Contra o gramscianismo

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LEOVEGILDO PEREIRA LEAL

CONTRA O GRAMSCIANISMO Uma crítica marxista CONTRA O GRAMSCIANISMO ao Uma neorreformismo crítica marxista ao neorreformismo



Leovegildo Pereira Leal

CONTRA O GRAMSCIANISMO Uma crĂ­tica marxista ao neorreformismo


Copyright© Leovegildo Pereira Leal, 2014 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito do autor, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.

Editor: João Baptista Pinto

Revisão: Roberto Simões

Projeto Gráfico e capa: Rian Narcizo Mariano

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

L47c Leal, Leovegildo Pereira, 1946Contra o gramscianismo : uma crítica marxista ao neorreformismo / Leovegildo Pereira Leal. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2014. 340 p. : il. ; 23 cm. ISBN 9788577853045 1. Antonio, Gramsci, 1891-1937. 2. Gramscianismo. 3. Marxismo. 4. Ciência Politica. I. Título. 14-16064 CDD: 320 CDU: 32

Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 letracapital@letracapital.com.br


Para minha sogra Carmen Martins Salim (in memoriam) – amor, solidariedade e confiança na humanidade.



Agradecimentos Agradeço como emoção a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a existência deste livro, particularmente a: Minha mulher Vera e meus filhos Carlos e Leila – inspiração e estímulo. Roberto Simões, Luiz Sérgio Barbosa Cézar, Márcio Gabriel Vieira, Adriano Boaventura, Felipe Castanheira, Adriana Penna, Priscila Piotto e André Luiz Pellicionne – pela confiança e a cobrança camarada, cotidiana. Os companheiros do Movimento Marxista 5 de Maio-MM5 – espaço e instrumento de concretização de nossos sonhos de agora e de amanhã.



Sumário

III. Apresentação............................................................................................. 11 III. Introdução................................................................................................ 19 III. Duas filosofias da história: Marx x Gramsci................... 35 1. O objeto da história: a mudança, não uma fotografia....................................................................... 35 2. Como mudam a sociedades................................................... 44 3. Revolução proletária x revolução burguesa. Marx x Gramsci.............................................................................. 51 4. Relações entre as instâncias sociais: Marx x Gramsci.............................................................................. 80 5. Gramsci e Trotsky: a não conjuntura.............................. 93

IV. Gramscianismo, conceitos centrais............................................ 111 1. Sociedade civil, hegemonia, bloco histórico............. 111 2. Guerra de posição......................................................................... 139 3. Durkheim e a organicidade gramsciana....................... 150


V. O estado........................................................................................................... 180 1. Conceitos gerais da política revolucionária............... 180 2. Sobre a democracia...................................................................... 214

VI. Estratégia: reforma x revolução.................................................. 235 1. Posição x movimento................................................................... 235 2. Ainda a hegemonia....................................................................... 254 3. Bernstein de volta à cena.......................................................... 268

VII. O partido proletário.......................................................................... 291 VIII. Acumular forças e avançar – onde e quando............... 319 IX. A título de conclusão: Stálin, Mao, Trotsky ou Gramsci? Marx!.................................................................... 332 Bibliografia........................................................................................................... 337


I. Apresentação

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evolução ou reforma? Direta ou indiretamente, toda a prática historicamente desenvolvida na luta por uma sociedade socialista de superação do capitalismo – compreendido aqui o próprio confronto de ideias e propostas de organização e intervenção nas lutas de classes – tem sido marcada pelo choque entre estas alternativas estratégicas inconciliáveis. Este livro soma-se ao esforço daqueles que se alinham à alternativa revolucionária, significando isto fundamentalmente que esta sociedade socialista deve ter como seu marco instalador a tomada do poder político pelo proletariado enquanto ato histórico de ruptura com a sociedade capitalista através da destruição de seu estado e marco inicial de construção de relações sociais de produção socialistas. Que se destaque aqui o conceito de ato revolucionário de tomada do poder em contraposição antagônica à ideia de um processo gradual de obtenção do poder, este, o conceito chave de todo o reformismo. Como busquei explicitar em Marxismo e Socialismo – Análise Crítica da Revolução Cubana, o socialismo revolucionário só pode ser entendido cientificamente enquanto transição ao comunismo, relação esta caracterizadora da própria natureza revolucionária do socialismo científico marxista. Solto, destituído desta articulação, o socialismo – qualquer proposta socialista – só poderá servir a manipulações e deturpações, fantasias e devaneios, abstrações e especulações. Contra o gramscianismo  |  11


