[Caderno I ] águas de um grande rio

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LEONARDO LIMA DA SILVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Orientadora: Prof. Dra. Nara Milioli Tutida

ILHA DE SANTA CATARINA 2016


S586k

Silva, Leonardo Lima da Karú, terra fértil, homem forte /Leonardo Lima da Silva. - 2016. 166 p. il. ; 21 cm Orientadora: Nara Beatriz Milioli Tutida Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes, Florianópolis, 2016. 1. Arte - Índios da América do Sul. 2. Índios – Cultura. 3. Artes. I. Tutida, Nara Beatriz Milioli. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Artes. III. Título.

CDD: 704.0398 - 20.ed.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC


LEONARDO LIMA DA SILVA

Karú, terra fértil, homem forte Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, da Universidade do Estado de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.

Banca Examinadora Orientadora: ____________________________ Prof. Dra. Nara Beatriz Milioli Tutida CEART/PPGAV Membros: _______________________________ Prof. Dra. Maria Raquel da Silva Stolf CEART/PPGAV

_______________________________ Prof. Dr. Dr. Luiz Sérgio da Cruz de Oliveira UFF/RJ

Ilha de Santa Catarina, 25 de Setembro de 2016.



KarĂş 9. Olho d`agua 16. A margem de uma 20. escrita entre rios O sal dos rios e do mar 28. SĂŁo Pedro 30. O taxi de Orlando 40. O rio como ponte 50. (ou) vir o rio 54. 10 minutos de rio 60.


resumo Karú, terra fértil, homem forte nos leva para uma localidade predominantemente rural no interior de Santa Catarina, São José do Cerrito, o Karú. Com esta expressão indígena que sugere fertilidade e força, procuramos nos aproximar de um entendimento para aquilo que é fértil e sendo fértil pode nos fazer “fortes”. Neste sentido, com homem forte não circunscrevemos gênero ou modelo ideal e sim um devir mediante relações que exercitam a nossa humanidade, enquanto compartilhamos e vicenciamos processos criativos de maneira mais solidária com outro e com chão por onde pisamos. Um percuso que se faz através da singularidade das trocas com as pessoas desta localidade, nas realidades e emergências de seu presente histórico e dos traços e saberes de outros tempos. Apresentamos assim quatro cadernos-roteiros que se complementam e interlocucionam. Com águas de um grande rio [em mãos], seguimos às margens de rios do Karú em seus diversos contornos de sentido, situando as coordenadas de onde e como partimos; com terra fértil, apresentamos o estar em viagem, o nosso pisar, das trocas com e para terra; com homem forte, a construção de subjetividades através de relações com os lugares, espaços e com o outro, em processos criativos que exercitam o nosso estar no mundo. Já o caderno convite para cavar um buraco apresentamos um dispositivo de encontro, que conta a experiência de uma residência de quatro dias com textosrelatos compartilhados em abril de 2016. Com estes roteiros em mãos, convidamos para uma caminhada por esta localidade através de escritos, interlocuções, conversações, registros fotográficos e sonoros. Palavras-chave: Karú; processo criativo; arte/vida.


Karú É com a ancestralidade indígena que trazemos a palavra Karú. “Conforme encontramos, “parece derivar de: Ka ‘a = mato; Ka ‘aguy = floresta; Ca ‘a = monte, por debaixo de los árboles”; para o povo guarani, o que vem da floresta, ou o que está por debaixo das árvores. Expressão de fertilidade, vida; portanto pode-se atribuir ao termo - carú - o significado de “terra fértil”, “terravida”, terra própria para produzir alimento.” (LOCKS, 1998)*. Com a dimensão desta palavra percorremos as terras altas do planalto catarinense, no sul do Brasil, para uma localidade conhecida como “Karú” ou “Carú”. Lugar dito de terra fértil desenhado por toda margem sul pelas águas do Rio Caveiras e pelo oeste [e grande parte do Norte], pelas águas do Rio Canoas. Entre seus moradores mais antigos, e ainda hoje, é conhecida como Karú ou Carú, [nomenclatura “oficial” entre 1943-1953]. Karú tanto pela fertilidade de suas terras quanto pela sua fundação, quando era uma vila, às margens das “águas bravas” do rio Caveiras - o rio Karú. Ou mesmo, como pronome, utilizado de pelos vizinhos, das localidades próximas para se referir a um lugar de “gente braba”. “Esse é lá do Karú!” Portanto, se a palavra homem tem raíz etmologica em humo”, ou humus, que significa terra fértil, Karú, aqui, mais do que “brabeza” nos remete a fertilidade tanto da terra, quanto do homem - no ponto em que se encontram [alimentando-se das águas de um grande rio]. Assim, saímos de uma ilha no litoral, ao nível do mar, para a serra, onde o mar dá lugar aos rios, as areias, às terras escuras e avermelhadas, diferenças que, se não soubéssemos, diriamos que é um outro estado ou país. Saímos também de um contexto acadêmico, ambiente onde convivo há 8 anos, para outro, marcado por saberes do cotidiano, que exercitam maneiras de ver, perceber, cultivar e viver os seus ambientes e contextos. Perenes aos saberes íntimos à terra. Se por um lado são compartilhados e evidenciados por uma “linguagem simples”, nem por isso deixam de ser singulares e pluralmente complexos no fazer, tanto quanto no pensar.

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Evitamos assim circunscrever a localidade do Karú somente por traços de sua localidade, pois também transitam e absorvem, à sua maneira, como nós (“universitários”) saberes de outros contextos.Neste sentido diria que um dos retornos mais importantes que só agora pude melhor “visualizar”, ao relatar e apresentar os percursos desta pesquisa, tenha sido exercitar estas diferenças. Sair de uma temperatura à outra nos torna mais resilientes. Em um determinado momento sintetizamos o objetivo desta pesquisa: reinventar as relações entre sujeitos nas suas individualidades e pluralidades de ser no espaço/tempo da localidade do Karú.Vivenciamos assim, este deslocamento pelo convívio, dispositivos e táticas que partem do campo da arte enquanto exercício da criatividade que possibilite gerar acontecimentos. Talvez soe pretensioso afirmar, mas com este exercício esperávamos (e assim continuamos) desdobrar processos criativos, que são, antes de qualquer coisa, processos de aprendizagem, se compreendemos a arte como algo que nos faz. Transbordando especificidades de saberes e fazeres, enquanto nos permite iniciar e cultivar relações com o outro e com os ambientes que vivenciamos. Já que convivemos diaramente com o risco de viver uma repetição, que nos condiciona (e faz condicionantes). De modo que ficamos cada vez mais sobrepostos de camadas e camadas, difíceis de se desfazer ou reinventá-las, se não conseguimos tomar parte. Deste modo, compreendemos estes cadernos como uma escrita que se faz e desfaz a partir de roteiros que apresentam e reinventam os percusos da pesquisa.Procuramos aproximar o leitor, como se caminhasse ao nosso lado, no desdobrar dos processos criativos. Ao vivenciar na leitura, “como uma coisa levou a outra”, nos encontros e trocas apresentados neste caderno, águas de um grande rio e nos seguintes, terra fértil, homem forte e convite para cavar um buraco [um caderno de relatos, a partir de um dispositivo de encontro]. Tais cadernos aglutinam escritos como este, de considerações, à luz de outras trocas e experiências que nos ajudaram aproximar de uma compreensão mais perene ao que toca esta pesquisa. Escritos que são também imagens e sons da localidade do Karú. Por essas linhas procuramos compreender estes cadernos, e seus desdobramentos, como meios de aproximação de um percurso, que por vezes se faz intraduzível e sobretudo, é tecido como tramas, ao trazerem também outras vozes. Talvez, como falamos, “dispositivos artisticos”:

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Dispositivos artísticos postdigitales: escrituras de ida y vuelta Texto publicado por Roberto Cruz Arzabal. Disponível em: http:// humanidadesdigitales.net/ blog/2014/04/18/dispositivosartisticos-post-digitalesescrituras-de-ida-y-vuelta/ Acessado em 26 de fevereiro de 2016. [sublinhados nossos]

*LOCKS, Geraldo Augusto. Identidade dos Agricultores Familiares Brasileiros de São José do CerritoSC,Antropologia Social na UFSC, 1998. O trecho sobre a etimologia Karú é citado por esta pesquisa a partir de leitura: Tesouro de la Lengua Guarani por el Pe. Antônio Ruiz de Montoya. Madrid, ano de 1639, p. 84.

¿Por qué utilizar la noción de dispositivo en lugar de la de obra? No se trata de un capricho terminológico sino de la capacidad múltiple que tiene la primera para enfocar las características liminares antes que las estables. Al usar el término obra se piensa en lo cerrado, en lo definitivo —aunque sepamos que no siempre es así—, en algo que ha sido producido por alguien que decide darle forma y otorgarle una estabilidad como objeto; dispositivo, por su lado, remite no a lo cerrado sino a lo poroso, puede tratarse de un objeto, pero también de lo que este objeto produce, de los procesos que lo delimitan o de los sujetos que crea mediante ellos. El término tiene una genealogía diversa en la filosofía que va principalmente a los usos que le dan Deleuze, Foucault y, posteriormente, Agamben, como la red que se tiende entre elementos heterogéneos con una función estratégica en relación con el poder y que es resultado del cruzamiento de las relaciones entre poder y saber (2011: 250); por mi parte, retomo el uso de Holmes, quien denomina dispositivos artísticos de enunciación colectiva a las piezas de arte que conjuntan experiencias colectivas de participación con investigaciones estéticas y sociales amplias pero cuyo circuito de producción y recepción se ubica dentro de los espacios institucionales de los museos. En sus palabras, Lo que emerge de este tipo de práctica es una nueva definición de arte como laboratorio móvil […]. Puede que en el curso de este tipo de prácticas se produzcan obras en un sentido tradicional, incluso, en efecto, obras excelentes […]. No obstante, la mejor manera de comprender estas obras singulares es analizarlas no aisladamente sino en el contexto de un agenciamiento en el sentido que dieron a este término Deleuze y Guattari. Se convierten en elementos de lo que aquí llamaré un dispositivo para la articulación de una enunciación colectiva. (Holmes 2007: 146).

Sendo assim, nosso procedimento aqui se aproxima de uma montagem filmográfica, onde a continuidade por vezes se dá aos “saltos” - a dizer, quando vemos um filme, não “vemos” de fato todos os quadros da película e sim alguns poucos quadroschave, o meio, o entre-quadros, somos nós que preenchemos conferindo “sentido de continuidade“(ou descontinuidade). Não escapamos também de um espaço-tempo de simultaneidades, a medida que partimos de relações que se dão no convívio, na sobreposição dos encontros, nas situações geradas do cotidiano no Karú. Esta pesquisa é, portanto, fruto das mais plurais conversações e trocas com as pessoas desta localidade. Com quem pudemos vivenciar e (re)inventar as relações de sentido, incluso as despertadas pela palavra Karú esperamos assim, que o leitor, ao caminhar conosco por estas páginas, encontre também o seu Karú.

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Esta é a vista do centro de São José do Cerrito no ponto da BR 282, logo antes da entrada para a cidade. A cidade aqui é evocada quando quer se referir ao “centro da cidade”, ou simplesmente “Cerrito”, (ou como ouvimos, “praça”). O centro tem como referência a rua Anacleto da Silva Ortiz que cruza toda a extensão da região e é onde localiza-se a área comercial e as instituições (igrejas, praça, bancos, posto de saúde, rodoviária, sindicatos, escolas, mercados, mercearias, clube recreativo, lojas e estabelecimentos de serviço etc). A grande maioria de sua população vivem nas localidades do interior, o “interiorzão”. Assim, é comum ouvir por lá: “hoje tenho que dar um pulo na praça”, quando querem se referir ao centro. Estas localidades compõe 35 vizinhanças que se distribuem em toda a extensão das matas, entre os rios Caveiras e Canoas, e seus afluentes (os rios Amola faca, Passo Fundo, Lajeado da taipa e outros). Todas possuem diferenças e particularidades próprias. Algumas destas, pudemos conhecer no decorrer desta pesquisa. Ao todo, além do centro, são estas: Araça, Bela Vista, Bom Jesus*, Campina Dogelo, Campina Grande, Cerro Pelado, Corredeira, Cruz Alta, Ermida, Erva Doce, Faxinal dos Ferreiras, Glória, Goiabeira, Gramados, Gramados dos Oliveiras, Itararé, Mineiros, Nossa Senhora da Salete, Passo dos Fernandes, Passo Fundo, Pinheiros Ralos, Ponte Canoas, Rincão dos Albinos, Rincão dos Muniz, Salto dos Marianos, Santa Catarina, Santo Antonio dos Pinhos, São José, São João das Palmeiras, São Geraldo, São Miguel, São Roque, São Sebastião da Barra, Socorro, Vargem Bonita. * Segundo Padre Nivaldo, esta localidade será possvelmente extinta devido alagamentos de Hidrelétricas)

Dessa maneira, com o nome Karú, pretendemos de alguma maneira nos referir à amplitude geografica social e cultural que compreende e inclui estas localidades.


