[Caderno IV ] convite para cavar um buraco

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convite para cavar um buraco




À Wilton Pedroso, Vanderi Bastos, Vanessa Costa, Tatiana Rosa, Samanta Fioravante, Raphel Duarte, Pedro Hiago, Paulo Renato (Damé),Mario Beerli, Lucas Sielski Kinceler, Isabela Bronaut, Flávio Tutida, Bruna Maresch, Antônio (Toninho) Angélica Marques, Ágata Tomaselli e a orientadora Nara Milioli que generosamente aceitaram o convite e contribuiram com estas páginas, a minha gratidão e forte abraço!

Aos demais amigos e caros leitores, as páginas deste caderno percorrem quatro dias relatados na singularidade de palavras e olhares que compartilham, primeiramente, a vontade de estar juntos, pela amizade, em contribuição com esta pesquisa mesmo que o o convite seja para viajar 300 km, ou mais, para ajudar a “cavar um buraco”.



Data: 27 de março de 2016 17:59 Assunto: Convite para cavar um buraco (enviado por emal) Olá geodésicos e amigos! Neste domingo, sagrado (ou não) para muitos, aproveito para escrevê-los: Como alguns sabem estou na etapa meio-final de um projeto de mestrado que se chama Karú, terra-fértil homemforte. Um projeto que não seria possível sem muitas das trocas, conversas, projetos que tive com cada um de vcs. Um projeto que traz em alma as contribuições e trocas com nosso amigo e professor Zé, quem mais me incentivou neste caminho e que agora segue com as orientações e trocas com a querida professora Nara que corajosamente acolheu os mestrandos e doutorandos do Zé. Alguns de vcs já tive a oportunidade de comentar e falar pessoalmente, mas aqui vai o convite: Estou propondo a data de 20 ou 21 de abril (quinta feira, feriado de tiradentes), até dia 24 (domingo) para subir a serra e nos reunirmos nos campos da cidade de São José do Cerrito (Karú) - perto de lages (cerca de 220 Km de Fpolis) para realizar um encontro-acampamento. O mote é"cavar um buraco" do tamanho que pudermos e nele realizar um encontro com fogo, música, barro, comida e trocas com os amigos desta localidade, junto a paisagem de araucárias e sob as estrelas de lá.


Esta proposta procura nos aproximar, pela experiência, dos modos de vida vivenciados a milhares de anos pelos povos indígenas Jê, que habitaram aquela região construindo as chamadas casas subterrâneas, (que alguns de vcs deve ter visto algo sobre nos últimos meses devido as recentes pesquisas arqueológicas) e principalmente, promover trocas com as pessoas incríveis que nos últimos meses conheci e cultivei relações. Esta proposição retoma também, em essência, muitas dos nossos encontros e práticas em torno ao fogo, com a terra e para terra, que muitos de vcs participaram. Além disso, essa ação será uma cena filmada e relatada como parte da dissertação, já que o próprio texto dissertação será apresentado como um roteiro. Esta é uma data que dependerá da disponibilidade de muitos de vcs, mas que pretendo realizar mesmo que alguns de vcs não possam, quantos mais puderem melhor. Ainda assim, pretendo organizar outros encontros menores por lá (um não será suficiente). De qualquer maneira com este email pretendo abrir um espaço de trocas e propostas que possamos realizar por lá, por aqui e além. O convite está aberto a outros amigos e pessoas interessadas do círculo de cada um de vcs, no entanto, por questões de logística, penso que o número entre 20 pessoas seria mais cabível. Detalhes vamos acertando no decorrer. Forte abraço, Leo.


