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NAVEGANDO, COM JORGE OLIMPIO BENTO

"As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia Lusitana / Por mares nunca de antes navegados / Passaram ainda além da Taprobana / Em perigos e guerras esforçados / Mais do que prometia a força humana / E entre gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram".

A consagração do direito a uma vida digna, realizada no caminho de perseguição da felicidade, implica a presença acrescida do desporto, a renovação das suas múltiplas práticas e do seu sentido.

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Sendo a quantidade e qualidade do tempo dedicado ao cultivo do ócio criativo (do qual o desporto é parte) o padrão aferidor do estado de desenvolvimento da civilização e de uma sociedade, podemos afirmar, com base em dados objetivos, que nos encontramos numa era de acentuada regressão civilizacional. Este caminho, que leva ao abismo, tem que ser invertido urgentemente.

O AGENTE INGLÊS E O CANAL NORTE-AMERICANO

Recentemente a CNN nacional deu palco e lantejoulas ao desgrenhado Boris Johnson. A justificação é óbvia e fácil de perceber por quem não tenha entupido com pedregulhos de granito o entendimento e os olhos. Com o Brexit o agente inglês assestou um duro golpe na UE; a guerra na Ucrânia, cuja continuidade o tartufo tão enfaticamente advoga, desfere a estocada fatal na criatura. Morre assim definitivamente o sonho de um espaço geopolítico relevante e pletórico de protagonismo no cenário mundial. Os EUA e os seus émulos têm, pois, razões para festejar.

HETERÓNIMOS

Tenho uma variedade de heterónimos e subjetividades. Não são antinomias, mas tão só complementaridades. Quando rezo, sou humildade e necessidade. Quando festejo, canto e rio, sou alegria e expansividade Quando me comovo e choro, sou emoção e sensibilidade. Quando me abeiro das pessoas e as saúdo, sou cidadania e fraternidade. Quando digo adeus a familiares, amigos e lugares, sou fonte e forma da saudade. Neste caminho de pluralidade, jamais alcançarei a conclusão e unidade; existo em laboração e diversidade.

CONVICÇÕES E LIBERDADE

As convicções são um luxo. Somente as tem e exerce quem não é refém da necessidade. Esta condiciona a noção e concretização da liberdade. Não, a maioria dos seres humanos não é livre; o seu agir é ditado pela luta da sobrevivência no quadro das circunstâncias que o comprimem. Aí não medram a afirmação e a convicção; aí impera a subjugação, por mais envernizada que seja a dissimulação. Não basta, pois, viver num sistema dito democrático para alcançar a liberdade e votar livremente. Isso é uma ilusão e alienação.

QUEM CHACOALHA O JARRO?

Isso não importa. Tal como não importa o número de mortes na guerra. O dos soldados ucranianos mortos ultrapassa os 100 000. A presidente da UE revelou os dados, mas foi obrigada a apagar a publicação, perante o desagrado das autoridades ucranianas. Só ao presidente Zelensky está autorizada a divulgação, quando e como ele achar conveniente. Saber a verdade é inoportuno para a continuidade da guerra. Esta é o fim maior; a perda de vidas não conta. Há quem continue a chacoalhar o jarro, indiferente ao crescendo de vítimas; o sangue já derramado não lhe basta para lavar a consciência.

RESTAURAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA

Celebra-se hoje o dia da restauração da soberania nacional, tão importante como o da independência reconhecida pelo Tratado de Zamora (5 de outubro de 1143). Em 1580 Filipe II de Espanha subiu ao trono de Portugal, após comprar a maior parte dos nobres e boa parte do clero. Sobre o país abateu-se uma noite de 60 anos, até que veio o 1 de dezembro de 1640. Nessa data o grupo de conjurados não faltou aoapelo da pátria sufocada. Quais teriam sido as consequências da continuidade do jugo espanhol? É fácil percebê-las. Hoje a língua portuguesa seria dialeto clandestino; e nos países, onde é falada, ecoaria o castelhano. Ademais, o nome de Portugal não constaria no mapa mundi, e a gesta dos descobrimentos teria outra narrativa e ficaria na história não como feito lusitano, mas como obra de outrem. Para não falar na perda do nosso modo de ser e estar, de conviver e relacionar, traduzido pela música, poesia, culinária e por tudo o que perfaz a nossa idiossincrasia. O passado exige ser estudado e aprendido: ele ensina que da Espanha de Madrid, castelhana e centrípeta, ávida de arrasar as diferenças, não vem bom vento nem casamento; nunca virá.