João Maria Agostinho, peregrino, que em suas pregações religiosas aos católicos da região, hoje localidade da Capela de São José, fez insinuações anunciando que, enquanto não trocassem o nome do Rio Caveiras que ali passa por outro qualquer, o mesmo não deixaria de fazer frequentes vítimas.


Os moradores da época passaram a chamá-lo de “Rio Carú”. Carú, na sua etimologia é termo de origem indígena que significa “gente forte”, “terra fértil’, “terra própria para o cultivo”, comparando-as com águas de um grande rio. MACHADO, Nélia. São José do Cerrito: Sua gente sua história. 2004, p.30

Fotografia: Rio Caveiras sob a ponte no Passo dos Fernandes. Karú, 2015.


Olho d`água Muito antes do homem dar os primeiros passos, especula-se que a vida, antes de habitar corpo na terra, se fez nas profundezas das águas. Tempo em que o embrião primitivo fez nascer em si, as condições suficientes para emergir das águas e respirar em solo pela primeira vez. Com o homem já em terra, se percorrêssemos as margens dos povos e povoados em superfícies de espaços-tempos dos mais distintos e remotos, aqueles em que a memória da escrita nos escapa, não nos surpreenderíamos em encontrar no seio de cada um destes, a presença do rio como condição inerente ao surgimento, manutenção e continuidade da vida. Não raro, ouvimos também que fora às margens do Nilo que a primeira grande civilização humana se desenvolveria. A despeito de teorias e hipóteses que remontam os mais plurais e constestáveis mitos de origem, o rio, cuja presença se manifesta em movimento e força abundante aos nossos sentidos e à nossa razão, conserva em suas profundezas alguns dos mistérios de sua imagem, despertando nossa imaginação tanto quanto despertaram (e despertam) as imagens do céu. Assim, a poesia dos homens, fez do rio uma de suas maiores figuras de linguagem; Com os escritos da Grécia antiga encontramos o rio como aquele que nos identifica o “tempo” aion, o tempo incessante, do fluxo da vida enquanto eternidade dos ciclos que a mantém. Lemos com as palavras do coletivo Descarrilados [de quem falaremos mais a frente] que o rio “é esta corrente de água que flui por um leito, desde um lugar elevado a outro mais baixo. A grande maioria dos rios deságuam no mar ou em um lago, ainda que alguns desaparecem, devido as suas águas, que se filtram na terra ou se evaporam à atmosfera.” São águas que também se enfiltram e evaporam nas linhas dos poetas. Com Manuel Bandeira [1886 - 1968] somos convidados a “ser como um rio que fluí” com Guimarães Rosa [1908-1967], a navegar e aprender que o rio é ao mesmo tempo a entrada para a vida e para a morte: “rio é uma palavra mágica para eternidade”. 16


Em semelhança lemos também com o escritor argentino Jorge Luis Borges: “O tempo é a substância de que sou feito. O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio...”. Ziraldo [1938 - ] nos conta em seu livro infantil “O menino do Rio Doce [1996]”: “O menino tinha certeza de que havia nascido no dia em que viu o rio. Na sua memória, não havia nada antes daquele dia. O menino amou o rio pois acreditou que o rio também havia nascido no dia em que ele o viu”. [...] o rio era seu irmão [...] Ele entendeu que o rio era o rio e tudo aquilo que cumpunha o próprio rio [...] aprendeu que a água - em gotas - da chuva era a refeição do rio e que quando chove muito eis que o rio engorda e engrossa e, guloso, engole a margem e vai levando a cerca e vai comendo a casa e vai tragando a árvore [...] o rio vai engolindo o mundo e de noite ronca sua digestão [...] O menino achava que prazer era conversar com o rio e deitava o ouvido coladinho à terra da margem do rio para ouvir seus segredos, ouvir seus murmúrios e ouvir as histórias que o rio tem e gosta de contar [...] o menino se indagava [sem saber que se indagava] o que há além do rio? Será o rio infinito? Vai indo o tempo, vai indo...vem o rio, o rio vai e o menino tem que ir. Cada um passa ao seu modo. [...] Todo o dia o rio nasce, todo o dia o rio morre, todo o dia o rio parte, chega o rio, todo dia, ao seu destino de sal. “Vem comigo ao meu destino!” diz o rio ao seu menino que, agora, quase homem parte-se para partir [...] “O mar é o meu começo” adivinhou o menino [ou o rio lhe ensinou].”

Sem dúvida, linhas e linhas seriam insuficientes para atravessar o rio na imensidão de seus relatos. A poesia evoca intensidades que transbordam em tantos rios. O que nos passa é que talvez seja, e sempre tenha sido, um só rio. Nós, que damos nome às coisas, esperamos por alguma razão (racional ou não) que as coisas se transformem à nossa mirada. De maneira que o rio habita a poesia dos homens e a poesia dos homens habita o rio. Seguimos estas margens, e embora situados por sua onipresença, percussora da vida, fundadora de nossas civilizações, de onde bebemos, ao corpo e à poesia, como meninos diante à natureza, muito pouco sabemos sobre os rios e talvez por isso, nos debruçamos a dar estas (e outras) palavras para algo que nos acontece, como se - o rio nascido dos olhos da terra, refletisse o desconhecido nos olhos dos homens. Assim, é em uma porção de terra entre rios que nosso relato toma partida, às terras férteis do Karú, desenhada por toda linha do sul, pelo rio Caveiras (o rio Karú) e pelo norte e oeste pelo rio Canoas . 17


Esse rio ele nasce quase na divisa de Correia Pinto e São José do Cerrito, nas comunidades de Morro Pelado... ...aí tem outro braço que nasce quase em Rincão dos Muniz, Passo Fundo...

...o nome dele já é Passo Fundo porque nasce lá e aqui está descendo, há uns 600m ele tá desembocando no Caveiras.

[o rio] Mudou bastante né, como toda natureza muda e não é diferente também. Eu quando vim pra cá eu conheci esse rio com bem mais água e era bem mais limpo, era um rio que você ainda...

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...podia tomar água, tomar banho e hoje tá diferente, é o risco da poluição, das nascentes que não são bem cuidadas, dos próprios moradores que não cuidam desse rio. Vanderi Bastos, “fazedor” do Itararé. Karú, Agosto de 2016

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À margem de uma escrita entre rios “Inventa-se um mundo cada vez que se escreve”, nos coloca Maffesoli na primeira linha que introduz o seu livro. Já que a experiência sempre é “única e intransferível” como diz Larrosa, completaríamos que este “mundo que se inventa” não é nosso somente, entramos no curso de um “grande rio” que certamente é muito maior do que nós. Mesmo que acreditemos na história enquanto uma sucessão de fatos (ou não), somos ingressos em um movimento que já existe (geográfico, cultural etc.). Talvez, o nosso tempo, a dizer, o mundo que compartilhamos neste presente, seja este que podemos “olhar” e “acessar” com certa facilidade (a menos como informação) algum de seus instantes, que parecem entrelaçar e ultrapassar fronteiras, nas passagens de Homero a Guimarães Rosa, de Lao Tsé a Einstein(para citar alguns). Apesar da possibilidade (ou impossibilidade) de acumularmos milhares de relatos que podemos acessar, parece que escolhemos somente conviver com alguns, à medida em que diologam e constrõem sentido com nossas vidas, um sentido talvez não tão abstrato, “acadêmico” ou mesmo de pretensão “transcendental”, mas que nos faça vibrar diariamente de alguma maneira, talvez uma “paixão”, ou por “amor” como diz Luc Ferry, que nos faça mover as coisas, e movendo elas nos movemos também. Assim, prentendemos apresentar o curso desta pesquisa não somente nas observações, escritos, fotografias, relatos, mas daquilo que nos fez “mover” - neste caso, pelas paisagens do Karú e tudo que a ela aderimos. 20

MAFFESOLI, Michel, A Transfiguração do Político; a tribalização do mundo, Trad. Juremir Machado da Silva, Porto Alegre, 2005.

A experiência é sempre de alguém, subjetiva, é sempre daqui e de agora, contextual, finita, provisória, sensível, mortal, de carne e osso,(...) tentei fazer soar a palavra experiência perto da palavra vida, ou melhor (...) perto da palavra existência (...) seria o modo de habitar o mundo (...) e a existência, como a vida, não pode ser conceitualizada porque sempre escapa a qualquer determinação. (LARROSA, 2014, p.40-43) Fotografia: Post do amigo Marcelo Wassen, do livro “Ser Crânio” de Didi Huberman Ilha, 2016.


Luc Ferry tem apresentado a noção de “revolução do amor” como possibilidade de um “segundo humanismo”: talvez ninguém mais estaria disposto “a morrer por uma pátria, nação ou ideologia e sim por aqueles que amamos”. Por mais delicado esta colocação, nos oferece um leitura interessante pontuando uma “política” de atitudes “solidárias” não mais preocupadas na “descontrução” do primeiro “humanismo” (este às ruínas com o fascismo e guerras do Séc.XX) - Cita que os gestos de descontrução (nos movimentos de arte, dadaísmo, cubismo. surrealismo etc) onde pontua os escritos de Levi Strauss, Foucault, Derrida, os quais entre outros, evidenciaram as diferenças e dissonâncias de uma alteridade sem lugar no mundo, “fora do discurso universal” do homem construído pela razão no “primeiro” humanismo. “No entanto, alguns desses filosofos da diferença não veem que suas aspirações supostamente libertadoras correm o risco de resultar no contrário, no modo que imaginam ao encerramento de cada um em sua diferença”. Este segundo humanismos estaria expresso na locução: “que mundo deixaremos para os que virão depois de nós?” FERRY, Luc. Do Amor: uma filosofia para o século XXI, Rio de Janeiro, DIFEL, 2013.

A caminho destas considerações, um amigo, a quem devo valiosas apresentações, sobretudo relacionado à música e literatura, há alguns anos comentou sobre uma passagem recentemente contada a ele por um de seus professores. Como me ocorre, contarei: Um conhecido escritor brasileiro realizava uma fala em um auditório durante uma conferência (ou algo semelhante). Ao final, como é de costume, é aberta às perguntas para os presentes. Alguém toma a voz e dirigindo-se ao escritor declara que toda vez que o “lê” encontra ideias de tantos outros e muito pouco do que poderia atribuir como palavras de “sua própria ideia”. Indagado, o escritor busca responder (como que perguntando a si mesmo): “Quantas ideias podemos ter em uma vida? Creio que aquele que diz ter uma ideia é alguém que é tomado por uma sensação de grande felicidade. Ter uma ideia ao contrário do que pode-se pensar em nossos tempos, não é impossível, mas é algo muito, muito raro, que não ocorre todo dia, que dirá em um ano ou década. É algo que não depende simplesmente do esforço de nossa vontade, por mais insistentes e pacientes que sejamos. Sendo assim, ter uma ideia é algo grandioso na vida de alguém.É bem possível que muitos dos presentes, inclusive eu, não temos ou não teremos nenhuma ideia que realmente valha a pena. Não quero desacreditar ninguém a este feito, muito pelo contrário, mas para nossos limites, espaciais, temporais, não seria razoável percorrermos um caminho onde encontramos, vivenciamos e aprendemos com as ideias de outros tantos? Assim, poder pensar a partir de 10, 50 ou 500 ideias diferentes do que investirmos nosso tempo unicamente no cultivo intensivo de nossa própria ideia como se assim procurássemos salvar alguém ou a si próprio?”

