[Caderno III ] homem forte

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Inserimo-nos na Terra como estrangeiros por meio do nascimento e somos acolhidos à familiaridade por aqueles que nos esperam, mas no mundo propriamente humano, dirá Arendt em “A condição humana”, ingressamos apenas mediante palavras e atos, em uma espécie de segundo nascimento, por meio do qual confirmamos e assumimos nosso aparecimento físico original e ao mesmo tempo fazemos do mundo a nossa casa, ou sentimo-nos em casa no mundo – engajar-se politicamente por meio da ação e do discurso significa nascer para o mundo. Natalidade e amor mundi: sobre a relação entre educação e política em Hannah Arendt In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p. 811-822, set./dez. 2010

Capa: Brasas durante encontro “em torno da fogueira”no aterro da Baía Sul, Ilha julho de 2015.


Como disse Rosa, a minha tia - quando lhe perguntei sobre o homem forte do Karú: “Ah! tem muita mulher que vale mais que dez homens!” O sentido de “homem” - se é que existe ou existirá um - se liquefaz aqui enquanto afirmação de gênero ou mesmo enquanto pretensão de retomar ou eleger algum arquétipo totalizante ou nostalgia de outros tempos. Com o uso da palavra “homem”, procuramos nos referir a todos àqueles que vivem na terra e contribuem para o que elegemos como humanidade. Se pudéssemos descrever brevemente o que até agora absorvemos diríamos que, com os percursos desta pesquisa, fica cada vez mais nítida a hipótese de que nós, seres humanos, nos construímos a partir de nossas relações. Isto tampouco encontra ou encontrará definição nesta pesquisa, muito há de ser digerido dentro e fora dela, a compreensão que apresentamos é temporária e inerente da disposição em que nos colocamos - talvez tudo isso nos encaminhe para o que ainda não compreendemos de imediato.Se anteriormente citamos que “homem” vem de “humus”, aquilo que é fértil, é porque da fertilidade é que vem a sua força, como lemos na poesia chinesa a imagem do bamboo, firme sem ser pesado, resistente por flexibilidade não por rigidez, assim compreendemos, o homem não está em si, e sim nas suas relações. Podemos nos aproximar do Karú do homem forte como aquele que exercita a criatividade, que é também uma relação [um exercício de relações] de sua imaginação, de suas experiências, projetando-se no seu fazer, para assim saber pisar desta ou de outra maneira nos ambientes em que vive. Como nos disse Kafka em célebre frase: “No embate entre você e o mundo, prefira o mundo”. Assim, o homem está e se faz no mundo e o mundo nele também está por fazer. De certa maneira o mundo é aquilo que o homem exercita nas mais plurais condições de sua humanidade - daquilo que cultiva, absorve ou deixa passar, do que sabe trazer para si e do que sabe partilhar. Em brevidade, de tudo que mantém vivo e vivo lhe mantém. Das poucas certezas, somos partes de um todo, desta humanidade de mulheres e homens, condicionados e condicionantes à certas escolhas, certos modos de ser. Uma humanidade onde todos passam. Vivemos e compartilhamos nossas passagens enquanto crianças, jovens e, com muita sorte, chegamos à velhice. Em essência, continuamos a viver todas essas passagens de alguma forma, à medida em que pensamos, agimos.

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Da prática com as Tocatas 8. Laboratório de Criatividade 18. As balas do Vô João 28. Receita bala João Maria 40. Aos cuidados do Maurício 42. Homeopata 44. Agradecimentos 62.



Para se fazer uma idéia verdadeira da herança entre os antigos não é necessário pensar em uma fortuna que passa de mão em mão. A fortuna é imóvel, como o fogo sagrado e o túmulo aos quais está unida. O homem é que passa. COULANGES, Fustel, A Cidade Antiga, Trad. F. Ozanam Pessoa de Barros, 2006, disponível em: http://www. ebooksbrasil.org/adobeebook/cidadeantiga.pdf

“O inverno no planalto paralisa tudo: A natureza hiberna, a vegetação decídua esgalha-se nua de folhas, os campos amarelecem, o gado se refugia nos matos e capões, e as plantações tardias morrem sob as geadas fortes e precoces e até o próprio homem, restringida a sua atividade na lavoura e no pastoreio passa a maior parte do dia em torno do fogo acesso no chão da cozinha.”p.36


Da prática com as Tocatas Como li no começo de algum livro (que agora não me recordo): “tenho a impressão de que tudo que escrevo soa sempre como uma introdução que introduz a algo que não tem fim”. Isso parece acontecer aqui. Ao relatar o percurso desta pesquisa fui compreendendo o percurso como uma espécie de continuidade [ou descontintuidade] de sementes plantadas, umas que ainda crescem lentamente, outras floresceram e estenderam suas copas para servir agora de abrigo, facilitando caminhos, as vezes à sombra, as vezes ao sol. Um sol que faz sombreados certamente diferentes de onde resido, na Ilha, daqueles das ruas e casas do Karú, mas é o mesmo sol. No exercício de identificar os ”frutos pelas folhas“ resolvi voltar aos escritos apresentados há três anos e percebi que muitas das questões lá assinaladas também não encontraram repouso. Mesmo depois de “engavetadas” as palavras que ganharam sentido naquele contexto e objetivo - uma escrita sobre as Tocatas Abertas - de encontros musicais informais que logo reuniu um coletivo de estudantes, dispostos a vivenciar um estado de arte - de um fazer juntos que abrigasse as diferenças. Escrevíamos há alguns anos sobre como esta prática, articulada através da música, reuniu pessoas de diferentes campos, que compartilhavam um desejo em comum - o ato de fazer música - vivenciado sobre o que chamaríamos na ocasião (e ainda continuamos) como Tocatas Abertas.O que percebemos, em maior ou menor profundidade, não era apenas o ato de fazer música em si, mas o fato de isto abrir a possibilidade de nos reunirmos em torno de “algo” ou “alguma coisa”, neste caso, um fazer musical que explorava a improvisação, como um exercício de (re)descobrir formas intuitivas de se fazer música. A receita parecia, e era mesmo simples, reunir pessoas em uma roda, disponibilizar alguns instrumentos e tocar. Os instrumentos, a maioria percussivos - muitos deles feitos por nós em cerâmica - mas também de corda e mais tarde com atenção a voz - nosso primeiro instrumento.

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O resultado nunca fora o que nos movia - não quer dizer que não havia interesses específicos, pessoais, estritamente musicais - no entanto, percebemos que era no estar e fazer de um espaço-tempo compartilhado, nos víamos novamente reunidos. Musicalmente poderia ser de uma simplicidade declarada em termos de “forma”, mas ganhava outras camadas enquanto um ambiente de prática social. Onde o corpo pudesse se manifestar nos estímulos, por movimento do campo sonoro, mas sobretudo, ao nível das relações interpessoais, as quais se formavam também como as melodias e ritmos. Uma impressão que compartilhávamos antes de colocarmos em palavras naquele momento é que através destes eventos, as Tocatas Abertas, despíamos de nossas “cascas” para entrar em consonância ou dissonância com o outro , este outro, que sabíamos ser um outro singular, mas que naquela situação, de mescla de subjetividades, nos identificávamos como um “nós” musical (ou nós musicais). As práticas das tocatas ofereceram esta possibilidade, de reinventar as subjetividades de cada um e também da coletivo de pessoas que ali desapontava. Já que o espaço-tempo da Tocatas se movia justamente pelas diferenças de cada um. Brevemente estes foram os fios condutores que conduziram [e conduzem] a pesquisa sobre as Tocatas como uma prática que tão bem sinalizava os pensamentos ampliados às práticas colaborativas em arte: primeiramente porque serviam à necessidade de criar brechas espaço-temporais no cotidiano, proporcionando uma experiência ativada pela presença e por uma atividade comum, que se dava na duração, do “aqui e agora”. Como no seguinte trecho: A dificuldade de cultivar o tempo por meio de relações e cultivar relações em um dado tempo é uma condição permanente para que a experiência nos aconteça, diria (BONDIA,2002), expor-se para que a experiência aconteça. Mas, expor-se em que sentido de exposição? Uma resposta seria abrir mão de suas próprias certezas, o que no campo da prática artística pode significar uma abertura para outras possibilidades criativas que não estão localizadas dentro de um sentido restrito, seja intelectual, teórico ou prático. Este horizonte ampliado dos fazeres artísticos são o que permitem (BONDIA,2002) vislumbrar a transição do paradigma teoria/prática para o paradigma da experiência como formação subjetiva capaz de atender as necessidades de nosso tempo. Situações como as das Tocatas Abertas, de comunhão, onde pessoas reúnem-se em torno de desejos em comum, correspondem cada vez mais a algo do âmbito do “extraordinário” do que do “espontâneo”. Precisamos sempre de um motivo maior, de justificativas, de datas especiais para que algo fora de uma continuidade programada aconteça. Isto demonstra tamanho distanciamento, que podemos considerar que qualquer encontro que não envolva diretamente uma ordem, seja econômica ou social, são cada vez mais raros de serem ativados cultivados, ao ponto de que somente a sua realização configura-se como um ato de resistência (...). 9


A escolha por está prática e não outra se deu não apenas por um A pesquisa que nos interesse à linguagem e o fazer musical e do possível diálogo referimos [e trecho] da anterior faz parte com o contexto das “artes visuais”, mas porque o fazer musical pagina dos escritos: Tocatas evidenciava a busca por este ato de “fazer juntos”, o qual no Abertas: um percursso de mínimo, serviu como o embrião na formação de diversos desejos compartilhados, coletivos no contexto da universidade que se desdobraram monografia para de graduação e agregaram contextos e pessoas por meio desta e de outras obtenção em Artes Visuais (Bach) atividades que partiam do campo das artes. Buscávamos com orientação do compreender como pensamento de uma prática semeada a José Luiz Kinceler, partir do encontro, do convívio, que em primeiro (ou último apresentada em 2013 a grau) procuravam reinventar, não a palavra ou conceito “Arte”, [CEART/UDESC]. citação correspondente mas talvez, o sentido que antecede seu próprio conceito e ao trecho citado: uso.Essa busca nos parece muito similar com a leitura de um BONDÍA, L.Jorge. Notas trecho de Christopher Small [1927-2011] enquanto discorre sobre a experiência e o um breve parágrafo “sobre o que é a música”. Como sugestão, saber de experiência. arriscaremos ler colocando a palavra “arte” quando ele diz In: Revista Brasileira de Educação São Paulo/ “música”, assim propomos a leitura: SP: Univ. Estadual de Campinhas, 2002.

Creio que a (arte) não é coisa e sim atividade, é algo que nos faz. A coisa aparente chamada (arte) desaparece no momento em que se olha um pouco mais cuidadosamente. Então fazer a pergunta o que a (arte)? É fazer uma pergunta que não tem resposta possível. Os eruditos da (arte) ocidental, pelo menos, parecem ter intuído que as coisas são assim, mas em lugar de dirigir sua atenção sobre a atividade que é a (arte) tem mantido um processo de supressão mediante qual a palavra (arte) se identifica com obras de (arte), assim a pergunta “Qual é o significado da (arte)?” se transforma em “qual é o significado desta obra, ou estas obras, de arte?” o qual é muito mais “[O fazer musical como] manejável, ainda que não seja a mesma pergunta.

Pensamento semelhante quando lemos com Jorge Larrosa Bondía quando nos diz em entrevista: “A vida não é uma prática, como o amor não é uma prática, como uma viagem não é uma prática, como a leitura não é uma prática (...) essas coisas tem a ver com a experiência, mais próximas da vida e da existência”. A“prática” das tocatas, não era mero exercício e assim fomos aos poucos compreendendo como um possível modelo a ser experienciado como uma forma sutil de nos fazer conhecer, tensionando e encontrando nos espaços que se abriam. Estar em si com o outro e estar no outro em si .