Dos primeiros aos seus últimos trabalhos, Marx não deixa margem a qualquer dúvida séria a respeito de seu posicionamento político, teórico e metodológico, em todos os temas que abordou, pela ruptura revolucionária como instrumento político-histórico de instalação de um poder proletário. Mesmo em seus textos de teoria econômica e filosofia, uma leitura rigorosa identifica sem qualquer esforço interpretativo a opção pela revolução. Seus textos políticos são absolutamente claros, enfáticos e radicais na defesa da ruptura revolucionária e na condenação da institucionalidade burguesa como palco central da luta proletária. Em Marx, esta institucionalidade onde ocorreriam as reformas socialistas bernsteineanas e neorreformistas constitui, analisadas as situações concretas, não mais que um dos instrumentos da luta cotidiana do proletariado no interior da luta geral que tem no ato do ataque final do proletariado ao estado burguês o eixo estruturante de seu programa e de sua estratégia insurrecional – tomada esta como referência de lutas atuais, futuras e, obviamente, da conquista do poder. Os textos históricos e políticos de Marx/Engels – como o Crítica ao Programa de Gotha, Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas, As lutas de classes na França, Guerra Civil na França, Carta a Wiedmeyer e até mesmo passagens do Manifesto, entre outros – são minimizados e deformados pelo reformismo, quando não simplesmente ocultados. Enfim, todo o trabalho de Marx e Engels ocorre na linha de combate ao reformismo. A necessidade do combate ao reformismo não se deve evidentemente a quaisquer exigências do rigor academicista, formal, de meramente não se incorrer em erro. Os estudos de filosofia e teoria histórica de Marx e Engels, aliados à prática revolucionária que sempre desenvolveram ao 12  |  Leovegildo Pereira Leal


lado do proletariado, os convenceram de que o reformismo jamais levaria o proletariado a tomar o poder à burguesia – estudos, ressalte-se, ancorados em rigorosa pesquisa empírica do que se passou e passava no continente europeu e em todo o mundo. Por estes estudos e reflexões críticas a partir do método materialista, os fundadores do marxismo viram no combate às posições reformistas e a seus fundamentos uma tarefa política de cumprimento incontornável. E assim a cumpriram. A política e a ideologia reformistas não apenas não conduziram o proletariado à vitória em lugar algum, mas, pelo contrário, levaram os trabalhadores dos quatro cantos do mundo a duras e profundas derrotas. Que se consulte a História. De maneira literal, o debate tem importante marco na publicação no ano de 1900 do libelo Reforma ou Revolução?, de Rosa Luxemburgo, em que a revolucionária internacionalista de origem polonesa, fundadora do Partido Comunista Alemão, faz veemente defesa dos princípios metodológicos, programáticos e estratégicos de Marx contra os ataques disparados contra o marxismo pelo movimento revisionista -reformista então capitaneado por Éduard Bernestein, autor de Premissas do socialismo e as tarefas da socialdemocracia, que viria a ser publicado em 1901 na Alemanha, como sistematização das ideias e propostas já veiculadas pelo autor na revista Neue Zeit em 1897/98, editado no Brasil em meados dos anos 1960 sob o título Socialismo Evolucionário e reeditado em 1997 pelo Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, um partido burguês abertamente de direita. É, pois, contra o marxismo que nasce e vive o reformismo. A denominação revisionismo advém da intenção declarada e literal de Bernstein de fazer uma revisão do marxismo. Na realidade, sua proposta textual e literal foi a de Contra o gramscianismo  |  13


que o marxismo fosse dado como superado, historicamente superado, e, por isso, abandonado como arma de luta do proletariado. A partir do eixo articulador das propostas de Bernstein, configurador pois de sua concepção programático-estratégica de que só poderemos chegar ao socialismo através de reformas parciais e progressivas, lineares, das instituições da sociedade capitalista, o reformismo toma corpo também nas táticas que, no dia a dia, dão concretude àquela visão programático-estratégica. Não creio ser útil perder tempo aqui em contestar abstratamente a alegação ideológica burguesa – mídia e academia em santa cruzada – de que o marxismo estaria superado historicamente ou, como rosnam os mais raivosos, de que o marxismo estaria morto. Nosso objetivo com o presente trabalho é o de contribuir para a reconquista do marxismo pelo proletariado como sua fundamental, principal e insubstituível arma na luta pela destruição da sociedade capitalista e implantação revolucionária do estado socialista de transição ao comunismo, à sociedade sem classes, ao reino da liberdade. Sim, reconquista, já que o marxismo a partir da segunda metade da década de 30 do século passado deixou de ser dominante, ou pelo menos referência geral, no movimento revolucionário dos trabalhadores do mundo, perdendo espaço na consciência dos membros mais combativos das fileiras deste movimento mundial para correntes que lhe são adversas, mas que, algumas delas, reivindicam ainda seu nome. Estamos, portanto, os marxistas diante de uma crucial luta de natureza política, teórica e ideológica – não há como separar estas categorias no marxismo – a ser travada com urgência, dado inclusive o agravamento da crise mundial do capitalismo que certamente acarretará agudos e qualitativamente decisivos combates de classes no médio prazo. 14  |  Leovegildo Pereira Leal