Semelhante a este pensamento, se não me engano foi Humberto Eco que nos disse que deveremos subir nas “costas de gigantes” para poder ver outros horizontes, que são impossíveis se continuamos presos à nossa limitada linha de visão. Ou mesmo quando Marcel Duchamp[1887-1968] continua a nos dizer: “a arte é um jogo entre todos os homens de todas as épocas”.

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Creio que nas articulações atualmente presentes no jogo representacional em arte comprometidas com formas que buscam gerar acontecimentos, que materializam propostas colaborativas, espaços de convívio e de encontro pautados numa forma relacional (BOURRIAUD, 2006),bem como usam diretamente os referentes de outros campos representacionais, onde o artista costura relações em rede fazendo uso da ciência, da filosofia, se apropriando de seu contexto político social e dilatando o tempo da experiência em arte (LADDAGA, 2006), está acontecendo uma expansão nas regras deste jogo que ao encontrarem simultaneamente outros modelos de praticar a realidade instalam novas pautas de produção de sentido que alteram a lógica de como uma proposta em arte pode se legitimar. KINCELER, José Luiz. As noções de Descontinuidade, Empoderamento e Encantamento no Processo Criativo de Vinho Saber - Arte Relacional em sua Forma Complexa, 2008. Ler em: http://anpap.org.br/anais/2008/artigos/162. pdf acessado em Julho de 2016.

A especificidade da arte enquanto modo de produção de pensamento é que na ação artística, as transformações de textura sensível encarnam-se, apresentando-se ao vivo. Daí o poder de contágio e de transformação de que é potencialmente portadora tal ação: é o mundo o que ela põe em obra, reconfigurando sua paisagem. Não há então porque estranhar que a arte se indague sobre o presente e participe das mudanças que se operam na atualidade. Se entendermos desta perspectiva para que serve pensar a arte como uma forma de pensamento, a insistência nestas temáticas no território artístico nos indica que a política de subjetivação, de relação com o outro e de criação cultural está em crise e que, com certeza, uma mutação vem se operando nestes campos. Assim sendo, se quisermos responder às perguntas acima colocadas não podemos evitar o trabalho de problematização desta crise e do processo de mudança que ela supõe e acarreta. O segundo pressuposto é que pensar que este campo problemático impõe a convocação de um olhar transdisciplinar, já que estão aí imbricadas inúmeras camadas da realidade tanto no plano macropolítico (fatos e modos de vida em sua exterioridade formal, sociológica), quanto no micropolítico (forças que agitam a realidade, dissolvendo suas formas e engendrando outras, num processo que envolve o desejo e a subjetividade). ROLNIK, Suely. Geopolítica da Cafetinagem. Texto publicado na coleção Rizoma [artefato] ROSAS, Ricardo, Salgado, Marcus[ org], 2002. p.251-264. Ler em: https://issuu.com/lowfi-processosinventivos/docs/rizoma_artefato acessado em julho de 2016.

Pode-se argumentar que, neste contexto, os work-in-progress em forma de projeto e os artistas em residência começam a se combinar com uma “economia da experiência”, a estratégia de marketing que busca substituir bens e serviços por experiências pessoais planejadas e organizadas. Entretanto, o que exatamente se supõe que o visitante tire de tal experiência de criatividade, que é essencialmente uma atividade de estúdio institucionalizada, na maioria das vezes não fica claro. É inegável que grande parte da arte produzida hoje em dia procura engajar-se nas esferas política e social. O quão eficaz ela é ou se podemos chamá-la de arte situada, relacional, etc é uma outra questão. MAZZUCCHELLI, Cristiana. Arte como projeto?. texto publicado na coleção Rizoma [artefato] ROSAS, Ricardo, Salgado, Marcus[ org], 2002. p.60-64 Ler em:https://issuu.com/lowfi-processosinventivos/docs/rizoma_artefato acessado em julho de 2016.

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Para retomar a imagem do rio, o pensamento parece ser este rio de onde chega tantos outros e nos parece formar um só, quando são tantos e certamente não seria o mesmo, sem que outros lhes desembocassem outras águas. Lembro ainda na graduação quando o professor de escultura, o caro mestre Canabarro (em aula gostava de brincar sem perder o propósito) colocou na mesa um jornal e perguntou se alguém poderia dizer o que “dizia” a manchete da capa. Olhamos para a página na mesa e surpreendidos esboçamos uma expressão de espanto. Ninguém de imediato soube responder. Se tratava de um antigo jornal russo. “Essa é a cara de quando não conhecemos uma linguagem ”- completou Cana. Naquela sala estávamos presentes para apreender a “linguagem do barro” com as nossas próprias mãos, mas não somente, se ali nos apresentávamos é porque nos colocávamos à disposição para conhecer “o que outras mãos já fizeram”, receber instruções facilitadoras (de um professor(a)) e compartilhar este processo com os colegas, talvez, seja este o motivo de escolhermos o contexto da universidade. Certamente poderíamos abrir uma discussão [já em curso] sobre o quão eficaz a universidade desempenha ou poderia desempenhar enquanto espaçotempo de aprendizagem mas o fato que, por algum motivo [ou conveniência], escolhemos frequentar por anos o que potencialmente pretende ser um espaço de aprendizagem - e se assim acreditamos, talvez venha a ser. Dessa maneira, sublinhamos, o que se produz neste contexto não é propriamente conhecimento mas a “consciência” de que algo já foi feito - e não menos, de que algo ainda pode ser feito. À respeito desta colocação surgem muitas questões que atravessam o “mundo acadêmico”. Quais linguagens são capazes de atravessar as “couraças” da academia? À medida em que nos colocamos expostos e somos permeados por outras experiencias de mundos que não encontram “abrigo” ou “movimento” no que já é legitimado institucionalmente? Em nosso caso, partimos de uma escrita a partir de experiencias com e sobre práticas artísticas -O que nos leva a questionar: qual o lugar da escrita na academia e especificamente no nosso caso, uma escrita no contexto das artes? Ao trazermos vozes e contextos por vezes tão heterogêneos e ao nos esforçarmos a fazer essa ponte, entre “mundos” que são construídos e aparentemente distintos (da arte, da academia e vida cotidiana) quais práticas e discursos podem ser gerados? Tal ponte, sem dúvida, há décadas vem sendo ampliada em um quase conceito, do que buscamos tocar com o par de sentido “arte e vida”.

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Ao andarmos por essa “ponte”há o risco de cairmos no “poço” que Kaprow nos advertia, de “lições de arte que só servem ao mundo da arte”, logo, podemos (e devemos) nos questionar: onde estaria a fenda dentre discursos institucionais (e institucionalizantes) capaz de fazer a arte transbordar na vida pública? sem que ambas sejam anestesiadas, anestesiantes, desprovidas de “vibração”? Segundo leituras de artistas, como Kaprow, como em Oiticica, Lygia Clark e tantos outros, encontramos formas de aproximação que partem de uma compreensão( possivelmente no ocidente a partir de Duchamp e Beuys) que “falar” sobre processos criativos é tão importante quanto praticar. Talvez essa seja uma das possíveis saídas à pergunta anterior. E com estes podemos chegar a um limite: Contaminar a arte com a vida até que se confundam os limites? É isso que queremos? E o que acontece depois disso? A vida se altera e a arte também? Talvez, ainda precisemos dessa distinção, para que possamos (na condição de artista) ver na vida o que ela nos traz e o que ela nos falta e – (na condição de sujeitos do nosso tempo) ver na arte o que ela nos traz e o que ela nos falta. 24

Esquema “Arte x Vida” proposto por Ricardo Basbaum, o mesmo escreve, (a partir de reflexões sobre Lygia Clark e Hélio Oiticica): “Que tipo de transformações queremos promover? Cuidado, não responda agora, seja cauteloso (...) o processo transformacional não está submisso a uma relação linear de causaefeito qualquer projeto em direção a transformação, não adota uma metodologia neutra, para liberar o movimento: um (amplo) projeto político sempre perpassa o programa.Em termos de transformação, nunca se deve tentar predizer resultados. É mais sábio confiar que o movimento e vida sempre criam condições para a vida e movimento continuarem”.

In: BRAGA, Paula (org.). Fios soltos: a arte de Hélio Oiticica. São Paulo: Perspectiva, 2008.


Depende de qual tipo de arte se está tratando. E de qual segmento do público. Quando a arte como prática intencionalmente se confunde com a multiplicidade de outras identidades e atividades que costumamos chamar de vida, ela se torna sujeita a todos os problemas, condições e limitações dessas outras atividades, bem como de suas liberdades únicas (como,por exemplo, a liberdade de fazer um site-especific enquanto se dirige na autoestrada para ir ao trabalho, em vez de ficar restrito às paredes de uma galeria; ou a liberdade de se engajar no ensino ou no trabalho comunitário como arte). Os critérios pelos quais medimos sucessos e fracassos em arte tão efêmera obviamente se diferenciam da estética autossuficiente da pintura e da escultura,menos preocupada com sua referência simbólica ao mundo exterior, à ética e aos aspectos práticos dos domínios sociais que ela atravessa. E a ética, representando uma diversidade de interesses especiais, bem como os mais profundos de uma cultura, não pode ser facilmente dissociada da natureza de um trabalho artístico. Sucessos e fracassos tornamse julgamentos provisórios, sujeitos (como o tempo) a mudanças. Uma vez que o artista não é mais o agente primário responsável pelo trabalho artístico, mas deve associar-se a outros, às vezes soltos e indefinidamente organizados como garotos de escola, às vezes estritamente definidos em estruturas governamentais ou corporativas, o trabalho de arte torna-se menos um “trabalho” do que um processo de interações significação-produção. KAPROW, Allan, Sucessos e Fracassos, [texto originalmente publicado em Lacy, Suzanne (org.) Mapping the terrain – New Genre Public Art. Seattle: Washington Bay Press, 1996: 152-158. Tradução: Inês de Araujo Ler em: http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/ uploads/2012/01/ae18_allan_kaprow.pdf

Por tres vías diferentes las nuevas prácticas artísticas están asumiendo esa responsabilidad. En primer lugar, por la vía de la narración. La utilización de la imagentécnica y la imagen-movimiento, en su capacidad para expandirse en un tiempo-interno de relato, multiplica las posibilidades de la generación de narrativas. En segundo lugar, por la vía de la generación de acontecimientos, eventos, por la producción de situaciones. Mas allá de la idea de performance –y por supuesto mucho más allá de la de instalación- el artista actual trabaja en la generación de contextos de encuentro directo, en la producción específica de micro-situaciones de socialización. La tercera vía es una variante de ésta segunda: cuando esa producción de espacios conversacionales, de socialización de la experiencia, no se produce en el espacio físico, sino en el virtual, mediante la generación de una mediación. (...) El artista como productor es a) un generador de narrativas de reconocimiento mutuo; b) un inductor de situaciones intensificadas de encuentro y socialización de experiencia; y c) un productor de mediaciones para su intercambio en la esfera pública. (...)El artista como productor interviene, cada vez más, en el tiempo real del dominio de la experiencia, no en el del tiempo diferido de la representación. Esto se hace tanto más indiscutible cuanto más entendamos el tiempo real en términos de tiempo de sincronización de la experiencia, tiempo compartido y de encuentro entre los sujetos de conocimiento y pasión. Cada vez más, el artista es un productor de directo … BREA, José Luis. Tercer Umbral: estatuto de las practicas artísticas en la era del capitalismo cultural, 2004. Ler em: https://www.uclm.es/profesorado/juanmancebo/descarga/docencia/movimientos/3umbral.pdf p. 127-128

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Como Beuys meditava em sua “utopia”, seria, caminharmos até atingir certas condições em que não seja mais necessário distinção, de artistas/não-artistas, de arte/vida. Porém, talvez esta questão, “se a vida faz parte da arte” ou a “arte faz parte da vida” não encontrará resolução em si, pois tanto uma quanto a outra não podem ser definidas nem compreendidas. O que temos são aproximações, modelos, e estes se modificam com o vento. Tais colocações não respondem, no entanto, orientam grande parte do pensar (e do fazer) desta pesquisa que, embora não se defina somente por este ponto de vista, parte de minha formação enquanto artista de como construir uma (re) aproximação com uma localidade, o Karú, no convívio com algumas pessoas que ali vivem e partilham histórias com o lugar (ou estórias do não-lugar). E de como, a partir destas relações podemos situar uma prática em arte, de maneira a contribuir de alguma forma com as pessoas que fazem esta localidade. O que me passa é que talvez, num primeiro momento, o que podemos fazer de melhor é dar atenção, ou melhor, compartilhar atenção com estas pessoas, que muitas vezes se dá naquilo que elas já fazem e como fazem, e de como suas práticas, ou melhor, cuidados (consigo, com o outro, com a terra...) já contribuem muito (mesmo que não percebam) para suas vidas, perpassando inclusive limites reservados ao privado e ao público ou mesmo suas plurais crenças e religiosidades. E esse é o horizonte em que nos retroalimentamos aqui. Semelhante questão podemos ler com Lucy Lippard (nota ao lado). Desta forma apresentamos aqui neste caderno, e nos demais terra fértil e homem forte; escritos como este, em diálogo com o campo da arte que acompanham, precedem e lançam possíveis interpretações; e escritos que mergulham no percurso desta pesquisa, apresentados aqui como instantes de um possível roteiro.