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encontro entre seres humanos que se dá através do meio sonoro organizado de maneiras específicas. Como todos os encontros humanos, ele acontece em uma conjuntura física e social, e estas, também, devem ser levadas em consideração quando perguntamos quais significados estão sendo gerados pela performance.” (SMALL, 1998, p. 10) .


Encontramos semelhança também no que descreve Reinaldo Laddaga: (...) “em nome da vontade de articular a produção de imagens, textos ou sons e a exploração das formas de vida em comum, renunciam à produção de obras de arte ou ao tipo de repúdio que se materializava nas realizações mais comuns das últimas vanguardas, para iniciar ou intensificar processos abertos de conversação (de improvisação) que envolvam nãoartistas, durante longos períodos de tempo, em espaços definidos, onde a produção estética se associe ao desenvolvimento de organizações destinadas a modificar estados de coisas em tal ou qual espaço, e que apontem para a constituição de ‘formas artificiais de vida social’, modos experimentais de coexistência.” [LADDAGA, 2012, p. 27 – 28]

Como todo convívio supõe diferenças partilhadas as Tocatas moldavam e geravam tensões, pelo estar e pelo fazer, ativadas por descontinuidades em um processo criativo compartilhado por meio de encontros que se desdobrariam na criação de um grupo, que a longo prazo tornou-se um coletivo, afinados por um convívio a longo prazo. nas maneiras de fazer com a Tocata, sem pretensões de gerar uma obra ou objeto, dispensavam quaisquer necessidades de afirmar alguma espécie de autoria. Por essas linhas, pensávamos a prática das Tocatas enquanto uma forma de praticar o espaço com o tempo e o tempo com o espaço por meio de relações mais solidárias do que autorais, que se davam em uma duração específica, estendida no cotidiano. Logo as tocatas se tornaram um dispositivo costurando-se em outras propostas e ações em espaço público. Naquele momento ao escrevermos sobre o que se dava com as Tocatas, enquanto processo de subjetividade, encontramos descrições generosas de Hélio Oiticica [1937-1980] em um texto que fala sobre como o ato de “dançar” transfigurou a sua prática artística, a qual nos oferece uma leitura singular de como o objeto-arte é atravessado ou mesmo consumido por outras relações, em que artista-espectador se complexificam a tal ponto de se tornarem quase irrelevantes. Naquele momento lemos com Oiticica que o ato artístico se dá menos na intermediação de signos e linguagens, do que na elaboração de sentido no instante presente, como no texto Lygia Clark [1920-1988] [ver últimas pág. do caderno convite para cavar um buraco], de um corpo sensível que se reestrutura através de relações com o mundo e com o outro em todos esses interstícios em que a vida procura tecer realidades para uma outra possível.

Atualmente esta pesquisa e prática das Tocatas Abertas vem sendo desenvolvida pelo coletivo Geodésica Cultural Itinerante e relatada através da pesquisa de Raphael Duarte que contribuiu com muitas destas leituras. Na página seguinte estão alguns trechos de conversações com os participantes das Tocatas entre 2015 e 2016.

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O Coletivo Geodésica Cultural Itinerante foi formado a partir do Grupo de pesquisa “Arte e Vida nos Limites da Representação - UDESC/CNPq em 2011 com orientação do Prof. Dr.José Luiz Kinceler (1961-2015) e é composto por artistas e estudantes nas áreas de artes visuais, música, teatro, design e agroecologia.No entando, antes de 2011, grande parte de seus atuais integrantes já participavam no contexto de Florianópolis, como coletivo LAAVA, sigla do projeto que iniciou as Tocatas Abertas (Laboratório Aberto de Animação e Videoarte). A Geodésica Cultural tem como objetivo viabilizar espaços de convivência e valorizar trocas de experiências, desejos e saberes entre as pessoas. A “Geodésica” é um dispositivo itinerante para a realização de diferentes projetos cuja base é a implementação da criatividade visando a reinvenção de relações sociais, culturais e ambientais. Seu percurso itinerante iniciou através da realização do evento “Estação Geodésica: Ações em Arte Contemporânea” em Novembro de 2011, no Centro Integrado de Cultura- CIC. Passou pela comunidade do Mont Serrat no centro de Florianópolis com o projeto “Panorâmica Mont Serrat” (2011) e no mesmo ano realizou a “Geodésica na Rádio Comunitária Campeche” . Como Coletivo também realizou ações junto ao Projeto de Agricultura Urbana “Revolução dos Baldinhos” entre 2011 e 2013 na comunidade Chico Mendes. Em 2013 contribuiu na ação “Parque Ponta do Coral”, em Florianópolis, e com o Projeto Simultaneidades, no espaço cultural Vila Flores, em Porto Alegre. Recentemente participou da 8a Primavera dos Museus “Museus Criativos” realizando o evento cultural “Simultaneidades Afetivas” em parceria com o Museu Victor Meirelles. Membros atuais do coletivo: Aires de Souza, Ágata Tomaselli, Angélica Marques, Bruna Maresch,Camila Argenta, Gustavo Tirelli, Helton Patricio Matias, Jade Sapucahy, João Calligaris Neto, Pedro Henrique Silva, Paulo Renato Damé, Paulo Villalva, Leonardo Lima da Silva, Lucas Sielski Kinceler, Raphael Duarte Alves, Samanta Fioravante Oliveira, Tatiana Rosa, Wilton Pedroso.


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Então acho que a tocata é muito legal de pensar que às vezes você tem que fazer menos do que você sabe, pra dar espaço pro outro né. E isso é um exercício muito grande, pra a própria questão do ego do músico, do artista, de você fazer menos pra que possa ter uma conversa. [...] tocata tem a ver com de dar oportunidade pro outro também elevar sua voz, de não ser uma competição de individualidades, de virtuosismo [...] às vezes o melhor que você pode fazer é uma nota só [...]

Fotografia: Tocata Aberta em gravação para o programa de rádio Radiofonias, UDESC, 2016. Sobre as Tocatas Abertas acessar publicação: https://issuu. com/geodesicaci/docs/zine_n__2_ interactive_3/1?e=0


“Aprendi que espaço significa forma, e tempo: mente sempre variável. [...] A dualidade (divisão do + e - ) é confundida com o dualismo (discussão entre + e - ). Na dualidade existe homogenidade. A contemporaneidade parece ser um fenômeno do dualismo.Resumindo: no homem existe uma mulher, e na mulher existe um homem. Tão separados apenas pelo sexo. O homem se exterioriza e a mulher se interioriza. Mas na verdade as duas unidades são a dualidade unificada. Esta concepção nos afastou dos acontecimentos, visando mais o pós-imediato do que o imediato. Aí entramos no próximo segundo (do futuro digamos), que se torna presente. [...] será que tocar significa viver com intensidade artisticamente, ou é uma falsa projeção entre o não ser das artes e a vida? Esta pergunta não me foi respondida até hoje. Senti uma força desconhecida chegar com tanta veemência, não era eu, virei público ouvindo alguém. A música era um ser bem superior a mim, entretanto tomou conta de mim integralmente, como se fosse eu mesmo.

Fragmento do texto de Walter Smetak, “Em potencial, sem realidade porém...” [escrito em 1983] Ler em: http://www. intervencaourbana.org/rizoma/ rizoma_esquizofonia.pdf, p. 51-55, acessado em agosto de 2016.

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Mas ao terminar, voltei a ser um homem comum como qualquer outro, sem poder me manter neste alto nível anterior. Tive a nítida noção de que era necessário fazer aquilo, pouco importando o que servia de instrumento. Viví daí adiante como espectador, observando as emoções, vibrando às vezes, ouvindo música como se fosse minha. Soube finalmente apreciar tudo que era nobre e raro, e senti de fato um gênio dirigindo as coisas belas que acontecem no palco da vida. Embora me sentindo um miserável mortal, senti a celebração da imortalidade.

Fotografia: Encontro na Pinheira/SC, em 2010 com Seu Gentil do Orocongo e coletivo LAAVA,Ler em: http://www.anpap.org.br/anais/2009/ pdf/cpa/jose_luiz_kinceler.pdf

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Fotografia: Visita às antigas casas dos bisavós de Pedro Hiago no mesmo terreno onde mora, algumas partes ainda conservam as tábuas cortadas a facão.Karú agosto de 2015.

Há muitos anos, antes da festa, as pessoas costumavam fazer surpresa nas casas, tocavam gaita, violão, soltavam bombas e comiam galinha com brodo, sequilhos, bolo e licor. As mulheres usavam vestido comprido e os homens calça de ruscado,tudo era costurado à mão. As casas eram a maioria feitas de madeira rachada com machado, muitas não tinham assoalho, passavam esterco de gado no chão. Para se deslocar as pessoas usavam o cavalo, o carro de boi e o cargueiro para fazer compras. O solo era mais fértil e menos explorado, produzia bem e com boa qualidade, o difícil era comercializar os produtos. Diz Paulino Inácio de Liz: “...que certa vez fiz uma plantação de batata e a colheita foi abundante pois não tinha onde estocar, construí então um barracão para guardar a produção. Mas não consegui comercializar estragando boa parte da safra. Ao retirar o produto do barracão resolvi fazer um baile pra tirar as despesas. O baile deu mais lucro que toda a safra do ano”. Foi aí que surgiu a idéia junto com seu genro de transformar aquele barracão em um grande salão de baile, pois “seu Paulino” tocava gaita desde os quinze anos de idade, gostava de animar os bailes, festas e surpresas da comunidade. Em 1968 inugurou o salão conhecido como o salão do seu Paulino” contratava para animar os bailes os melhores conjuntos da época como Os Filhos do Rio Grande, Os Fazendeiros e outros. Vinham pessoas de todas as localidades do Município e também dos municípios vizinhos. Os bailes do seu Paulino eram famosos, ali todos se divertiam em harmonia, “quando surgia alguma encrenquinha “como ele diz, o mesmo ajeitava e tudo se resolvia e a festa continuava. MACHADO, Nélia. São José do Cerrito: Sua gente sua história. 2004, p.78


Laboratório de Criatividade

Lembro da primeira aula que tive com o Zé [o Professor José Luiz Kinceler] na universidade, em meados de 2009. Sentávamos em uma grande mesa retangular na Sala da Escultura, cerca de 20 estudantes, a maioria do segundo ano do curso de Artes Visuais. A disciplina (ou indisciplina, como aderimos chamar ao longo do semestre) era Laboratório de Criatividade. Me apresentei quando a aula já havia começado. Prof. Kinceler iniciava uma fala de apresentação da disciplina. Me acomodei procurando não interromper sua fala. Já estava um tanto habituado ao tom de suas palavras. Há quase um ano participava de grande parte das ações que coordenava na universidade (dentro e fora dela). No entanto, esta aula (como outras em específico) me marcou pelos próximos anos. Nos situou de tal maneira, como se saíssemos do lugar onde estávamos habituados para um ponto desconhecido ou esquecido em nós mesmos. Este ponto parecia ser também um elo em comum, que de certa forma nos reunia naquele fim de tarde. Não hesitaria dizer, foram anos até compreender de uma maneira mais apurada do que ali nos era colocado. Assim, pretendo na medida do possível, descrever algumas das reflexões e proposições as quais o Zé pretendia despertar entre nós naquela tarde. 18


Depois das apresentações (“nome”, “ano de curso”, “o que faz e mais gosta de fazer” e “expectativas com a disciplina”) o Professor nos conta sobre um desenho animado (não me lembro o nome, mas lembro que era um antigo desenho espanhol) que apresenta uma pequena história ambientada nos tempos pré-históricos. O desenho animado nos apresenta um grupo de homens nas atividades de caça:

Fotografia:Artefatos indígenas que são encontrados na região do Karú por moradores (estes foram encontrados por Tiago, irmão de Pedro Hiago perto de sua casa) Karú, inverno de 2015

