Aurora Ferreira
A imagem da arte e os temas transversais Projetos didรกticos para o Ensino Fundamental
Copyright © Aurora Ferreira, 2008 aurora.ferreira@terra.com.br
Editor João Baptista Pinto Capa Luiz Henrique Sales Editoração Claudete Stevanato
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. F439i Ferreira, Aurora, 1942A imagem da arte e os temas transversais : projetos didáticos para o ensino fundamental / Aurora Ferreira. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2008. Anexos Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-020-4 1. Arte - Estudo e ensino (Ensino fundamental). 2. Abordagem interdisciplinar do conhecimento na educação. I. Título. 08-1584. 25.04.08
CDD: 372.5 CDU: 372.87 25.04.08
Letra Capital Editora
Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 www.letracapital.com.br
006330
Agradecimentos À direção geral do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, pela autorização do uso de imagens, pertencentes ao seu acervo. Ao diretor geral do Projeto Eliseu Visconti, Tobias Stordzé Visconti, e Aricles Brocos, neta do pintor Modesto Brocos, que gentilmente autorizaram as reproduções das imagens das obras dos artistas. Aos meus alunos criativos, que por meio de suas atividades em sala de aula, muito acrescentaram a esse livro. À professora Marilene Gonçalves Muniz, que de maneira eficiente e carinhosa colaborou com valiosas sugestões na revisão final. Ao professor Rossano Antenuzzi de Almeida, chefe de seção educativa do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, pelo apoio na pesquisa de imagens.
Nunca se acaba de aprender no campo da arte. Há sempre novas coisas a descobrir. As grandes obras artísticas parecem ter um aspecto diferente cada vez que nos colocamos diante delas. Parecem ser tão inexauríveis e imprevisíveis quanto seres humanos de carne e osso. É um mundo excitante, com suas próprias e estranhas leis, suas próprias aventuras. Ninguém deve pensar que sabe tudo a respeito delas, pois ninguém sabe. Gombrich
Sumário
Apresentação.................................................................. 9 Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Arte............. 12 O que são temas transversais?...................................... 16 A arte e os temas transversais...................................... 19 O que é um projeto didático?........................................ 21 Desenvolvendo projetos................................................. 25 Projeto 1 – Saúde.......................................................... 27 Título: A pessoa é o que come Obra: Mamão e Melancia – Agostinho da Mota – 1860 Projeto 2 – Pluralidade Cultural.................................... 35 Título: Somos todos iguais Obra: Redenção de Cã – Modesto Brocos – 1895 Projeto 3 – Pluralidade Cultural.................................... 44 Título: A cultura negra Obra: Engenho de Mandioca – Modesto Brocos – 1892
Projeto 4 – Meio ambiente............................................. 51 Título: Cuidando do meio ambiente Obra: Vista de um Mato Virgem que se está reduzindo a carvão – Félix Émile Taunay – 1843 Projeto 5 – Ética e Cidadania........................................ 60 Título: A escola para todos Obra: A caminho da Escola – Eliseu Visconti – 1925 Projeto 6 – As relações de gênero: posturas, crenças, tabus e valores............................................................. 70 Título: Menino brinca de boneca? Menina joga bola? Obra: Bom Tempo ou Idílio Campestre – Belmiro de Almeida – 1893 Palavras finais.............................................................. 76 Referências................................................................... 78 Anexos.......................................................................... 81
Apresentação
Esta proposta de ensino baseada nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, direcionada para o ensino fundamental e educação de jovens e adultos, pretende encaminhar uma reflexão sobre novas posturas e metodologias para que os alunos aprendam e saibam analisar, decidir, planejar, expor suas idéias e possam ter uma participação ativa na sociedade em que estão inseridos. A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96 tem apresentado a necessidade de centrar a aprendizagem no desenvolvimento de competências e habilidades do aluno em vez de somente na transmissão de conhecimentos. Em virtude disso, torna-se necessário que o professor busque novos conhecimentos que o levem à iniciativa e à inovação. Surge um novo educador que privilegia a interdisciplinaridade, a contextualização e o trabalho coletivo, o trabalho com projetos. Cada aluno tem suas histórias, tanto pelo que aprendeu na escola, e também pelo que a vida lhe ensinou. Assim, terão significado para ele os problemas referentes ao seu contexto, uma vez que o aluno só aprende se estiver motivado por um desafio, ou se reconhecer a importância e a aplicação da aprendizagem. Cabe ao professor ampliar esses conhecimentos mobilizando-os para o seu desenvolvimento pessoal A imagem da arte e os temas transversais