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Ao passo que não podemos desconsiderar os processos que nos colocaram onde estamos agora, de uma certa “autonomia” da arte, e por outro não devemos aceitá-la integralmente. Nos cabe, talvez, apenas caminharmos com algumas destas sinalizações. Isto nos conduzirá em direção a outros horizontes utópicos? Possivelmente. mas dele não podemos esperar que algo se concretize (ao menos de imediato e no formato exato de nossas mãos).

“Onde o artista se encaixa neste processo?” (...)quando a história” (que vem de fora e de cima) falha com uma comunidade” (...) a memória assume essa tarefa (...) as estórias são contadas de dentro do próprio chão. (...) e como as pessoas de diferentes culturas que formaram este lugar, e que ainda moram no entorno, podem trazer de volta para a superfície as suas histórias, sem atrair o tipo errado de atenção - dos olheiros do turismo e do comércio?” LIPPARD, Tradução da versão publicada no livro Situation, Claire Doherty (org), London, 2009. In: Hay en portugués, 2015 ver: http:// hayenportugues.blogspot. com.br/


A criatividade não está limitada às pessoas que praticam uma forma tradicional de arte, e mesmo no caso dos artistas, a criatividade não está restrita aos seus exercícios artísticos. Cada um de nós é possuidor de grande potencial criativo encoberto pela competitividade e as agressões das cobranças de sucesso. Conhecer, explorar e desenvolver este potencial é o objetivo desta escola. A criação, independente de ser expressa na forma de pintura, escultura, sinfonia ou um conto, não inclui apenas a necessidade de se ter talento, intuição, forças da imaginação e compromisso, mas também a habilidade de dar forma a materiais que podem ser estendidos a outras esferas de importância social. Nossa visão cultural e filosófica da vida demanda de uma troca de criatividade sobre e além dos simples conceitos das formas variadas de arte (...)”. Manifesto de 1974 redigido por Beuys e o escritor alemão Heinrich Böll sobre aquilo que Beuys considerava sua mais importante contribuição: a Universidade Livre Internacional – FIU. ROSENTHAL, Dália. na dissertação O Elemento Material na obra de Joseph Beuys, Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, 2002.

Quando a arte se afasta dos modelos tradicionais e começa a fundir-se nas manifestações do dia a dia da própria sociedade, os artistas não só não podem assumir a autoridade de seus “talentos”, mas também não podem pretender que o que acontece seja válido simplesmente pelo fato de ser arte. De fato, na maior parte dos casos eles não ousam dizer que é arte. Arte pública séria numa América que não esteja em sintonia com a cultura artística pode um dia tornar-se uma presença vital em formas e lugares mais parecidos com a vida ordinária. A situação, então, será verdadeiramente experimental. O falecido artista Robert Filliou, disse uma vez que o propósito da arte era revelar o quanto a vida é mais interessante. A tarefa para os artistas experimentais contemporâneos talvez seja a de explorar esse paradoxo, dia após dia, de novo e novamente. Então, talvez, seu legado ao público poderá ser o mistério de dar um laço no cadarço de um sapato. KAPROW, Allan, Sucessos e Fracassos, Ler em: http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/ uploads/2012/01/ae18_allan_kaprow.pdf

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O sal dos rios e do mar Em abril de 2015 na primeira ida ao Karú, estavamos no centro de convivencia com Grupo de Idosos e ali estava um senhor que já tinhamos visto pelas ruas com uma bicicleta recolhendo latinhas. Um homem magro e alto, apesar não aparentar, já tinha idade avançada. Seu nome, Arcides. Conversando, ao saber que éramos de Florianópolis se empolgou e confessou. Disse que era lugar de “gente de coração bom, porque aqui é lugar de gente ruim”. Diz que onde mora, numa pequena casa, sozinho, não pode ter nada dentro de casa, “sempre que saio pra vir pra cidade, eles arrebentam a porta, entram pela janela. Já perdi violão, cafeteira. tudo”. Arcides é vendedor de latinhas, caixas, ferros e todo tipo de reciclado. Segundo nos disseram depois, sempre vai até o Centro de Convivência todas as tardes para tomar café antes de voltar pra casa. Com a abertura que lhe demos contou (com voz calma e bem articulada) que era das redondezas do Cerrito e há 40 anos atrás, quando tinha 27 anos, seu pai, achando que ele era “louco”, o levou para a Colônia Santana em Florianópolis. Disse que lá levou vários choques elétricos, mas de nada adiantou, disse, “meu problema era ser ‘espritado’, (ouvimos mais de uma vez esta expressão em outras conversas) “estava possuído por um espírito”.

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Fez uma pausa e continuou dizendo que de nada adiantou os choques, “só estragaram” minha cabeça e anos depois foi curado por um “benzedor” que segundo ele lhe tiraram o “espírito” que o incomodava, “mas daí os choques já tinham acabado com a cabeça”.Apesar disso, disse que lá, em Florianópolis, foi onde melhor lhe trataram na vida. Olhounos e disse; “Só uma coisa não entendo, como é que voces bebem água lá? de mar não dá de beber”. Não lembro o que repondemos na hora. Mas aquela conversa me marcou profundamente. Para ele, nascido em terra de rio, uma ilha não poderia ter água a não ser a salgada. Toninho nos diria um ano depois: “A guerra maior, eu e seu pai não iremos ver, vai ser pela água: tem lugar que vendem a 5 reais uma garrafinha? ja pensou. Uns estudiosos que vieram um tempo atrás fizeram teste das nossas águas, das que correm aqui nas localidades do Cerrito, principalmente perto das nascentes, quando não é contaminada pelo caminho né? disseram que é muito pura e que falta muito pouco, mas muito pouco mesmo, pra ser considerada mineral. “ Algum tempo depois, em Florianópolis, conversando sobre água com um amigo que faz medições e testes sanitários da água, lembrei. Parte da água que bebemos não vem da Ilha. Os nossos mananciais que abastecem as regiões norte e sul estão comprometidos e a região central é abastecida pelo município de Santo Amaro da imperatriz. Arcides, o dito louco, não estava errado. 29


Fotografia: Montagem a parir de dois registros, da montagem na sexta e durante o “bingo” no domingo. Karú, 2015. 30


Apresentação das fotos tiradas junto com o Grupo de Idosos do Centro de Convivência nos encontros de dança e outras atividades que participamos. Registramos os lugares da cidade em trechos de áudio, como água da gruta, a praça, o movimento das ruas. Seis fotos dos encontros realizádos naquele ocasião com o Grupo de Idosos ficaram expostas na barraca de venda dos tickets das bebidas. Entramos em contato, alguns meses antes, com Seu Donizete, responsável pela organização. falando sobre a proposta que foi muito bem recebida. Na sexta, quando chegamos a festa já acontecia e saímos a sua procura, não conheciamos pessoalmente. Mais tarde descobrimos ser filho do Seu Hermar que já havia nos recebido em sua casa. Ficamos à sua espera e quando chegou nos acompanhou. Sugeriu que colocássemos as fotos num varal ao lado do palco, na parte de trás, porém, ao cruzarmos o espaço vimos a barraca de venda de bebidas... perguntei se seria possível colarmos as fotos ali, ele disse que sim, se não nos importássemos caso rasurassem as fotos, por ser um lugar de movimento, dissemos que sem problemas. Ainda quando montavamos olhares curiosos surgiram, mas ninguém perguntou nada.

A Festa de São Pedro, padroeiro de São de José do Cerrito/SC realizava-se a sua 55ª edição. Segundo os moradores, é uma das maiores festas religiosa de Santa Catarina.“( Texto do panfleto da festa divulgado impresso e online)


São Pedro A partir da instalação do distrito em 1927 foi planejada a construção da Igreja [de São Pedro]. Os moradores escolheram o local, roçaram e organizaram uma grande festa para angariar recursos financeiros. [...] Com a renda desta festa foi iniciada a construção, contrataram a obra com um carpinteiro e construtor [...] Todos os moradores ajudavam em forma de multirão. [MACHADO, 2004, p.114]

INSTANTE 1 .(ENCONTRO COM TONINHO). PRAÇA - DIA Menos de dez graus de um dia nublado. A cidade naquele domingo (e semana) se cobria das cores azuis e vermelhas do seu padroeiro, São Pedro. Era a manhã da “benzedura dos carros”, um dos eventos que ocorre a semana santa em festividade ao padroeiro. São centenas de carros e caminhões (inclusive de outras cidades) em fila na Rua Anacleto para serem benzidos. Além dos carros enfeitados para a ocasião que representam as localidades do interior do Cerrito. cada qual trazendo uma escultura ou imagem do seu Santo padroeiro específico. Nos preparativos vimos o Padre Salame, que conduziria o “benzimento” naquele dia. Com rápidos passos, nos seus mais de 80 anos, sai pelo visto, atrás de algo que faltava. Antes de chegar os carros, acompanhavamos o movimento. Aos poucos chegavam mais pessoas, ainda estava relativamente vazio. Enquanto esperavamos, na praça da igreja, avistamos Seu Toninho na escadaria em frente a rua, acompanhado de outro senhor. Fomos ao seu encontro. Ao cumprimentarmos, por instantes esboçou semblante de quem não reconhece mas logo disse: - Ah! São os sobrinhos do Vavá de Florianópolis, não me recordo do nome... é Elaine e? - Leonardo. - Ah sim! pois então, chegaram hoje, tão ali na Rosa? 32

“[...]Não hesitaria em dizer que em nosso município ou em nossa comunidade, nossa própria casa não há exclusão e não podemos deixar de “linkar” e gritar quem são as pessoas excluídas em nosso meio? Primeiro, as mulheres que sofrem violencia e muitas vezes são tratadas como objeto, mulheres essas que discuti política, organiza e infelizmente na hora das decisõesnão é ela que ocupa seu espaço e o seu protagonismo; as pessoas atingidas pelas barragens que foram enganadas e negadas os seus direitos também os semterras devido a concentração de terras nas mãoes de poucos enquanto o pobre padece e mendiga um pedaçinho de terra para sua sobrevivencia, também os moradores de rua, os analfabetos e as pessoas simples que não tiveram oportunidade de se qualificar profissionalmente que não tem cargo superior mas lutam para sobreviver


como é o nosso relacionamento, nosso respeito, será que tratamos como tratamos as nossas excelencias? E a nossa juventude? Desempregada, cheia de tatuagem, piercing e outros logo em seguida rotulamos e fazemos varias interpretações deles e delas, criticamos, dizemos que são bardeneiros, irresponsáveis, aí me pergunto, quantas vezes eu parei pra conversar com eles...podemos ficar trazendo muitos outros casos e nos perguntar que sociedade é está que mundo eu estou vivendo e como estou construindo para que seja mais humano? [...]” (Registramos esta fala de uma moradora (em microfone) durante a chegada da procissão de São Pedro na Praça da Igreja. Sábado, Karú, 2015.