DA POESIA

(Evocação de Fernando Pessoa, falecido em 30.11 e sepultado em 02.12.1935)

A substância da vida é feita de malha fina e subtil. Não a tocamos e expressamos com as fórmulas duras e grosseiras dos dados, gráficos e números; somente com as filigranas dos verbos e versos escolhidos pelos poetas. A poesia é o campo onde o fogo da palavra está sempre aceso e levanta mais alto as labaredas da sensibilidade. Os vates são os melhores edificadores do espírito humano e reveladores do estado de oração permanente que operfaz. Ademais, são cirurgiões de almas rasgadas e corações enfartados. Não desistem de tentar perceber e preencher, em atitude de humildade e de modo imperfeito, as falhas que nos dificultam o andar atinado. Têm as portas abertas, de par em par, aos inocentes e fechadas aos imbecis. Não se fatigam em acompanhar a Humanidade para onde quer que ela vá; e em recriá-la. Tal como os artistas, são meios doidos e projetam o olhar para além da aparência. É por isso que veem a beleza dorida do mundo e fornecem a este o oxigénio para enfrentar a opressão e o sufoco do quotidiano.

ERA UMA VEZ...

Jovem e ávida de escolher o seu caminho, casou-se com um fenómeno antropológico, plural, polissémico e polimórfico; inscreveu-o na designação e tomou-o para objeto de ocupação. Firmou assim a identidade, granjeadora de apreço e atração, aquém e além-fronteiras, no espaço próximo e no distante. Tinha voz e era escutada. Vivia muito feliz, sentia orgulho e recebia chorudo provento dos frutos do casamento. Porém, um dia ou na calada da noite, um bando de contrabandistas entrou-lhe pela porta e impôs o poder de seita. Divorciada da missão herdada, ainda usa o nome na fachada, embora com ele não queira nada. Está entregue ao desatino ignaro e à insanidade celerada. E parece não haver quem acuda à abandonada.

DAS NOVAS CATEDRAIS

As catedrais góticas são porventura a expressão mais subida da arte. Seja na forma, seja nos significados, configuram um nível extraordinário e sublime da transcendência. Não é apenas Deus que vem ao encontro dos humanos para morar no meio deles. Nelas os humanos congregam sonhos e mitos que lhes concedem asas, os transfiguram e elevam a entes quase divinos, tentando localizar o sentido da vida onde só se conhece o vazio da falta dela.

