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HISTÓRIA(S) DO MARANHÃO
CERES COSTA FERNANDES
Naquele tempo, meu irmão Lucas andava pelos seus cinco anos, e sua melhor amiga era uma porquinha meiga e gordinha que habitava nosso pequeno quintal citadino. Veio morar conosco quando ainda era uma bacorinha. Gulosa, vivia entrando pela casa adentro à procura de comida Não sei a que linhagem ela pertencia, mas seu Djalma carvoeiro – existia, sim, essa profissão , dizia que ela era da raça caruncho. A sua carinha amarrotada feito a de um buldogue denunciava isso. Ora, caruncho! Como? Eu me revoltava, pois, Cuxi, esse era o nome da porquinha, tinha o pêlo negro e luzidio e não me parecia nem um pouco carunchada.. Era os quindins da garotada. Usava até laço de fita no pescoço. Atendia pelo nome e seguia Lucas, aonde ele fosse. E a coisa que Cuxi mais gostava era uma boa cócega na barriga: fechava os olhos e ronronava. Porca ronrona? Essa ronronava.
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Mas, os adultos, que têm olhos diferentes das crianças, perceberam que Cuxi se tornara grande demais para bichinho de estimação. O quintal era pequeno, e ela tinha livre ingresso na cozinha, onde fuçava tudo fazendo um grande estrago nos mantimentos. Era o terror da cozinheira que vivia de vassoura em punho, a expulsá-la. Que fazer com Cuxi?. Ora, aproximava-se o Natal, Cuxi estava roliça, e um porquinho assado, dourado, caramelizado, crocante, perfumado com cravos-daíndia, rodeado de farofa – quem sabe uma maçã na boca -.faria o maior sucesso na mesa da ceia. Decidiram, pois, em segredo, que Cuxi seria a grande estrela da mesa natalina. E as crianças? Ah, essas, um pouquinho de choro, e logo esquecem. Na antevéspera do grande dia deram um jeito de afastar a mim e a Lucas: Dona Edite, nossa vizinha, faria seu famoso doce de goiaba branca e aos meninos presentes seria dado o privilégio de comer as raspas da panela...Lucas voou para lá, e eu também. Ia perder essa? Enquanto isso, no quintal lá de casa, promovia-se uma verdadeira perseguição a Cuxi. Ela corria de um lado para outro, sem se deixar agarrar. Óinc! Óinc! Todos já suados e começando a cansar, quando lembraram do carinho preferido da porquinha, já agora leitoa. Era preciso coçar a sua barriga. Seu Djalma se agacha e acena para Cuxi com os gestos que prenunciavam seu prazer. Lá vem ela confiante. Deita-se e começa a ronronar. Enquanto o carvoeiro, dublê de açougueiro, coça a sua barriga, a cozinheira aplica-lhe uma segura paulada na cabeça. O que vem a seguir não preciso e nem devo contar. Mais tarde, chegamos, eu e Lucas, barriguinhas satisfeitas, e ainda pegamos a arrumação final da carnificina. Não adiantaram as explicações: porca muito grande, o quintal não comportava mais, etc, etc. O que dói mais é a traição à nossa amiga e o uso do nosso afago no ato cruel. Revoltada, grito, estrebucho, conforme meu temperamento agressivo. Lucas, mais tímido e fechado, simplesmente some. Daqui a um pouco, todos o procuram, sem achá-lo. De posse de nossos segredos, saio sem dizer nada e vou até um terreno abandonado, atrás de uma velha fábrica, perto de casa, onde era costume brincar, que crianças desses tempos não viviam engaioladas. Lá encontro meu irmão. Roupinha de casa, sentado numa pedra com uma garrafa d´água e uma lata de manteiga ao lado. Tento consolá-lo. É inútil. Diz que fugiu de casa e não voltará mais.
Pergunto-lhe então o que fazia ali, com aquela garrafa e a lata de manteiga. A garrafa d´água até dava para entender, podia ter sede, mas a manteiga?...É pra passar no pão que vão me dar. Minha irmã, explica, você nunca viu que mendigos pedem pão, a gente dá, e ninguém passa manteiga neles?
