955
PERFIL E TRAJETÓRIAS “Gostaria de mostrar em cada obra que faço, qualquer que seja o tema, minha concepção do mundo. Tento mostrá-la através das coisas que me rodeiam e que me parecem significantes, seja um fruto, uma flor ou um objeto feito pela mão do homem. ” A aspiração de Carlos Scliar, aliada ao seu desejo de estimular nas pessoas a capacidade de pensar, lutar, criar, optar, persistir, aprender, sentir... está explícita na exposição “Perfil e Trajetórias”, que resgata sua personalidade e sua arte nos quase 81 anos de vida e nos mais de 60 dedicados à arte. A exposição reúne 80 obras e procura estabelecer um elo entre a vida e a obra de Scliar, um dos mestres da arte moderna no Brasil e destacado pela sua pluralidade pictórica, pelo uso de técnicas inovadoras, formas e texturas, riqueza de detalhes, equilíbrio de cores e sensibilidade em descobrir a beleza na simplicidade das coisas e tornar a criatividade um exercício constante, uma disciplina de trabalho. Carlos Scliar tinha a arte como vocação: pintar é minha preocupação constante, inclusive quando não estou pintando... Além do legado artístico, Scliar nos deixou o exemplo de seu comprometimento intelectual e humano e de seu engajamento político, resultando em uma obra comprometida com a realidade e a situação política brasileira. O Centro Cultural Correios convida o público a percorrer 60 anos de arte por intermédio de uma seleção da obra singular de Carlos Scliar, artista sensível e sintonizado com o povo e com o seu tempo, em uma trajetória criativa das mais atuantes entre os artistas plásticos brasileiros. Centro Cultural Correios Rio de Janeiro, 2010
O MÉTODO E A MÉTRICA “Disciplinado e rigoroso, Scliar não pertence à família dos artistas que se alimentam das explosões emocionais, dos rompantes intuitivos. Há, sem dúvida, em sua pintura, intuição e emoção, mas ambas sujeitas a uma exigência compositiva e artesanal que, por assim dizer, as esfria.” Ferreira Gullar, 1981
Ao longo de seis décadas de produção ininterrupta e abundante Carlos Scliar nos legou um extraordinário patrimônio cultural composto por suas gravuras, desenhos e pinturas. Talvez nenhum outro artista sintetize de maneira mais evidente os desafios, os desejos e os dilemas da ação e da estratégia modernista no Brasil. O movimento moderno, naturalmente hegemônico e de caráter internacional, apresenta algumas interferências quando se transporta abaixo da linha do equador. O Brasil, na época, era uma imensa “fazenda” sustentada pelas exportações de café. A jovem república brasileira exigia um “projeto nacionalista” que substituísse o modelo imperial baseado no encantamento da paisagem tropical e na formação de uma grande nação europeia nos trópicos. Nas artes, esses ideais encontravam sua origem na missão francesa importada por D.João VI logo após sua chegada no início do século XIX. Ela embasava, um século depois, as ações do grande bloco acadêmico que dominava os salões e as verbas oficiais para as artes. O desafio de querer-se moderno se estabelece no Brasil através da ação de jovens herdeiros das oligarquias rurais paulistas e pernambucanas e, em seguida, pelo velado apoio oficial à presença de elementos “simpatizantes” em cargos de direção institucional pública. Em ambos os casos incorpora-se a temática nacionalista como estratégia de ação moderna sem maiores questionamentos, como se, enfim, o fauvismo e o cubismo encontrassem numa terra distante a sua simbiose. É importante, ainda, registrar que o ano de 1922 lega à história do nosso país dois fatos marcantes: a Semana de Arte Moderna e a fundação do Partido Comunista Brasileiro.