- Não, chegamos quinta a noite. Estamos ali na Tia sim. - E o pai de vocês, veio junto? - Dessa vez ele não veio, disse que tava muito frio, viemos dessa vez de ônibus. - E Florianópolis tá muito frio? - Tava bem frio, como há anos não viamos, muito vento, mas não tanto quanto aqui. E o que trazem aqui? - Viemos pra acompanhar a festa de São Pedro e fazer umas visitas e entrevistas para a minha pesquisa, o Leonardo também aproveitou e trouxe umas fotos tiradas da úlitma vez que viemos, com o grupo de idosos. Estão expostas ali na barraca de venda da festa. - Tá certo! Pois é, essa festa tem dado muito grande, muita gente de fora. (...) - E senhor vem pra cidade que dia? - Só quarta. hoje vim por causa da festa. - Não lembro, em que localidade o senhor mora mesmo? - Santo Antonio dos Pinhos, 18km aqui da praça. INSTANTE 2.(MUDAR O NOME DE UMA RUA). PRAÇADIA Como da primeira vez que conversamos, novamente nos fala sobre sua relação com o nosso tio: - Eu e Vavá éramos de grande amizade, sempre vinha tomar chimarrão comigo ali na pastoral, só nos últimos tempos não vinha mais... acredito ficou muito sozinho depois que perdeu muito a audição. Guardo muitas lembranças... foi um grande companheiro de estrada...inclusive no dia que foi velado acho não foi dado o merecido reconhecimento por tudo que ajudou e serviu pra cidade e muita gente daqui. Tinha uma escola lá que falei com um responsável... mas disse que já não dava mais Fico esquecido. Daí eu disse, dá pra homenagar com o nome de alguém, como o Vavá...Pois veja, em Lages tem uma rua que se chama Videira, porque Videira... já tem a cidade, não precisa, podia homenagear uma pessoa... O outro senhor completou: - Até o nome se quiser muda! digo, de gente mesmo! 33


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Fazem parte do coletivo Superflex: Bjørnstjerne Christiansen, Jakob Fenger, and Rasmus Nielsen. Em 1996 desenvolvem um digestor de biogás capaz de atender pequenas comunidades, com o primeiro protótipo desenvolvido na Tanzânia em parceria com a fundação local SURUDE(African organisation of Sustainable Rural Development).O biogás funciona a partir dos dejetos de animais e humanos , misturados 50% com água a partir das bactérias, onde é fermentado por alguns dias até que produz 65% de metano, quando a fermentação cessa as bactérias e possíveis viroses são mortas. O protótipo do SUPERFLEX é capaz de fornecer gás para cozinhar e iluminar pequenas comunidades, como as áreas rurais do Sul da Africa onde desenvolvem o primeiro protótipo. Ler em: www.superflex.net/ acessado em Agosto de 2016.

“Muitas Serrarias no início da década de 1940 eram movidas com “roda d´água” [...] [MACHADO,2004, p.61.] MACHADO, Nélia. São José do Ceua história. 2004, p.

INSTANTE 3 .(SOBRE A BARRAGEM). PRAÇA - DIA Minha irmã, disse que gostaria muito de conversar com Toninho a partir de sua pesquisa [o envelhecimento, os modos de vida, conceito de tempo, sobre cuidado]. - Mas olha, amanhã eu tô por casa! - A gente vai ver com fica porque queremos ir lá na barragem. - De São Roque? Eu trabalhava lá - diz o outro senhor - Isso. A gente vai falar com o Seu Orlando pra ir... O senhor ao lado continua: - É...lá ta uns problema, não tão pagando os terrenos... - Pois é...ouvimos muito sobre as barragens... - A barragem vou dizer pra vocês, é uma desgraça - diz Toninho - e não tem porque, com tanta fonte de energia disponível, solar, vento, gás... porque eles não tiram o hidrogenio da água? Tem um rapaz, que agora tá com depressão inclusive, disse:” meu pai, já falecido fez e toco o motorzinho a água”. O que falta é muito vontade nessas políticas pra fazer isso...Agora a barragem é uma desgraça. As pessoas moraram 50 anos ou mais no local, dai vai deixar e ir pra um lugar estranho... a raíz e a amizade tá tudo ali... - O senhor trabalhou por lá então? perguntamos ao senhor. - Trabalhei uns meses, mas agora eles não pagam... diz tá pra 20 milhões a dívida...não aguentei, daí fui embora... - E isso não vem de agora - sublinhamos - Isso vem de muito tempo, a barragem a gente sabe, tem muita história por trás - diz Toninho -tem outro rapaz com a esposa que alimenta a boca de fogão com o gás que produz... - O Diego? - Isso. Conhece? - Ouvimos falar. Estamos pra ir lá na casa dele. [...] Comentei entre eles que na minha área, das artes, muitos artistas desenvolvem projetos nesse sentido, como Superflex*, que criaram energia a partir de esterco de búfalo, e que ali seria uma boa alternativa devido a criação de animais que muito mantinham. Toninho se interessou. Alguns minutos depois disse que tinha que ir para ajudar com o carro de Santo Antônio dos Pinhos. Novamente convidou para aparecermos em sua casa. Acompanhamos o “benzimento” até o final e fomos almoçar com a tia Rosa em sua casa. 35


INSTANTE 4. (RECOLHER AS FOTOS). CASA PAROQUIAL MANHÃ Segunda-feira, diz que São Pedro “tem a chave do céu”; e decide quando vai chover. Decidiu então que durante sua festa este ano, não choveria, contrariando os outros anos, que sempre chove. Conforme relato de muitos, hoje apareceu o sol. Agendamos com Seu Donizete de ir pela manhã até a praça, onde ocorreu a Festa, para buscar as fotos que foram expostas. Seu Donizete já havia retirado com medo de estragar.Subimos até a segundo piso da casa Paroquial onde ele estava com Padre Lindomar, contabilizando a festa. As fotos estavam ali. Em breve conversa comentamos sobre a quantidade de lixo no chão que vimos no caminho. Haviam poucas lixeiras, mas de modo geral, segundo o que nos disse Padre Lindomar, “não há uma consciência a respeito disso”. Agradecemos, saímos com as fotos e caminhamos até a casa de Dona Zena e Seu Leonel. INSTANTE 5. (JARDIM DE ZENA). CASA DE ZENA E LEONEL - MANHÃ Seguimos a rua central do Cerrito até chegarmos em uma pequena estrada. No final dela, próximo aonde passa o rio Antunes, fica a casa de Dona Zena e Leonel. Abrimos um portão e atravessamos um grande gramado até a pequena casa azul. Logo no portão da casa vimos muitas flores e algumas plantas medicinais, Dona Zena aparece e nos convida para entrar.

Fotografia: Manhã pelas ruas do Cerrito em decoração. Karú, 2015

Relatou Leonel que antigamente um menino começava a trabalhar com nove anos ou até antes, já ganhava uma “machadinha” e ia pra roça, de modo que aos 15 já sabia do “valor da terra”, do trabalho e do dinheiro.Enquanto hoje, com a proibição do trabalho para o menor, quando chega aos 18, diz em tom calmo: - você acha que agora ele vai querer trabalhar?

INSTANTE 6. (NAQUELE TEMPO). CASA DE ZENA E LEONEL- MANHÃ Leonel logo chega de fora e nos acompanha sentando-se no sofá com o cuidado dos seus 80 anos. Conversamos sobre a estrada que naquela ocasião estava em obras logo na entrada da estrada à sua casa . Nos disse que por muito entregava o leite que tirava em toda vizinhança, em frascos de vidro, conversamos e em seguida lhe perguntei o que mudara de “lá pra cá”. - Era mais sofrido, era, mas era melhor - disse Leonel 36

Fotografia: Entrada da Casa de Zena e Leonel, maio de 2015. Registro de Elaine Lima.


LEI:

Art. 1º - Fica Instituído o “Dia do RIO ANTUNES”, localizado no perímetro urbano do Município de São José do Cerrito, a ser comemorado no dia 22 de março – dia da água. Trecho da Lei encontrada em regulamentadas. no site da prefeitura de São José do Cerrito, http://www. cerrito.sc.gov.br/ acessado em julho de 2015.

Ressaltou dificuldades diasdahoje para quemdeverão vive ser Art. 2º - Asdas Atividades para nos o dia comemoração

da terra. Quando nos diz que não se pode vender o que se produz, devido a “vista grossa das burocracias”, diz que Art. 3º - Esta entra em vigor na dataede sua publicação. precisa deLei autorização “disso” “daquilo” .Continua olhando pela janela: Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário. -Tá vendo aquele rio ali de trás? (Rio Antunes) Leonel nos contou em outra -Dez pra19ládeeabril dezdemetros ocasião, quando era pequeno e São Josémetros do Cerrito, 2007. prá lá dez metro pra cá não morava com seus pais em Capão podemos mexer, é do governo. Pra ver como é que é...outro Alto (cidade vizinha) que vinha gente de longe trazer gado para o exemplo... seu pai “benzer”: - Plantei muita árvore por aqui e agora não mal podemos -Ia pra lá com os bicho de baixo cortar um galho pra lenha! Para carnear precisa de vacina de uma árvore, fazia a reza com RUY DE AMORIM ORTIZ disso e daquilo,Prefeito nuncaMunicipal precismos disso antes e nunca uma muda de uma planta, não sei se arruda, na hora saia os ninguem passou mal, agora só com esses hormônio, que já é carrapato, hoje se diz ninguém Registrada e publicada presente Lei, tá na tudo data supra. comprovado que aenvenena... assim... acredita, mas naquela época mesmo que não acreditasse, - Pra ti ver uma coisa, que nem a estória que contam de era o que tinha e funcionava... um joalheiro lá pra baixo da serra que tava quase falindo e se funcionava, hoje é essas injeção...diz que não pode inventou um brinco pra por nos novilho, bezerro... daí virou “carnear” dentro de tres dias, moda pendurar e muito fazendeiro, PEDRO MARCOS ORTIZ assim que nasce um mas mesmo, depois eu dúvido da novilho tem que ter o tal brinco! Como se diz, viro moda!. qualidade dessa carne! Sec. Municipal de Planejamento e Administração mas precisava? “Passei na CASAN e o funcionário me informou que nas localidades do interior a água utilizada advém de poço cartesiano e que tanto a Prefeitura, como os próprios moradores providenciaram que cada um pudesse ter seu próprio poço e acrescentou que a CASAN fornece água somente para a “cidade” e que esta vem do Rio Antunes, o rio que corta toda a cidade”. (SILVA, Trechos do Diário de Campo. 02.04.2015)

INSTANTE 7. (NAQUELE TEMPO). CASA DE ZENA E LEONEL- MANHÃ Dona Zena conversava ao lado com minha irmã e nos pergunta se queremos água, Leonel completa: - Tomamos dessa água, não qualquer água, mas uma que vem direto de uma fonte! Dona Zena completa: - Eu que vou buscar, é a mais pura que tem. Nos convidam também para almoçar mas dissemos que nossa tia estava esperando já e que não poderiamos fazer “desfeita”.Nos despedimos não antes de ganharmos um mistura para chá para minha irmã que estava com pedras nos rins e uma blusa de crochê feita pela Zena. Agradecemos ao casal pela acolhimento.Zena diz: - nós que agradecemos e boa sorte com o trabalho bonito de vocês, faz parte da “limpeza” que tanto essa cidade precisa! 37


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O jornal Correio de Lages de 31 de Março de 1927 traz a seguinte nota: “O futuroso distrito do Cerrito já é sem dúvida um dos mais prósperos municípios de Lages. Apesar de não possuir ainda uma sede definitiva, nem agência de correio, felizmente em via de creação, apenas da eterna morosidade da estrada de rodagem que vae cortar de frente a fundo, grande tem sido os seus surtos de progresso, tatno no que diz respeito às coisas materiais como espirituais...” MACHADO, Nélia. São José do Cerrito: Sua gente sua história. 2004.