Quem construiu catedrais não tem, pois, que cultivar e admirar mais nada, a não ser a beleza latente na natureza e assumir a obrigação de perseverar em concretizá-la sob formas renovadas, segundo o espírito do tempo. Por isso levantar hoje catedrais passa à margem da nossa atenção. Elas não são significantes da lógica desta era. Não é mais Deus que está no centro da nossa procura; nem é Ele a chave de explicação dos males e incompletudes; nem tampouco é a transcendência divina que nos mobiliza; e também não é o medo da morte e do além dela que determina os caminhos da existência. Acresce que os feitos da nossa época já não suscitam ações de graças e não é aguda a consciência das culpas pelas tragédias e horrores que semeamos pelo mundo. Após séculos de duro e amargo exílio, o Homem está de regresso a si mesmo. São a vida e a sua qualificação que surgem no centro das preocupações. A eternidade não é mais o fim da vida. O fim da vida está nela própria, na sua qualidade e dignidade, vinculadas estas não apenas a uma, mas a todas as dimensões do Ser e do seu trânsito. Está em causa o Homem todo e todo o Homem. Claro que continuamos a procurar dar à Pessoa a forma mais subida possível. Continuamos a tentar conformá-la à imagem e semelhança dos ideais e conceitos com que a esboçamos e tecemos. Queremos esculpi-la como estátua bela e sublime em toda a diversidade de facetas que perfazem a sua complexidade. Almejamos que seja una e excelsa, por dentro e por fora, nos instintos e reações, nas emoções e cognições, nos prazeres e paixões, no corpo e na alma, na ética e estética, na racionalidade e moralidade. Assim o quotidiano e todos os locais onde a vida se desenrola inscrevem-se num projeto voltado para a modelação artística. Visamos balizar o percurso terreno com as cores do arco-íris e com os sons do enlevo e encanto, como meio de iludir, fintar e sublimar o drama dos limites e da finitude. Os estádios e pavilhões desportivos dão notícia de um tempo diferente do das catedrais. Melhor dizendo, são as novas catedrais destes dias. São monumento e templo erigidos a outra divindade. À consagração e celebração do indivíduo de carne e osso, que procura alargar a estreitíssima faixa aberta na confluência das virtudes e defeitos, do anjo e do diabo. Neles entra em cena uma nova expressão da transcendência, não mais pela via da míngua e imolação da vida, mas pelo transbordar da taça em que ela é bebida. Não é o Homem Novo que finalmente desponta; é só a renovação incessante da liturgia sempre inconclusa de o fabricar.

Aos inimigos do palco desportivo, que persistem em tentar menorizá-lo intelectual, cultural e socialmente, diremos, como a poetisa Natália Correia (1923-1993): face às “massificações, que assepticamente negam a vida, a massificação exaltante do futebol (…) põe em ebulição os sentimentos e as mentes” e tem “o mérito de desencadear as paixões que dão cor à alma. Ao menos os frenéticos do futebol dão tudo por uma causa. E são os homens sem causa que com o seu governo de máquinas calculadoras nos alienam o espírito”. A esses e a todos os aviltadores do desporto continuaremos a repetir que ele e os seus cenários são símbolos de causas. Só os aleijados da alma é que não dão conta disso.

DESRESPEITO DO TRABALHO: APELO AOS PROFESSORES

"A nova cultura começa quando o trabalhador e o trabalho são tratados com respeito", postulou o escritor russo Máximo Gorky (1868-1936). Estamos longe da concretização deste princípio; nas últimas décadas até andamos para trás. O desrespeito é crescente. A gravidade e a indignidade da situação exigem que os professores dêem o exemplo e ensinem o inconformismo e a não tolerar qualquer tipo de cabresto.

PEDAGOGIA DO TRATO HUMANO

A vida humana decorre entre seres humanos, uma evidência tão fácil de dizer, porém tão difícil de perceber e consagrar. Para ser boa para um, tem que o ser igualmente para todos; caso contrário, a existência não será boa nem humana, nem tampouco vida. Disto decorre a premente necessidade de ensinar e aprender o trato humano do outro. Este é um dos alvos primordiais da educação e civilização e dos meios ao seu serviço. Ora a alteridade é pedra basilar do desporto. Este é essencialmente uma modalidade do relacionamento com o outro; depende dele. Sem o outro, o desporto não existiria, tal como não existiriam a vida, a sociedade e humanidade. Logo, o outro é uma entidade valiosa, portadora de alta cotação, merecedora de apreço, respeito e gratidão. Muito do que conseguimos e somos vem-nos do outro, da antagónica cooperação, da desafiante e cooperante oposição, da convergente ‘com-petição’, das diferenças que são uma fonte de inspiração e motivação. Os ‘competidores’ são cúmplices: buscam em conjunto e conflito cooperativo, apoiados uns nos outros, a almejada superação. Por conseguinte, a ética do jogo e do jogador implica que cada um dê o melhor de si, a fim de ser alcançada uma prestação de nível superior, social e culturalmente relevante. Destarte o vencido também é vencedor. Se não for assim, ambos são perdedores. Em suma, o desporto é uma maneira de olhar o outro, dá-nos bitolas para um modo de ser, estar e contar com ele na via da realização interpessoal. Configura uma filosofia e pedagogia do trato humano: ensina a projetar sobre o outro a luz da razão, da estima e consideração. Quando calcamos este preceito e ofendemos o nosso contendor, traímos a missão e o sentido do desporto, faltamos a ‘quem’ somos.