Aquele dia foi um dia rico de experiências. Lucas teve o seu primeiro contato com a dor de uma perda e a insensibilidade do mundo adulto. E me abriu os olhos para a importância do carinho – no caso a manteiga -, adicionado a qualquer coisa que ofereçamos a alguém por caridade, para suavizar a humilhação daquele que é obrigado a pedir. Quanto a Cuxi, foi a grande estrela da ceia natalina, muito apreciada pelo seu sabor e maciez, louvados por todos os adultos
GERÔNCIO FALCÃO - O PREFEITO DEPOSTO NA REVOLUÇÃO DE 30
KISSYAN CASTRO
Gerôncio Bezerra Falcão nasceu em Barra do Corda no dia 19 de março de 1881. Filho do cearense Manoel Ferreira de Melo Falcão e D. Jovina de Sá Forjó. Fez os primeiros estudos em Barra do Corda, no Colégio do professor Manoel Raimundo Nonato de Miranda, ao lado de Maranhão Sobrinho e seu irmão, Raimundo Leonílio Maranhão. Seguindo os passos do pai, dedicou-se desde muito cedo ao comércio, no que muito prosperou. Assim foi que, já no início do século XX, partiu para o Pará, fixando-se em São João do Araguaia, povoado que acumulara muitos dividendos com a exploração da borracha Castillaulei, popularmente conhecida como caucho.Tendo feito bons negócios, regressou ao Maranhão em 22 de abril de 1907, deixando a quantia de cinco mil réis na redação da “Pacotilha” para serem distribuídos entre os pobres[1]. Casou-se, em 22 de junho de 1907, com Adélia Moussalém Falcão, irmã de D. Oadia Moussalém Salomão, esposa do também comerciante Manoel José Salomão. Com este formará a coalizão política e econômica mais influente do primeiro quartel do século XX em Barra do Corda, tornando-se proprietários das únicas empresas de transportes fluviais da região. Teve os seguintes filhos: Maria Amélia Falcão Habibe, que fora esposa do ex-prefeito Clóvis Habibe, José Falcão, médico, Alberto Falcão, comerciante, e Elsa Falcão. Com o crescente desenvolvimento da indústria agrícola local, e, proprietário já de uma usina de beneficiar algodão, resolveu comprar em São Luís uma lancha a que chamou “Laborina”, que fazia a linha Barra do Corda–São Luís, contribuindo para o escoamento dos produtos a serem comercializados não apenas na Capital, como também entre a população ribeirinha, ao longo do percurso, levando crescimento e progresso às regiões menos desenvolvidas. Foi vice-presidente do Diretório da União Republicana Maranhense em Barra do Corda; ajudante do Procurador da República, nomeado em 1919; adjunto da Promotoria e Promotor da Justiça Federal. Exerceu o cargo de Prefeito Municipal por duas vezes, de 1916 a 1918 e de 1928 a 1930, quando chega à cidade o Maj. Euclides Maranhão, armado, invadindo sua residência, confiscando arquivos da prefeitura, exonerando-o do cargo e estabelecendo a ditadura.
Entre as muitas realizações que levou a efeito enquanto chefe do poder executivo, destacamos: do primeiro mandato, a sanção da Lei que restaurou a Comarca de Barra do Corda (Lei nº 0766 de 23.4.1917), e, do segundo mandato, a inauguração, em 8 de dezembro de 1928, da iluminação pública do município com combustores, num total de 8.700 velas[2]. Faleceu repentinamente, quando entrava em sua casa comercial, à rua Frederico Figueira, às 13h do dia 7 de novembro de 1934, aos 53 anos de idade. Pesquisa: Kissyan Castro Fontes: “Pacotilha”, de 18.mar.1930/26.jul.1930/12.set.1930, de “O Imparcial”, de 19.mar.1930/21.abr.1930, que o prefeito naquela ocasião era Gerôncio Falcão. Ele mesmo o afirma no “Notícias”, de 8.mar.1934. Foto: Acervo Casa de Cultura Prof. Galeno Edgar Brandes
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LUÍS MANOEL FERNANDES e sua esposa, ROSA CÂNDIDA RAMSSÉS DE SOUZA SILVA
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Nascido em 28 de Agosto e batizado em 30 de Agosto de 1828 na Freguesia de São João Batista, Lamares, Vila Real, Portugal. Filho de Manoel Antônio Fernandes e Luiza Maria Gaspar. Emigrou para o Brasil, onde se estabeleceu em São Luís, Maranhão, sendo comerciante de sucesso.