(nosso anfitrião) Bom, vamos lá, quando o Leonardo veio pedir para acampar no sítio eu fiquei assustado, pensei em não aceitar pelos transtornos. Mas eu gosto de novas experiências. Na quinta quando chegou o Wiltão (São Paulo), eu fiquei muito preocupado em hospedar, mas conversando vi que eu não tinha o que me preocupar. Deu nos nervos quando o Leo com o Lucas não chegava e estava já caindo a noite, conseguimos contato, logo eles chegaram. Começaram a montar o acampamento eu ali observando o quanto todos eram bem simples. Em seguida começamos a conversar. Rapidinho me enturmei. Quando começaram a cantar e tocar os instrumentos (nada convencional) fiquei fascinado pelo modo de fazer música.


sítio paraíso

Na sexta a visita no Seu Toninho, muito legal a conversa ao redor do fogão a lenha. Seguindo para o contato com a natureza no meio daqueles pinheiros, que eu também não conhecia. A preparação das refeições também me chamou a atenção pelo comprometimento de todos. No começo fiquei preocupado com a bagunça, mas não sou muito apegado a isso. À noite a contemplação da lua. Coisas que deixo passar despercebido pela pressa do dia-dia. Assim, tem muito mais só que sou ruim para por no papel. E já estou com saudades de todos.


Manhã de 21 de abril, ano de 2016. Subimos da ilha para as terras altas do Karú São José do Cerrito/SC.

Depois de alguns meses acertando qual seria a data, o local, e todos os pormenores com a ajuda de amigos da localidade do Karú que se disponibilizaram a ajudar desde o príncípio ,como o Vanderi Bastos e Seu Hermar [que se prontificou a nos receber em sua casa] até que confirmamos a data e seguimos. Por lá, nos esperava Pedro Hiago, que gentilmente nos acolheria em sua casa no Sítio Paraíso que pertenceu aos seus bisávos. Primo “duplo” de quarto grau (sua bisavó era irmã de meu avô e o bisavô irmão de minha avó), cresceu aqui. Seus pais e irmãos moram terreno ao lado, em outra casa, onde vivem por vínculos de trabalho na produção de leite e queijo. Depois de concluído o ensino médio, conforme nos contou, trabalhou na “cidade” (no Sindicato Rural) por cerca de um ano, até que resolveu voltar para o sítio.


(o convite) Intuiu com essa escolha uma melhor qualidade de vida, ao perceber os percalços de muitos jovens de sua geração que escolheram a “vida da cidade”. Com esta escolha investiria o seu tempo para cuidar e trabalhar com a terra . Um tempo que divide (ou multiplica) o dia com um curso técnico em agronomia, aulas de graduação em filosofia - e mais recentemente - leciona (filosofia) em uma escola pública local. Antes mesmo de se mudar para a casa, começou a plantar no terreno mudas de árvores nativas; ao redor da casa: morangos, rosas, repolhos; nas lavouras: feijão, abóboras, cebolas, além de um fruto típico que se alastra facilmente, o quino. Todos estes crescem à vista de sua janela com os cuidados do cultivo orgânico.


(o buraco)

Em: Ávila da Luz, AUJOR. Os Fanáticos: crimes e aberraç

Lembramos com Hiago que exatamente há um ano nos encontrávamos pela primeira vez na Boa Parada, onde nos levou até “o buraco dos bugre”. O buraco da Boa Parada (casa do sítio 52, conforme demarcação arqueológica encontrada em Schmitz (2014)). Este, apenas um, entre dezenas de outros desta, que é uma das 35 localidades da região do Karú fortemente marcada pela presença deste legado indígena. Naquela ocasião, meses antes de estar ali, em conversa com Raúl Novasco, um dos arqueólogos que estudou os sítios da região (e que por ocasião conheceu e casou-se com minha prima alguns anos depois), soube da existência das casas indígenas. Informado pelo meio acadêmico, pelos textos lidos, com naturalidade perguntamos aos moradores locais, à caminho da Boa Parada, sobre as tais casas. As respostas atestaram que fora das pesquisas, são poucos os que conhecem ou reconhecem (por desconhecimento ou por preferirem ocultar) a existência deste legado. Já que, no contexto do planalto de Santa Catarina ou mesmo da América Latina, é na região do Karú que se encontram rastros de uma das maiores concentrações das chamadas “casas subterrâneas” estudada e aprofundada recentemente como o seio ancestral de uma civilização indígena que habitaram esta região por cerca de 55 gerações.