É PRECISO ACORDAR!

Os senhores do mundo tratam-nos como animais domesticados. E nós correspondemos de bom grado. Gostamos de frequentar os verdejantes prados da alienação, para nos empanturrarmos e marcharmos alegremente para o abate. Urge acordar! Para a realização das aspirações mais prementes da população e a desforra das injustiças e humilhações desta, é relativo o contributo do futebol. Ele ajuda a ver a verdade do sofrimento, a sublimar muitas dores, a suportar o trágico quotidiano e até a consolidar a união e identidade. Mas não é lícito que lhe creditemos um papel desmesurado, nem que o sobrecarreguemos com uma finalidade alheia à sua função. De resto, nesta hora, é ele que precisa da nossa ajuda e lucidez, contra a persistente tentativa de perverter o seu sentido de jogo criado pelos humanos e também criador deles. Sob pena de perdermos uma preciosa liturgia de congraçamento e afiliação, de emoções belas e salvíficas da afiada cimitarra da aridez existencial. Saiamos da neblina que nos impede de perceber a manipulação da paixão,

ESCREVER: MORRER E RESSUSCITAR

Um escritor, seja romancista ou poeta, articulista ou ensaísta, morre muitas vezes. Nos rascunhos que acaba por deitar fora. Nos cortes que é obrigado a fazer no texto, tão dolorosos como a amputação de uma parte de si, para que o artigo e o livro não excedam os limites impostos. Na conclusão e edição das obras e na entrega destas à leitura, à interpretação e avaliação do leitor, detentor do poder de lhe aumentar a vida ou condenar à morte. Também ressuscita inúmeras vezes, sempre que volta a escrever, é lido, discutido e até censurado. Não alcança a eternidade, mas abeira-se da perenidade e fica para além dele.

O QUE É A UNIÃO EUROPEIA?

O ideal é excelso e sublime; a sua concretização seria uma bênção para os povos da Europa e uma fonte de inspiração e encorajamento para os dos outros continentes. E as instituições da União? Bem, essas são uma série de incontáveis ‘catargates’ abertas para extensas manjedouras e infindáveis estendais de interesses e negócios sujos. Nelas mamam bácoros e lobistas insaciáveis, e auferem ordenados escandalosos os ocupantes de cargos reais ou de ocasião. Tudo escondido dos cidadãos pelo nauseabundo manto da corrupção. O que se verá nodia em que for destapado o alçapão?! Há quem chame democracia e sociedade livre a esta teia de gente falsa e podre, de despudorados ladrões e medonha escuridão. Até quando continuará tão apagada vileza e trágica perversão?! A maioria engole; alguns jamaisse calarão.

CAROS ADEPTOS DO FUTEBOL:

Está na hora de deitar fora o azedume e ficar com o coração limpo para as celebrações do Natal. Tínhamos fundadas razões para alimentar a esperança de alcançar o cetro de campeões do mundo. A qualidade dos integrantes da seleção alicerçava essa confiança. Feitas as devidas comparações, poucas equipas se equiparavam à nossa. Mas o futebol é um jogo; como tal, a sorte e o azar são inerentes ao mesmo e, não raras vezes, determinantes do resultado. Calhou-nos um dia aziago. Caiamos na realidade. Agora não adianta carpir mágoas, nem andar de arma em punho à caça de culpados. De nada vale gastar tempo e energias a discutir ‘ses’. Com os diabos, figuramos entre as 8 posições cimeiras do ranking da FIFA, o que é obra de vulto para um país com a dimensão do nosso! É natural que os responsáveis pela FPF se sintam algo frustrados, por terem desenvolvido um notável trabalho de promoção e valoração do futebol, e desejarem vê-lo coroado com a conquista do Mundial. Infelizmente, a aspiração não se realizou. Muito provavelmente o desalento vai demorar a passar, até dar lugar a outro ciclo de renovada crença e redobrado vigor. O hiato será tanto mais curto quanto menos dermos ouvidos e olhos a incendiários mediáticos que tudo fizeram para esgaçar a seleção; vão continuar assim, porque chafurdar é a competência máxima da sua instrução e o seu modo natural de atuação. Por favor, voltem-se para o Natal abençoador da vossa família, e cuidem da vinda de um Portugal e Mundo melhores!