Legitimou 3 filhos que teve ainda solteiro com Lucinda Joaquina Rosa, uma ex-escrava: Adelaide Carolina Fernandes, Luiza Adelaide Fernandes e Manoel Antônio Fernandes. Em 1887, aparece como integrante da 17a. Diretoria da Comissão da Praça, atual Associação Comercial do Maranhão.
Em 14 de julho de 1877, contrai núpcias com a maranhense Rosa Cândida da Silva Cardoso de Almeida, filha do português Máximo Cardoso de Almeida, natural de Cascais, senhor de engenho e dono do navio "Rosabella".
Luís Manoel Fernandes morre em 12 de Setembro de 1881, em Salvador, vitimado por beribéri. Seu corpo foi embalsamado e transladado para São Luís, onde foi sepultado no Cemitério do Gavião num jazigo fabricado pela marmoraria de Moreira Ratto, em Lisboa. Rosa Cândida está sepultada numa carneira na Capela dos Navegantes. Foi proprietário do Sítio Paraíso, no antigo Caminho Grande, atual conjunto residencial Alto Paraíso, no bairro Alemanha. Foi também membro da Maçonaria do Maranhão, sendo obreiro da Loja Maçônica Firmeza e União II. Seus paramentos foram doados por sua bisneta Rosa Machado e compõem o acervo do Museu da Maçonaria do Maranhão. Além de Rosa Machado e Maria Helena Santos, residentes em Portugal, Luís Manoel Fernandes deixou descendentes também em São Luís, alguns deles, residentes no bairro do Felipinho, proprietários do seu jazigo até os dias atuais.
Acervo: Rosa Machado e Ramssés Silva
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Jazigo mandado fazer em Lisboa, por Luís Manuel Fernandes, Espero que os seus restos mortais, bem como os de seu sogro, Máximo Cardoso de Almeida, lá estejam. Cemitério do Gavião, corredor central, à direita (Rosa Machado)
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CERES COSTA FERNANDES
Se você nunca ouviu falar de Moura-Torta, sinto muito, mas nunca foi criança. Nem na infância, nem depois – aliás, tem idade para ser criança? E, em verdade, vos digo bem-aventurados aqueles que cultivam sua parte criança, pois eles jamais sofrerão de ressecamento da alma. Após ter ilustrado os leitores, volto à moura–torta. É um conto de fadas, portador de sabedoria popular, como soem serem as histórias nascidas da tradição oral e repetidas ad infinitum durante séculos, até serem registradas no papel. Recebemos, via Portugal, este saboroso conto do fabulário ibérico, onde a figura da moura como vilã é sempre recorrente, resultante da relação de amor e ódio com a mulher morena, ardente, bela e pagã (ou cristã-nova) vinda da Arábia. Afinal, foram sete séculos de convivência e luta contra a invasão árabe na Península.
Resumo parte da história: uma moura velha, feia, torta, enchia seu vaso de barro em um lago. Ao inclinar-se sobre a água, vê refletida a figura de uma jovem linda e loura. Pensando tratar-se de sua própria imagem, levanta-se tomada de indignação contra o trabalho servil que é obrigada a fazer. E, zás, quebra o vaso, lançando-o ao chão, dizendo: “Uma mulher tão linda como eu não pode estar a carregar jarros de barro!” Nesse momento, ouve risadas e percebe uma moça sentada em um galho de árvore, por detrás dela. Logo compreende o engodo em que caiu: a imagem refletida no lago era da jovem. Esfumou-se seu instante de glória: pensou ser bonita, mas continua feia, e, agora, mais pobre e sem seu instrumento de trabalho. Cheia de ódio, parte para vingar-se da que lhe roubou esse instante. Esta parte basta para o desenvolvimento da nossa conversa. Quem quiser saber o resto da história, procure lê-la. Vai se deliciar com isso. Inspirada neste conto, costumo usar, no âmbito familiar, um nome para esse tipo de comportamento: “síndrome da moura-torta”. As vítimas dessa síndrome ficam entusiasmadas com seus 15 minutos de fama – que nem sempre lhe são devidos -, mudam radicalmente de comportamento e, crendo-se um ser diferente, desprezam os seus antecedentes. O triste é que, no final da história, muitos retornam à sua situação anterior em condições ainda mais precárias. Estou fazendo toda essa peroração por causa de uma notícia amplamente divulgada pela TV, há algum tempo: a catadora de lixo, Rosemary, que foi cinderela por um dia. A moça bonita foi descoberta pela equipe da emissora, à cata de assunto para aumentar o ibope, que tomou a si a tarefa de fada madrinha, transformando-a de gata borralheira em cinderela. Rosemary tomou um banho de loja, foi penteada, maquiada, frequentou restaurantes da moda, aprendeu etiqueta e tudo mais. A transformação foi radical. De moura-torta a princesa. A reportagem só não mostra o que aconteceu no “day after”, quando a carruagem virou abóbora e Rosemary teve que retornar à sua lida diária.
