Maria
Mazarello
Rodrigues
Maria
Mazarello
Rodrigues
Edição e Ofício
Copyright © 2015 by Alessandra Pereira, Gabrielle Freitas, Izabel Fonseca e Letícia Santana Coordenação: Pablo Guimarães de Araújo Projeto Gráfico e Diagramação: Letícia Santana Capa: Túlio Oliveira Preparação dos originais: Izabel Fonseca e Letícia Santana Revisão: Lourdes Nascimento
Gomes, Leticia Santana (org.) G633 m Maria Mazzarello Rodrigues / Leticia Santana Gomes (organizadora) – Belo Horizonte: CEFET-MG, 2015. 92f; (Coleção: Memória editorial mineira).
1. Biografia . 2. Editores mineiros . I. autores (organizadores). II. Cefet. III. Título. CDD – 920
Nossos agradecimentos à colaboração de
Em um sábado de manhã, uma senhorinha pequena e muito simpática nos atendeu no escritório de sua editora, no bairro Pompeia, para contar a sua história. No início, ela estava um pouco tímida. Até dizem que ela não gosta muito de falar sobre si. Maria Mazarello Rodrigues é o seu nome, mas é conhecida como Mazza, apelido que se confunde com o nome da própria editora: Mazza Edições. Mas a confusão não é somente entre o seu apelido e o nome da editora. Acontece que separar a história de Mazza e a de sua empresa é quase impossível. Não é em vão que ela começa o seu depoimento voltando à sua infância. Com uma fala solta e envolvente, Mazza narrou a infância em Ponte Nova, a adolescência de labuta, os primeiros contatos com o universo editorial, o encontro com o Movimento Negro, a fundação da Mazza Edições. Escutamos maravilhadas. Conforme contava a sua história, Mazza perdia a timidez e fazia com que nos sentíssemos cada vez mais próximas de suas memórias. Entretanto fazer a transposição do seu depoimento para a linguagem escrita foi uma tarefa exigente. A emoção que as recordações lhe causavam tornava a sua fala emaranhada. Ora abaixava o tom de voz, ora se exaltava. Em alguns momentos, interrompia para criticar ou elogiar alguém
sobre quem estava falando e, em outros, incorporava ao seu discurso as falas das personagens que transitaram por sua vida. Queríamos que o leitor que se relaciona com Mazza, cotidianamente, reconhecesse a sua voz e que, mesmo aquele que nunca se encontrou com ela, pudesse perceber os seus encantos. A um leitor muito acadêmico o nosso discurso pode parecer um pouco apaixonado. E talvez seja mesmo, mas assim como Mazza, não estamos muito preocupados com a frieza do meio intelectual. O leitor poderá perceber que, mesmo tendo conquistado uma formação acadêmica estimável, com o privilégio de ter feito mestrado em editoração na Université de Paris-XIII (Paris-Nord). Mazza mantém uma simplicidade proposital em sua fala que não a confunde com alguns briosos doutores. Mazza prefere se identificar com o povo, e essa preferência a acompanha durante toda a vida.
A Maria Mazarello Rodrigues
“Livros editados são públicos e pessoais. São lenço em que as letras não secam e não se dão a todos, íntimos postais. Múltiplos, preferem os bares mais que as gavetas. Únicos, reconhecem quem os costura. Fazê-los não é leve, mas trabalho em que a tecnologia é artesanato. Religião e números circulam no operário que mergulhado nesse templo nem o percebe oficina. Nem o percebe gráfica de seu sustento. O que faz livros se faz com eles.” (In: Edimilson A. Pereira. Lugares ares: obra poética 2. Belo Horizonte: Mazza, 2003).
