Frei Sandro Grimani, ocd
Contemplar o Mundo com os Olhos de Deus Ver-Julgar-Agir como Jesus
Frei Sandro Grimani, ocd
Contemplar o mundo com os olhos de Deus Ver, Julgar, Agir como Jesus
Copyright © Frei Sandro Grimani, 2009
Esta obra não pode ser reproduzida total ou parcialmente sem a autorização por escrito do editor. Os textos bíblicos utilizados nesta obra são da Bíblia Sagrada, Edição Pastoral - Paulus.
Editor João Baptista Pinto Capa Francisco Macedo Projeto Gráfico/Editoração Francisco Macedo
Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 www.letracapital.com.br
A quem gosta de lanรงar as suas redes em รกguas mais profundas buscando a Grande Verdade...! (Cf. Lc 5,1-7)
Com carinho Frei Sandro Grimani, ocd
Comentário sobre a dedicatória
P
.ara quem gosta de lançar a sua rede em busca da verdade nas águas mais profundas, o Método Ver-Julgar-Agir, nos leva a ter com Deus e Sua Palavra, um gesto tão singular de gratidão. A profundidade de Frei Sandro Grimani, que abre seu coração, livre de fechadura, cheio de contemplação e união mística com Deus, nos leva a uma leitura extremamente prática e realista. Sinto-me diante de um pescador iluminado da Sabedoria divina e luz refletiva, num oceano de amor, fraternidade e humildade, que transborda a mais segura embarcação, que é o seu coração. “Bendito seja o Senhor que, com tão grande bondade, cuida dos interesses de seus servos fiéis. Bendito seja para sempre! Amem.” Ramalhete espiritual Pesca milagrosa – Deus na sua bondade enche a nossa rede de peixes e nos gratifica com o laço afetuoso da pescaria perfeita. (Cf. Lc 5,1-7) Antônio Augusto Carvalho Técnico em Contabilidade
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Sumário
Apresentação....................................................................... 09 Introdução........................................................................... 11
Testes de meditação Primeiro teste – Três atributos divinos de difícil entendimento: Sabedoria, Justiça e Misericórdia.......................... 22 Segundo teste – As tensões e conflitos entre castidade e instinto sexual..................................................................... 26 Terceiro teste – A hipocrisia na peneira do Método V-J-A.. ............................................................................................. 30 Quarto teste – Uma das causas da Inflação Espiritual, analisada pelo Método V-J-A.................................................... 35 Quinto teste – Meditação sobre a própria morte............ 41 Sexto teste – O time da esperteza contra o time da fidelidade (Cf. Lc 16)...................................................................... 47 Sétimo teste – Um ideal existencial com garantia divina ... ............................................................................................. 50 Oitavo teste – No jardim de Deus só vingam plantas frutíferas (Cf. Jo 15)................................................................... 52 Nono teste – O desafio maior da fé: ser discípulo coerente de Jesus................................................................................ 56
Décimo teste – O universo metafísico da imortalidade ...... ............................................................................................. 62 Décimo primeiro teste – A linguagem simbólica, a picada venenosa da serpente e o Método V-J-A............................ 70 Testes – Ensaio para o leitor ............................................ 77 Encerramento – A utilidade do Metódo V-J-A na vida Cristã.................................................................................... 79 Anotação final – Imortalidade, a vida nova e a eternidadade.................................................................................84 A monotonia da eternidade...............................................86 Bibliografia .........................................................................87
■ Apresentação
N