Sempre questionei essas transformações-relâmpago. Servem para quê? Para melhorar a vida das pessoas ou apenas para elevar o índice de audiência? Há pouco tiraram umas meninas de rua e prepararam-nas para um desfile de modas. Sucesso total. A história de cinderela sempre mexeu com o emocional das pessoas. Depois de feito o auê, mídia e público, esqueceram o fato: a ninguém interessa o seguimento da história, basta o “foram felizes para sempre”. Mas, dia desses, um repórter xereta resolveu meter sua colher torta e foi atrás das “modelos”. Fez a reportagem que ninguém gostaria de ler e descobriu as meninas de volta às ruas e agora também à prostituição e às drogas. O dia de princesa torna insuportável a volta ao velho jarro de barro. Pixote, o menino pobre que ficou célebre da noite para o dia com o filme homônimo, baseado na obra de José Louzeiro, é um forte exemplo. De celebrado e mimado pela mídia, passou a desconhecido. Cresceu, perdeu a graça, outros o substituíram. A máquina de moer gente da fama não para. Não suportando o anonimato e a perda da vida regalada, derivou para a marginalidade para manter a boa vida. Perseguido pela polícia, acabou sendo morto, mal acabada a adolescência.
Oferecer aos despossuídos da sorte uma momentânea imagem de beleza para, logo em seguida, deixá-los com um jarro de barro quebrado nas mãos é perversidade e não abertura de uma possibilidade. A sugestão de mudança sem o devido suporte para garantir a sua continuidade é brincadeira criminosa com o destino das pessoas e deve ser punida. Deve-se investir na transformação oferecendo condições para o seu desenvolvimento e permanência. E, assim, tornar verdadeiro o verso do poeta inglês Keats: “Um instante de beleza é uma alegria para sempre” ( tradução livre).
JORGE BENTO
D. António, Prior do Crato (1531 –1595), era filho natural do Infante D. Luís e neto de D. Manuel I. Em 1574 assume o posto de governador da praça de Tânger, e em 1578 acompanha D. Sebastião na campanha em Marrocos. Após o desaparecimento de D. Sebastião, na batalha de Alcácer-Quibir (4 de agosto de 1578), regressa a Portugal e reclama o trono. A pretensão é negada; o país fica entregue provisoriamente ao velho cardeal D. Henrique, seu tio. Este falece a 31 de janeiro de 1580, precisamente quando as Cortes reúnem em Almeirim para designar o ocupante do trono, disputado por diversos pretendentes. Entre estes destacam-se a duquesa de Bragança (D. Catarina), Filipe II de Espanha, e D. António. Filipe II subornou os ‘grandes’ do reino com o ouro vindo das Américas, e eles (como sempre agem os possidentes!) penderam para o seu lado. D. António atrai o povo para a sua causa, à semelhança da situação vivida aquando da crise de 1383-1385. A 24 de julho de 1580 é aclamado rei de Portugal pelo povo, no castelo de Santarém. E também em Lisboa, Setúbal e em numerosos lugares. Um mês mais tarde, a 25 de agosto, as suas forças são derrotadas na batalha de Alcântara pelos espanhóis e seus cúmplices. D. António foge para o Norte, sendo perseguido até Viana do Castelo. Durante 6 meses, abriga-se em mosteiros e em casas de partidários. Em 1581 procura em vão apoio militar na