Mais do que “buracos na terra”, que podem passar despercebidos, esta

ções da religiosidade dos nossosacaboclos, reedição primeiramente em 1952)Editora presença conserva possibilidade de (publicado uma civilização constituída por hábitos da Ufsc, 1999.

e modos de vida mais complexos daqueles que fortuitivamente lhe atribuimos à legitimilidade histórica. Sobre esta presença indigena encontramos uma publicação*escrita em 1951 a qual de início pode nos dar algumas pistas: “O indígena, o primitivo senhor das terras do Brasil, vimos ainda por vários séulos depois da descoberta, continuou, em Santa Catarina, a ser a população mais numerosa e no planalto quase exclusiva (...)Porque as Missões não chegaram a penetrar no território entre (os rios) Iguaçu e o uruguais; os caingangs senhores desta região, porque foram aliados fortuitos dos bandeirantes e não chegaram a ser escravizados; e os temíveis botocudos e coroados que até recentemente viviam errantes pelas serras e sertões catarinenses (...) De modo que o indígena do planalto, apesar das freqüentes e ferozes “batidas” que sofreu, não entrou na formação etnogênica do cabloco catarinense: guerreado, ele se tornou inimigo irreconciliável dos moradores de Lages; aprisionando, não se escravisou, nem se cruzou, fugiu ou morreu de doença e nostalgia...O sangue índio que corre nas veias dos nossos caboclos vem dos bandeirantes, dos mamelucos e dos índios mansos de São Paulo” Sobre o termo caboclo continua: O termo caboblo, que no começo designava o índio e que depois se estendeuao próprio branco - que, por viver nos matos e sertões, afeiçoado a caça, teve a sua face requeimada pelo sol (...)

*Em: Ávila da Luz, AUJOR. Os Fanáticos: crimes e aberrações da religiosidade dos nossos caboclos, reedição (publicado primeiramente em 1952) Editora da Ufsc, 1999.


INSTANTE 1. (SOPÃO). SÍTIO PARAÍSO - NOITE Montada as barracas nos reunimos em torno de uma grande mesa de madeira abaixo de uma árvore com um letreitro em madeira que anunciava: Sítio paraíso. Depois da chuva, veio a fome. Sobre esta mesa vimos batatas, abóboras, cenouras, mandioca, inhame, quiabo entre outras especiarias. Combinamos uma alimentação que priorizasse aos “frutos” da região, como o feijão, pinhão, milho. Acendemos o fogo em uma chapa de fogão a lenha improvisada ali fora e cozinhamos uma sopa na companhia de Hiago e de sua namorada Vanessa e des seus pais que vieram dar boas vindas a nossa chegada - e gentilmente estedendo um fio para acendermos uma lâmpada até onde estávamos. Logo que começamos, voltou a chuva. Resolvemos continuar ali, cuidando da panela com um guarda chuva. Nos alimentamos (e aquecemos) com a sopa e fomos descansar ao som da chuva que percorreu a noite.



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In: SCHMITZ, Pedro Ignácio (cord) As Casas subterrâneas de São José do Cerrito, SC, São Leopoldo, RS: Instituto Anchietano de Pesquisas, 2014.


“Estas não tinham divisões, nem móveis, eram escuras e esfumaçadas, mas protegiam das intempéries, da chuva, do frio e criavam alguma privacidade. Elas não eram limpas e o lixo se acumulava para felicidade dos arqueólogos; há casas com centenas de fragmentos de cerâmicas, alguns instrumentos de pedra e muito carvão resultante das fogueiras ali mantidas. Estas fogueiras eram geralmene feitas sobre pequena plataforma de seixos, que retinham o calor do fogo por mais tempo. Outras atividades eram desenvolvidas fora de casa, à sombra das àrvores ou de pequenos telheiros.” (p.16)

Perfil da casa subterranea do sítio 52, mostrando como seria a cobertura.