TERNEIRO, 1955 - LINÓLEOGRAVURA
Filho de imigrantes, homem da fronteira, desde cedo o nacionalismo é elemento que estrutura a identidade de
Carlos Scliar. A sua sólida formação cultural e sua precoce sintonia com os anseios e as expectativas do mundo surgido após a revolução socialista de 1917 garantem para o jovem Scliar destaque na imprensa e na vida intelectual da capital gaúcha. Diferentemente dos artistas brasileiros que tinham na França a sua referência e, muitas vezes, o seu espelho, Scliar compreendeu o espaço de construção artística moderna por meio dos filmes e gravuras expressionistas alemães. Toda a sua trajetória artística tem como origem a sua sensibilidade gráfica: clareza de composição, disciplina no processo artesanal, síntese de mensagem que faz de cada obra um meio de comunicação direta e efetiva com o seu público. Em qualquer técnica, em qualquer período de sua vida, Carlos Scliar é o artista do método e da métrica. A linha é o elemento que organiza a sua aventura artística; a partir dela, de seus vetores, ele constrói formas, acrescenta cores, desenvolve a sua poética particular. Para ele, o Brasil é assunto permanente: em busca das névoas do passado encontrou-as (e se encontrou) entre as montanhas. Gaúcho, acabou por se tornar o mais mineiro de nossos artistas. Em busca da luxúria tropical, encontrou nos barcos e nas marinhas de Cabo Frio a placidez e a luminosidade que
perseguia. Soube entender, como poucos, a sutil relação entre a invenção e a permanência, soube resistir à tentação da novidade e permanecer fiel e coerente ao seu ideal de vida e de mundo. Cabe-lhe perfeitamente a máxima de Drummond: “Mais do que moderno, quero ser eterno”. A exposição “Perfil e Trajetórias” tem por objetivo principal permitir o reencontro do público do Rio de Janeiro com um dos grandes mestres da arte brasileira. O trabalho curatorial consistiu na difícil tarefa de selecionar imagens, em consonância com o espírito de Scliar, sintetizando uma vida inteira dedicada à construção de uma iconografia nacional. As obras expostas integram, num mesmo espaço, participação política e social coletiva em defesa dos verdadeiros ideais democráticos com a pureza e o encantamento das pequenas histórias, da beleza imanente contida nas coisas simples, nos objetos e vivências cotidianas do ser humano: bules, lamparinas, velas, frutos e flores, documentos, bilhetes, lembranças, saudades, desejos, memórias, resíduos, ruídos, sussurros, silêncios. Das primeiras gravuras dos anos de 1940, passando pelos Cadernos de Guerra, pelas gravuras gaúchas dos anos de 1950, pelos telhados de Ouro Preto, pelas serigrafias e litografias realizadas ao longo de mais de três décadas, pela série “Território Ocupado” no qual uma gravura produzida nos anos de 1950 se faz presente ao longo de várias outras obras,e até chegarmos ao impressionante álbum sobre o Descobrimento do Brasil, obra final e definitiva de Carlos Scliar, a mostra busca destacar a síntese da ação e do pensamento de um mestre definitivo de nossa arte; mais do que isso, ela presta homenagem a um grande brasileiro, homem exemplar. Marcus de Lontra Costa Rio de Janeiro, 2010
PIPA D’AGUA, 1955 - LINÓLEOGRAVURA
ATELIÊ PARIS, 1947 - NANQUIM
ATELIÊ PARIS, 1947 - NANQUIM
ATELIÊ PARIS, 1947 - NANQUIM
AUTO-RETRATO, 1944 - NANQUIM
CAVALETE COM APEROS I, 1955 - POA - LINÓLEOGRAVURA E POCHOIR
GURI , 1962 - POA - LINÓLEOGRAVURA E POCHOIR
CHINOCA, 1962 - POA - LINÓLEOGRAVURA E POCHOIR
SESTA IV, 1954 - POA - LINÓLEOGRAVURA E POCHOIR
COMPOSIÇÃO COM GARRAFAS, 1968 - SERIGRAFIA
FRASCO, COPO E FERRO DE PASSAR, 1989 - SERIGRAFIA
COMPOSIÇÃO COM BULE AZUL, 1991 - SERIGRAFIA
FLORES, 1991 - SERIGRAFIA
BARCOS, 1991 - SERIGRAFIA
COMPOSIÇÃO COM LEGUMES, 1991 - SERIGRAFIA
Pテグ E ROSA PARA TODOS, 1968 - SERIGRAFIA
CARLOS SCLIAR, 1920 - 2001 “Scliar teve um papel único para mim: foi ele quem me ensinou a ver a arte brasileira naquele início. Depois, aprendi a andar com minhas próprias pernas. Ou, mais corretamente, a ver com meus próprios olhos. Mais, em meio aos meus acessos de colecionismo, quando ia ao ateliê de Scliar para comprar seus trabalhos, era ele que ia formando o meu olhar, mostrando aqui e ali como é que tudo tinha acontecido, e porque.” Gilberto Chateaubriand, 1990