Inglaterra. Em 1582 vai para a ilha Terceira, que havia tomado o seu partido. No continente e na Madeira, o poder era já exercido por Filipe II, reconhecido pelas Cortes de Tomar em 16 de abril de 1581 como Filipe I de Portugal. Chegado a Angra, D. António mandou de imediato reforçar as defesas da cidade, face à iminência de um ataque espanhol e à ação dos corsários. Na Terceira, tinha ocorrido, em 15 de julho de 1581, a primeira tentativa de desembarque dos espanhóis, dando origem à batalha da Salga, sendo os invasores completamente derrotados. Participaram nessa invasão os escritores Miguel Cervantes e Lope de Vega. Finalmente em 1583, quando D. António já não se encontrava no local, forças espanholas muito superiores logram dominar a ilha, após violentos combates. D. António exila-se então em França. Depois de alguns meses, desloca-se à Inglaterra, onde negoceia o auxílio da rainha Isabel I, visando tomar Lisboa. Ataca a capital em 3 de junho de 1589, provocando grande estrago. Porém, a armada inglesa, comandada pelo famoso almirante Francis Drake, é atingida pela peste e retira-se. D. António viu assim gorada a tentativa de tomar a cidade, de resto bem guarnecida pelos espanhóis. Parte novamente para o exílio; até à morte em Paris (26 de agosto de 1595), continuou a lutar pela restauração da independência de Portugal. O fim do domínio filipino consuma-se em 1 de dezembro de 1640, quando D. João, neto da sua prima, a duquesa D. Catarina de Bragança, é aclamado como rei D. João IV. Nesse dia glorioso, Miguel de Vasconcelos, um exemplar dos corifeus e traidores de 1580/81, sofreu a justa punição; e D. António pôde finalmente descansar em paz.
RAMSSÉS DE SOUZA SILVA
Genealogia Maranhense (História, Genética e Nobiliarquia)
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Embora se tenha notícia que o primeiro toque de Terecô tenha acontecido em 4 de dezembro de 1794 às margens da Lagoa do Pajeleiro na zona rural de Codó. O Terecô permaneceu séculos a ser tocado na clandestinidade nas matas virgens na região dos Cocais maranhenses.
O Terecô de Codó só apareceu na zona urbana da cidade por volta do final dos anos 40, com a instalação do terreiro de Euzébio Jansen no formato como temos até hoje, nos dias atuais, anexado do lado ou atrás da Casa dos seus fundadores.
O terreiro do então Pai de Santo Eduardo de Dona Moura, ele Eduardo, tendo que mudar-se repentinamente para a cidade de São Paulo, ficando na liderança do seu terreiro o seu Pai Pequeno Júlio que logo ficou conhecido como Júlio de Ogum Xoroquê, assim que foi iniciado pelo próprio Eduardo no Candomblé na capital paulista. Com a ausência de ambos em Codó, assume como guia do terreiro minha tia biológica, irmã de minha mãe, Maria Filomena Muniz, chamada carinhosamente pelos os familiares e os amigos íntimos da família por "maninha fulorzinha" O terreiro era localizado no pé do Morro da televisão no bairro do São Francisco. Com a morte de maninha a 20 anos atrás o terreiro entra em decadência e atualmente se encontra extinto, suas ruínas no canto da Rua Rio de Janeiro é cortar o coração. Mais um triste episódio para a memória da religiosidade afro-codoense.