A comida está escassa e as condições não são propícias para que saiam à procura de outro local. No entanto, percebem que em determinada hora do dia uma manada de bisões cruzam um vale, próximo às suas habitações. Assim, nesta hora do dia os homens se reúnem e saem para caçada. Esperam passar a manada e atiram pedras em sua direção. As pedras escolhidas, leves o suficiente para serem empunhadas e jogadas pelas mãos, ainda que acertem, não causam danos o suficiente para derrubá-los. Voltam sem sucesso. No silenciar da noite, preocupados com a situação, desenham outro plano. No dia seguinte se aproximam da passagem da manada e resolvem desta vez levantar e arremessar pedras mais pesadas. Mesmo com o esforço dobrado para levantar e jogar a pedra na direção da manada, as pedras não conseguem ser atiradas nem longe, nem rápido o suficiente para atingir algum daqueles animais e assim levá-los ao chão. Novamente retornam sem a caça e continuam a desenhar algum outro plano para cacada do dia seguinte. Escolhem uma ribanceira e de lá planejam atirar em grupo um bloco de pedra. Assim, antes do amanhecer caminham para o alto da ribanceira. Todos se unem para jogá-la e assim se sucedeu. No entanto o bloco desceu, cambaleou e acabou parando no meio do caminho. Os bisões novamente saíram ilesos. Novamente se reuniram a noite e discutiram que era uma questão de sorte, algum momento haveriam de derrubar algum animal. Os alimentos que haviam armazenado eram cada vez mais escassos e a preocupação aumentava nesse povoamento. No outro dia , novamente se dirigiram para a colina no entanto, um deles, intrigado com as as soluções sem exito, resolve não sair para caçada e convida o grupo para caminhar em outra direção à procura de alimento. Poucos lhe acompanham. No caminhar, o pequeno grupo vêem uma grande árvore que no alto de seus galhos reflete um fruto amarelo. De modo hábil, um deles sobe de galho em galho, chega ao fruto avistado, colhe e dá uma mordida. Um gosto amargo vem a sua boca e o reflexo de repulsão faz quebrar o galho em que se apoiava. Rapidamente consegue pular para outro galho e começa a descer, desanimado

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ao constatar que o fruto provavelmente não servirá como alimento. Porém, aqueles que estavam ao solo, logo ouviram o galho quebrar e cair em sua direção, saltaram cada um pra um lado e no meio viram o galho fincado firmemente no solo, como se ali fosse colocado com as mãos. O pequeno grupo percebem que um galho como este poderia ser uma alternativa à pedra. Levam alguns galhos para caverna e contam o plano para os demais. Afiam a ponta de um dezena de galhos e no outro dia lançam, atingem o bisão e voltam para a casa com a caça.

O professor pergunta “que lições podemos tirar desta pequena história? (“além de que não precisamos mais de carne para sobreviver, brinca)?” Alguns instantes até que um dos colegas diz: “bom, somente uma necessidade nos leva a criar algo”. Todos parecem concordar. “Mas que necessidade é essa?”, sugere Prof. Kinceler. Uma discussão se acende e todos começam a falar. Encaminhamos às conclusões (já conhecidas): que todos temos necessidades básicas, de funcionamento e “bem-estar” nosso corpo, das mais básicas, ir atrás de alimento e água, proteger das intempéries. As vozes do grupo então se encontram ao constastar existência de outras necessidades que não estão ligadas somente à manutenção do corpo biológico. Kinceler explora essas diferenças. “Se estamos com sede, podemos sair da sala, livremente, ir até o bebedor e tomar água, podem dizer, nem sempre é tão fácil ter acesso à água, sim, sabemos o risco mortal de não ter água, mas o fato é que quando bebemos, a necessidade cessa”. O “quadro mental” da aula era este, das necessidades relacionadas aos prazeres que não dizem respeito a manutenção do corpo, os quais desempenham, por motivos talvez motivos talvez desconhecidos, um papel fundamental em nossas vidas. E sobre isto começávamos refletir naquele fim de tarde. Primeiramente, o Professor nos chama atenção para como isso se produz em nossa contemporaneidade e nos passa a palavra. Os exemplos colocados pelos colegas reafirmaram, cada qual a sua maneira, a condição (já banalizada) de estarmos 20

Fotografia: Acompanhamos Seu Maurício (ele a cavalo) por seu sítio à caminho da antiga escola onde meu pai estudou. Na foto, “bandido” e uma Camélia, que segundo Maurício tem mais de 100 anos


Sua esposa Beth foi a primeira professora de meu pai e quando não podia era Seu Maurício que dava aula aos pequenos: Sempre que visitamos em sua casa conta com “orgulho”que meu pai era quem conseguia resolver todos os “problema de matemática” de um antigo livro. Karú, 2015.

inseridos em sociedades do “espetáculo”, do “controle”, da “informação”. Faces especializadas, diria, de um projeto de modernidade, que talvez tenha extrapolado suas chances, uma vez orientado ao consumo até suas últimas consequências - entre outros, para obter (com todas as forças que dispõe) o “lucro imediato”. Mecanismo onde sistematicamente produziu-se também a ilusão do sujeito moderno, independente, supostamente detentor de sua liberdade, de um “caminho livre” para obter o que quer e como quer. Concordamos estar de sobreaviso, ou mesmo já anestesiados de tais questões, de tantos que sobre isto escreveram e escrevem, em linhas políticas, econômicas, sociais, filosóficas, cientificas, e questionadas também pela arte (que tanto impulsiona quanto “desmascara” tais processos, sublina Kinceler). O que nos toca é que o mecanismo do lucro é um dispositivo que gera “riquezas” a partir de desigualdades e irresponsabilidades de toda esfera. Tal questão não cabe aqui ampliarmos, no entanto, trazemos atenção para a palavra “imediato”. Pois com ela que seguiremos com mais um exemplo do Professor: Uma pequena cidade conhecida mundialmente por suas ondas, as quais presenteavam os amantes do surf , com um dos maiores tempos de duração antes de “quebrar”. Consequentemente, a pequena cidade recebia surfistas de todo mundo e seus moradores praticamente viviam todos deste ciclo, agenciado pelo turismo. Até que um grupo de ecologistas descobriram também, que nesta ilha havia uma espécie única de flor, semelhante a uma lótus que desbrochava em colinas perto do mar e que nos últimos anos estava caminhando à beira da extinção. Depois de anos de pesquisa concluíram que uma corrente de ar salina era o que lhes enfraqueciam até secar. Logo, criaram um projeto para salvar as flores com o deslocamento de uma faixa de areia para proteger as flores desta corrente, e assim o fizeram. As flores aos poucos ressurgiam na paisagem, porém, as famosas ondas desapareceram. Todos os habitantes, que dependiam “das ondas”para viver, se voltaram para o grupo de ambientalistas e se não me engano, fizeram outro “projeto” para voltar como era. Se não me engano, trouxeram as ondas, mas não mais como eram. 21


Com este exemplo Kinceler diz que a imediatez de nossas ações é certamente o que impulsionou (e impulsiona) entre outros o processo de destruição do nosso planeta. E como o nosso agir, por mais bem intencionado que seja, como fora pelos ecologistas, sempre dá margem para o inesperado, uma margem que se torna maior se não consideramos fatores que conduzem um “efeito dominó”, por vezes não perceptíveis, através de uma única disciplina, de uma lente específica de saber. Discutimos, na condição de estudantes de arte e acima de tudo, como sujeitos deste processo (no sentido de estar “sujeitado a” e “exposto a”) até que ponto aquilo que “criamos”, que “colocamos no mundo”, contribuem, a despeitos das nossas múltiplas “intenções”, com algumas das emergências de nosso tempo. Podemos agir, no primeiro impulso, de modo a tornar visíveis tais condições, tais “patologias”, esperando um efeito de recepção que poderia abrandar a violência que elas geram (e dependem), a patamares de indiferença, que é de todo modo, ao outro. Indiferença que se dá nas esferas sociais, ambientais, das relações mais perenes às mais passageiras. Como gestos como, dar um bom dia ao motorista que conduz o ônibus até a universidade pode contribuir? A principio, nada de imediato, no entanto são com estas indiferenças que convivemos, mesmo as banais, são estas capazes de desencadear as “crises” que hoje despontam a nível mundial. Apesar de estarmos muito bem informados, das geleiras que derretem a cada ano; das centenas de “campos de futebol” anuais do desmatamento; da falta e da perda constante da qualidade da água para bebermos,ocorrências que nos chegam como informes de um “outro planeta”, que não conhecemos mas sabemos existir. Talvez por isso, não “saímos do lugar”, porque relegamos a responsabilidade para o outro. E não tomar responsabilidade por aquilo que fazemos e concordamos passivamente, parece ser o que produziu o nosso “contexto’, a “nossa” crise. Assim iniciava a disciplina (ou indisciplina).

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Voy a usar la palabra deseo en su sentido más obvio, más común: ése según el cual deseamos lo que no tenemos, o lo que hemos perdido, o lo que siempre ha estado ahí, junto a nosotros, pero que nunca será nuestro. (...) Si tenemos ganas de vivir no es porque no estemos vivos, sino porque vivimos una vida desvitalizada, una vida a la que le falta vida. Y lo que buscamos es algo así como la vida de la vida, una vida que esté llena de vida. El deseo, o las ganas, de realidad, tienen que ver entonces con la sospecha de que a lo que se nos da como real le falta algo (...)


Um silêncio tomou conta dos olhares em sala. O Prof. Kinceler completa:

(...) Porque tal vez ese deseo de realidad nos impulse a problematizar nuestras formas de mirar,de decir y de pensar lo educativo. Y nos ponga en el camino de mirar de otro modo (y a lo mejor podemos aprender del cine, y de otras artes de la mirada), de decir de otro modo (aprendiendo,quizá, de la literatura, arte de la palabra), y de pensar de otro modo (aprendiendo aquí de la filosofía, arte del pensamiento). Para que otro modo de mirar, de decir y de pensar nos haga encontrar una realidad que merezca ese nombre. Texto de Larrosa Bóndia, disponível em: http:// myslide.es/documents/ deseo-de-realidadjorgelarrosa.htmllarrosa.html

Estamos aqui no mesmo barco. Uns com um pouco mais de experiência outros com menos, mas estamos juntos. Não sei dar todas as respostas porque também estou neste barco. O fato de estar aqui presente no papel de professor é porque tenho acumulado um pouco mais de expêriencia nessa área do saber, que é o campo da arte, já que muitos de vocês, com 20 e poucos, imagino, ainda estão começando. Nem tudo sabemos porém, entre nós, cada um tem experiências únicas, não tenho dúvidas disso. É nesse sentido que posso ajudar. Compartilhar com vocês este espaço de aprendizagem. Depende muito do quanto estamos dispostos a encarar juntos.” Até brinco com meus bolsistas, “vamos encarar essa roubada ou não?”.