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De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (1996), a meta da educação é promover o desenvolvimento pessoal do aluno, para que possa tomar decisões ao longo de sua vida e intervir socialmente. Segundo Cruz; Waldhelm (2002, p. 05): “O que o tornará sujeito crítico, capaz de solucionar problemas, tomar decisões e criar é uma aprendizagem em que ocorra a construção/ampliação de competências. Através delas, o aluno saberá enfrentar desafios apresentados pelo professor, pelo grupo e/ou pela sociedade”. O professor ao elaborar atividades criativas poderá ajudar o aluno a desenvolver a sua criatividade, despertando a curiosidade e o desejo de pesquisa; encorajando a expressão espontânea; incentivando-o a formar sua própria opinião; estimulando novas idéias; desenvolvendo a percepção e a criação. Contextualizar o conteúdo pedagógico provoca aprendizagens que mobilizam o aluno e o retira da condição de espectador passivo. A contextualização evoca dimensões presentes na vida pessoal, social e cultural, e mobiliza competências cognitivas já adquiridas. As competências estão presentes quando a lei prevê um ensino que facilite a ponte entre a teoria e a prática. Ainda, segundo Cruz; Waldhelm (2002), a contextualização, além de partir do que tem significado para o aluno, também se realiza numa rede de conhecimentos: conceitos e conhecimentos de determinada disciplina são contextualizados no tempo, no espaço e no próprio universo do conhecimento. É a interdisciplinaridade sendo aplicada. Por isso, trazer situações significativas para a vida do aluno é contextualizar. Buscamos promover uma proposta de ensino direcionada para a arte, por meio da leitura das imagens artísticas, atendendo aos novos paradigmas da educação, envolvendo os temas transversais, uma vez que a arte apresenta-se como um campo riquíssimo para o tratamento desses temas. A idéia de desenvolver atividades com os temas trans-
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versais vem ao encontro de nossos tempos e a escola é o espaço apropriado para a discussão desses temas. Os Temas Transversais – Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde e Orientação Sexual – foram integrados ao currículo do ensino fundamental e deverão estar presentes em todas as disciplinas, e não se trata de um conjunto de conteúdos a mais a serem incluídos nos já existentes. Dessa forma, os temas transversais requerem o trabalho interdisciplinar e devem possibilitar uma visão ampla da realidade brasileira, além de desenvolver atividades educativas que possibilitem a participação social dos alunos. Outro ponto importante abordado, que pode favorecer uma proposta significativa, é o trabalho com projetos, uma vez que a aprendizagem por meio deles motiva e cria oportunidades de autonomia para o aluno. A arte do século XIX e início do século XX é observada e trabalhada em atividades interdisciplinares por meio da leitura de imagens com o objetivo de apresentar essas obras aos alunos a fim de permitir a contextualização da época em que vivemos e sua relação com as anteriores. São apresentadas sugestões de projetos didáticos, trabalhando-se atividades interdisciplinares, envolvendo, além da Arte, Literatura, Matemática, Ciências, História, Geografia, tendo como destaque os temas transversais, que são as questões principais desse livro. As Artes Visuais como produto cultural e histórico esperam do aluno: “Observação, estudo e compreensão de diferentes obras de artes visuais, artistas e movimentos artísticos produzidos em diversas culturas (regional, nacional e internacional) e em diferentes tempos da história”. (PCN/Arte, 2000, p.64) Enfim, cabe ao professor a função de transmitir uma educação integradora e transformadora. A arte cria situações no processo de educação que instigam a curiosidade, a percepção e a sensibilidade. Além de tudo, a arte também é prazer! A imagem da arte e os temas transversais
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Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Arte
O homem revelou sua criatividade desde o início dos tempos. O ser primitivo criou soluções para todos os seus problemas: criou armas para caçar, descobriu alimentos, roupas, abrigo e descobriu, também, o fogo para cozinhar e se aquecer. A humanidade sempre manifestou tendências decorativas, enfeitando e decorando seu vestuário, objetos de uso comum, seus abrigos e o próprio corpo. O homem primitivo usava além da carne dos animais para comer, a pele para vestir-se, os ossos carbonizados e a gordura para sua pintura. As figuras desenhadas nas grutas representavam sua vida, seus medos e suas necessidades, ao mesmo tempo em que mostravam como se relacionava com o mundo. Essas pinturas representam toda a sua história. Apesar da constatação da importância da arte para o ser humano, a área referente à educação tem passado por etapas que desvalorizaram a sua função dentro da escola. O ensino da arte foi durante muito tempo centrado nas habilidades manuais, no desenho geométrico; os professores trabalhavam com modelos convencionais, cópias, reproduções de modelos. A partir da segunda metade do século XX, a concepção de arte na educação passa por algumas mudanças. Entre elas, a concepção da auto-expressão. A auto-expres-