Carlos Scliar nasceu em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 21 de junho de 1920. De espírito incontrolável, bem cedo na vida revelou sua vocação para a comunicação, o desenho e a pintura. A partir de 1931, com 11 anos, colaborava com os cadernos juvenis e infantis dos jornais Diário de Notícias, Correio do Povo, na Revista do Globo de Porto Alegre e no O Jornal do Rio de Janeiro, escrevendo e ilustrando poemas, contos e novelas. Aos 14 anos, em 1934, recebeu as primeiras aulas de arte do pintor austríaco Gustav Epstein. Em 1935, já em Porto Alegre, participou como pintor amador da exposição do Centenário Farroupilha, defrontando-se com o dilema de todos os artistas plásticos da época: seguir o próprio caminho em direção ao modernismo ou conformar-se a arte das academias. Escolheu o primeiro. Nesse ambiente de contestação à arte oficial, em 1938 participou, com João Fahrion, da fundação da Associação Antônio Francisco Lisboa – que se opunha ao Instituto de Belas Artes. A partir de 1940, em São Paulo, juntou-se aos artistas do Grupo Santa Helena, participando da exposição da Família Artística Paulista, que era também um movimento de contestação aos acadêmicos. Nessa época, colaborava na Revista Cultura. Animado com o sucesso obtido pela Família Artística Paulista, em uma mostra realizada no Rio de Janeiro, inscreveu-se no Salão Nacional de Belas Artes de 1940, onde conquistou a medalha de prata. Participou da impressão do álbum “35 Litografias”, em associação com Aldo Bonadei, Clóvis Graciano, Lívio Abramo e outros artistas. Não tardaria a publicar seu próprio álbum, a que deu o título de “Fábulas”. Em 1943, convocado para a Força Expedicionária Brasileira (FEB), seguiu para o Rio de Janeiro, ocasião em que conheceu a pintora Maria Helena Vieira da Silva e seu marido, o pintor Arpad Szenes, que estavam no Brasil como refugiados de guerra. Nasceu aí uma amizade quase filial, que perdurou mesmo após o retorno dos dois à Europa, em 1947.
SCLIAR EM SEU ATELIÊ DE CABO FRIO, 1974
Em 22 de setembro de 1944, seguiu para a Itália com o 2º Escalão da FEB, comandado pelo general Cordeiro de Farias, de onde
MENINO NA CLAREIRA, 1954 - BAGÉ - NANQUIM E AGUADA
voltaria em julho de 1945. Durante essa experiência, trabalhou na edição especial do jornal Cruzeiro do Sul – pertencente ao exército brasileiro. Ao retornar, trouxe consigo profundas recordações de sua passagem pelos campos de batalha. Nas horas de folga, desenhava tudo que o cercava: paisagens, interiores e retratos. Orgulhoso da FEB, retratou a si mesmo e a outros companheiros fardados. Observador atento, desenhou casas e imagens do norte da Itália, formando a série “Com a FEB na Itália”, exibida no Rio de Janeiro, em São Paulo e Porto Alegre. Em 1947, viajou para Europa, vivendo em Paris por quatro anos, com sua atenção voltada particularmente à gravura e as artes gráficas. Nesse período participa intensamente dos movimentos na Defesa da Paz entre os Povos. Ativista social, engajou-se em vários movimentos, como o 1º Congresso da Juventude Democrática, na Tchecoslováquia e em manifestações brasileiras, produzindo cartazes e ilustrando livros e revistas. Fez algumas experiências estudando as obras de Picasso, Braqüe e Juan Gris. De retorno ao Brasil, em 1950, fixou-se em Porto Alegre em busca de suas raízes e iniciou uma nova fase de sua carreira. Integrouse ao conselho da revista Horizonte, de feição Comunista, que orientava os artistas plásticos próximos aos Partido, a criação de clubes de gravura. Scliar e Vasco Prado (1914-1998) criaram o Clube de Gravura de Porto Alegre, representante do realismo socialista nas artes plásticas brasileiras. Também participaram do Clube da Gravura, artistas como Glênio Bianchetti (1928), Danúbio Gonçalves (1925) e Glauco Rodrigues (1929 - 2004), entre outros. Sempre combativo, em 1954 participou do Salão em Preto-ebranco, protesto contra os altos impostos sobre a importação de tintas que chegou às paginas da revista Time. No Rio de Janeiro, em 1956, é convidado por Vinícius de Moraes para ser consultor plástico da ópera Orfeu da Conceição. Em 1958 tornase diretor de arte da revista Senhor, considerada um marco no setor editorial brasileiro, que tinha como linha editorial colocar o leitor em contato com as principais novidades e preocupações da época e procurava manter-se aberta à todas as ideologias. Nas décadas de 1960 e 1970 produziu inúmeros painéis tanto em Porto Alegre como no Rio de Janeiro para museus, prefeituras,