Encaminhou-nos em sequência o plano de aula: “uma parte da disciplina vai ser a apresentação mais “teórica”, com projetos recentes e sobre processo criativo de alguns artistas e coletivos, uma outra, de seminários a partir de textos que serão apresentados por vocês... “mas não em “power point”, essa apresentação vai ser o espaço pra vocês brincarem com as linguagens, pode ser um vídeo, performance, desde de que articule o texto em questão. E o que segue, e considero o mais importante, é o desenvolvimento daquilo que vocês trouxerem a partir de descontinuidades consigo, com o objeto e com o outro, as primeiras individual porém a última sugiro em grupo. Como não posso deixar de falar, é isso que temos para frente. Quem quiser desistir melhor desistir agora [risos]. Se vocês acharem que está “tudo certo”, que pode ficar como está, a gente vai pra casa . Mas não é isto que espero.” E se aqui procuramos apresentar uma aula, acessando e parafraseando algumas palavras do Prof.Kinceler, gostaríamos de terminar (ou começar) com a sua escrita, que nos diz e reúne grande parte do que tentamos articular até agora:

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“Frente a estas perguntas nos vem novamente a indagação feita por Nietzsche já no Séc. XIX: Como a arte pode reinventar a vida e produzir sentido à existência? Questionando em seu tempo que a razão não era a única forma de se representar um mundo que acreditava piamente na idéia de progresso, o filósofo alertava que: “como fenômeno estético a existência ainda nos é suportável, e por meio da arte nos são dados olhos e mãos e, sobretudo, boa consciência, para poder fazer de nós mesmos um tal fenômeno” . Em nossa modernidade onde tudo se transforma em mercadoria, até mesmo as relações, será possível levar a existência apenas a articulando como fenômeno estético? Ou teríamos que atuar esteticamente de forma complexa? (...) O propositor inicia sua experiência em arte a partir de uma percepção atenta ao que a própria proposta está lhe solicitando em um determinado momento, situação esta que exige do propositor um certo desprendimento de lógicas de atuação marcados pelo envio imediato de sentido. Isto significa entrar em descontinuidades não previstas ao se aproveitar das circunstâncias e oportunidades que se apresentam, possibilidade concreta de geração de acontecimentos. A proposta, por sua vez, ao estar em devir, tem como princípio vivenciar e fazer uso dos referentes de outros campos representacionais, ciência e ou filosofia, exige a participação colaborativa do outro, de alguém que detém certa experiência vivencial, e que esteja disposto a compartilhar seus saberes de uma experiência em arte. Esta forma de atuar provoca contaminação, troca efetiva de saberes os quais proporcionam relações intersubjetivas a medida que os desejos de ambos possam se complementar. Portanto, a proposta de arte relacional em sua forma complexa gera descontinuidades no propositor, como principalmente cria um interstício, um espaço de atuação junto a realidade que se desloca da convenção. O público, agora colaborador, se vê implicado ecosoficamente na proposta, cuja postura é melhor traduzida quando participa ativamente do ato criativo em si. (...) significa estar aberto a vivenciar uma rearticulação constante entre o vir a dar forma a proposta, simultaneamente a constatação que a atualização do saber se efetua dentro de um espaço experimental, a qual deve ser vivida em sua plenitude. Ou seja, a forma relacional quando é complexa solicita que o propositor entre em constantes derivas relacionais, as quais produzem subjetividade, outras formas do sujeito expandir sua percepção sobre uma realidade que a cada momento se torna múltipla. Esta forma de atuar permite que outras vivências sejam incorporadas a proposta inicial. (...)É estar disposto a correr riscos (...) pela sempre tensionada e frágil corda do desejo a materializar de forma sensível o que ainda está no campo do irrepresentável, o Real, aquilo que desconhecemos de nós mesmos, do outro ou daquilo que tenta se esconder entre as várias camadas da realidade. Ou seja, se em cada época o Real se materializou de forma específica em função de como o simbólico é afetado por nosso imaginário, com este processo acelerado e contínuo de pasteurização da vida e espetacularização da cultura, saberes construídos como experiência de risco não encontram mais tempo nem espaço para serem praticados, e vão a cada dia sendo minimizados.”

Fotografia: Anotações do professor José Kinceler durante uma conversa sobre publicação de artigo em 2013, arquivo pessoal.

Os trechos a direita fazen parte do projeto de pesquisa que escrevemos: Horta Vertical Saber – Uma plataforma de saberes e desejos compartilhados em arte pública com a comunidade do Monte Cristo - em 2012.

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Vocês tão percebendo que aqui é um vilarejo, que nem um... parece um bairro Trecho de cidade não é? Por isso que eu falei que tá caminhando pra cidade, porque da fala de Prof. Diego o que vocês estão vendo [ as táticas sustentáveis de sua casa] vocês só vê aqui durante [se referia a sua casa], se você caminha ali, se vai ver lixo dentro da estrada, nossa visita em abril lixo na valeta, vocês vão ver tudo que tem na cidade, então aquele negócio de 2016, de você formar opinião, está esparso, eu entendi assim que o seu grupo [se ver outro referia a descrição que fiz da outra vez que estive em sua casa, quando falei caderno, convite para que participava de um coletivo ,Geodésica Cultural Itinerante, e de nossas conexões com outros grupos e iniciativas pessoas, como já citamos a exemplo cavar um buraco dos Descarrilados em Cali(COL)] Continua: Os afins estão esparsos, não estão necessariamente perto.O que eu já consegui aqui, como estávamos falando, formar opinião... fazer uma cerca, ó, isso eu consegui, o pessoal fez cerca, cerca de pneu, tá começando, mais muito lentamente. O lixo eu acho que vai ser a última coisa, [ mas não tinha que ser o primeiro? alguém do grupo interroga] Sim, mas se você só chegar e falar, e quem ouvir disser “não por dentro”, ele morre e não faz, ele se “agrava” [como se diz na serra], o pessoal é desconfiado, tem de ir aos pouquinhos...

O homem do planalto que, favorecido pelos campos e pelo clima, se fez pastor e por longo tempo fez da pecuária sua exclusiva ocupação, quando a população de Lages crescendo se extravasou pelo resto da terra, alcançando a zona dos pinheiras e dos ervais, começou também a se dedicar à pequena lavoura e à extração da madeira e da ilex (erva-mate). O nascimento da agricultura e da indústria extrativa se fez assim posterior e à margem da pecuária e atraiu a parte mais pobre da população serrana. p.102 26


Fotografia:Montagem com o quintal da casa Prof. Diego (com seu sistema de tratamento dos dejeios e casa para biogás) e a estrada que entra para a sua casa na localidade Toca da Onça, Karú, novembro de 2015

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Porque eu acho que todo mundo que tivesse o coração bom,não tinha ninguém mal. Eu não roubava. Se achava uma coisa lá em outra casa pedia ou entregava e dizia“tá aqui”!. Mas não...Então eu fiz muita experiência, de todo jeito, desde pequeno cada um tem uma “ideinha”. Vinha às vezes 4 guri, digo, vou dar 2 balas pra cada um, passando lá eu “pinxava” 8 né, aquele maiorzinho pulava pra lá e pra cá e pegava e os outros ficavam sem nada.Mas eu não dizia nada, e aquele ficou sem nada. Vinha as meninas eu fazia do mesmo jeito, nunca disse nada pra eles né, aquelas maiorzinha pegavam mais ligeiro né... ah! pegavam, mas depois passavam pra lá, passavam pra cá [com as mãos vai demonstrando como as repassavam umas para as outras, pra ver. Iam na venda, eu dizia, me comprem 1 real de banana, a venda era bem pertinho, iam lá, alguns traziam bem certinho, outros tinha a casinha do ponto de ônibus,era perto, eles comiam uma, às vezes eu via né. E quando ele vinha, eu dava outra pra ele,mas não dizia nada. Vinha pegar a dele. Tem de todo jeito... então eu notava, desde pequeno tem uma “ideinha”.

(ou) encon o

Vô João Maria (1914 - 2010) Ilha, 2008.

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As balas do vô João A partir da década de 1990, quando ficara viúvo, nosso avô, o “véinho das balas”, como é conhecido até hoje, jogou balas e, algumas vezes bananas, pela janela do quarto que fica no segundo andar da casa de seu filho mais velho em São José do Cerrito SC, o Karú. As balas eram destinadas especialmente para as crianças que passavam por lá, geralmente indo ou voltando da escola. Poderíamos supor que tal atitude derivava de um velhinho sozinho no seu quarto, talvez privado de suas capacidades mentais, arremessando à esmo balas pela janela. Mas não. O ato em si, compreendemos como uma face do seu modo de vida, ao que Locks (1998) denominou de ‘campesinidade’, modos que os moradores do Cerrito, especialmente os agricultores - como nosso avô - vivenciaram suas relações sociais, permeadas pelo ethos do “puxirão”, observa ainda Locks, é uma troca que ocorre entre as pessoas, entre seus trabalhos (...) ela aparece como uma ajuda, como prestação de serviço, como prestação comunitária. O “puxirão” certamente tem sua origem vinculada ao uso comum da terra e à economia de subsistência, onde inexistia o trabalho mercantilizado. (LOCKS, 1998, p.115). Para este autor, é possível que este ethos tenha influenciado, dentre outros fatores, a solidariedade entre os agricultores que vai além da cooperação no trabalho: Ela existe também na forma de empréstimo ou da troca de bens. “Quando não se produziu nada, ou muito pouco, que não é possível a família passar o ano, o vizinho empresta o feijão para vender ou para comer. Quando é carente se faz coleta e se dá, nunca se empresta. Cresceu a solidariedade, hoje, por causa da pobreza ” (Antônia R. Rodrigues, 44 anos in LOCKS, 1998, p.115).

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Fotografia: Experimentando uma receita de bala de gengibre no ncontro do grupo de orientandos na casa de Vinícius Nepomuceno, Fpolis, 2016.


*paiol pai.ol sm (lat paniolu) 1 Depósito de pólvora, munições e outros petrechos de guerra.2 Armazém em que se depositam produtos da lavoura. 3 Tulha de milho ou de outros cereais. 4 Náut Compartimento grande, em navios, para arrecadação de bagagens, mercadorias etc. 5 Reg (Bahia) Monte de cascalho. 6 pop Barriga, estômago. P. de bater palhas: cômodo todo fechado, sem janelas, onde se rasgam e batem as palhas da carnaúba para extração do pó que dá a cera.

A hospitalidade nos Campos de Lages é considerada um cartão postal deste povo.Em sua pesquisa de campo, Locks (1998) relata, por exemplo, que o bolinho frito (que pode ser feito de farinha de milho ou trigo), ritualiza a vida diária da família. Quando chega uma visita, é muito comum ouvir: “vem lá em casa comer um bolinho frito”. Além de um ingrediente na dieta brasileira, simboliza amizade, acolhida, ou querer bem.(LOCKS, 1998, nota de rodapé, p.108) Em nossas lembranças de neto e neta e das suas memórias contadas, na casa de nossos avós sempre fora um espaço de hospitalidade e de troca com a vizinhança, “compadres” e “comadres”. O bolinho frito, a polenta feita no fogão à lenha, o feijão “mexido”, os biscoitos caseiros eram dispostos sempre à mesa quando uma visita chegava. E a predileção de meu avô pelas crianças, faziam-no ter sempre ao seu alcance balas e bolachas para distribuir. Primeiramente em sua casa na cidade de Lages e depois, com a morte de sua esposa, a atitude continuou no seu quarto - no Karú e depois em minha casa na Ilha - o quarto, fora sua casa por inteiro. Como diz Oiticica (1986, p.20) em seus escritos: “Habitar um recinto é mais do que estar nele, é crescer com ele, é dar significado à casca-ovo; é a volta à proposição da casa-total (...)”. Consideramos aqui casa-total, a casa que anteriormente meu avô residia com minha avó, ampla, com vários quartos, cozinha, sala de estar, banheiro, sacada, “paiol”*. Conforme nos lembramos, o paiol da casa de nossos avós era um espaço para guardar ferramentas diversas, palha para cigarro, roupas de trabalho e outros apetrechos. Não havia janelas, somente uma porta e ficava numa casinha do lado de fora da casa principal. À “casca-ovo” atribuímos aos quartos em que residiu após sair da “casa-total”, nele havia todos os elementos simbólicos necessários à continuidade de suas atividades diárias, pelo menos as principais, as que garantissem dar sentido à sua vida.