INSTANTE 2. (COLETA). SÍTIO PARAÍSO - MANHÃ O dia amanhece nublado. Depois do café (e erva-mate matinal) o sol ensaia abertura por entre as folhas e a terra molhada pela noite.Enquanto alguns ainda dormiam HIago sugeriu que aproveitássemos a trégua da chuva pra coletar pinhões na mata entorno da casa. Com sacolas em mãoes, saímos. As pinhas pareciam ter caido maduras naquele mesmo dia ou no anterior e os pinhões se destacavam com o amarelo-avermelhado entre as grimpas e o verde arbustivo. Contornamos a mata e chegamos, passando pela lavoura de feijão e no ponto mais alto, vimos o pinheiro que da casa subia o horizonte com apenas galhos de um lado. O pinheiro, certamente muito antigo, estava seco, porém, Hiago nos chama atenção para um pinheiro novo que crescia entrelaçado sobre aquele. Logo ao lado nos mostrou um pequeno santuário que era de sua bisavó, onde ela costumva vir, conforme nos disse, mesmo depois de idade avançada. Descemos a colina até a horta familiar onde colhemos cenouras e o fruto quino, o qual espalhava seus ramos metros e metros pelo chão. Voltamos para preparar o almoço.



Sexta-feira, 22 de Abril. Chegamos aproximadamente ao meio-dia. Entramos na estrada secundária mas não encontramos o local no primeiro momento. Decidimos então ir até a cidade e telefonar. Depois de algumas tentativas de contato, encontramos o caminho. Chegamos com chuva. Todos já estavam lá, Léo, Pedro, Vanessa, Nara, Flávio, Bruna, Samantha, Rafael, Ágata, Lucas, Wiltão e Isabela, a Tati e o Mário chegariam no dia seguinte, sábado. Conversamos um pouco e saimos para visitar o Sr. Toninho, um nativo da região que trabalha com homeopatia, acupuntura, fitoterapia e massagem entre outras coisas. Atende na pastoral da saúde de São José do Cerrito, às quartas-feiras.

O Léo já tinha conversado com ele há um tempo atrás e avisado que iríamos visitá-lo. Chegamos todos naquela tarde chuvosa, sem avisar e fomos muito bem recebidos. Assim que chegamos, o telefone tocou. Era um vizinho para saber se estava tudo bem, pois tinha visto aqueles cinco carros estranhos se dirigirindo para a casa dele. (por Angélica Marques e Paulo Damé e Tatiana Rosa)




INSTANTE 3. CASA DE TONINHO - ENTARDECER Antes de partimos Toninho nos convidou para caminhar até os pinheiros no mata que sobe a sua casa. Segundo ele, um deles, é um dos maiores, se não o maior, conhecido da região. Demos as maões em torno do pinheiro, a volta completa se fez com seis pessoas com os braços esticados. Toninho nos disse, em outra ocasião, que um pinheiro leva 100 anos para ficar adulto, então este teria segundo relatos de sua família, seu irmão, Cesar, que nos diz: Desde que nosso pai chegou já era grande assim, pelo jeito sempre esteve ali!”. Estimamos com este pinheiro, uma presença que pode ser de uns 200 anos ou mais.




Lua cheia em escorpião, feriado de Tiradentes. A semana em Florianópolis, e por que não dizer, no país todo, de modo geral, havia sido difícil. Dia 17 de abril havia sido confirmado o impeachment da Dilma na câmera de deputados. A votação foi transmitida ao vivo em rede nacional e teve uma das maiores audiências da televisão brasileira. Fim de semana ideal para uma retirada kaingang entre amigos. Fomos recebidos em São José do Cerrito num pequeno pedaço de paraíso, onde um dia habitaram os descendentes dos Kaingang. O que sobrou de suas habitações é conhecido como buraco dos bugres. Claro que havia um pretexto para nos encontrarmos por lá, a pesquisa de mestrado do Leo e um trabalho a realizar: cavar um buraco. Desde que recebi o convite me identifiquei com a proposta. É cavando buracos que se semeia a terra para que tudo renasça e é na terra que encontramos força, coragem e poder para continuar. Estava prometida para a noite uma chuva de meteoros, mas aos nossos olhos só caiu muita água e neblina. Não foi possível cavar um buraco, mas quem se importou? Estava feliz, também por estar entre amigos em um lugar tão perto da minha própria terra natal, sentindo prazeres que me recordavam a infância: andar entre os pinheiros e encontrar cristais, pisar na terra, que é tão diferente da terra do litoral, ouvir o modo simples do povo falar. Um momento especial: passamos por uma feira agropecuária onde choravam vacas e terneiros, estacionamos os carros e pulamos uma cerca para chegar a um dos buracos. Coletamos terra, fizemos uma fogueira, uma roda, cantamos. O céu claro já naquela hora, mas uma chuva rala sobre o local onde estávamos nos dava a certeza de que em algum lugar do universo cantar faz nascer a esperança.