.o oriente, o tema meditação é amplamente valorizado, o indiano Maharishi Mahesh Yogi (1917-2008), difundiu pelo mundo uma prática, que intitulou de Meditação Transcendental. Passou muitos anos nas encostas dos Himalaias praticando o seu método, depois foi para São Francisco nos EUA, e fez muitos discípulos da sua técnica. Nos anos 70 tive oportunidade de assistir a uma palestra, nos estúdios do Jornal O Globo que tratava deste tema. A experiência da Meditação Transcendental baseia-se na Yoga e supostamente produz no praticante poderes psíquicos que permitem controle do próprio organismo, tais como: controle dos batimentos cardíacos, da temperatura e relaxamento muscular profundo. Não tenho dúvidas a respeito dos benefícios que podem ser obtidos com estes exercícios, obviamente é também necessário manter uma vida saudável, sem vícios, ter boa alimentação e fazer atividades físicas regulares. O objetivo da Meditação Transcendental é cuidar da saúde da mente e do corpo, depende o seu praticante, apenas da sua vontade e aplicação. A palavra transcendência tem como significado: ultrapassar, passar além, exceder, elevar-se. Porém, se considerarmos as limitações humanas, não poderemos admitir alcançar tais objetivos sem a graça divina. Por isso, Frei Sandro Grimani, procurou neste livro desenvolver esta temática com bastante propriedade: definiu a Meditação Cristã e introduziu o Método Ver-Julgar-Agir para que a prática da meditação alcance objetivos mais amplos. Enquanto na Meditação Transcendental o homem busca melhorar a sua capacidade mental e física, na Meditação Cristã, além de alcançar os mesmos objetivos, desenvolvese também no campo da espiritualidade, mudando a forContemplar o mundo com os olhos de Deus ♦
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ma de agir, trilhando o caminho da santidade e da união divina. A Igreja trata deste tema com muito interesse, pois entende que no mundo atual, é indispensável intensificar os momentos de oração, diálogo íntimo com Deus, elevar os olhos para o céu, aproximar-se dos bens divinos, mas sem alienar-se da realidade, sem deixar de voltar o olhar misericordioso para os irmãos que sofrem. No Evangelho de Mateus, Jesus nos ensina este caminho: “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á.” (Mt 6,6). Frei Sandro, percebeu na maneira de Cristo se comportar, diante das pessoas e de determinadas circunstancias, uma capacidade de analisar os fatos e tomar decisões, que intitulou de Método Ver-Julgar-Agir, espero que o leitor perceba os benefícios da sua prática e ingresse nesta busca do aperfeiçoamento evangélico. Hércules José Machado Prof. de Física, Matemática e Química
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■ Introdução
O
.Catecismo da Igreja Católica (CIC), trata amplamente da oração no capítulo 3: “A oração é a vida do coração novo e deve nos animar a cada momento. Nós, porém, esquecemo-nos daquele que é nossa Vida e nosso Tudo. Por isso os Padres espirituais, na tradição do Deuteronômio e dos profetas, insistem na oração como “recordação de Deus”, como um despertar freqüente da “memória do coração”: “É preciso se lembrar de Deus com mais freqüência do que se respira. Mas não se pode orar “sempre”, se não se reza em certos momentos, por decisão própria: são os tempos fortes da oração cristã, em intensidade e duração. A Tradição da Igreja propõe aos fiéis ritmos de oração desti nados a nutrir a oração contínua. Alguns são cotidianos: a oração da manhã e da tarde, antes e depois das refeições, a Liturgia das Horas. O domingo, centrado na Eucaristia, é santificado principalmente pela oração. O ciclo do ano litúrgico e suas grandes festas são os ritmos fundamentais da vida de oração dos cristãos. O Senhor conduz cada pessoa pelos caminhos e na maneira que lhe agradam. Cada fiel responde ao Senhor segundo a deter minação de seu coração e as expressões pessoais de sua oração. Entretanto, a tradição cristã conservou três expressões principais da vida de oração: a oração vocal, a meditação, a oração contemplativa. Uma característica fundamental lhes é comum: o recolhimento do coração. Esta vigilância em guardar a Palavra e em permanecer na presença de Deus faz dessas três expressões tempos fortes da vida de oração.” (CIC 2697 – 2699) Quanto à oração vocal “Deus fala ao homem por sua Palavra. É por palavras, mentais ou vocais, que nossa oração cresce. Mas o mais importante é a presença do coração naquele a quem falamos na oração. "Que Contemplar o mundo com os olhos de Deus ♦