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Seu objetivo parece muito ao que Marandola Jr. (2012) destaca no prefácio de Topofilia, ao se referir o sentido do autor Yi-Fu Tuan a este conceito: “(...) seu objetivo era destacar de fato, o ‘amor ao lugar’, o laço afetivo que nos envolve com o ambiente, em busca daquela esperança e força necessárias para superar momentos de crise (...)”. (MARANDOLA JR. prefácio, p.11). Nosso nosso avô sempre estivera ao lado de sua cama, um bidê, o mesmo que ganhara de presente de casamento, de cor clara, madeira rústica que se decompunha cada vez que suas gavetas eram abertas. Dentro delas, um retrato de São João Maria e da primeira Igreja do bairro Frei Rogério, onde morou em Lages. Uma carteira antiga com cartas e fotos diversas dos filhos e netos, documentos de identidade e de lavrador, orações de santos de sua preferência. Sacos plásticos amarrados com barbante contendo outros tantos papéis e, por vezes, quando isto passava batido de nossos olhos, pedaços de salame que “lambiscava” durante a noite, para não esquecer a reza. Alguns comprimidos para dor e claro, balas. Quando estava no Karú, fazia parte do seu quarto um guarda-roupa que fazia jogo com o bidê. Em seu interior, tão deteriorado quanto o outro, suas roupas surradas de anos de uso, alguns vestidos de sua senhora, santos e até uma foto de Adeodato, o último dos líderes da Guerra do Contestado. Esses móveis lhe acompanharam pela vida afora e “se a mobilidade e a contingência acompanham nossas relações, há algo que desejamos que permaneça imóvel, ao menos na velhice: o conjunto de objetos que nos rodeiam”. (BOSI, 2003, p.25). Uma mesinha de madeira mais escura nos pés da cama, parecia lembrar seu armário na “casa-total”, estava quase sempre cheia de bananas, um bule de café, uma xícara, dúzia de ovos, caixas de leite. Desse modo, não era sempre preciso descer até o convívio com os demais da casa, já que estava-lhe sendo “muito custoso” descer as escadas do segundo andar daquele quarto.

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Vista da Janela do antigo quarto de Vô João, Stills do vídeo que realizamos, Balas do Vô João Maria. Karú, agosto de 2016.


Tinha tudo que precisava ali e o banheiro ficava a alguns passos do quarto. Esses móveis e objetos tiveram uma conotação no sentido de Bosi (2003, p.26): Quanto mais voltados ao uso cotidiano mais expressivos são os objetos, os metais se arredondam, se ovalam, os cabos de madeira brilham pelo contato com as mãos, tudo perde as arestas e se abranda.” (BOSI, 2003, p.26).

De fato, a cabeceira de madeira da cama “brilhava” pelo uso contínuo em se apoiar nela para virar-se de um lado para o outro, sentar quando um visitante chegava - ele recebia-nos tal qual em sua “casa-total” com a mesma hospitalidade antes oferecida por uma cadeira, agora pela beira da cama - ou simplesmente se apoiar para ir até a janela. De todos os elementos dispostos, era a janela que dava para a rua principal da cidade, a que mais sentido fizera naqueles dias dos anos que se passaram. Como era de seu costume, as balas jamais saíram do bidê e, agora também ocupavam o guarda-roupa, pois sua quantidade aumentara. Além dos netos, bisnetos e, porventura, uma ou outra criança - como eu - que subia até o seu quarto, as crianças da rua logo acostumaram com o “véinho das balas” de bigode e cabelos muito brancos e um chapéu anos 50 que ficava na janela à espera. 35


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Vista aproximada da Janela do antigo quarto de Vô João, Stills do víde Balas do Vô João Maria. Karú, agosto de 2016.


De fato, a cabeceira de madeira da cama “brilhava” pelo uso contínuo em se apoiar nela para virar-se de um lado para o outro, sentar quando um visitante chegava.De todos os elementos dispostos, era a janela que dava para a rua principal da cidade, a que mais sentido fizera naqueles dias dos anos que se passaram. Como era de seu costume, as balas jamais saíram do bidê e, agora também ocupavam o guarda-roupa, pois sua quantidade aumentara. Além dos netos, bisnetos e, porventura, uma ou outra criança - como eu - que subia até o seu quarto, as crianças da rua logo acostumaram com o “véinho das balas” de bigode e cabelos muito brancos e um chapéu anos 50 que ficava na janela à espera. Essa observação e outras tantas que ele projetou nesta teia de relações possíveis, perpassa pelo caminho da percepção de Tuan (2012): “Percepção é tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados. Muito do que percebemos tem valor para nós, para a sobrevivência biológica, e para propiciar algumas satisfações que estão enraizadas na cultura.” (TUAN, 2012, p.18) Na falta da esposa e de todos àqueles de sua geração que já haviam morrido antes dele, bem como da falta dos dias em que podia trabalhar na lavoura, fato que muito se lamentava, eram quase memórias bloqueadas, uma sombra que dava lugar agora para novas percepções sociais, mais do que isso, era ainda no sentido de Tuan (2012, p.18), “uma atitude, que é uma postura cultural, uma posição que se toma frente ao mundo. Ela tem maior estabilidade do que a percepção e é formada de uma longa sucessão de percepções, isto é, de experiências”. Os modos de sociabilidade ou a campesinidade, atribuída por Locks (1998) permeou a vida de nosso avô, suas percepções e atitudes frente ao mundo, ao seu mundo, ao seu lugar-espaço, onde a vida acontecia.

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Juan: - Senhores! Nildo: - Não sei se, o Juan é mais novo do que eu, mais ele, você nunca pegou bala do pai do seu Vavá ali na janela? Juan: - Peguei! Do “veinho”! Nildo: - Esse aqui é neto dele e ele tava querendo fazer um relato... Juan: - Peguei muitas vezes! Passava ali, pegava, às vezes ele não podia sair daí ele pedia pra vim comprar bala e tinha que ser na mercearia do Zermo ainda (rimos) que era aqui né! [...] E fico até a janelinha que nem ele ficava lá! Né “home” do céu! [...] Nildo: - Ele pedia pra vim comprar e daÍ puxava com um barbantinho, num balde né... Juan: - Largava um baldinho amarrado num barbante daí ele puxava...pois é home, se vê, mas boa, olha car..., boa lembrança isso aqui, vou guardar com carinho!

Nildo Gris [em sua loja agropecuária] e Juan, bombeiro e antigo morador do Cerrito. Centro, Karú, agosto de 2016.

Nos cerritenses, as pessoas de mais idade não tem quem não tenha convivido ou conhecido o vô João, foi uma figura assim extraordinária, ele tinha realmente essa característica né,principalmente perto do meio dia e as cinco horas da tarde ele ia pra janela ali do prédio do seu Vavá, da dona Rosa, jogar balas pras crianças, isso era comum, diariamente ele tinha esse hábito, e as crianças já saiam “correndinho” da escola pra passar lá pra pegar uma bala que seu João jogava e depois ele contava assim com tantos detalhes as passagens da vida dele ,da fé, do sofrimento, do trabalho que ele passou e a gente poderia ir várias vezes e ele contava com os mesmos detalhes então, isso ai é uma coisa que me marcou muito. Foi uma pessoa fabulosa que realmente deixou marcas., pra nós e, muitos exemplos, exemplo de fé, de humildade, de carinho, principalmente com as crianças mas também com os adultos...

Em 1990 conheci um senhor que morava em São José do Cerrtio. Ele morava com seu filho e tinha um sobradinho em cima, ele dormia nauele sobradinho, lá em cima, e gostava muito de agradar as crianças. Ele era uma pessoa assim que se dedicava sempre para o bem, então comprava bala e ia jogando lá de cima e as crianças que vinham da escola chegavam e iam pegando as bala. E ele, não foi só um dia e nem só um mês foi anos, ele sempre fazendo aquele tipo de coisa, procurando amar um tipo de bem...

Seu Maurício [em sua casa], Itararé Karú, agosto de 2016.

Eu imagino assim, que ele foi uma pessoa, ele era bem de idade, então eu calculo que a infância dele foi muito sofrida, eu acho, e ele era um cara de visão, porque assim, aquela pessoa que tem o pensamento, do jeito que ele foi e queria mudar, o jeito que tinha que ser, hoje em dia as pessoas serem mais solidárias, ele já tinha essa visão há muito tempo, assim como você disse, ficou 14 anos dando bala. Então eu acho que ele ganhou muito pouco doce, antigamente era difícil a coisa né, então era isso, ele queria ser mais solidário (...)Por que? Uma simples bala às vezes coloca um sorriso numa criança, eu acho que era isso que ele pensava né... porque a criança é o futuro, e a criança quando é bem estimulada, bem educada, vamos dizer, bem tratada e coisa e tal, vai refletir no futuro também, ela vai fazer coisas boas... Eu garanto que muita criança que pegou bala com ele ali, claro que não são todo mundo que pensa que nem eu, não é todo mundo, e as vezes nem se lembra, mas já vai pensar nesse modo que to pensando. O ato que ele fazia de dar simplesmente uma bala pras crianças eu acho que muita gente não esquece disso e vai fazer até a mesma coisa. Eu gosto desse tipo de coisa porque não pode deixar morrer as raízes nossas, os costumes nossos e essas coisas assim.

José Moacir [Chispita] em sua mercearia Centro, Karú, agosto de 2016. Nélia Machado [em sua loja de produtos naturais], Centro, Karú, agosto de 2016.

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Erva Mate: [Illex paraguaiensis], das folhas verde-escuras da árvore que chega às vezes, 10 ou 12 metros de altura se faz a popular bebida tomada na cuia do “porongo” ou “cabaça” , o “chimarrão reanima as forças corporais, estimulante do cérebro, resistência a fadiga, ativa a circulação. Contém cafeína, por isso deve-se moderar com o uso, pois pode prejudicar os nervos. Gengibre: [Zingiber officinale] , o rizoma utilizado para fins medicinais e culinários é um rizoma com numerosos benefícios: antiflamatório e analgésico, digestivo, acelera metabolismo (esquentado tanto interna quanto externamente), previne doenças cardiovasculares e melhora circulação. Utilizado tradicionalmente por diversas culturas. Antigamenteo o gengibre também era muito cobiçado, Dizem que na Inglaterra do século XIV, meio quilo poderia custar tanto quanto uma ovelha.

preparo 1° Coloque na panela o melado, o gengibre e leve ao fogo médio, por cerca de 30 minutos, sempre mexendo, até chegar ao ponto em que ao mexer com a colher, aparece o fundo da panela. 2° Peneire a erva mate para separar somente o pó e adicione na panela. fique mexendo esta mistura por mais uns 10 minutos. 3° Para saber o ponto da bala, pingue uma gotas da mistura em uma pequena vasilha com um pouco de água. Se a massa logo ficar dura, consistente, como uma liga, a bala está pronta. 4° Tire a panela do fogo e despeja a massa já pronta em cima de uma pedra de mármore, já untada c Abra e estique a massa, com as mãos, e modele em rolos finos. Não deixe esfriar muito a massa endurece rápido e dificulta a elaboração das balas. Com uma tesoura, ou faca corte no formato que preferir.Deixe as balas na geladeira ou no freezer por alguns minutos para esfriar. As balas duram uma semana guardadas na temperatura ambiente e duas a três semanas, ou mais, armazenadas na geladeira. Esta é um bala excelente para consumo no inverno. pois além de aquecer o corpo tem ação em infeções da garganta e vias respiratórias. 40


Receita Bala Vô João Maria

500g de melado de cana 1/2 xícara de açúcar cristal 1/2 xícara de gengibre fresco ralado (fino) 3 colheres (sopa) de semente cardamomo triturada 3 colheres (sopa) de pó de erva mate Oléo de côco ou manteiga (para untar) Se preferir coloque 1 colher de cha de ácido cítrico (encontrado em farmácias de manipulação atua como conservante e antioxidante natural e confere sabor mais azedo)


Aos cuidados “Daí eu planto as minha roça, pessoal todo mundo usa veneno né, põe aqueles banho de veneno pra passar o pasto e vir a planta. Eu não! meu terreno enquanto eu for vivo, não vai ter veneno, porque eu não vou comer algo contaminado,nem meus filhos, nem meus netos, aí depois que eu morrer, aí não sei ... o caso desse que mora lá em Curitiba, que é doutor, é contra sempre, ele acha que eu... ele não disse pra mim, mas eu acho que ele acha que eu sou muito atrasado ... por exemplo, o hectare de terra que eu vou plantar milho, se for passar veneno, 2h vai lá com o trator e banha tudo, mata mata e eu vou limpando com aquela carpindeirinha que eu tenho ali com o cavalo né, 10, 15 dias, uma semana pra limpar. Acha que eu to muito atrasado, mas...”