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O Táxi de Orlando INSTANTE 1. (O TAXISTA). BARRAGEM - TARDE Às 13:30 em ponto, conforme marcado, Seu Orlando buzina em frente à casa de nossa tia. Dia de sol. Nos dirigimos à hidrelétrica São Roque, mais ou menos uns 18 km de São José do Cerrito e seguindo 8 km, de estrada de chão, da BR 282 até sua entrada. No caminho placas em árvores iam nos avisando: “Entrada Proibida”. Continuávamos. Vimos várias árvores derrubadas, empilhadas e apodrecendo. Segundo Seu Orlando, nosso taxista e guia, isso acontece porque o IBAMA não liberou ainda a saída das madeiras. Já na estrada de chão nos contou: “em mais de 20 anos como taxista fiz muitas corridas inclusive, até outros estados, já fui até Minas Gerais com um senhor, fazendeiro grande daqui, que não gostava de avião e não dirigia, iria comprar terra por lá!” Como soubemos logo depois, pelo engenheiro, a hidrelétrica importava madeira de Minas Gerais e ferro de São Paulo. INSTANTE 2. (O FOTÓGRAFO). BARRAGEM - TARDE Quando jovem fora estudar em Curitiba, passou por uns “bocados” até que conheceu um fotógrafo alemão que lhe contratou como intérprete. Acompanhando o fotógrafo alemão durante os finais de semana, aprendeu as técnicas e logo já ia fazer a cobertura fotográfica de alguns eventos sozinho. INSTANTE 3. (O JORNALEIRO). BARRAGEM - TARDE Vimos no banco de trás um montante de jornais que o Orlando distribui pela cidade. Em outros tempos entregava leite também. Disse que é importante fazer circular, participar, atuar para ajudar a cidade. [Algo que percebíamos por onde passávamos, todos conheciam ele].

“Até aproximadamente 1930 as notícias ou informações chegavam somente através de Jornais. [...]Para que os jornais chegassem até os assinantes foi contratato um “estafeta” [correio a cavalo, entregador de correspondências] os quais eram lidos geralmente na cozinha de chão juntamente com os amigos.” MACHADO, Nélia. São José do Cerrito: Sua gente sua história. 2004. p.30

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Interprete? Seu Orlando disse ter “descendência” alemã por parte de pai, italiana, por parte de mãe e “bugre” por parte da avó materna. Aprendeu alemão com a avó.


INSTANTE 4.(VOLTA PRO KARÚ). BARRAGEM - TARDE Continua nos falar que depois de Curitiba foi para Curitibanos/SC onde montou um pequeno estúdio de fotografia, casou, teve filhos. Depois de casado se separou segundo ele por “falatório,” até que resolveu voltar e morar no sítio que ainda tinha no Karú, se “esconder”, em suas palavras. Por pressão” passou o sítio para os filhos, que venderam. “Com o golpe do Collor nas poupanças na época, perderam todo o dinheiro da venda do sítio”. A família culpou Seu Orlando, “eu tava e tô na minha, não tenho nada a ver com isso, quem cuida de mim agora é uma filha que tive fora do casamento [...] Queria que ela aprendesse fotografia, me ajuda bastante, mas não sei se ela quer isso”. INSTANTE 5. (GUARITA). BARRAGEM - TARDE Ao chegarmos fomos informados pelo vigilante da portaria que seria impossível fazer a visita naquele dia. Seu Orlando, conhecia o vigilante (foi o fotógrafo do seu casamento) e convenceu a chamar o responsável. Após inúmeras tentativas de contato pelo vigilante no “walktalk”, o “engenheiro geral responsável”, como disse o rapaz, atendeu e veio até à portaria. Após nos identificarmos, como estudantes da universidade de Florianópolis e sem papel algum, “apenas na conversa”, permitiu que fôssemos no seu carro, já que ele ia fazer uma “ronda” por toda a Hidrelétrica. INSTANTE 6. (MÁQUINA FOTOGRÁFICA). BARRAGEM TARDE Antes de seguirmos Orlando interveio: - O rapaz trouxe uma câmera fotográfica tem problema levar pra tirar umas fotos? O engenheiro acenou que sim. Seu Orlando me acompanhou até o seu táxi vermelho estacionado. Peguei a mochila com a câmera e fui no carro. Orlando disse que esperaria por ali até voltarmos.

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INSTANTE 7 . (ENTRE AS TURBINAS) . BARRAGEM - TARDE Muitos trabalhadores passavam por nós olhando atentamente, nos sentimos intrusos. Perguntamos ao final sobre as condições de trabalho e soubemos que eles trabalham de segunda a quinta durante 9h e na sexta, 8h e sábado, hora-extra. Almoçam e jantam na própria hidrelétrica, onde fica a administração. A comida é terceirizada e dormem em alojamentos disponibilizados pela empresa no município de Vargem. A hidrelétrica tinha um prazo de conclusão de 28 meses, mas devido alguns “percalços”, o engenheiro nos disse que deverão entregar em 30 meses e que nos próximos dias irão contratar mais ou menos 300 trabalhadores. INSTANTE 8 . (NO CARRO) . BARRAGEM - TARDE À medida que íamos descendo, cada vez mais próximos da construção da barragem, após cada curva, avistávamos o rio Canoas. A hidrelétrica localiza-se entre São José do Cerrito e Vargem. Poucas mulheres trabalham entre os 1.200 trabalhadores, alguns são dos municípios próximos, mas a grande maioria vem da região Norte e Nordeste do Brasil. O perigo é iminente, apesar das placas informando a obrigatoriedade de luvas, óculos, capacete (nós também ganhamos um), segundo o engenheiro, considerando outras hidrelétricas em que trabalhou na construção, “até que aqui não tem muito acidente”. Segundo relato de alguns moradores, eles “acabam sabendo” de alguns trabalhadores.

Uno de los recursos favoritos de las políticas seguidas hasta el presente para la desocupación de áreas requiridas o afectadas por Grandes Obras, ha sido la indemnización de los afectados por sus bienes, dejando a cargo de éstos la tarea de reasentarse. El atractivo de esta “solución” reside fundamentalmente en su aparente simplicidad y en la tiembién aparente limitación de las responsabilidades de los ejecutores de un programa para con respecto a la población afectada. Empero, cuando las relocalizaciones adquiren características masivas e impactan severamente sobre los esquemas de subsistencia de los relocalizados, las limitaciones y aún las consecuencias negativas de esta política se tornan evidentes. [...] las indemnizaciones monetarias en muy pocas ocasiones concurren a solucionar el problema habitacional de las personas de escasos recursos. [1983, p.42-43] 44



“A P e sua quena C f nad oz, entr entral H a e pela s 27° 46 os mun idrelétr ‟1 ic form ic ação 6” Sul ípios d a Portão e Sã e 50 dos loca o rese ° 32‟ 33” José do lizar-se rvat O -á C ório s: Sã este. O errito, no rio s C C o Jo sé d municí ampo B aveira s, o Ce p rrito ios que elo do S aproxim ul e terã e La ada La o ges.” m (SIL parte de ges, sen ente 83 VA, do s km s u a 2006 s d u b, p. terras as coo e inun rd 2). dad eas

A Pequena Cent ral Hidrelétrica João Borges loca nicípios de São lizar-se-á no rio José do Cerrito, Caveiras, aproxim Campo Belo do municípios que a Sul e Lages, send terão parte de su o suas coordena as terras inunda Lages.” (SILVA ,20 da das pela formaç 06b, p. 2). ão dos reservat ório

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AP aprox equena C entra imad Cer l a e 50° rito, Cam mente 83 Hidrelétri pela f 32‟ 33” po Belo km de s ca Pinh p. 2). ormaçã Oeste. O do Sul e ua foz, eiro loca en o dos li L s reser municípi ages, sen tre os mu zar-se-á n do su vatór os qu o rio nicíp ios: S a ão Jo e terão pa s coordenios de São Caveiras, sé do rte de adas José d Cerri 2 to e L suas terra 7° 46‟ 16 e ”S si ages.” (SILV nundada ul s A, 20 06b,


Pequena Central Hidrelétrica Itararé localizar-se-á no rio Caveiras aproximadamente 76 km de sua foz, entre os municípios de São José do Cerrito e Lages, sendo suas coordenadas 27° 43‟ 30” Sul e 50° 35‟ 20” Oeste. Os municípios que terão parte de suas terras inundadas pela formação dos reservatórios: São José do Cerrito e Lages.” (SILVA, 2006b, p. 2).

adamente 54 km de sua foz, entre os muas 27° 43‟ 04” Su l e 50° 39‟ 24” Oe ste. Os os: São José do Cerrito, Campo Belo do Sul e

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INSTANTE 9 . (CONHEDOR DAS ESTRADAS) . BARRAGEM NOITE Retornamos até à entrada onde Seu Orlando já nos aguardava. Continuaríamos a “corrida” até Santo Antonio dos Pinhos, na casa de Seu Toninho. Orlando diz que já estivera lá mas não lembrava bem qual era a entrada. Paramos em uma casa e nos indicaram a rua. Estávamos perto. A princípio Orlando não quis entrar, insistimos e com o convite de Toninho, entrou também. Conversamos por mais de uma hora,.Voltamos já era noite. Nosso conhecedor das estradas nos deixou em frente ao portão da casa de nossa tia, quando fomos pagálo, insistiu em não aceitar. Disse que ficaria de igual pra igual, pela companhia “e por aguentarmos as piadas ruins” e por reconhecer o tanto que nossa tia e tio lhe ajudaram quando eram “vizinhos de porta”. Agradecemos pelo dia e nos despedimos. INSTANTE 10 . (CONHEDOR DAS ESTRADAS). BARRAGEM - MANHÃ No outro dia de manhã, nos jornais dispostos na bancada de nossa tia, lemos nas reportagens e imagens, faixas levantadas por moradores afetados pela barragem: “ATINGIDOS EXIGEM PREÇOS JUSTOS NAS TERRAS E PROPRIEDADES E O RECONHECIMENTO DE FILHOS E ARRENDATÁRIOS” ou mesmo, “SOMOS DA PAZ LUTAMOS PELO DIREITO DE VIVER E CRIAR NOSSOS FILHOS”.A

questão das barragens e suas implicações está longe de ser uma novidade nesta região e no Brasil, como em utros países (conforme vimos em nota anteior, no INSTANTE 8) . No planalto catarinense, localidades marcadas pela passagem pela bacia do Rio Canoas e seus afluentes, como o Caveiras, vivenciam há décadas um processo de permanente embate sócio-político e ambiental em relação à construção das barragens e de todas as cicatrizes que decorrem da “marcha” ao progresso .

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Seu Orlando, como fotógrafo em prontidão, se ofereceu para tirarmos essa foto antes de irmos da casa de Toninho. Não queria sair na foto, insistimos, “jogou o boné vermelho no chão” e veio correndo pra segunda foto. Nas fotos, Elaine, Toninho e Orlando.