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a nossa oração seja ouvida depende não da quantidade das palavras, mas do fervor de nossas almas.” (CIC 2700) A meditação “A meditação é sobretudo uma procura. O espírito procura compreender o porquê e o como da vida cristã, a fim de aderir e responder ao que o Senhor pede. Para tanto, é indispensável uma atenção difícil de ser disciplinada. Geralmente, utiliza-se um livro, e os cristãos dispõem de muitos: as Sagradas Escrituras, especialmente o Evangelho, as imagens sacras, os textos litúrgicos do dia ou do tempo, os escritos dos Padres espirituais, as obras de espiritualidade, o grande livro da criação e o da história, a página do “Hoje” de Deus.” (CIC 2705) A oração mental “O que é a oração mental? Sta. Teresa responde: “A oração mental, a meu ver, é apenas um relacionamento íntimo de amizade em que conversamos muitas vezes a sós com esse Deus por quem nos sabemos amados. A oração mental busca “aquele que meu coração ama”. É Jesus e, nele, o Pai. Ele é procurado porque desejá-lo é sempre o começo do amor, e é procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer dele e viver nele. Na oração, podemos ainda meditar; contudo, o olhar se fixa no Senhor. A escolha do tempo e da duração da oração mental depende de uma vontade determinada, reveladora dos segredos do coração. Não fazemos oração quando temos tempo: reservamos um tempo para sermos do Senhor, com a firme determinação de, durante o caminho, não o tomarmos de volta enquanto caminhamos, quais quer que sejam as provações e a aridez do encontro. Nem sempre se pode meditar, mas sempre se pode estar em oração, independentemente das condições de saúde, trabalho ou afetividade. O 12 ♦
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coração é o lugar da busca e do encontro, na pobreza e na fé. Entrar em oração é algo análogo ao que ocorre na Liturgia Eucarística: reunir” o coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar na morada do Senhor (e esta morada somos nós), despertar a fé, para entrar na Presença daquele que nos espera, fazer cair nossas máscaras e voltar nosso coração para o Senhor que nos ama, a fim de nos 0 entregar a Ele como uma oferenda que precisa ser purificada e transformada. A oração é a prece do filho de Deus, do pecador perdoado que consente em acolher o amor com que é amado e que quer responder-lhe amando mais ainda. Esse pecador perdoado sabe, porém, que o amor com que responde é precisamente o que o Espírito derrama em seu coração, pois tudo é graça da parte de Deus. A oração é a entrega humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais profunda com seu Filho bem-amado. Dessa forma, a oração mental é a expressão mais simples do mistério da prece. A oração é um dom, uma graça; não pode ser acolhida senão na humildade e na pobreza. A oração é uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo de nosso ser. A oração é comunhão: a Santíssima Trindade, nesta relação, conforma o homem, imagem de Deus, “a sua semelhança”. A oração mental é também um tempo forte por excelência da prece. Na oração, o Pai nos “arma de poder por seu Espírito, para que se fortifique em nós o homem interior, para que Cristo habite em nossos corações pela fé e sejamos arraigados e fundados no amor”. A contemplação é olhar de fé fito em Jesus. “Eu olho para Ele e Ele olha para mim”, dizia, no tempo de seu santo pároco, o camponês de Ars em oração diante do Tabernáculo. Essa atenção a Ele é renúncia ao “eu”. Seu olhar purifica o coração; A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos de nosso coração; ensina-nos a ver tudo na luz de sua verdade e de sua compaixão por todos os homens. A contemplação considera também os mistérios da vida de Cristo, proporcionando-nos “o conhecimento íntimo do Senhor”, para mais O amar e seguir. A oração mental é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser Contemplar o mundo com os olhos de Deus ♦
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passiva, essa escuta é a obediência da fé, acolhida incondicional do servo e adesão amorosa do filho. Participa do “sim” do Filho que se tornou Servo e do “Fiat” de sua humilde serva. A oração mental é silêncio, este “símbolo do mundo que vem ou “amor silencioso. As palavras na oração não são discursos, mas gravetos que alimentam o fogo do amor. É neste silêncio, insuportável ao homem “exterior”, que o Pai nos diz seu Verbo encarnado, sofredor, morto e ressuscitado e que o Espírito filial nos faz participar na oração de Jesus. A oração mental é união à prece de Cristo na medida em que nos faz participar de seu Mistério. O Mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia, e o Espírito o faz viver na oração para que esse Mistério seja manifestado pela caridade em ato. A oração mental é uma comunhão de amor portadora de Vida para a multidão, na