(por Bruna Maresch)




[Além do texto-experiência sobre o encontro, trazemos aqui, por (ins) urgência, escritos da pesquisa, também de Bruna Maresch, Terra Rara. Com quem compartilhamos não apenas a terra no título de nossas “pesquisas” mas também os seus buracos]. “Durante a década de 60 diversos artistas irão em busca de um outro lugar, fora dos limites da cidade onde realizar suas práticas artísticas. É comum artistas que buscam os desertos, bem como paisagens industriais arruinadas. De acordo com Miwon Kwon é uma busca condizente com um momento histórico identificado com a era industrial e a expansão dos subúrbios. A desmaterialização da arte em práticas conceituais e a procura de outros espaços para a experiência artística indicam o desencantamento com o projeto modernizador.”

[Neste contexto, nos apresenta o artista norte-americano Robert Smithsom [1938-1973] (www.robertsmithson.com/) “Os buracos são freqüentes nos textos de Smithson (em Entropia e os novos monumentos, Smithson também afirma que ir ao cinema é fazer um buraco na vida). [...] Nos textos de Smithson frequentemente saltamos entre as ciências físicas, a arquitetura, o cinema ou a fotografia[...]. [...] Cavar buracos precede quase toda construção assim como todo sepultamento. Os buracos preparam o terreno para receber as novas fundações e guardam coisas para ficarem enterradas.{...}Penso, especificamente, em um projeto de um coletivo de artistas japoneses intitulado grupo I, realizado em agosto de 1965. Durante a realização de um festival de arte independente, em Gifu, no Japão, o coletivo passou oito dias cavando coletivamente um buraco nas margens do rio Nagara. No fim do festival o buraco foi novamente coberto. Além do aparente desperdício de energia, o trabalho instiga a urgência de ações coletivas frente a tantas formas de individualismo em que nossa sociedade tem se afundado, apontando para o equilíbrio entre a unidade do grupo e o esforço individual de cada um ali presente. O uso da terra na cidade precisa ser colocado em discussão. A terra está pobre e demanda a articulação de todo nosso esforço. Novas receitas urbanas estão em evidência: elas partem da cooperação entre as pessoas da vizinhança e a administração pública. As ferramentas desta micro-revolução são: a autoconstrução, o trabalho em equipe e a solidariedade.“ Ler Terra Rara em : https://issuu.com/brunamariamaresch/docs/terrarara.compressed-2 (p.31-34),




Sábado, 23 de Abril Na manhã de sábado, após uma noite de chuva, fomos com o Wiltão até a cidade de São José do Cerrito comprar pão. Tomamos o café na padaria e retornamos para o sítio. Depois de todos terem tomado café, fomos visitar seu Valderi. Um artesão que além de trabalhar com madeira, fazendo móveis entre outras peças, possui um espaço com objetos de diferentes épocas, os quais estão todos à venda. Uma das brincadeiras que ele faz para divulgar os objetos que vende é que: “Tudo em sua casa está a venda, menos a sua esposa, pois não aceita devoluções”. Sua propriedade fica à margem da estrada e também ao lado de um rio. Também é deste rio que ele retira algumas coisas que transforma em objetos que estão à venda ou sendo utilizados para compor o espaço externo da residência.