Trecho de conversação com Seu Maurício (81 anos),morador do Karú. Roteiro de perguntas por Elaine Lima. Karú, 2015.


do MaurĂ­cio


Homeopata

ou sobre curar com a terra

INSTANTE 1. (ÀS QUARTAS). PASTORAL - MANHÃ Era pouco mais de 08h30 da manhã quando cheguei à frente da pastoral da Saúde, logo atrás da Igreja Matriz de São Pedro, na praça do Cerrito. Nas quartas, como esta, Toninho atende das 09h até as 16h - “por vezes saio antes ou depois”. Ele nos contaria, no outro dia, em sua casa, que no geral atende mais gente de fora do que local.“Para estar ali recebe uma quantia simbólica através da Pastoral. Para quem procura atendimento só há o valor dos frascos de homeopatia, entregues pelas senhoras que se dispõem colaborar, voluntariamente, nestas quartas. Estas eecebem as pessoas, fazem o café, o chimarrão, instruem e entregam os medicamentos. Toninho diz para quem quiser e puder, que em sua sala há uma gaveta para contribuições de qualquer valor - de fato, poucos deixam. [Este ano, soube que minha tia Rosa, é uma das colaboradoras, se não me engano, toda quarta do meio do mês.] INSTANTE 2. (CONSULTA).PASTORAL - MANHÃ Suas consultas, (conforme consultei mais de uma vez) se dão como uma conversa, pergunta o que o traz até ali e a partir disto encaminha algum medicamento homeopático (ou não). Por vezes, dependendo do caso, como fizera com meu pai, com dores no ciático, ali mesmo faz massagens com suas essencias e pomadas fitoterápicas. Toninho é também massoterapeuta. Na pequena sala onde atende as paredes são coloridas, além da mesa, com diversos livros de medicina, alguns bastante antigos e manuais, vê-se aos fundos, prateleiras com vidros com as tinturas e extratos de plantas. [Voltaremos a primeira visita em sua casa, com Seu Orlando e minha irmã, Elaine, a partir do roteiro de sua pesquisa em 2015].

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INSTANTE 3. (VIVER DA TERRA). CASA DE TONINHO - MANHÃ

Fotografia: [à esq. da foto] na frente do galpão com duas janelas, a casa da Pastoral onde Toninho atende às quartas -feiras

- [Elaine] Eu sei que o senhor é homeopata, mas a sua profissão é essa? - Não, não, eu sou mesmo, sou pequeno produtor rural orgânico. Homeopatia, eu faço esse serviço mais por ... porque esse negócio de viver com homeopatia ou de massagem, eu tenho que trabalhar pra sobreviver, hoje eu tô guardando dia santo, é o dia de São Pedro, senão tava na roça. - [Elaine] O senhor planta o quê? - Planto milho, feijão, amendoim, essas coisa pro gasto. Mais pra subsistência ... pra venda é muito pouco, claro que eu não vou consumir tudo, esse ano eu colhi já 8 sacas de feijão, então é assim... Daí a gente dá uns quilos, quando sobra vende, é assim. Eu vendo leite de vez quando, coisa assim, vivo também, vamos supor, de alguma doaçãozinha, mas essa é pequena né - [Elaine] Não é do dia-a- dia ... - Não! se fosse viver disso aí, morria de fome. Claro, eu cuidava da minha mãe, hoje não, então eu aguento mais as despesas, porque água aqui a gente não paga...dá pra se manter, mas não tem uma sobra.” grande, vamos dizer assim.”


INSTANTE 4. (CARONA). PASTORAL - TARDE À tarde, depois de retornar da Rua Florianópolis com Agnaldo, saí da casa de minha prima, que me recebera desde quinta passada, para subir de novo até a pastoral. Estava com parte do que trouxe para ir à casa do Toninho, lá ficaria até sexta, quando retornáriamos à ilha. Ainda pela manhã Toninho me avisou que era bem provável que o Padre Nivaldo nos daria uma carona até sua casa. Enquanto atendia o último paciente conversei com alguns pacientes - no curso da conversa falei sobre o que fazia ali, com conheci Toninho e dei alguns pacotes de balas . Toninho, ao sair da sala e enquanto fechava as janelas disse que precisava passar na banco e me disse para esperar na paróquia, onde encontrariamos Padre Nivaldo. Assim, descemos, ele para o centro eu para a casa paroquial. INSTANTE 5. (DORA). CASA PAROQUIAL - TARDE Esperava na sala de recepção e administração da casa paroquial, movimentada de gente, entregas de castiçais para o novo Padre e outros assuntos, quando uma senhora entrou. Lembrei de tê-la visto no Grupo de Idosos há um ano, ela também se lembrou. Era Dora, uma amiga de meu Avô, lhe dei o último pacote de ”balas vô João” que restava e ao olhar para o desenho carimbado, ficou bastante emocionada, se recompôs e retornou para mim com um sorriso. Conversamos ali sentados em meio às movimentações.Me falou um pouco de sua juventude, e que provavelmente era a moradora mais antiga da praça (centro do cerrito) onde seus pais outrora tinham um hotel: - Minha mãe literalmente criou todos os comerciantes que hoje estão aqui. Lembrou também das gentilezas do avô de minha tia, José Rodrigues, que entre outros, durante uma enchente grande ajudou sua família com tábuas de madeira. INSTANTE 6. (CAFÉ). PASTORAL - TARDE Toninho desce as escadas e me chama para tomamos café. Despedi de Dora e subimos. No piso de cima da casa paroquial fica a residência e espaço de convivencia dos padres. Tomamos café e saímos com Padre Nivaldo até Santo Antonio dos Pinhos conversando sobre “política”.

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Fotografia: Montagem; frente da casa e quarto onde fiquei hospedado na casa de Toninho Karú, agosto 2016.

INSTANTE 7. (A ANTIGA CASA ). CASA DE TONINHO - ENTARDECER Chegamos na casa de Toninho no entardecer. Assim que nos deixou no portão da entrada Padre Nivaldo se despediu e tomou caminho de volta. Como talvez já tenhamos dito, Toninho mora sozinho numa casa grande e antiga de madeira. Nesta casa cuidou de seu pai e depois de sua mãe, falecida a uns 3 anos. Nunca se casou e não tem filhos. Mais tarde nos diria que teve umas 3 ou 4 namoradas, mas por coisas da vida vivencia hoje, nos seus quase 60, sozinho nesta casa, desde que nasceu. Mas sempre recebe visitas, de parentes e gente que vem pesquisar, fazer estágio, como disse. Então, já estávamos dentro de sua casa e disse que poderia escolher o quarto e qualquer uma das camas disponíveis, mostrou onde ficava os banheiros e os cobertores. INSTANTE 8. (O AGRICULTOR). CASA DE TONINHO - ENTARDECER Logo depois de deixar a mochila no quarto disse se queria acompanha-lo no trato dos animais. Havia três bezerros novos para serem alimentados. Comentei que estava ali pra ajudar no que fosse preciso e seguimos até o galpão. Estava ali o Toninho agricultor, diferente do homeopata do começo do dia, conduzia as vacas, colocava a ração, tirava leite com desteza de quem faz aquilo todos os dias há anos. Enquanto andava e falava com as vacas comentou que é “custoso” sair nas quartas para cidade e voltar para atender dos serviços de casa. 47


Uma das vacas acabou saindo com um bezerro por um dos portões pra trás do terreno, minutos depois um rapaz na frente do portão chega a perto da taipa(muro de pedra) que delimita o galpão e diz: -Peguei uma carona e me deixaram lá em cima dai teu irmão disse que tava aqui pra baixo. Era Ed. O rapaz tem a minha idade e por anos trabalhou com Toninho nas atividades do campo até que foi pra Blumenau, trabalhar na construção civil. Lá conheceu a mãe de sua filha e agora, separado, voltou para Lages onde mora com seus pais. Toninho nos apresenta e diz para Ed: - Se quiser pode ficar o tempo que quiser, tem coisa pra fazer, amanhã pode ajudar meu irmão com a cerca lá pra cima. - É... tava ruim de emprego lá em Lages daí vim ver se tinha algo pra fazer por aqui mas vou ficar uma, duas semanas - diz Ed. - Sempre tem! Pode ficar o tempo que quiser- respondeu Toninho. Toninho passou alguns fazeres no galpão para Ed e entramos. Me contou que fazia tempos que Ed não parecia. “É um rapaz trabalhador, bom, ele vem, daí quando estamos nos acostumando, ele vai embora...então procuro não me apegar com ele. Come verdura Leonardo? vem comigo ali na horta pegar umas couves”. Acompanhei Toninho até sua horta.

INSTANTE 9 (ATENDER). CASA DE TONINHO - ENTARDECER Toninho disse que geralmente não janta, iria comer porque estávamos ali. Enquanto preparávamos a refeição tocou o telefone. Ainda de manhã, Toninho já tinha me dito que estava pra receber uma ligação de Otacílio Costa/SC. Ligaram para confirmar. Viriam buscá-lo cedo no outro dia para atender na Pastoral de lá. Disse que poderia ficar em sua casa mas que aproveitaria mais indo lá pra “cima” na casa de seu irmão César e Dona Hilda. Durante o tempo que fiquei em sua casa era frequente este mesmo telefone tocar. Ligavam para consultas, pedir seus conselhos e indicaçoes para homeopatia. “Às vezes não dá pra atender.. estou lá pra fora atentendo da lavoura ou outra coisa, tenho muita ligação de fora, vir pra cá, pro Cerrito, é mais “custoso”! Não nego esse tipo de ajuda... 48


INSTANTE 10 (ENXAQUECA). CASA DE TONINHO - NOITE Fizemos um feijão mexido, salada de folhas de mostarda, couve, salsa, colhidos naquela entardecer. As folhas guardavam sabores indescritíveis. Toninho fez questão que experimentasse seus ovos caipiras e uma cachaça artesanal. Em volta do fogão à lenha jantamos eu, ele e Ed, que esperava o horário do jogo do Brasil.Disse para Toninho que estava com enxaqueca, havia piorado ao longo do dia. Me deu umas gotas e fez uma massagem com pressão em pontos sensíveis do rosto [durante a massagem a dor foi intensa mas nas próximas horas senti grande alívio] Toninho foi dormir e fiquei assistindo o jogo com Ed. Conversamos sobre muitas coisas. Ele estava preocupado em conseguir dinheiro pra mandar para sua filha. Depois do primeiro tempo do jogo fui dormir também. INSTANTE 11 (OS QUEIJOS DE HILDA). CASA DE TONINHO - MANHÃ Dona Hilda cunhada de Toninho produz queijo há mais de 30 anos e nos últimos anos puderam investir nos meios de sua produção e obter certificação nacional para a produção de queijo serrano. Em recente entrevista. à imprensa. Dona Hilda, semelhante ao que nos disse em sua casa, disse: “Eu aprendi a fazer queijo com a minha mãe. Minha avó fazia queijo e hoje eu o tenho como atividade principal da minha família” [...] O segredo do queijo serrano é a experiência da mão mesmo, para conseguir o ponto da massa. Com essa legalização, a gente sai da clandestinidade, além de receber um Fotografia: Cozinha reconhecimento pelo nosso trabalho”, de Toninho com o pessegueiro [que floresce à vista da janela da cozinha. Karú, Agosto 2016.