medida em que ela é consentimento a habitar na noite da fé. A Noite pascal da Ressurreição passa pela da agonia e do túmulo. São esses três tempos fortes da Hora de Jesus que, seu Espírito (e não a “carne, que é fraca”) faz viver na oração. E preciso consentir em “vigiar uma hora com ele”. (CIC 2709 – 2719) A chave teológica de leitura – A oração como aliança e com comunhão “De onde vem a oração humana? Qualquer que seja a linguagem da oração (gestos e palavras), é o homem todo que reza. Mas, para designar o lugar de onde brota a oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do espírito, geralmente do coração (mais de mil vezes). É o coração que reza. Se ele está longe de Deus, a expressão da oração é vã. O coração é a casa em que estou, onde moro (segundo expressão semítica ou bíblica: aonde eu “desço”). Ele é nosso centro escondido, inatingível pela razão e por outra pessoa; só o Espírito de Deus pode sondá-lo e conhecê-lo. Ele é o lugar da decisão, no mais profundo de nossas tendências psíquicas. É o lugar da 14 ♦
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verdade, onde escolhemos a vida ou a morte. É o lugar do encontro, pois, à imagem de Deus, vivemos em relação; é o lugar da Aliança. A oração cristã é uma relação de Aliança entre Deus e o homem em Cristo. É ação de Deus e do homem; brota do Espírito Santo e de nós, totalmente dirigida para o Pai, em união com a vontade humana do Filho de Deus feito homem.” Na Nova Aliança, a oração é a relação viva dos filhos de Deus com seu Pai infinitamente bom, com seu Filho, Jesus Cristo, e com o Espírito Santo. A graça do Reino é a “união de toda a Santíssima Trindade com o espírito pleno”. A vida de oração desta forma consiste em estar habitualmente na presença do Deus três vezes Santo e em comunhão com Ele. Esta comunhão de vida é sempre possível, porque, pelo Batismo, nos tomamos um mesmo ser com Cristo. A oração é cristã enquanto comunhão com Cristo e cresce na Igreja que é seu Corpo. Suas dimensões são as do Amor de Cristo.” (CIC 2562-2565) Terminologia A Meditação Cristã tem como finalidade interiorizar e fortalecer a fé no Deus-Trindade, revelado por Jesus na sua vida e na sua missão, atestado após a sua morte e ressurreição e confirmado com o envio do Espírito Santo, outrora prometido. Encontramos na meditação cristã um dos mais eficazes meios para manter viva a chama do amor divino, e para alimentar a esperança na imortalidade e o desejo de ingressar no caminho da santidade, mostrado por Jesus no Evangelho. O Método Ver-Julgar-Agir, quando aplicado no mundo racional e visível, é um instrumento importante para averiguar a verdade, no campo da experimentação, desenvolvendo-se em três momentos sucessivos e interdependentes: Contemplar o mundo com os olhos de Deus ♦
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1) Levantamento dos dados e informações; 2) Avaliação dos dados adquiridos; 3) Ação em harmonia com a verdade procurada e encontrada. O progresso social e a contínua evolução técnica e científica passam por este caminho. Já no mundo invisível, no campo da fé, o método, muda de perspectiva e finalidade deixa de investigar a verdade revelada, e busca verificar, estimular e procurar a coerência entre Palavra e Vida, entre doutrina e os conseqüentes compromissos. Neste sentido o Método Ver-Julgar-Agir é muito útil, na revisão de vida individual e comunitária, nas pastorais e movimentos da dimensão familiar. Vamos tentar esclarecer a conexão lógica entre a Meditação Cristã e o Método Ver-Julgar-Agir, através da leitura de trechos da História de Uma Alma, manuscritos de Santa Teresinha, que nos narram com uma linguagem bem simples, importantes constatações de valor teológico e místicos, vivenciados pela jovem santa. Contemplar as belezas da natureza para louvar e agradecer a Deus “Bonitos para mim eram os dias em que meu “rei querido” me levava à pescaria consigo. Tinha tanto amor ao campo, às flores e às aves! Tentava às vezes pescar com minha varinha, mas de preferência ia sentar sozinha na relva florida. Meus pensamentos aprofundavam-se bastante e, sem saber o que era meditar, minha alma mergulhava em autêntica oração... Ouvia ruídos ao longe... O murmúrio do vento e até a música indecisa de soldados, cuja sonoridade me chegavam aos ouvidos, melancolizavam suavemente meu coração... A terra parecia-me lugar de degredo, e eu sonhava com o Céu... A tarde passava rápida, e dentro em pouco era hora de regressar aos Buissonnets, Antes de partir, porém, 16 ♦