Em nota introdutória, as organizadoras deste capítulo esclarecem que sua entrevista foi feita e transcrita de maneira que o texto dê condições ao leitor de reconhecer a voz da entrevistada. Reconhecimento no caso do leitor que já conhece a Mazza. No caso de quem ainda não cruzou com a pequena grande dama da editoração, as organizadoras esperam que através de sua fala, os leitores possam perceber os seus encantos. Comecei concordando com elas, pois a voz da entrevistada é realmente calorosa. Inspira ternura. Mas, em seguida – e rindo à socapa – pensei na “pegadinha” que a leitura deste texto pode suscitar em quem ainda vai conhecer pessoalmente Maria Mazarello Rodrigues. Só quem muito se aproxima da doce e amorosa Mazza com sua voz sussurrante, poderá ouvir também seus estridentes berros. Sua fúria. Por mais absurdo que possa soar esta contradição, não há nisso nenhum conflito. Ousaria eu até avançar, em desautorizada perspectiva psicanalítica – mas falando de cátedra – que se o interlocutor mais suscetível sentirse constrangido por não suportar os gritos e sussurros mazzarelísticos, o problema é de quem ouve, e não de quem fala. Pois quem não enfrentar sua fúria, jamais perceberá sua ternura. 13
Digo isso em um tom bastante pessoal, após um conflituoso e maravilhoso convívio por mais de quarenta anos com minha mestra, chefe, companheira e, sobretudo, amiga. Como ela mesma revelará em sua entrevista, nossa vida-a-dois teve até casamento-para-francês-ver em Paris, nos anos 1970. A bem da verdade esclareço que o “casamento” de Mazza e Paulo B nunca foi vivido a dois. Mazza é coletiva. Sua convivialidade, suas ações de trabalho a divertimento, suas festas e afetos, tudo nela acontece no plural. Costumo definir o que ela faz e o que circula em torno dela como “Viva o Povo!” Com exclamação. Suas ações, aliás, são as mais consequentes do mundo, como o leitor se dará conta nesta longa e saborosa entrevista. Em Ponte Nova, na década de 1940, revelou-se a negrinha atrevida que transitava entre a casa, os quintais, as ruas, a escola e a igreja. Igreja, aliás, onde nunca pode coroar Nossa Senhora, mas que, sem ressentimento, jamais deixou de frequentar. Em Belo Horizonte, sobretudo a partir dos anos 1960, encontrou os cenários onde viria se formar negra fera, mostrando suas garras: em sua casa e casa editorial nos bairros Esplanada e Pompéia; nos bairros Funcionários e João Pinheiro tomou fôlego e adquiriu know-how para os muitos trabalhos afazeres posteriores; na região central administrou suas livrarias e casas editoras onde chegou a provocar tremores de terra. Em Paris preparou seu armamento, treinou seus passos e montou estratégias para voltar ao ataque no 14
campo de batalha editorial brasileiro. Aqui fincou pé. E daqui não sai. E daqui ninguém a tira. Ainda em sua introdução, as organizadoras chamam a atenção do leitor para diversas situações enfrentadas por Mazza, que elas não qualificaram. Tento eu defini-las nesta breve revisão, dizendo que as situações que ela enfrentou ao longo de toda sua vida, foram atropelos, percalços e vitórias. Mazza não sabe de sucesso que não seja resultado de luta. Árduas lutas. Invento uma cena, que nada tem de inventada: vejo-a em um campo de batalha, portando um estandarte como gosta de portar buquês de flores, levantando-os à altura dos ombros. Assim a vejo na vanguarda de um exército-debrancaleone, uma joana d’arc a brandir espadas imaginárias. Com bravura e fé in-que-bran-tá-veis. Ao final da leitura de seu depoimento dou-me conta de que sua vida parece um roteiro de cinema. Filme parcialmente visto por mim. Qualquer leitor, certamente, reconhecerá cenas deste filme vivido por si próprio ou por alguém próximo ou distante, pessoa de qualquer idade, gênero e raça. Este reconhecimento é ainda maior naqueles filmes protagonizados por pessoas muito sofridas aqui e em todos os lugares. A narrativa que se segue, narrada por Mazza, parece recontar a vida de cada negra barbaramente capturada na África e transportada ao Brasil, cada negra resistente a todos suplícios infligidos por um mundo de homens e mulheres que se julgavam superiores a ela. Ao ouvir o relato de Mazza nos 15