sedes de bancos e salões. Em 1969, foi publicado o Caderno de Guerra, com os desenhos registrados por ele durante a guerra. Na década de 1970, produziu painéis para o Museu Manchete no Rio de Janeiro, Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Centro Administrativo de Salvador e para a Imprensa Oficial do Rio de Janeiro, em Niterói. Durante toda a década de 1970, as pinturas de Scliar cedem cada vez mais espaço à objetividade das linhas e à clareza da composição. A passagem para os anos 1980 apresenta um artista mais sensível aos mistérios e aos prazeres da cor, os trabalhos da década anterior assumiam claramente seus compromissos com a arte gráfica: a clareza das linhas regia o espetáculo. A cor vestia os objetos como uma pele, ocupando as áreas determinadas pelo contorno das formas. Sem grandes atropelos ou sobressaltos, lentamente Scliar vai permitindo à cor libertar-se desses limites: as flores adquirem movimento, as imagens ficam mais sensuais, uma efetiva tentativa de captar cada instante do mundo e vivê-lo intensamente, fazendo de cada trabalho um exercício de prazer. Ao longo dos anos, a obra de Carlos Scliar tem-se notabilizado pelo emprego sistemático da colagem – que em seu caso, mais que uma técnica, é um recurso expressivo incorporado à sua obra. Como os cubistas, a colagem sempre teve a função de evidenciar a autonomia da pintura, através da evidência da superfície. Em 1999 e parte de 2000, dedicou-se à criação da série comemorativa dos 500 anos do Brasil, álbum onde a síntese consciente de um Brasil sofrido convive com uma intensa e poética visão da vida e da arte. Em 2001, sua última exposição “Scliar - 80 anos”, no Museu Nacional de Belas Artes, RJ, apresentou as obras produzidas durante sua enfermidade. Nesse período, já adoentado, um repórter que o entrevistava perguntou em quanto tempo ele pintava um quadro: “Em uma hora e 80 anos”. Carlos Scliar faleceu no dia 28 de abril de 2001, no Rio de Janeiro, onde foi cremado. Suas cinzas foram lançadas no mar de Cabo Frio.
FICHA TÉCNICA CURADORIA Marcus de Lontra Costa COORDENAÇÃO GERAL Anderson Eleotério PRODUÇÃO EXECUTIVA Izabel Ferreira PROGRAMAÇÃO VISUAL Leo Teixeira - leobug.com ASSESSORIA DE IMPRENSA Raquel Silva FOTOS Renan Cepeda, Acervo Instituto Cultural Carlos Scliar VÍDEO Eureka EDIÇÃO DE VÍDEO Isís Natureza ILUMINAÇÃO Antonio Mendel EDUCATIVO Romulo Sales, Alessandra Caetano MONITORES Bernardo Domingos, Gabriela Noujaim, Gregory Combat, Magno Montreal SEGURO Pro Affinite - ACE Seguradora MOLDURAS Isonete Porto Molduras TRANSPORTE Metropolitan CONSULTORIA Instituto Cultural Carlos Scliar
PERFIL E TRAJETÓRIAS
PROJETO LG Produções Culturais Ltda REALIZAÇÃO Centro Cultural Correios PATROCÍNIO Correios AGRADECIMENTOS Instituto Cultural Carlos Scliar, Cristina Ventura, Diego Scliar, Elio Scliar, Eunice Scliar (Presidente do Insituto Carlos Scliar), Regina Lamenza, Thereza Miranda
EXPOSIÇÃO 19 DE JANEIRO A 28 DE FEVEREIRO DE 2010 DE TERÇA-FEIRA A DOMINGO, DAS 12H ÀS 19H ENTRADA FRANCA CENTRO CULTURAL CORREIOS Rua Visconde de Itaboraí, 20 Centro Rio de Janeiro 20010-976 Tel.: 2253.1580
“A obra de Scliar oferece-nos, assim, uma tranquila reedificação do mundo, um espetáculo de ordem, onde o visual tangencia um rigor quase matemático, um pré-modo de ser, uma espécie de assembléia geral.” Clarice Lispector, 1970
CENTRO CULTURAL CORREIOS
PERFIL E TRAJETÓRIAS CURADORIA MARCUS DE LONTRA COSTA
APOIO
PROJETO PROJETO
www.lgproducao.andersoneleoterio.net
REALIZAÇÃO REALIZAÇÃO
PATROCÍNIO PATROCÍNIO