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tomava o lanche trazido no meu cestinho. Mudara de aspecto, a linda merenda com geléia de fruta que me tínheis preparado. Em lugar da cor ativa, já não via senão uma ligeira mancha cor de rosa, toda ressequida e amarfanhada... Então a terra se me apresentava mais tristonha ainda, e compenetrava-me de que só no Céu haverá alegria sem anuviamento. . .” (M A,14) A solidariedade com os pobres “Nos passeios que fazia com ele, o papai gostava de me mandar entregar a esmola aos pobres que encontrássemos. Certo dia vimos um que se arrastava com dificuldade em muletas. Acerquei-me para lhe dar um óbolo. Mas, não se julgando bastante pobre a ponto de aceitar esmola, ele olhou-me com triste sorriso e não quis pegar o que lhe oferecia. Não consigo descrever o que se passou em meu coração. Quisera consolá-lo e reconfortá-lo. Em lugar disso, porém, julguei que o tinha magoado. O pobre doente adivinhou por certo meu pensamento, pois que o vi virar-se para trás e envolver-me num sorriso. Papai acabava de comprar um doce para mim. Bem me veio a vontade de lho dar, mas não tive coragem. Ainda assim queria dar-lhe alguma cousa que não me pudesse refugar, pois sentia por ele uma simpatia muito grande. Ocorreu-me então ter ouvido falar que, no dia da primeira comunhão, a gente obteria tudo o que pedisse. Este pensamento foi um consolo para mim, e disse comigo mesma, embora só tivesse seis anos ainda: “Rezarei pelo meu pobre no dia da minha primeira comunhão”. Cumpri a promessa cinco anos mais tarde, e espero que o Bom Deus tenha atendido a oração que me inspirara a fazer-lhe por um de seus membros sofredores...” (M A,15) O relativismo da vida e o realismo de sua essência “Como nos dias de minha vida de semi-interna, quando triste e doente espairecia no grande pátio, repetia as palavras que sempre me fizeram renascer paz e alento no coração: “A vida é Contemplar o mundo com os olhos de Deus ♦
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teu navio, não é tua morada!”... Quando ainda pequenina, estas palavras me restituíam a coragem. Ainda agora, a despeito dos anos que apagam tantas impressões da piedade infantil, a imagem da embarcação enleva minha alma, ajudando-me a suportar o exílio em paciência... Não nos diz também a Sabedoria que “a vida é como uma nau que sulca as ondas agitadas, e de cuja rápida passagem não fica nenhum vestígio?... “ Quando penso tais coisas, minha alma submerge no infinito. Afigura-se-me que já abordo a praia da eternidade... Afigura-se-me receber os amplexos de Jesus... Creio avistar minha Mãe do Céu que me vem ao encontro na companhia do Papá... da Mamã... dos quatro anjinhos... Creio, afinal, gozar para sempre da verdadeira vida eterna em família...” (M A,41) Pensar, refletir, agir, sempre por amor, e com amor Um dia, uma das minhas mestras da Abadia me perguntou o que fazia nos dias de folga, quando estava sozinha. Respondilhe que me punha atrás de minha cama num vão que ali havia, fácil para mim de fechar com o cortinado, e nesse lugar ficava a “pensar”. Mas, em que pensáveis? perguntou-me. - Penso no Bom Deus, na vida... na ETERNIDADE, enfim, penso!... Muito se divertiu a boa religiosa à minha custa. Mais tarde, gostava de lembrar o tempo em que pensava, e perguntava-me se ainda me punha a pensar... Compreendo agora que, sem o saber fazia oração, e que o Bom Deus já me instruía em segredo.” (M A,33) Percebemos a conexão lógica entre a Meditação Cristã e o Método Ver-Julgar-Agir, nas palavras de Santa Teresinha: a meditação sobre as belezas da criação, estimula o desejo da aproximação do Criador. Através da oração contemplativa, o homem místico anseia por esta oportunidade, e no caminho da oração vai se transformando e mudando as suas atitudes, porque percebe o amor divino, ao percebê-lo mudam as suas atitudes e a forma de julgar os acontecimen18 ♦
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tos da vida, abrem-se novos horizontes na forma de pensar, amar e servir, pois Jesus, que sabe o íntimo do ser humano, pode afirmar: “De fato, onde está o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt 6,21) Com este intuito, gostaria de provocar o leitor a experimentar à Meditação Cristã, utilizando o Método Ver-Julgar-Agir. Cada meditação, considerada a sua complexidade, pode-se dividir em vários momentos, individuais ou comunitários.