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são orientava os alunos para criações espontâneas, para a sensibilidade, e para a experimentação artística, o que não ocorria no ensino tradicional (PCN/Arte, 2000). Apesar de valiosas contribuições, esses princípios inovadores resultaram na banalização do “deixar fazer”. A arte continuou sendo uma disciplina desvalorizada no currículo escolar. Na entrada da década de 60, segundo os PCN/Arte (2000), arte-educadores, principalmente americanos, propuseram novas mudanças dentro do ensino da arte, questionando, basicamente, a idéia do desenvolvimento espontâneo da expressão artística da criança e procurando definir a contribuição da arte para a educação. “Em 1971, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a arte é incluída no currículo escolar com o título de Educação Artística, mas é considerada “atividade educativa” e não disciplina (PCN/Arte, 2000, p.28)”. Apesar do avanço em relação ao ensino da arte, o resultado foi contraditório, uma vez que os professores não estavam habilitados para o domínio de várias linguagens artísticas: Artes Plásticas, Educação Musical, Artes Cênicas. Um professor deveria atuar em todas essas linguagens, ser polivalente. Duarte Jr. (1988, p.117) comenta: “A arte continuou sendo encarada, como um mero lazer, uma distração entre as atividades “sérias”das demais disciplinas.” Nas décadas seguintes aconteceram algumas tentativas de mudanças. A partir dos anos 80 foi criado o movimento Arte-Educação, organizado por professores, com objetivos de propor novos andamentos no ensino da arte. Em 1988, com a promulgação da Constituição, iniciamse as discussões sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que seria sancionada oito anos depois, em 20 de dezembro de 1996. Com a Lei 9.394/96 Arte é considerada disciplina obrigatória na educação básica, a fim de promover o desenvolvimento cultural dos alunos. A imagem da arte e os temas transversais
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Os PCN/Arte (2000, p.15) contribuem com essa reflexão, enfatizando: “Aprender arte envolve, basicamente, fazer trabalhos artísticos, apreciar e refletir sobre as formas da natureza e sobre as produções artísticas individuais e coletivas de distintas culturas e épocas.” Diante disso, a arte, que tem conteúdo próprio, deixou de ser uma simples atividade no currículo escolar, uma disciplina para “descansar” o professor e “acalmar” o aluno. Doravante, a arte passa a ter a mesma importância das outras disciplinas em que o aluno poderá desenvolver sua competência estética e artística nas diversas modalidades da área de arte: Artes Visuais, Dança, Música, Teatro. Como produto cultural e histórico, o aluno poderá observar e estudar diferentes obras de arte, artistas e movimentos artísticos produzidos em diversas culturas e em diversos tempos da história. De acordo com os PCN/Arte (2000, p. 53-54) enumeramos alguns objetivos da arte para o ensino fundamental: n
Expressar e saber comunicar-se em artes mantendo uma atitude de busca pessoal e/ou coletiva, articulando a percepção, a imaginação, a emoção, a sensibilidade e a reflexão ao realizar e fruir produções artísticas. n Interagir com materiais, instrumentos e procedimentos variados em artes (Artes Visuais, Dança, Música, Teatro), experimentando-os e conhecendo-os de modo a utilizá-los nos trabalhos pessoais. n Compreender e saber identificar a arte como fato histórico contextualizado nas diversas culturas, conhecendo, respeitando e podendo observar as produções presentes no entorno, assim como as demais do patrimônio cultural e do universo natural, identificando a existência de diferenças nos padrões artísticos e estéticos. n Buscar e saber organizar informações sobre a arte em contatos com artistas, documentos, acervos nos espaços da escola e fora dela (livros, revistas, jornais, ilustrações,
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diapositivos, vídeos, discos, cartazes) e acervos públicos (museus, galerias, centros de cultura, bibliotecas, fonotecas, videotecas, cinematecas), reconhecendo a variedade dos produtos artísticos e concepções estéticas presentes na história das diferentes culturas e etnias. Enfim, o aluno deve habituar-se a olhar o mundo ao seu redor com interesse, compreender que olhar é ver com atenção.