Ao longo de um trecho do rio, que margeia o terreno da casa, ele plantou uma espécie de bambu alastrante. Ao lado dos bambus existe um banco feito do tronco de uma árvore, que é um convite para sentar e ouvir o barulho do rio e dos bambus. Pedimos uma muda do bamboo para levar e plantar em Encruzilhada. Reciclagem foi a palavra utilizada por ele para definir parte do seu trabalho. Utilizando, entre outras coisas, pneus para a escada no jardim (ele sugeriu uma foto do grupo ao longo desta escada) e ao redor de algumas plantas, inclusive um bambu que foi plantado perto da casa, o qual por ser alastrante já brotou fora da esfera do pneu. (por Angélica Marques e Paulo Damé e Tatiana Rosa)



INSTANTE 4. (FAZEDOR). CASA DE VANDERI - DIA Seguimos pela margem do rio até o acesso da casa Vanderi e foi ele que propôs: vamos tirar uma foto ali na escadaria, cada um sobe em um degrau pra ficar do tipo! Em outra ocasião nos acompanhou na rádio e disse: “Me considero um fazedor, daquilo que já trouxeram pra mim, desde arrumar piano até carroceria de caminhão, eu nunca deixei por fazer”.


Sentamos todos ao redor do fogão a lenha na cozinha, e começamos a conversar. Ele nos contou um pouco sobre como a homeopatia surgiu na sua vida, como ele tratou (com fitoterapia) do pai com câncer, e aumentou sua qualidade e tempo de vida, entre outros assuntos bastante interessantes. Em seguida, chegaram o irmão, a cunhada e um amigo. Tomamos café e comemos amendoim.Levou-nos para conhecer algumas das maiores araucárias da região, que ficam na sua propriedade. Pegamos alguns pinhões para plantar e comer. O Léo comentou que estava com dor nas costas e ele prontamente fez uma massagem. Iniciativa que desencadeou uma massagem para todos do grupo que quisessem recebê-la.


Enquanto alguns recebiam a massagem, o amigo do seu Toninho comentou que existiam algumas marcas incomuns no campo e se alguém gostaria de vê-las. Um pequeno grupo foi acompanhá-lo e as fotografou. Nos despedimos e voltamos para o Sítio. Assim que chegamos montamos a nossa barraca e nos organizamos para passar a noite. Na janta tivemos macarrão. Conversamos todos dentro de casa, e depois da janta fomos descansar. (por Angélica Marques e Paulo Damé e Tatiana Rosa)




Por quatro dias passamos acampados no terreno do Pedro Iago e de sua família no Lageado da Taipa, em São José do Cerrito, ou, como vi no trabalho do Leonardo, Karú. Desde o começo encontros e desencontros proporcionaram experiência ininterruptas. Choveu por metade de nossa estadia. A chuva proporcionou um tipo de encontro, o sol, outro. Conheci pessoas, moradores do local, e fiquei prestando atenção no que falavam e faziam, suas fisionomias, seus sotaques, gestos. Me passaram um senso de força, de trabalho, e esperteza. No conhecimento de sua terra, dos modos de fazer dali, do saber do corpo e da terra. Absorvi este saber, essa força.


Vimos o trabalho agrícola, as pessoas dos campos, e nos campos, e os projetos do Pedro Iago e sua família, ecologias sustentáveis, táticas permaculturais. Vi neles uma vontade de permanecer em contato com aquele pedaço de terra e torná-lo um espaço mais humano. Nos ofereceram frutas de lá. Catamos pinhão do chão. Me espetei nas grimpas da araucária. Fizemos fogo, cantamos e dançamos um pouco(valeu Mário e Tati por terem trazido o violão e os outros instrumentos na última noite que passamos lá!). Conheci gente nova. O seu Toninho, que além de trabalhar com fito e homeopatia, é massoterapeuta e deu um trato na minha coluna (e de uma galera também). Fizemos visitas outras. A tia do Leo. O seu Vanderi e seu trabalho com madeira e antiguidades coletadas, hortas e mais um monte de coisas. (por Raphael Duarte)


Na visita a casa de Diego, professor de Geografia e leitor assíduo, de livros e principamente, do seu quintal, faz dele um laboratório de práticas sustentáveis, onde testa o que sabe e não sabe sobre sustentabilidade, procurando entender tudo que a viver cotidiano, gera em dois caminhos, ou vira lixo ou energia, ele escolheu o segundo. Desde seus portão de pneus, telhas, madeiras, briquedos para seu filho de 3 anos até conduzir as “águas cinzas(da cozinha), das águas escuras (do banheiro)” convertermam-se ali em energia, Assim nos mostrou pacientemente ddatico um itinerário, uma aula de mais uma hora pela sua casa. O terreno em que vive, que não muito grande, desce até o rio e perto dele, nos conta:

“Aqui, esse pedaço (do terreno) eu já entendi, é do rio. esse pedaço é dele, ele ocupa pra ele , (mato ciliar, alguém diz), a cerca é aberta não posso fazer palanque por lá nem por aqui, tenho que deixar que ele vá, essa aqui ( aponta pra uma árvore bracatinga) foi ela que dobrou, a enchente, ela vem e dobra tudo aqui. Toda essa área se enche, tanto que a gente podia tá em baixo da água. Então esse espaço aqui é dele (alguém chega na conversa e interroga, do vizinho?) não, é do rio, ele ocupa o espaço dele e deu! se vai ir contra as leis da natureza?”



O “professor Pardal” do Cerrito, Diego, que nos deu uma verdadeira aula de Permacultura. Todos eles pessoas que realmente se doavam para os trabalhos que faziam, no ritmo de uma certa natureza, como criadores, experimentadores, bricoladores até! Acompanhei o raciocínio deles até onde pude. Mas ainda preciso de uns dias para assimilar o conteúdo disso. Talvez um dos momentos que eu mais vou reter na memória seja nós todos lá dentro daquele buraco – a antiga casa indígena. Queimando as grimpas e paus,fazendo uma fogueira central, e dançando e cantando ao redor dela, como talvez a muitos séculos não se fazia. Isso enquanto mugiam alto todos aqueles bois da propriedade ao lado. No fim não cavamos o buraco.Tivemos que tomar desvios, percursos inusitados. Algumas pessoas se perderam no caminho. Mas logo nos achávamos todos no mesmo lugar de novo, e estava tudo bem.


Ficamos de voltar no futuro. Ficou um laço. O coletivo Geodésica*, assim desejo, com certeza vai aprofundar essa troca de saberes daqui pra frente – pois força e terra, e gente sensível como o filósofo Pedro Iago, se tornaram indispensáveis, hoje, para a arte, tanto quanto sempre foram, para a vida. (por Raphael Duarte)

*O Coletivo Geodésica Cultural Itinerante, surgiu a partir do Grupo de pesquisa “Arte e Vida nos Limites da Representação - UDESC/CNPq em 2011 com orientação do Prof. Dr.José Luiz Kinceler e é composto por artistas e estudantes nas áreas de artes visuais, música, teatro, design e agroecologia. A Geodésica Cultural tem como objetivo viabilizar espaços de convivência e valorizar trocas de experiências, desejos e saberes entre as pessoas. A “Geodésica” é um dispositivo itinerante para a realização de diferentes projetos cuja base é a implementação da criatividade visando a reinvenção de relações sociais, culturais e ambientais.


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Estava ali Toda vontade de ser Toda energia

A terra que é fertil Que nos encharcou Que nos serviu café

Numa realidade não-paralela Que disparou a flecha e Dançou ao redor de nós

Ainda ouço as canções Na roda da fogueira. Ressona no coração.


Do fogo que queimou noite passada Da chuva que lavou a terra

E deu abrigo Nos braços que acolhem, Nos olhos calorosos, Estava ali, nas pessoas

Continua sangrando, Transbordando, Pingando no chão e Alimentando o solo.

(por Ágata Tomaselli)


O Instante do ato não é renovável. Ele existe por si próprio: o repetir é lhe dar uma outra significação. Ele não contém nenhum traço da percepção passada. É um outro momento. No mesmo momento em que ele se desenrola, ele já é uma coisa em si. Só o instante do ato é vida. Por natureza, o ato contém em si mesmo seu próprio excesso, seu próprio vir-a-ser.


O instante do ato é a única realidade viva em nós mesmos. Tomar consciencia já é ser no passado. A percepção bruta do ato é o futuro de se fazer. O passado e o futuro estão implicados no presente e agora do ato. Lygia Clark, A propósito do Instante (1965)


Todas as Imagens que compõe esta publicação são registros comparttilhados por Ágata Tomaselli, Lucas Kinceler, Mario Beerli e Nara Milioli. Florianópolis, Julho de 2016




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