DA POLÍTICA NESTA HORA

A barbárie ronda-nos a porta e não pede licença para entrar. O mal anda por aí à rédea solta. O desespero avança, criando o húmus para soluções inumanas. São tempos de matança e perdição os nossos, de via aberta para os carniceiros, os feiticeiros e agentes do diabo. O mundo está a tornar-se pré-apocalíptico, um inferno. Queremos recusá-lo e mudá-lo ou ser fator e parte dele? A opção ainda nos pertence! A política importante nesta hora não é a que se passeia e exibe nas grandes avenidas, nos jantares faustosos, nos espetáculos e reuniões dos famosos. É a que cuida do presente por construir: o do Ser Humano e da plena realização da dignidade humana.

Para tanto é preciso cheirar o povo marginalizado, pobre e sofredor e chorar com ele, percorrer as noites escuras, as ruas e as periferias sem a luz da esperança; praticar a bondade, a compaixão, misericórdia e solidariedade, multiplicar a Humanidade à nossa volta. Subamos aos campanários e toquemos os sinos a rebate, convocando para a praça da Cidade os deserdados da centralidade.

FELIZ NATAL!

Vim a Mirandela. A contemplação das iluminações do antigo Palácio dos Távoras e da Ponte Medieval levou-me para o passado e desatou a necessidade da sua evocação. Outrora, os dias e noites de invernoem Trás-Os-Montes eram de um frio cortante, de tiritar e bater os dentes. O sol não chegava a derreter a côdea das geadas e o carambelo agarrado aos beirais dos telhados e ramos das árvores. E a roupa era escassa e singela para enfrentar tamanho enregelamento. Por isso comovia-nos até às lágrimas o conto do nascimento do Menino Jesus numa manjedoura, envolto em palhinhas e aquecido pelo bafo do boi e da vaca. Na altura não havia em Bragada notícias do Pai Natal, nem de cartas para lhe escrever. Aguardávamos ansiosamente a vinda do Menino às nossas casas, durante a noite de 24 de dezembro, convictos de que Ele traria os presentes inventados pela imaginação. A minha mãe cuidava do sonho e da ilusão: enquanto dormíamos, punha no nosso calçado um pequeno brinquedo ou lenço das mãos, conforme à magreza das posses de então. Quando acordávamos no dia 25 e descobríamos a prenda recebida, tornávamo-nos sinos chocalheiros do contentamento; e justificávamos a pequenez do recebimento com o comportamento no ano prestes afindar, prometendo melhorá-lo no vindouro. Talvez nem todos entendam: em tempos tão apertados e duros, o Natal era estação da felicidade! Sinto saudades do espírito daquela época. Projeto-as na família e nos amigos de perto e longe. Tenho-os vivos em mim;e nomeio-os com o fervor de uma oração. Vivemos hoje problemas difíceis, na Europa e no Mundo, gerados por indivíduos fáceis, que detêm as rédeas do poder, contando com a conivência da indiferença geral. Além de cúmplices, somos impotentes para elidir o desespero e tormento que alastram pela Terra. Não devíamos fechar os olhos e ouvidos da razão e compaixão. Os sofredores são entes humanos, nossos semelhantes. Acordemos e encetemos a via da regeneração! Desejo a todos vós e às vossas famílias um Santo Natal. E rogo ao Deus Menino que nos renove nesta quadra, e proporcione, em 2023, a graça da vida, do bem-estar e de um reencontro acrescido de fraternidade e humanidade.