INSTANTE 11 . (COZINHA DA ROSA). BARRAGEM MANHÃ Estamos em novembro, 7 meses depois de visitarmos a barragem com Orlando. Estávamos novamente na casa da tia Rosa (foto abaixo). Na casa da tia Rosa a cozinha é um espaço de encontros. Recebe visitas quase diariamente, para comprar queijos (que ela “cura” e revende de um parente) ou a visita de vizinhos, amigos, antigos inquilinos, pessoas de longe que já moraram ali e estão de passagem pela cidade. Aqui é também onde começamos o dia e onde acontece muitas conversações e trocas sobre a cidade e seus contornos políticos. E foi numa dessas manhãs que tomávamos café e aparece Maria, uma senhora que veio para “cidade ajeitar umas papeladas de terreno” conforme nos disse. Conversando disse que sua casa foi uma das afetadas pela barragem de São Roque, e que participara das reivindicações que ocorrem desde 2014, conta sobre uma das últimas (reinvidicações) há poucas semanas antes: -”Esávamos em uns 200, era nós, as mulheres com porrete na frente e os homens com foice atrás, os homens viera, mal intencionados, mas não arredamos o pé! O que adianta da 180 mil pra uma família que sempre viveu de sua terra e não sabe fazer outra coisa, com esse montante até consegue compra uma casa boa na cidade, mas vai fazer o que lá? Vai trabalhar no que se só sabe vive da terra? Ainda me disse que faz vídeos e fotos dos barrancos e que o pior é ver os “bichos sem saber pra onde ir”: “Lá em casa aparece todo dia tartagura doente pelos barrancos... dos barrancos não pode nem chegar perto se não despenca (...) tinha árvore de mais de 100 anos que caiu abaixo porque as raiz não tinham mais chão, os pouco pinheiros que tinha, tão apodrecendo! Coisa triste de vê!

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O rio com

Hola amigos! Como estan? Le escribo con muchos recuerdos del tiempo que estibimos en Cali, fue una gran experiencia de afecto y aprendizaje. La excusa para escribir es que en la actualidad escribo un capítulo de mi tesis, que es una cuenta de una ruta, relaciones y acciones en una zona predominantemente rural en el sur de Brasil, donde vivía mi abuelo y hace mucho, indigenas que tampoco son mapeados en la “gran historia”. (uno de ellos es un proyecto balas medicinal que resgata el tiempo en que mi abuelo jugava como regalo a los niños balas de su ventana). Este projecto es de algun modo el retorno a una comprensión más profunda de las relaciones de las personas con este lugar. Esta ciudad es conocida popularmente como Karú, un nombre que era para sustituir el nombre de río, el Río Caveiras (de los cráneos), de acuerdo con el consejo de un monje (Beato) que vivió hace 100 años en esas tierras y afirmava reemplazar el nombre para poner fin a una especie de maldición con el río De este modo, en el primer capítulo que estoy escribiendo empeza desde el río, como una manera de entrar en el sitio y buscar conecer lo que este río mantiene vivo, como fuerza, o sedimentado en sus profundidades, adormecido o oculto. Y me tocó bastante la visita que hicimos con Alfonso hasta el río donde ustedes hicieron el proyecto Canómada. Pude encontrar algunos textos en la red (issu) sobre este proyecto, citando “el viaje”, “el río como metáfora” (con la palabra hermosa de Guimarães Rosa), y la canoa, muy ricos y similar con el pensamiento de que busco jugar, pero, quería saber algunos detalles sobre las actividades y acciones durante el curso así cómo las percepciones, afetos, peculiaridad e historias que ustedes tiveram en esta ruta en un nivel más personal. Por lo tanto, si ustedes podrían enviar algunas palabras (e/ou dibujo, foto, poesía) para resumir esta esperiencia sobre y con el río o incluso las personas que viven cerca de él, yo sería eternamente grato y feliz en esta troca para incluirlos en esta trayectoria que pertenece de alguna manera también a vos y, que en breve puderei compartir. Gran abrazo! Leonardo (Me disculpo por mi pobre español)

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Compõe o coletivo DSK: Alfonso Valencia, Diana Torres, Florencia Mora, Gonzalo González. Jaes Caicedo e Viviana Guarnizo,

(Cali -

Enquanto escrevia sobre o rio, nas relações entre registros, conversas com mordaores do Karú e outras literaturas me vi conectado com a experiência do coletivo colombiano Descarrilhados em projeto chamado Canómada. Um percurso que tomaram em uma canoa ao longo do Rio Cauca durante de 41 dias, como proposta para o “41 salão nacional de arte” em Cali (COL) . Em ocasião de um congresso em 2015 (apresentamos um artigo...) tivemos o privilégio de estar em Cali e ficamos a maior parte hospedados por dois membros deste coletivo, (que conhecemos a dois anos atrás.)


mo ponte

- Karú)

Nos últimos dias de nossa passagem, acompanhamos Alfonso (amigo membro do Coletivo DSK) que nos levou até a localidade ribeirinha de Hormiguero. Durante essa visita conhecemos as pessoas que participaram deste projeto. Percebemos que essa visita era também um reencontro com os moradores que realizaram esta travessia.Algo se processava, fruto da propostas deles com o Canómada, para além do que acessamos enquanto leitor. Assim, resolvi escrever esta carta para compartilhar esta pesquisa com eles.

Hola Leonardo, un abrazo cálido y muchos cariños para ustedes allá en la Tierra Grande de Brasil...! De mi parte te hago llegar el documento que tiene el proyecto completo, http://colectivodescarrilados.blogspot.com.br/p/canomada.html y ya los otros compañeros podrán enviarte otras cosas que ellos tengan. Saludos para todos ustedes...! Jaes hizo su trabajo de grado en artes, con un tema muy hermoso, que también tiene que ver con el río y con su padre. Seguramente él te escribirá comentándote. Claro...Guimaraes Rosa con su tercera orilla, es muy inspirador!! Me encanta! Florencia Mora Buena noche Leonardo. Gracias por escribirnos. De la experiencia en el proyecto Canómada puedo decirte que fue enriquecedor, encontrarnos seres maravillosos durante el viaje, traspasó los límites del proyecto. Residir, habitar, recorrer, comunicar e intercambiar saberes fueron ejes primordiales. Movernos sobre el río, al tiempo que presenciamos canciones o acciones por parte de algunos artistas invitados -para mi- fue muy bello. Compartir ejercicios en cada llegada o vereda visitada dieron al proyecto un matíz interesante, movilizar la canoa por la ciudad fue una idea muy atractiva para el transeúnte y poder mostrar -en el lugar expositivo-gran parte de la riqueza pedagógico, artístico, cultural de la comunidad del Hormiguero reafirmó algunos conceptos de propuestas que dialogan con el otro y lo otro. No sé si sea necesario hablar de mi proyecto de grado, si lo consideras puedo enviarte información. Un abrazo y saludos a tod@s. Hola Leo! aquí hay un corto de una parte del proyecto https://youtu.be/A6McbKgrxFw Hola Leonardo. Me alegra ver tu trabajo sobre el rio. éxito!!! y te deseo que sigas celebrando! Alfonso Qué bueno por tu tesis y qué bueno que el trabajo de DESCARRILADOS pueda ayudar un poco en la tesis. Congratulaciones desde ya y cuenta con nosotros para cualquier cosa que sea necesaria... Abrazos, Gonza 51


Acción de nave habitar-indic ir de

El río es tan efímero como el arte, nada puede permanecer en él,más que él mismo.En su superficie no se marcan las huellasde los que ya pasron. El río tan solo indica un rastro que se borra antes de que se pueda señalar. La tierra, el asfalto y las vías férreas, sueñan con la permanencia. El río es, sólo si cambia.

Fotografia: montagem a partir dos registros e textos escritos do Coletivo Descarrilados sobre suas experiencias com o projeto Canomade. 2009.

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egar- intercambiar car-relacionar e viaje. Buscamos intercambios entre las comunidades que circundan el río para cargar un baúl de objetos, llevar correos de un lugar a otro, ofrecer talleres de creación gráfica y recrear la poética del río.

Viajar en la gruta de un árbol que reposa tranquila en el agua, buscando un lugar para conocer. Contaremos el camino del río Cauca, pero nada se compara con el camino mismo,¿Camino? ¡No! En el agua solo se puede ir,no regresar…No es un camino, es un devenir. Acontece.

A partir dos escritos compartilhaddos pelo Coletivo Descarrilados percebemos que, como Karú, Cali faz alusão o nome que se dava a região e a um rio ao sul da cidade ou a um dos povoados indo americanos. Cali, semelhante a altitude de Karú é localizada a cerca de 900 metros acima do mar.É uma das cidades mais antigas da América, fundada em 1536. Entre outras prováveis hipoteses é que seu nome venha da palavra azteca, calli, ou seja, casa. Cali também dá nome a um rio, o rio Cali. Este nasce a 2100 metros do nível do mar e desagua na cidade. O rio que corre na vizinhança do Hormiguero é o Cauca, ou caucayaco nome também tem raiz indigena para dizer que "manso". Ler em: https://issuu.com/gonzabar/docs/canomada, acessado em Setembro de 2016. 53


chu (ou) encon o 54

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uva vir ntro rio

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(ou)vir o rio INSTANTE 1.(CAFÉ DA MANHÃ).CASA DE TIA ROSA - MANHÃ Acordamos cedo. Fazia frio e da janela do quarto dava pra acompanhar a serração se diluindo nas ruas ainda vazias. Descemos as escadas e tomamos o café com Tia Rosa que ao ver que já estávamos na mesa se desculpava por ter acordado tarde. Era 08h30. (Por causa da insônia e medicamentos que toma, costumou dormir tarde, geralmente fazendo pães, biscoitos ou acompanhando TV.) Pela janela, logo ao levantar o tempo se fazia nublado, no dia anterior a chuva fora forte, mas resolvemos arriscar e tomar a estrada que percorre cerca de 15km até o Passo dos Fernandes.

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“Quanto aos passos, estes se caracterizam por locais mais propícios para travessia de rios, tanto por pedestres quanto por rebanhos. Alguns destes sítios são usados até hoje pelos moradores locais. (...) Apesar de ser um “Caminho” importante para levar as tropas de animais, a região sul não tinha riquezas minerais como a região sudeste e centro-oeste, que precisavam escoar ouro, diamante e pedras preciosas para as áreas portuárias. Para tanto, necessitavam de estradas transitáveis. A exploração desses recursos foi responsável por impulsionar a economia colonial e fazer com que a Coroa investisse na construção e na melhoria das redes viárias de escoamento dos locais das jazidas para os portos, por onde o produto interno era remetido para a Europa. Dentro desse contexto, a região sul desempenhou um papel periférico na economia brasileira: fornecedora dos meios de transporte e alimentos para a região mineradora, mas não fonte de exploração, onde realmente haveria investimentos. Todos esses fatores contribuíram para que a região sul fosse tardiamente “ocupada” e “colonizada”, e para que o “Caminho” não tivesse investimentos reais.” HERBERTS, Ana Lucia, Arqueologia do Caminho das Tropas: estudo das estruturasviárias remanescentes entre os rios Pelotas e Canoas;Tese apresentada em História Porto Alegre: PUC/RS, 2009. (aspas nossas ao longo do texto)

INSTANTE 2.(À CAMINHO DO PASSO).BR 282 - MANHÃ Nosso trajeto iniciava pela saída sul da Anacleto para a BR 282, depois, tomamos uma estrada de chão e cascalho que leva até o Passo. É a mesma estrada que seguindo poucos metros, ao lado esquerdo, avistamos a casa de Dona Beth e de Seu Maurício. Comentamos no carro que na volta faríamos uma visita. Em menos de meia hora estávamos estacionando próximo ao inicio da ponte. A ponte leva o nome da localidade. Passo dos Fernandes delimita uma das passagens e fronteira com Lages onde o rio era atravessado em outros tempos pelos “caminhos das tropas” que traziam homens (bandeirantes), gado e mulas de Rio Grande do Sul à São Paulo. Nesta margem do rio uma ponte de madeira se estende sob as águas do Rio Caveiras, a ponte do Passo. Por ser também um dos pontos onde o Caveiras cai em cascatas, é um lugar bastante visitado. Meu pai levara sua câmera, como de costume, e eu começava a juntar equipamentos que trazia especialmente para a ocasião: INSTANTE 3. (VOZ DO RIO). PONTE DO PASSO - MANHÃ Um gravador portátil, um tripé, um microfone,pedestal fones de ouvido. Me movi com tudo isso pela ponte até chegar ao meio dela.Apesar de não ter nenhuma proteção lateral a ponte do passo parecia firme (pelo menos aos pés). Entre o encaixe das das longas tábuas, a sombra do sol corria as águas do rio em velocidade. Ao caminhar se via madeiras já nitidamente desgastadas pela ação do tempo e outras de uma recente reforma. Meu pai me lembrava que era uma ponte bem antiga e que não fora uma ou duas vezes que carros ali se perdiam e outras histórias do tipo. Daquele tempo até sua condição atual, ainda em madeira de largas tábuas e troncos, fora reforçada segundo contam, apenas algumas poucas vezes, com reforços para a passagem de carro e caminhão.