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O que são temas transversais?
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1996) incluem os temas transversais no currículo de forma a compor um conjunto articulado e aberto a novos temas, dando-lhes a mesma importância das áreas convencionais. Os temas podem ser priorizados e contextualizados de acordo com as diferentes realidades locais e regionais, e, com a sua proposta, requerem como pressuposto indispensável o trabalho interdisciplinar. Espeschit (2000, p. 83) define os temas transversais: ...temas que transversalizam, que atravessam as várias instâncias/eixos sobre os quais se organiza a vida. São temas que não se propõe a constituir uma disciplina específica, mas, antes, a povoar o universo das demais disciplinas (considerando-se a hipótese de ensino organizado a partir de disciplinas) ou, numa proposta ainda mais radical, a constituírem-se eles próprios como organizadores dos conteúdos na hipótese de um ensino organizado, por exemplo, a partir de projetos.
Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde e Orientação Sexual são os temas transversais, indicados pelos PCNs para inclusão no currículo escolar. Os PCNs (1996), a seguir, explicam os temas transversais.
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Ética diz respeito às reflexões sobre as condutas humanas. Na escola, o tema Ética está presente nas relações entre alunos, professores, funcionários e pais e é discutido a partir dos tópicos: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade. De acordo com os PCNs (1996), educar sob inspiração da ética não é transmitir valores morais, mas criar as condições para que as identidades se constituam pelo desenvolvimento da sensibilidade e pelo reconhecimento do direito à igualdade a fim de que orientem suas condutas por valores que respondam às exigências do seu tempo. Meio Ambiente – o ser humano faz parte do meio ambiente e também, as relações sociais, econômicas e culturais fazem parte desse meio. Com o decorrer do tempo, o homem transformou-se pela modificação do meio ambiente, estabeleceu relações econômicas, culturais e comunicação com a natureza e com os seus semelhantes. No entanto, o homem precisa refletir sobre essas relações socioeconômicas e ambientais, para que o mundo possa alcançar o crescimento cultural, a qualidade de vida e o equilíbrio ambiental. Pluralidade Cultural – vivemos numa sociedade plural, onde existem grupos e culturas diferentes. Nossa sociedade é formada por diferentes etnias e imigrantes de diferentes países. Sabe-se, também, que as regiões brasileiras têm culturas diferenciadas e a convivência desses grupos no plano social e cultural é marcada pelo preconceito e pela discriminação. Nesse sentido, a escola tem um papel importante, que é investir na superação da discriminação e mostrar a riqueza da diversidade cultural que compõe o povo brasileiro. Saúde – ao se falar de saúde, deve-se levar em conta a qualidade de vida das pessoas. O ar que respira, o consumismo, a miséria, a degradação social e a desnutrição. A educação para a saúde, parte integrante do currículo, eleva a escola à formadora de indivíduos capazes de vaA imagem da arte e os temas transversais
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lorizar esse tema e contribuir para a formação do aluno no exercício da cidadania, como direito e responsabilidade pessoal e social. Orientação Sexual – a orientação sexual na escola deve ser entendida como um processo de intervenção pedagógica, que tem como objetivo transmitir informações e problematizar questões relacionadas à sexualidade, incluindo posturas, crenças, tabus e valores a ela associados.
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