CERES COSTA FERNANDES
O cheiro de carne-de-sol assando na brasa me devolve à casa da minha avó, em busca de um tempo perdido. E, num segundo, vêm misturar-se a este odor, outros cheiros e gostos da minha infância, trazendo com eles as figuras de vovó Adriana, D. Malvina e D. Odete Heluy, eméritas quituteiras, para sempre ligadas às minhas sensações olfato-gustativas. Além dos quitutes, me fascinava a satisfação, a quase beatitude, que emanava delas quando nos ofereciam os produtos de sua arte. De onde me vem ao bestunto a idéia de que as pessoas que gostam de cozinhar tendem a ter empatia com as que comem com grande prazer e vice-versa. Na verdade, uma precisa da outra para sentir-se realizada. Tentarei demonstrar aqui essa complexa e instrutiva tese, apresentandolhes as minhas musas das gostosuras. Musa um: vovó Adriana, pequenina e valente, cuja forte personalidade bastaria para ser lembrada, me deixou deliciosas recordações. No café da manhã de sua casa (invariavelmente com leite condensado) tínhamos, cada um dos oito netos presentes, a tigela de coalhada com o nome de cada um pintado. As torradas com manteiga, transparentes de tão delgadas, faziam par à mesa com os beijus finos e crocantes, que ela não deixava ninguém mais fazer. A sua família merecia a perfeição. Esses deliciosos beijus me trazem uma recordação dolorosa: meu pai, quando doente e inapetente – nada mais lhe sabia – os desejou no leito de hospital, pouco antes de morrer. Voltemos às amenidades, as gostosuras do café repetiam-se no lanche -, e aí ,podia também ter bolo de massa d’água. Mas o quitute máximo da minha avó era o bife de carne-de-sol. Deixo-lhes aqui a receita – embora duvide que saia gostoso como o dela: tome uma carne macia, abra-a em bifes finos e bata-os bem; pendure os bifes ao sol, por umas duas horas. Depois de ficarem bem escuros, coloque-os na grelha sobre brasas, sem outro tempero que fartas pinceladas de manteiga Real. Come-se com arroz branco quentinho e farofa torrada ou com pirão de leite. Ah, havia ainda o batidinho de carne com verduras e a farofa passada no fundo da panela preta de ferro com o restinho do molho ferrugem da carne assada. Pra comer com banana, é claro. Já velhinha, vovó não cozinhava mais, mas quando eu a visitava, ela ia, logo, carinhosamente, buscar a lata das torradas amanteigadas. Musa dois: D. Odete Heluy. Vizinha dos meus pais na rua de Santana, me introduziu no mundo das comidas árabes. Sua casa bem que podia ser o Jardim das Delícias de Omar Khayam. Quando eu escapulia para lá, já na entrada, sentia um cheiro gostoso de comida no forno inundando o ambiente. E D. Odete, sempre atarefada, fechando umas esfirras de carneiro, recheando uns quibes com castanhas, escorrendo coalhada para fazer queijo, dizia, come minha filha! E eu comia, claro. E ela me olhava com um sorriso bom. Não contente com isso, com a fartura característica dos da sua etnia, mandava bandejas para a nossa casa. Eram kaftas enroladinhos, pratos de tabule, charutos, doces com gergelim, nozes e mel. Uma loucura. E ninguém tinha medo de engordar. O padrão de beleza era a mulher curvilínea, e minha bisavó Ritinha pontificava: gordura é formosura. Lá em casa comíamos tudo com banha de porco, que era guardada em latas e tirada às colheradas para as panelas. O café era com leite gordo, pão massa grossa com manteiga Real, queijo de São Bento e bolachinhas da padaria Santa Maria. Colesterol? Triglicerídeos? Que coisas seriam estas, palavrões? A minha terceira musa já me pegou mais crescida. Aos onze, estudava em colégio interno no Rio de Janeiro e passava os fins-de-semana na casa de meu tio Alcir. Aí é que entra D. Malvina, a sogra dele. Pequenina, magrinha, parecia um passarinho. Não tinha o biótipo da quituteira, no entanto, que temperos!.. Mas quero primeiro contar do drama de D. Malvina. Vejam só, ninguém em sua casa gostava de comer: o genro sofria de úlcera, a filha comia pouquíssimo e o neto de cinco anos era inapetente como a maioria das crianças. Morto o marido, ela ficou sem ter quem comesse com gosto as bacalhoadas, os tabuleiros de empadinhas, as suas sobremesas divinas. Advinhem quem a salvou da frustração? Pois é, eu mesma. Quando chegava do colégio para o
fim-de-semana, já me esperavam as empadinhas e outras delícias. E ela sentava à mesa comigo e ficava a me olhar embevecida, enquanto eu passava do bacalhau de forno à cuca de banana e a um pudim de claras e ameixas, chamado Ilha Flutuante, todo meu. Creio que, nesse momento, eu a fazia feliz, e ela a mim. Essa empatia entre nós duas perdurou até a sua morte, mesmo quando ela não mais cozinhava.
Hoje, comer só nos faz sentir culpa. Culpa por que vamos engordar e ficar abomináveis; culpa, porque estamos ingerindo venenos que vão nos trazer enfarte, derrame, velhice precoce, câncer, gota, artrite, titela caída e arca aberta e, o pior de tudo, culpa porque, enquanto nos abarrotamos, há muita gente que não tem o que comer. Tomando um café descafeínado com adoçante e leite ralo desnatado, roendo um biscoito de fibra com gosto de serragem, fecho os olhos, penso nas minhas musas e tento recuperar os cheiros e gostos da minha infância.