A matéria com Hilda traz a seguinte chamada: “Queijo serrano tem produção e comércio legalizados em SC Prática tradicional da Serra é transmitida através de gerações. Regras para fabricação e manuseio passam a ser rígidas.” [...]Fonte de renda de cerca de 1,5 mil catarinenses, o queijo serrano teve a produção e comercialização aprovadas por lei no estado neste mês, após oito anos de espera dos produtores. Agora, o trabalho precisará atender a critérios rígidos quanto ao manuseio dos alimentos e à saúde do trabalhador e dos animais. [...] Apesar de ser feito há 200 anos no estado, a comercialização foi aprovada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) em 3 de agosto [...]Legalizada a produção, o queijo serrano passa a ter a continuidade assegurada. “Eu me sinto muito realizado por continuar essa trajetória de vida e trabalho da nossa família”, disse o produtor Julio Cesar Correa, filho de Hilda.”Ler em: http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/ noticia/2016/08/queijo-serrano-tem-producao-e-comerciolegalizados-em-sc.html acessado em agosto dede 2016.

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Fotografia: Ed e um dos cachorros de Toninho.KarĂş, Agosto de 2016


INSTANTE 12 . (EM COMPANHIA). CASA DE TONINHO - MANHÃ As sete e meia da manhã Toninho estava de saída, disse que voltaria a noite e para me sentir em casa. Tomei café com Ed e ele me acompanhou até a casa de Seu César e Dona Hilda, já que os cachorros de Seu César poderiam estranhar a nossa presença. Depois do café desligamos o rádio sintonizado desde cedo na cozinha. Comentei sobre o hábito comum de se ouvir rádio no Karú. “O rádio é companhia da gente” - disse Ed. Saímos de casa e ao subirmos as “terras dobradas” do Toninho [como chamam os terrenos acidentados] disse para Ed que gostaria de filmar a mata dos pinheiros antigos. Um dos cachorros me acompanhou enquanto Ed esperava. Minutos depois voltamos a caminhar e seguimos no papo: - O Toninho tava falando que a terra aqui é muito boa não é? - A terra é boa! Eu ajudei ele plantar já aí! O que eu ajudei eu tive depois, no tempo, e deu! Só que sempre tem ano quenão sei né, Fotografia: [abaixo] Stills de não “ vega” as coisas...mas acho que é coisa da natureza mesmo, alguns vídeos às vezes plantar e dar o fruto, dar bem e às vezes não dá... na mata dos pinheiros e ao lado Ao chegarmos perto da casa três cachorros [grandes] vieram a “sala de cura” latindo. Paramos e deixamos eles virem nos cheirar. Depois de recém construída latirem por alguns minutos em nossa volta disse Ed: para os queijos de Dona Hilda, Karú, - Tem que deixar reconherem...Eu quase não venho aqui pra cá Agosto, 2016. também, o negócio é respeitar o ambiente, aqui é área deles!” Seu Cesar gritou com os cães do portão e entramos na casa.

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INSTANTE 13 . (DIA NO CAMPO). CASA DE CÉSAR E HILDA - MANHÃ Chegamos na casa de Dona Hilda e tomamos um chimarrão junto ao fogão à lenha. [Pedro Hiago, amigo desta família e colega de faculdade de Júlio, já havia me apresentado a eles em abril].Pela manhã fiz algumas fotos e vídeos no entorno da casa de Dona Hilda e pela tarde fui com Júlio [filho de Hilda] para o local onde faziam a cerca. Com Júlio conversamos sobre como funcionava a produção do queijo e sobre seus projetos futuros. Seu pai chegou no meio da tarde, disse que perdeu o tempo da “cesta” depois do almoço. Trazia comigo um arco e flecha recurvo, que pratico há um ano. Levei para Vanderi dar uma olhada e ver se poderiamos fazer algum parecido. Em um momento nos campos perto da cerca resolvi buscar o arco e praticar arqueria na paisagem, improvisando um alvo num saco de terra. INSTANTE 14 . (ARCO E FLECHA). CERCA - MANHÃ Júlo, Ed, e Seu César acharam curioso e como eu, se divertiram. Já no fim da tarde acompanhei Seu César nos últimos pregos para a cerca. Ao perguntar sobre um dos palanques “mestres”[tocos de madeira para a cerca] me falou que era de “bugreiro” [árvore]: - Um palanque deste, de brugreiro pode durar 30 anos ou mais... esses tempo falando com um índio, ele disse essa aí é nossa árvore, meus avós subia aí pra matar os branco pra caçar os bicho também que ela é mais ramuda e boa de subi” então iam lá na copa pra caçar, e pra “flecha”, [que nem você hoje de tarde brincou] INSTANTE 15 . (BARBA). CERCA - ENTARDECER - E essas “barba” nas árvores seu César?, - Ah! isso aí é vo te dizer... do lado que pega o vento sul da árvore, cria a casca mais grossa e a barba, pra proteger... pode ver, dentro da mata se não acha... - Então árvore também tem frio? - Também tem frio! - E as plantas que sobe em volta? - Essas daí vem com a barba também...cresce apoiando nelas.. aí vem o passarinho, come a sementinha e leva pra outra árvore, e assim vai... 53


INSTANTE 16. (ALMOÇO). CASA DE TONINHO - MANHÃ Na noite anterior como já era tarde e a convite de Dona Hilda e Seu César, resolvi passar a noite ali, imaginei que Toninho quisesse descançar da viagem, então, iria para o Toninho no outro dia. E assim foi, saiu o sol cruzei os campos até sua casa, Ed me acompanhou disse ficaram me esperando a noite. “Que bom que gostou de ficar por lá” me disse Toninho quando falei que havia sido muito bem recebido pelo Seu Cesar e Dona Hilda. Tomamos chimarrão e novamente toca o telefone, era meu pai que havia atolado o carro ali por perto. Saímos com Júlio de trator para ir buscá-lo. Uma hora depois retornamos para a casa de Toninho onde nos convidou para almoçar. Quando viu meu pai, novamente se lembrou de seu amigo e meu tio Vavá, pela semelhança. Na cozinha, conversamos enquanto preparávamos o almoço, lhe falei um pouco do que estava tocando com minha pesquisa e queria assim ouvi-lo: INSTANTE 17. (CONHECIMENTO). CASA DE TONINHO - MANHÃ Por que como a gente tava falando, com esse projeto uma das minhas atenções é procurar entender como é esse homem forte, do nome Karú né... e por aqui percebo que é como ele se relaciona com a terra, no sentido não só do planeta, mas daquilo que está próximo...Por exemplo quando o Vanderi contou que tirava a madeira do rio pra fazer os trabalhos dele, quando o Seu Maurício fala sobre o cuidado com a suas plantação e lembra do quanto importante foram as amizades em sua vida e da paixão dele pela música...E não só do “homem” não é... todo o conhecimento de planta da dona Beth e dona Zena, dos esforços e cuidados da minha tia Rosa com a horta dela...então pra mim que venho da cidade, quer dizer, de um contexto mais próximo do que se entende por cidade, vir pra cá e saber que ainda existe esse conhecimento da terra... por que a vida nas cidades fez perder esse conhecimento...e como em muitos lugares aqui sei que teve muitos indígenas....e os indígenas tinham esse conhecimento não é? - Sim, eles conheciam muito de fitoterapia, vamos supor... talvez não soubessem o nome mais com erva, era campeão e também não tinha outro jeito...- Por que dar nome não muda muita coisa... - Isso , o importante é o conhecimento - diz Toninho. - Então por aqui nesse primeiro momento dei atenção para ouvir esses relatos, em comum, marcados pela presença do rio, das terras férteis, das áreas atingidas , como falamos, pelas barragens, e nessas conversas surgia isso... ontem a noite antes de ir dormir conversei bastante com seu irmão sobre a produção de orgânicos ... 54


Fotografia: Parede da sala da casa de Toninho, com os diversos certificados de cursos que fez e ministrou ao longo de sua vida. Karú, Agosto, 2016.

INSTANTE 18. (ANATOMIA DA TERRA). CASA DE TONINHO - NOITE

- Sim - disse Toninho - o orgânico, vamos supor, é a coisa mais simples, só que não dá pra ser em grande quantidade. pra você ver, essa minha horta aqui é orgânica, não vai nenhum veneno. Vai do cuidado com a enxada e um adubo orgânico, só... e a água né, como te falei.Porque orgânico não é coisa de outro mundo, só que precisa ter gente pra produzir. E se quiser, em um pequeno pedaço de terra, dá de sobreviver. Não digo que vai sobrar pra comprar um carro, mas pra vida, pra alimentação... é só querer. Só que muita gente deixa a terra de lado porque tem no mercado, tá pronto. E outra coisa, orgânico-orgânico dá equilíbrio na terra e quando você usa veneno o que acontece... vai mata os “ruim” e vai mata os “bom” juntos, isso aí com, vamos ver, a palavra antibiótico, quer dizer anti-vida, do bio que é vida não é. Além do que, se ir por esses matos [apontou pela janela] tem mais de mil plantas que tem algum uso, agora se usasse veneno dai já não sei se ia ter, então....não vou dizer que seja contra antibióticos, mas ele vai fazer esses dois processos, vai mata as coisas ruins e boas do organismo e assim, a mesma coisa com a terra, se você ver a anatomia da terra não é [...] então tudo vem da terra, em me pergunto porque que eu não saí, fui pra cidade, lembro que fui no mercado e vi tudo que era da terra e fiz essa reflexão, “um ou outro tem que fica”, eu não aconselho, mas eu fiquei e gosto, é sofrido mas eu gosto...o problema hoje, a exemplo, se liberassem pra vender, usar o pinheiro araucária... os antigo sempre cortaram e sempre tiveram, eu plantei muito pinheiro, agora que tá proibido daí vai acabar, vai secar o que tem... voce perguntou antes se ia acabar, desse jeito que tô te falando acaba. Tive que financia um paiol pequeno de “material”, se pudesse fazia de madeira e não gastava mas nem pra lenha...o que tenho estocado se viesse uma vistoria capaz de achar ruim porque tem uma quantidade limite...

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Explica-me que sabe ler a vida de um homem pelo modo como ele pisa o chão. Tudo está escrito em seus passos, os caminhos por onde ele andou.– A terra tem suas páginas: os caminhos. Está me entendendo? – Mais ou menos. – Você lê o livro, eu leio o chão. COUTO, Mia. Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa chamada Terra, 2002, p.11.


INSTANTE 19. (HOMEOPATIA). CASA DE TONINHO - NOITE

Fotografia: [abaixo] Estante com alguns dos livros que lemos na casa de Toninho Karú, Agosto, 2016.

