leonardo MAthias
reticĂŞnciasentreparĂŞnteses
Prefรกcio
M. da farmรกcia por Wilson Torres Nanini
p/ leonardo mathias
por mais remédios que haja a vida é sem antídoto? há receitas infalíveis mas redigidas em hieróglifos ininteligíveis – é em hora de particular redemunho que o brejo que temos dentro vem à tona depois dissimulado se diz: água filtrada translúcida que nos afoga – não porque seja profunda mas – porque os instrumentos (rosário revólver roseira) de que dispomos para respirar a vida por vezes não funcionam
para D. mingus, herman e grèco
“O que mais interessa na arte é a indecisão” Marcel Duchamp
é isto,
está aí (...)
– noite –
(...) Ă s vezes
(...) as coisas
(...) s達o mais velozes
na curva.
– luz meio amarela –
não há jogo do que se projeta não se deve impedir
suprimindo o mistério [num desfunde cru] a sombra intensifica, corta instável – singra a fina estria –
um quase soco se fecha enquanto o breu emudece (...)
[galhos secos examinam]
mal se equilibram ao longo de seu pr贸prio dorso torto a copa parece murchar alude ao esgotamento, retornando exausta ao mesmo estado
[nada]
o poste
elétrico não possui mais fios: apenas dois maços de binóculos pendem1; no chão nenhum grão move (...)
(...) gira o pulso [só o movimento, não hão “as horas”] – as mãos ocupadas – teme secretamente a pressa dos outros pelas periferias dos olhos (...)
sacolas talham o viço vago do silêncio: surge o veículo em sua direção; [ainda não] num sopro o que atentava a um caminho passa a tender ao desvio
[manchas mínimas desfolham no asfalto;
para]
do porta-malas [um barulho] alguém [não se vê] apenas ombros guia o automóvel
[outro sai] larga seus óculos e põe de viés os dedos choca-os contra o vidro que não abre [desiste] (...)
[caminha atĂŠ vocĂŞ, o leitor, te olha fixamente]
um momento
“– você pode ser um leitor-nada e, se realmente não acreditar em nada, ainda pode ler um livro sobre isso: você pode ser mulher, e isso não é nada, como nada é ser homem, afinal, você terá de raspar os pelos e isso também não faz diferença: – a vida está cheia de nada e, ainda assim, tensiona as coisas – e por isso seguimos insistindo, mesmo [por nada]”
– somente por meio da sensibilidade o homem poderá penetrar no espaço 2 –
ainda 茅 tarde [o quadrado im贸vel vela tinge o nome do lugar] (...) a imagem desfalece sob a mesma coisa:
(...) intrĂŠpida geometria, nenhuma
em distopia crônica as árvores invisíveis certamente dançam para que os desconjuntados corpos se desvencilhem de seus próprios
[em gesto resulta o peso e o fogo adensa o vago]
– chuva forte –
cerca-se de um ecossistema construído aos poucos e se parte e ele permanece sem você ele para em você – se arranca –
há um esgar reincidente durante os períodos do dia e o sol que, sem opção, nasce
– há a possibilidade da espera –
um instante
(...)
adiante pouco seria preciso para tomar um desvio e mudar tudo antes, acende-se um cigarro
(...)
– o inevitável –
– situação horizontal de banheiro [puxa a descarga, abre a torneira]. –
[flush!]
[movimento] um outro transpassa a cena, validando o invisĂvel (...) luz sobre a tela [o cinema trinca o poema]
a sinfonia esparsa de tosses, numa sequĂŞncia de cĂłpias, denuncia ansiedades desorientadas abrem-se as cortinas: evita-se, mais uma vez, que se siga aquela narrativa constante constrangida o homem ĂŠ ritmo, vertigem de si mesmo3
– a continuidade prevê declínio –
(...) sentado, esperando o desenho do talher não tolera o término do contorno – aplicado pelo indicador – (...) deve-se acender um cigarro pedir um expresso esfregar as mãos após o primeiro gole4
pela beira da perda escolhe seguir [esperando]
– adaptar é romper –
o vago vÊrtice articula sua alçada (...)
– (...) e a vida é sonho 5 –
o estado das coisas6 repete, em surdo estampido, aquilo (...)
[numa espécie de murmúrio, num movimento qualquer] (...) ainda assim – o revés da porta, tece –
– o que não se pode falar deve-se calar7 –
e, pela milĂŠsima vez, a mesma imagem escoa (...)
– o silêncio nasce –
perde-se o tempo (das coisas) desloca-se apenas por (...) e o esmo hรกlito pula aros: nรฃo hรก mais espaรงo para qualquer fala a sarpar
[passa]
(...) vazios volúveis ocupam-se de seu ofício: (...) gestos tensionam coisas quais, nem sempre, existem (...) e a vida é sonho: viver, um ato egoísta sobreviver, uma lei genética8
(...)
– Julgamentos racionais repetem julgamentos racionais 9 – [repetem]
(...) tudo é passagem ferramenta sempre alerta à função10 qual nunca surge ungido em obsessão, não se dorme habilmente se emenda instrumento ao outro e segue-se distraído fazendo sair pelos poros o extraordinário: [patética dinâmica-do-erro] (...)
transição de cena
– happiness is a warm gun 11 – yeah, yeah, should, should
às portas de um final apoteótico, a noite branda oferece sua brisa abafada (...) corre, ao longo de sua extensão [sem fim] uma espécie de cansaço, como um arrependimento lento, que adensa – balada sem tema aparente –
e, nesse instante, em que não se deve , por hipótese alguma, mover é preciso deixar passar tudo aquilo (...) o poema, que poderia atribuir algum significado, mas que , por debaixo de sua escura máscara, não é nada senão opacidade declarada
[ao mesmo tempo]
o sono – sem saber o que tem dentro –
esquece
– madrugada –
* impress達o em papel vegetal transparente no livro impresso
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a memória é uma ilha de edição Waly Salomão
NOTAS 1 referência a Hubber, Quentin Dupieux, 2010 2 Yves Klein 3 referência a Guenádi Aigui 4 referência a Asas do Desejo, Win Wenders, 1987 5 Waly Salomão 6 referência a O Estado das Coisas,Win Wenders, 1982 7 Ludwig Wittgenstein 8 Seul contre tous, Gaspar Noé, 1998 9 Sol Lewitt 10 limitação das possibilidades, dependência prejudicial, estreitamento (n.a.) 11 The Beatles, White Album, 1968
AGRADECIMENTOS Alexande Pinto Garcia Anderson Lucarezi Bruno Silva D’Abruzzo Eduardo Lacerda Guilherme Gontijo Flores Michelle C. Buss Taís Bushatsky Mathias Wilson Torres Nanini (...)
leonardo MAthias (São Paulo, SP, 1987) atua em artes visuais, literatura e design. No setor editorial ilustrou e assinou projetos gráficos de mais de cem títulos. Publicou seu livro de poemas de pé, em 2011, reeditado em 2014, pela Editora Patuá. Colaborou para veículos como os jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo; e também para revistas como ZUPI e InPrint Magazine. Participou de diversas mostras coletivas (Salão de Abril – Fortaleza; SARP – Ribeirão Preto; Salon d’Automne França-Brasil, entre outros). Em 2012, realizou sua primeira exposição individual, As Janelas de Rilke, premiada pelo ProAC - Artes Visuais (Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo). Em 2014 apresentou, na Arte&Fato Galeria, sua individual Vazios Volúveis.