HORA DE AVALIAÇÃO E CONFIRMAÇÃO

Desceu o pano sobre o palco do mundial da assombração; e da corrupção mal disfarçada antes, no decurso e desenlace do evento. Aproveitemos a oportunidade para visitar os subterrâneos dos estádios. Os abomináveis atentados aos direitos humanos, cometidos durante a construção, não são nenhuma anormalidade, nem exclusivos do Catar; são a regra e os órgãos instrumentais e vitais do regime neoliberal. Os neoliberais têm a memória desperta e agem conforme a ela. Sentem saudades dos métodos medievais, nomeadamente o de obrigar a trabalhar até à exaustão e morte. Quando chegam ao poder, apressam-se a restaurá-los, em toda a parte e em todos os setores. A escravização constitui o ADN do seu guião.

A SEIVA TRUPE E AS FORÇAS VIVAS DO PORTO

O Porto eram as instituições e os Homens livres, com posturas altas e firmes como a Torre dos Clérigos. Quando a IURD alimentou a veleidade de querer comprar o Coliseu, encontrou pela frente essa muralha intransponível. Estavam lá, na primeira linha de defesa, a Câmara Municipal, o Bispado, a Universidade, as Associações, os Clubes, os Artistas, os Intelectuais, os Magistrados, os Professores e todos quantos se batem pela cultura da liberdade. Hoje parece que as entidades assistem impávidas à morte matada da Seiva Trupe. Afinal, ainda há forças vivas no Porto? Ainda há quem mantenha ateada a chama da alma portuense e ame a Cidade?

DÉFICE DE ESPERANÇA

Quando mandamos a troika embora, foi sublime disfrutar o sentimento dulcíssimo de voltar a respirar, de encher os pulmões e a alma com a frescura da manhã e o calor da tarde. Pensei e senti isso então. Pode parecer estranho, mas era mesmo assim de facto. Existia uma asfixia da esperança; livramo-nos da primeira e renovamos a segunda. Logo, o regozijo irrompeu como a água de uma represa aberta. Hoje é como se a troikativesse regressado. E ela veio realmente, envolta num cenário trágico, semelhante ao que precedeu o desastre do Titanic. O défice de esperança torna o quotidiano opressor e irrespirável. É preciso rezar por dentro e por fora, com a vontade e as palavras, com as emoções e ações, para que o milagre possa acontecer.

LUX INDEFICIENS

De pedra, de barro ou de madeira, estas criaturas estão cheias de uma luz com quase dois mil anos de vida e inextinguível. No resto do ano andam sumiças ou ocultas pelo nevoeiro da nossa desatenção. Despertam no Natal e iluminam o mundo inteiro. Tal como a esperança, são imperecíveis.

NATAL CONTÍNUO

“Uma boa consciência é um Natal contínuo”, proclamou Benjamin Franklin. O Natal não devia acabar após estes dias, nem a consciência devia sentir-se doravante em férias e desobrigada de vigiar e examinar os nossos atos. Os Humanos inventaram princípios e valores para serem observados em todo o tempo e em todas as áreas. Por exemplo, formular e enviar, urbi et orbi, votos de bem-estar e paz na quadra natalícia e ser, durante o ano, relapso, imoral e sacana na cidadania e ação política, nos negócios e no exercício de funções públicas – eis uma manifestação farisaica, avessa à consciência decente.

QUO VADIS, DEMOCRACIA?

O desencanto não me permite acompanhar Pitágoras nesta formulação: "Anima-te por teres de suportar as injustiças; a verdadeira desgraça consiste em cometê-las." Percebo o teor moral da proclamação, mas não creio que os autores de falcatruas e iniquidades se sintam desgraçados. Ao invés, recebem agasalho e bênçãos das oligarquias donas da coutada dos liberais valores ocidentais. Enfim, a democracia foi capturada por súcias de ladrões. Os ingénuos recusam-se a ver e tirar ilações. Os mentirosos e trapaceiros aproveitam a desatenção para praticar o dolo à tripa forra. Assim cresce e fica cada vez mais frondosa a árvore genealógica das famílias de gatunos. Eis a nova ditadura, consentida com os nossos votos e atitudes!

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