CERES COSTA FERNANDES
O calendário –forma tão exata de marcar o desenrolar de nossas vidas – faz sucederem-se, repetitivos e inexoráveis: Ano Novo, Carnaval, Semana Santa, Dia da Mães, Dia dos Pais, Semana da Pátria, Finados e Natal, dentre os mais votados, a lembrar que mais um ano passou. E, tão rapidinho que, se não fosse o dito cujo, nem perceberíamos a passagem dos fatídicos 365 ou 366 dias E haja máscaras para afivelar aos nossos rostos na obrigação de estar de acordo com cada ocasião: hoje é dia de estar alegre e confraternizar, amanhã é dia de chorar os mortos ou de acender o sentimento patriótico, que anda meio apagado. Liga. Desliga. Ah, meu Deus, será que, inadvertida, coloquei a máscara trocada? A propaganda das lojas nos vem preparando para o Natal, buzinando nos nossos ouvidos a contagem regressiva: faltam “apenas” 90, 60, 30, 15... zero dias para o Natal Além de o ano passar correndo, ainda querem adiantar os eventos. E eu que ainda nem me recuperei das despesas das festas de fim de ano de 2015... Sejamos francos, para a maioria, em que consiste a festa de Natal? É para festejar o nascimento de Cristo ou a chegada de Papai Noel? Façamos uma enquete entre as crianças sobre o assunto e veremos que esta última opção ganha de goleada. No Ano Novo, repetem-se as falácias de confraternização e resoluções de vida nova. Recebemos abraços apertados de pessoas sorridentes que se mordem por dentro e nos morderiam se pudessem; enganamos a nós mesmos com promessas de mudanças mais vãs que aquelas feitas pelos homens quando pretendem as primícias dos favores de uma mulher.
O tal espírito natalino, alguém o viu por aí? Se ele for encontrado, deve estar participando de algum "amigo invisível", trocando presentes de 1,99, a se empanturrar de peru com farofa, presunto tender, frutas secas, acompanhadas de vinho barato - pra acordar com uma tremenda azia no dia 25.
E a festa familiar do Natal? Nas casas nas quais ainda se cultua o nascimento, fazem breves orações, em outras nem isso. Mas, em ambas, o foco são os presentes e a ceia que se inicia. Lá estamos nós, cheios de uma alegria ensaiada, um ano mais gordos, a comer pavê, em meio àquela decoração anglo-saxônica, equilibrando debaixo do braço mais um presente que nunca vamos usar.
E, de repente, na sobremesa sorridente, o bocado engasga. Circulamos o olhar e sentimos a ausência de uma ou mais pessoas queridas, companheiras de tantos natais ensaiados e tantos anos novos sem graça. Um magote de infantes familiares, correndo como que perseguidos por demônios, tromba conosco, pondo em perigo a estabilidade de nosso pavê. A irritação herodiana, que quer assomar, desfaz-se ao vermo-nos reproduzidos naquele menino de bochechas coradas e cabelo repartido, assentado à força com gel ou naquela menina encapetada, que já tirou os sapatos e as meias e cuja ponta do laço do cabelo pende desmanchada em cima do nariz. Uma onda de ternura vinda de recordações gratas desce-nos pela garganta desmanchando o nó. E pensamos: vai ver que os natais-e-anos-novos-sem-graça-passados não eram tão sem graça assim. Discretamente pigarreamos, pra disfarçar que estamos emocionados, e, de esguelha, vemos o safado do espírito de Natal passar sorrindo, já curado do pifão. Alguma coisa boa nos invade, acho que é o tal sentimento de beatitude. Com a alma bailarina, nas pontas dos pés, de sapatilhas e tudo, descobrimos que a robotização do nosso ser não está completa. Há uma brecha que resiste e se alarga, um pouquinho mais, em cada um desses eventos repetitivos, para voltar a encolher nos outros dias do ano. E, assim, bendizemos Cristo por ter nascido, reinar entre nós, e 2017 por chegar. É, deve ser por essa razão que ainda fazemos calendários