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INSTANTE 4 . (TRAVESSIA). PONTE DO PASSO - MANHÃ Quando já estavávamos na ponte registrando os primeiros minutos do rio, o dia se abriu com forte sol. Os casacos ficaram de lado.Foi como um sinal verde para que continuássemos ali com a gravação. Meu pai me acompanhava registrando todos os angulos. Como havia chovido forte nos últimos dias, a abertura do sol em pouco tempo fez muitos trechos de estrada secar, assim, a travessia era mais segura na ponte. Em cerca de meia hora, uns cinco carros surgiam de uma ponta a outra para a travessia. Segurando os microfones me movia até a beiradada ponte, para que os carros passassem. Uma caminhonete quase me obrigou a sair mas consegui ficar por um triz na beira da ponte e ele conseguiu passar. Estes que passavam, ao perceber a situação diminuíam a velocidade, já era de costume passar devagar devido as condições da ponte. INSTANTE 5.(MOTOQUEIRO).PONTE DO PASSO - MANHÃ Alguns acenavam ou cumprimentavam com um bom dia, outros permaneciam com seu rumo, certamente intrigados com o que estava acontecendo por ali. Num desses movimentos, um motoqueiro ao fazer a travessia, cumprimentou e ao invés de continuar parou com a motocicleta ainda ligada e comentou bem humorado: “Vai sair uma reportagem para construir uma ponte nova então?” [rimos]. Disse para ele que estava apenas gravando o rio. “A bom...”, respondeu e continuou: “Conhece a agropecuária na frente da Igreja no centro do Cerrito? Trabalho lá, passa lá qualquer dia pra tomar um chimarrão.” Saiu pela ponte com duas breves buzinadas . INSTANTE 6. (ESCUTA) . PONTE DO PASSO - MANHÃ Continuamos a gravação e escuta. Passei os fones para meu pai ouvir e ele ficou alguns minutos acompanhando o fluxo do rio pelos fones. Recomendei que não falássemos enquanto estivéssemos na ponte. Permancemos ali por mais de uma hora com as gravações para compensar as “interrupções” dos carros. A presença do rio e deste lugar é de impressionar. Segundo lemos, enquanto as margens dos rios era habitada pelos indigenas Tupi Guarani , o interior das matas era habitado pelos Kaigangs e Xokleng (hoje bastante reduzidos). Relatos descrevem que muito antes da presença europeía estes vivam em conflito. 58


Notícia de Agosto de 2016. , 8 meses depois deste registro: “A ponte sobre o Rio Caveiras, de Passo dos Fernandes, na divisa entre Lages e São José do Cerrito foi interditada pela Patrulha Rural da PM.Sua travessia oferece riscos, pois a madeira está podre e pode ceder a qualquer momento. A ponte foi totalmente reformada em 2013 em uma ação conjunta de Lages e o Cerrito. Estava interditada até então. O problema ocorrido agora foi excesso de peso dos caminhões carregados de pinus que trafegam por lá. Alguns com mais de 60 toneladas.Segundo a prefeitura, a ponte estava em perfeitas condições, mas os caminhões com excesso de peso passaram por lá sem o mínimo cuidado. Ler em: http://www.olivetesalmoria. com.br/inicio/13794-pontedo-passo-dos-fernandes-foiinterditada.html acessado em agosto de 2016

INSTANTE 7. (CALÊNDULA).CASA DE BETH E MAURÍCIO MANHÃ Tomamos o caminho de volta com o sol de quase meio-dia, paramos na casa de Seu Maurício e Dona Beth. O casal vivem juntos a mais de 60 anos.Maurício estava “lá pra cima”. “Assim que o sol saiu resolveu aproveitar para cuidar da horta” disse Beth, que nos recebeu no portão e chamou para dentro da casa. Seus 10 filhos e netos, moram todos em outras cidades (na cidade vizinha de Lages, São Paulo, Curitiba, Florianópolis) os visitam com frequência, mas naquele dia estavam só os dois. Beth preparava um sabonete de calêndula para cuidar de uma infecção da pele e falou também sobre os benefícios do Ipê Roxo. Ao demonstrar interesse me emprestou um livro de plantas medicinais. Logo Maurício aparece, diz que aproveitou a saída do sol para cuidar da horta e da limpeza do galpão. Conversamos sobre como eram as plantações antigamente, os primeiros habitantes do Cerrito, até me trouxe seu velho violão e cantou. Deixei também algumas sementes de feijão crioulo com Maurício que havia ganhado na Colômbia.Nos despedimos e retornamos para a cidade. 59


10 minutos

A noite, já em casa, na tia Rosa, copiava os arquivos do dia no quarto antes de ir dormir. Com os fones, coloquei o “rio para tocar” e naquele instante tomei conta da estranha capacidade de “eternizar” o movimento do rio. Mesmo deslocado kilômetros, mesmo sem vê-lo mover, como fora pela manhã no passo dos Fernandes, ele estava ali. Semelhante aos registro da fotografia, o registro de aúdio, nos dá essa capacidade trazer de trazer de volta ao mundo, algo que só existiria armazenado em algum canto obscuro da experiência subjetiva, aquilo que confiamos à memória, um espaço a ser (re)criado como fragmento. O que damos o nome de “lembrança” não é um botão “tocar” nem um botão“retroceder”, é possivelmente uma outra coisa. E assim, de alguma maneira, aqueles minutos registrados do rio pareciam revelar uma presença, um peso e movimento, embora o que acontecia nos fones fosse também sutil, estava ali não somente o instante medido em “minutos” (proporção abstrata para um rio) mas todo o tempo anterior e posterior ao registro, já que destes não sabemos ou saberemos.

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de rio

No entanto, se colocássemos “10 minutos de Rio” repetindo em sequência (loop), saberíamos que algo estaria errado naquela continuidade, aos poucos reconheceríamos as mais sutis semelhanças e ao repetí-las, pensaríamos, “já ouvi isso antes”. A diferença era que na noite anterior não tinha o rio. Agora estava registrado, o rio daquele instante, daquela manhã. Outro dia, outro rio. Mas a ponte, no seu uso continuava a mesma, talvez sem que percebêssemos, as madeiras envelheciam e se adaptavam, ao seu modo, a cada passagem dos viajantes. De tudo que me passa agora com o rio, as palavras do motoqueiro é o que parece transbordar. O fato de estar ali com aquele “aparato” por mais que desejasse não ser interrompido, ter uma gravação “limpa” do rio, percebi que não há como reivindicarmos neutralidade em espaços abertos, onde pulsa a vida, enquanto performatizava “minha escuta” a passagem do motoqueiro foi como que um corte de cena, do “silêncio” que vivia no fone chamando para uma realidade que não era minha, e curiosamente, talvez ele tenha pensado o mesmo. 61


INSTANTE 1 .(SEU NILDO) . AGROPECUÁRIA - MANHÃ Quase um ano depois daquela manhã sobre a ponte do Passo dos Fernandes, voltando da Rádio saí em busca do “motoqueiro”- já que as outras vindas sempre me levaram para outros lugares e situações. Entrei na agropecuária. No final do corredor entre prateleiras, um senhor de óculos, no balcão do caixa. Antes de chegar até ele, outro rapaz interveio: - Procurando algo amigo? - Procuro um rapaz que trabalha ou trabalhou por aqui. Enquanto respondia reconheci que o senhor do balcão lembrava muito o motoqueiro daquela manhã e este falou: - Na ponte? faz um tempo né... acho que sou eu! Eu lembro que perguntei se ia sair uma ponte nova e tu disse que tava medindo o som do rio! [rimos] - E o que o senhor pensou naquele dia quando me viu na ponte? -Na hora que eu vi ali eu achei que voce ia medir a ponte, será que tão querendo fazer um projeto aí... pra fazer uma ponte de concreto, uma ponte melhor, que a ponte tava ruim... - E o rio passa perto de sua casa? - perguntei. - Ali onde tava medindo o som da água? -É, ali é o Caveiras não é? - É, o Caveiras. E nos fundos da minha propriedade passa um rio também... lá nos fomos atingidos pela PCH João Borges, inclusive o alagado sobe até no terreno da gente, dali onde você tava (no passo) uns 2km pra baixo. - E alagou muito? - Nosso terreno ali, de toda família nossa, não só o meu... entre a área alagada e a área de “APP“ que eles chamam sabe? “Área de preservação permanente” foi 44 hectares, a gente não queria vender, mas hoje, não tem não querer né... - Daí foi vendido? -Foi...desapropriaram né... pagaram [se arrasta no tom da palavra] mais ou menos o valor real...a gente não sabe vender mas...não tem como, as coisas são assim...dizem, é preciso pra gerar energia e tal...

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Voltamos a conversar e Nildo me disse o meu pai dele era dali (perto do Passo) : “eu vim pra cá com 13 anos estuda dai ficava entre aqui e lá, e continuo, tenho um terreninho lá, não é muito grande mais, a gente cria também, um pouco de vaca...inclusive aquele dia que nos encontramos tinha ido atender de um bezerro que nascia, porque quem conhece sabe do que eles precisam né: aquele veio meio assim e ficamos 3 dias pra ele melhorar dái no dia que nos encontramos ja tava dando pulinho! (...)porque...o que o verão dá o inverno tira...não tem o que o bicho comer...o meu filho é veterinário, eu só apenas técnico, mas a gente tem conhecimento, uma vaca precisa de 10% do peso dela em massa verde por dia...e nessas condição a gente não vai encontrar isso ai...Dá trabalho, dá serviço. chega lá e elas só de escuta o ronco da moto vem tudo atrás da gente, dai ficam 2h lá comendo a aveia (pasto)(...)em 1, 2 de novembro tem a última geada tem um ditado, “a geada de todos os santos “(...)Nós temos outro problema lá, as capivara que come as lavoura e o próprio javali que ta se criando no mato...pra matar só se você se credencia, ir atrás do meio ambiente e tal, se regulariza, fazer curso, tirar...daí voce consegue caçar, só que a capivara não...dai voce chega lá, 50, 60 capivara passa lá nas lavoura e dão um prejuizo grande pra gente! Mas não pode mata né!

Fotografia: Chimarrão no balcão da agropecuária do Seu Nildo: Tenho loja desde 94, não tem jeito de errar, porque abri um dia depois que o Brasil foi tetra-campeão”.


INSTANTE 2 . (FILÉ DO TERRENO) . AGROPECUÁRIA - MANHÃ -Me falaram que a terra mais fértil é essa a margem do rio não é? - Justamente! as melhores terras são da encosta, mais a par do rio. São as terras...mais férteis...mais em matéria orgânica, e normalmente alaga como se fosse falar...o filé do terreno! A parte melhor! A gente não ia vender...Pelo menos não fomos atingidos nas casas... tem barragens que as propriedades sobe tudo... a água. Com a gente foi mais nos fundos do terreno. -Isso faz quanto tempo? - Vou chutar... entre 2 e 3 anos. - E tá daquele jeito ainda a ponte? - É...dá de passar...passa caminhão pesado, só que...o intuito da gente que mora lá é que saísse uma ponte melhor né...que não tenha perigo. Outro senhor que estava na loja pergunta: A ponte do passo? - Nildo inclui ele na conversa: - Pois é! eu passei lá um dia e ele tava com um... pensei, “o que esse rapaz tá fazendo?”, passei e disse, “vai saí uma ponte nova, tão fazendo levantamento?”, “Não, nós estamos gravando o som da água”. Pensei: gravando o som da água? (risos), dai falei “Ó se um dia for no Cerrito tenho loja lá e assim e assim, vai lá, tomar um chimarrão”. Daí hoje ele entrou, começou a falar e lembramos. O telefone toca e continuo a conversar com o outro senhor.

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