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Testes de Meditação
■ Primeiro teste – Três atributos divinos de difícil entendimento: Sabedoria, Justiça e Misericórdia
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.bonito contemplar uma montanha coberta de neve, mas debaixo dela tem gente morta e congelada! É bonito contemplar uma nascente de águas cristalinas, mas não podemos esquecer os que sofrem pelas secas prolongadas, ou mortos e desabrigados pela enchente. É belo um vulcão em erupção, com suas chamas e larvas de cores vivas e quentes, mas sabemos que muitos irmãos morreram ou padeceram pelas chamas do fogo! É bonito contemplar cordeirinhos saltitantes a brincar, sem pensar que o lobo os espera faminto, para um delicioso banquete. É bonito contemplar passarinhos voando e cantando, sem perceber que o gavião está a espreita para arrebatar estas inocentes vítimas. É bonito contemplar uma mãe com seu filhinho no colo e lembrar como contraste a triste morte que ocorre com algumas mães e filhos durante o parto. O Método V-J-A levanta os dados e as informações, cabe a fé a resposta para esclarecer as aparentes e reais dificuldades. A resposta da fé: 1) A morte é uma passagem do tempo para a eternidade, e conseqüentemente, sabedoria, justiça e misericórdia, podem inverter uma situação de incoerência aparentemente sem sentido e contraditória no presente tempo. 2) A morte é o grande sinal do relativismo da vida, assim, sendo a morte imprevisível, é um constante alerta ao homem, para eliminar dúvidas com Deus e com os irmãos, pois cada um receberá, conforme as suas obras. 22 ♦
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Referências bíblicas sobre o assunto “Portanto, eis que vos digo: não vos preocupeis por vossa vida, pelo que comereis, nem por vosso corpo, pelo que vestireis. A vida não é mais do que o alimento e o corpo não é mais que as vestes? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas? Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? E por que vos inquietais com as vestes? Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles. Se Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo. Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado.” (Mt 6,25-31) “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca.” (Mt 26,41) “Ficai de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando será o tempo. Será como um homem que, partindo em viagem, deixa a sua casa e delega sua autoridade aos seus servos, indicando o trabalho de cada um, e manda ao porteiro que vigie. Vigiai, pois, visto que não sabeis quando o senhor da casa Contemplar o mundo com os olhos de Deus ♦
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voltará, se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã, para que, vindo de repente, não vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: vigiai!” (Mc 13,33-37) Se quiser confira também: Mt 5,48 ; Jo 3, 16-18. Pois, o Método V-J-A exige uma posição definitiva, correspondente a verdade investigada e aceitada. Esclarecimento das dificuldades na prática do teste da meditação O homem pretende julgar as falhas aparentes da sabedoria divina, sem investigar as causas do desequilíbrio ecológico e da destruição humana. O homem considerando a sabedoria de Deus com moldes científicos, como se fosse um relógio de alta precisão, encontra alguma dificuldade para compreender o Plano de Deus. É bom lembrar que as reais falhas existentes atualmente, não faziam parte do plano original da criação: “Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o sexto dia.” (Gn 1,31) O desrespeito da lei divina e a desarmonia entraram no cenário universal da criação, com a tentativa do homem querer igualar-se a Deus, desarticulando a rede de relações ontológicas entre Deus e a natureza. A situação do homem mudou, mas Deus sempre esperou e espera a plena reconciliação do homem, a sabedoria de Deus brilha em todas as suas obras: “Não procureis a morte por uma vida desregrada, não sejais o próprio artífice de vossa perda. Deus não é o autor da morte, a perdição dos vivos não lhe dá alegria alguma. Ele criou tudo para a existência, e as criaturas do mundo devem cooperar para a salvação. Nelas nenhum princípio é funesto, 24 ♦
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