Conversávamos eu, Toninho e meu pai, Orival, enquanto lhe ajuda a temperar a comida fomos conversando [com o gravador ligado] - E como foi a fitoterapia e homeopatia em sua vida? Da onde vem? - Eu, na verdade no começo não acreditava em homeopatia... mas eu não dizia que não acreditava... - Mas já conhecia de planta? - Já! Conhecia fitoterapia e aprendi não sei porque.Eu tava numa ferraria... meu pai dizia que a classe, profissão mais pobre era a de ferreiro na vida, era o que meu pai dizia, e eu cheguei numa ferraria, ali em frente a boa parada, hoje não tem mais, isso aí era outubro de 83 e o senhor que trabalhava ali me disse “eu vo te dá um livro”, e isso tinha bastante gente dentro da ferraria, “porque pra minha gente não vai adianta porque eles vao ir pras cidade e vocês que vão ficar no interior é bom pra achar alguma planta, pra fazer chá e alguma coisa assim, esse livro é muito bom”... assim, chegou na minha mão. Eu lia assim... mas não tinha o hábito de ler daí pensei “mas pois agora... tinha tantos ali que na época tinha segundo grau, ginásio naquela tarde na ferraria... porque que esse homem me foi entrega esse livro?” Eu me questionei. Mas vim com o livro pra casa, daí no caminho já abri e li a tansagem e perguntei pro meu pai e ele me disse “a tansagem é uma planta muito conhecida pra curar ferida assim, um senhor machucou o joelho e levei a tansagem pra lavar o joelho desse senhor”... Então comecei a ler o livro e começou com essa história de fitoterapia, não tenho mais esse livro, emprestei e não devolveram mais, mas era um desses do Irmão Cirilo... - eu ia mesmo te pedir esse[rimos] - Pode levar” - Quero ler mas também pra fazer um vídeo com a nossa conversa... - Daí tá...eu comecei a fitoterapia, a estudar e usar, mas antes do livro já conhecia um pouco de planta. - Com tua mãe? - Não, minha mãe nem acreditava, o meu pai conhecia...dai tinha uma “índia”, uma senhora já de idade que morava aqui com nós, ela conhecia... não sabia nem ler, nem escrever, nem que ano ou dia tava, mas sabia onde e pra que servia as plantas eu dizia, pode achar um “carrapicho do padre” [picão] ela sabia e trazia... então aprendi com meu finado pai que aprendeu com ela alguma coisa...

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INSTANTE 20. (HOMEOPATIA). CASA DE TONINHO - NOITE -Eu sempre digo que profeta da terra não é bem recebido...às vezes eu me questiono dentro de mim mesmo, às vezes eu saio e converso com o Joaquim, aquele cientista que falei pra você conversar, “será que eu to fazendo a coisa certa?” Será que eu to assim numa besteira” ele diz “não,você tem esse dom, então continue”, então eu me questiono muito .“Porque eu to lá” “porque estou atendendo”, mas eu só feliz, por ajudar, porque até hoje não deu errado com nenhum... e não é só homeopatia... Já falei pra um senhor que não poderia negociar “nem carretel de linha” - ele não tinha dom pra negócio - e ele depois voltou pra agradecer...Ali onde eu estou, naquele espaço, não é só homeopatia, trabalho nos outros lados também... em orientação...por vezes alguém chega furiosa e depois diz “você tirou 500 quilos da minha cabeça”, então vai tudo...teve casos que não cabia à mim... já orientei pra ir pra justiça...Conforme a conversa às vezes não precisa nem tomar remédio, saí “são” ali de dentro. - Neste sentido, o que seria cura pro senhor? - Atingir a alma da pessoa, vamos dizer, dizem que o psiquiatra é isso...mas só que eles passam remédio não é... por vezes nem conversar conversa... o que eu acho fundamental, mas sem dúvida, quando é preciso encaminho também “ó! melhor consultar um neurologista” ou coisa assim... - Passa muito pelo lado, como já falamos, emocional não é? - Sim, às vezes a energia tá bloqueada, “os fio terra” não tão ligado e a pessoa adoece, às vezes uma prosa resolve...mas se vai no médico às vezes é só uma receita e pronto...e tem isso, dos pontos...conforme a pessoal eu falo “chakra” pra outro eu falo “meridiano”, porque tem que ter todo um cuidado com a palavra pra não ofender a crença de cada um... Eu tenho conhecimento dessas coisas, mas tem que respeitar, adaptar também...

Fotografia: Montagem: Horta do Toninho e tanque correndo água do galpão para horta [como nos disse, a fonte de água fica à 400 metros de suas casa e é quase mineral].Karú, Agosto de 2016

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INSTANTE 8 (ANATOMIA DA TERRA). CASA DE TONINHO - MANHÃ -Não vou dizer que foi tudo assim, facilitado... eu me envenenei, me envenenei muito com planta... pra conhecer... com a “maria-mole”, com essa que tá aqui ó [apontou pela janela], “a erva-de-passarinho”, é tóxica, tem que usar em dosagem...então comecei assim...quando chegou em 1985 fui convidado pela paróquia pra trabalhar com o povo até que fui pra Florianópolis, com aquele livro, mas vamos dizer, era tímido, praticamente analfabeto, mas quando pediram pra quem soubesse ir pra frente, eu fui, meio de metido, porque não me convidaram pra ensinar, mas daí eu fui, com uma outra colega, eu lembro que queria saber mais do que eu.. mas, não é me lograr, mas naquela época tinha mais conhecimento...então me convidaram pra fazer um curso de treinador, mas eu nem sabia o que era treinador... “sabe o que é treinador de futebol?” - me perguntaram. “Sei”. “É desse tipo, você vai ensina o povo e tal”. “Não, eu não vou agora, vou fazer essas etapas por aqui” daí retrucaram “mas você não precisa”. Mas terminei, e só depois fui pra lá [Florianópolis] e depos fiquei assessorando a diocesse de Lages, até hoje me chamam por lá e eu vou... - E massoterapia? - Massoterapia eu já sabia. Um médico da Argentina me ensinou arrumar coluna...e daí foi indo, fui auxiliando, aprendendo... mas como disse acreditava na fitoterapia, mas homeopatia ainda não acreditava, mas já em 1994 outro padre me passou, eu já tinha conhecimento em geoterapia...com os emplasto de barro que apliquei em meu pai, e comecei conhecer, fui fazendo curso, de probiótica...só que curso não é reconhecido, mas se fosse ver valia quase uma faculdade. Fiz “educação popular” com o falecido Vavá, a gente aprendeu muito...ele fez um ano antes de mim, não precisava, já tinha conhecimento... - E que aprendia lá? - Aprendia de tudo política, geografia, sobre a ditadura, sobre a guerra do Paraguai, de tudo, conjuntura do país, a estrutura, do projeto Vianei*, no antifo seminária que era uma entidade que no fim esbanjaram e faliu...era um, digamos, um projeto social, o governo não fornecia. Se não fosse isso podia ta com a cabeça fechado, mas só que daí a gente viu que as coisas podia ser diferente né, foi lá que aprendi a entende de política, porque os antigo diziam que política é sujeira, e tudo é política.... dai você aprendia a se comunicar, coisa assim. E era um curso gratuito...só inha que doar do seu tempo e condição pra ir, fica de segunda a sábado né, me ajudou muito, todos os cursos me ajudou muito. Tenho esse outro irmão, lá de Curitiba e me disse: “eu so formado em Geografia mas você tem muito mais conhecimento do que eu”.

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INSTANTE 8 (HOMEM FORTE). CASA DE TONINHO - MANHÃ - Eu vejo o seguinte, que a questão desse trabalho comunitário, na Pastoral que contribuo, e de outros, é a que a gente tá ajudando as pessoas... aquilo que a gente faz, que for bom pras pessoas enriquece não é? porque a riqueza não é só “debulha” dinheiro... A gente atende porque sabe que ajuda, ao menos espiritualmente, Você viu hoje a ligação lá de Joinvile não é?... voltando ao que falávamos sobre democracia... ser democrático é sofrido...a democracia é sofrida... vamos supor, quando alguém é democrático ele vai conseguir um grupo, o “tecnocrata” também vai conseguir um grupo mas não vai aguentar muito tempo... não sei se falei certo... - Seria aquele que vai pela força? - Isso... não vou dizer que não consegue um grupo, lógico que consegue, mas eu quero ver aguentar tempo. E claro que na democracia vai ter muita divergência...é sofrido, mas o cara tem que ser democrático eu não posso pensar só em mim... tem que pensar nos outros sem deixar de cuidar de si... - Então isso seria o homem forte pra você? -O “homem forte”, eu digo que seria, no meu ponto de vista né... tem esse sentido, aquele homem que não pensasse só em si, pensasse na sociedade, e que ela tem que melhorar, seja na área política ou outra... tem que ser diferente... esse é o homem forte, do físico, que é consequência, e de espírito, porque não podemos pensar, “eu to bem aqui” enquanto outro tá passando frio ou tá passando fome...eu vejo nesse sentido não é? Então, resumindo, tem que ter o pensamento pra questão social e isso passa por dar condições pro outro... não é só um salário...agora você ter magistrado ganhando mais do que muita gente nunca vai saber...então pensar só em si faz desses os “homens fracos”, de espírito. Centro Vianei de Educação Popular (Vianei) uma ONG situada em Lages e que, desde 1983, atua junto a agricultores familiares de alguns municípios da região serrana. Ler em: http://www. vianei.org.br/

Fotografia: Montagem; quarto do sotão; entrada dos fundos da Casa de Toninho [com pessegueiro]; livros de medicina e botânica Karú, agosto de 2016

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agradecimentos Dedico estas páginas àquele que ajudou a construir esse caminho em todos os passos, como orientador, artista, professor e acima de tudo, um grande amigo, José Luiz Kinceler [1961 - 2015]. Sua falta é tão grande quanto os seus ensinamentos que certamente continuará a nos preencher, À Nara que me acolheu como seu orientando e de quem sou imensamente grato pela atenção, contribuições e imenso apoio [estendo aqui os agradecimentos ao seu companheiro, Flávio Tutida, que conheci em viagem ao Karú, por suas palavras, quando me agradeceu por fazer conhecer uma cidade que até então era para ele um local de passagem] À professora Raquel Stolf e ao professor Luiz Sérgio pela atenção, por aceitarem o convite à banca e contribuirem com esta pesquisa tanto agora quanto em outras ocasiões. À minha irmã, Elaine Lima da Silva, por compartilhamos tantas horas de conversas, leituras, correções, sugestões, já que por algum acaso [ou não] as nossas pesquisas se deram no mesmo período e compartilharam experiencias vivenciadas na mesma localidade do Karú. Ao meu pai, Orival, que nos acompanhou ativa e criativamente nas viagens ao Karú, por todo o apoio,registros fotográficos, atenção com as nossas pesquisas [e paciência, com dois mestrandos-hermitas em casa] A minha irmã Franciele e ao Jaison por me ajudarem e se disporem em muitas etapas desta pesquisa. A minha mãe, Teresinha, por tudo aquilo que me fez ser e acreditar e mesmo à distancia é tudo que sei sobre amar e ser amado. À Agata por estar do meu lado durante grande parte deste caminho com muito carinho, amor, além de toda a sensibilidade compartilhada na sua maneira de ver o mundo.


Ao meu avô João Maria e ao meu tio Lorival que se fizeram tão presentes nesta pesquisa com seus ensinamentos que levei comigo por toda essa viagem. A tia Rosa que sempre nos recebeu em sua casa com generosidade e carinho sem tamanho! À Eliete e Eliane e seus companheiros Agnaldo, Fernando e ao meu primo Rodrigo. Ao Pedro Hiago pela amizade. por nos receber em seu sítio e acompanhar como guia em vários percursos desta pesquisa. Ao Vanderi, que fez da sua casa a nossa primeira parada no Karú, com toda sua criatividade e força de vida tão singular. Ao Toninho por compartilhar de suas sabedorias e palavras em sua casa e na casa da Pastoral da Saúde. O carinho e receptivaidade de Zena e Leonel, Beth e Maurício. Hermar, Nildo, Diego, José Moacir, Juan, Dora, Hilda, César, Júlio, Lindomar, Nivaldo, Donizete e todos aqueles que partilharam o seu tempo no Karú. À Nelia Machado e Geraldo Locks por seus escritos valiosos. Ao Remi e ao Avadir, radialistas da Coração da Serra.

À todos que fazem e e fizeram parte do Coletivo Geodésica Cultural Itinerante, vocês devem saber que com voces aprendi a ser quem sou. À todos os mestres, amigos e servidores da UDESC por todos esses anos. À Capes, pelo apoio sem o qual este trabalho não teria sido realizado.



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