O fato é que enquanto houver pequena burguesia em uma formação social correntes reformistas buscarão hegemonizar o movimento do proletariado. É neste espaço sócio-histórico que nasceu o reformismo, é neste espaço que ele permanece e hoje prevalece. Há, é fato, outras correntes políticas antimarxistas de presença importante no seio do proletariado, em nível mundial, mas o contingente mais numeroso e de maior peso que os marxistas temos a combater nesta luta de reinstalação do marxismo no movimento do proletariado é mesmo o reformismo, inclusive pelo fato de que aquelas correntes – o trotsquismo, o maoísmo e o anarquismo entre as principais – padecem de vícios pequeno-burgueses, como o voluntarismo e o mecanicismo, que as impedem de uma crítica consequente ao reformismo e, inclusive, as alinham metodologicamente ao mesmo. É surpreendente, por exemplo, o fervor com que reformistas, trotsquistas e maoístas rezam no altar da democracia, na realidade o mais estável e seguro instrumento de dominação política construído pela burguesia. Discutiremos isso também neste trabalho. Por que Contra o Gramscianismo – Uma Crítica Marxista ao Neorreformismo? É porque o reformismo de hoje ganha corpo e efetividade nas categorias políticas formuladas pelo histórico militante do proletariado Antonio Gramsci. Com a derrota imposta pelo capitalismo ao chamado socialismo real – reformista em essência –, o reformismo tradicional herdado da III Internacional pós-Lênin exibiu todas as suas fragilidades, a maior delas configurada na incrível facilidade com que o imperialismo lhe impôs a derrota final. A rigor, não se pode falar em desmoronamento, de algo de natureza puramente endógena, da URSS e demais países socialistas do leste europeu, mas deve-se, sim, falar da derrota Contra o gramscianismo  |  15


imposta pelo imperialismo a um sistema enfraquecido por contradições internas agudas, todas elas de uma forma ou outra ligadas a uma concepção geral revisionista de socialismo que, em essência, deu as costas à exigência de Marx de que o socialismo só encontra viabilidade enquanto transição revolucionária ao comunismo, ou seja, na observação das leis do materialismo histórico. Enfim, também enquanto estratégia de transição ao comunismo o reformismo foi condenado pela História. Durante a fase de crescimento do capitalismo verificado nos trinta anos que se seguiram à II Guerra Mundial a estratégia reformista oficial de linha soviética experimentou importantes avanços no seio do proletariado, com destaque para os partidos comunistas de linha soviética da Itália e da França. Com o advento da crise sistêmica de reprodutibilidade do capital, em meados da década de 70 do século passado, e com o proletariado progressivamente privado das sobras desta onda mundial de crescimento da economia capitalista, o reformismo oficial já vinha fazendo água no continente europeu, com o surgimento dos remendos do “compromisso histórico”, estratégia do PCI de aliança com a democracia cristã, na Itália, e da teoria “eurocomunismo”, explicitada em livro por Santiago Carrillo (PC espanhol). Todos os remendos se mostraram imprestáveis diante da gravidade dos estragos causados pela história ao reformismo clássico. Era preciso inovar. Era preciso conferir peso e confiabilidade ao reformismo. Era preciso criar um neorreformismo ancorado em reflexões teóricas mais elaboradas. E Antonio Gramsci detém um arsenal de elaborações reformistas agudas, criativas e complexas. Além disso, ele foi (e continua sendo) um exemplo de heroísmo e dedicação à luta dos trabalhadores, possuidor portanto de um histórico 16  |  Leovegildo Pereira Leal


de vida e militância a partir do qual o reformismo poderia buscar a legitimidade perdida junto ao proletariado mundial. Um grupo de intelectuais em sua maior parte formado de pesquisadores e acadêmicos ligados ao PCI – o maior do Ocidente então – partiu em busca de Gramsci, cabendo a Valentino Gerratana organizar a publicação em quatro volumes dos Quaderni del Carcere pela Editora Einaudi em 1975. É certo que antes disso, mesmo na década anterior, trechos da obra gramsciana posteriormente reunidas nos Cadernos foram publicados em livros como Maquiavel, o príncipe e o estado moderno, Os intelectuais e a organização da cultura e A Questão Meridional, este escrito antes de sua prisão em 1926, com edição no Brasil da Paz e Terra em 1987. Espero que as críticas do presente trabalho ao pensamento político do militante internacionalista italiano Antonio Gramsci não sejam tomadas para além de seu pensamento político, já que não são poucos os gramscianos que julgam oportuno tentar blindar as posições políticas de Gramsci com o manto do real sacrifício e do sofrimento a que foi submetido em seus dez anos de encarceramento pelo fascismo italiano. Trata-se, sim, de um herói internacional do proletariado. E enquanto tal devemos tê-lo na memória, assim como temos todos os companheiros, brasileiros e de outras terras, de tempos remotos e recentes, inclusive aqueles que, mesmo equivocados politicamente, deram suas vidas à causa dos trabalhadores. No decorrer deste trabalho faremos muitas citações e transcrições, seguindo a recomendação de Pierre Vilar (1982, cf. pág. 298) de sempre buscar fazer presente o autor também no debate com seus intérpretes e seguidores. É este o melhor caminho para superar as dificuldades instaladas pelo interpretacionismo usado como método pelos gramscianos para tentar legitimar suas posições sob o argumento Contra o gramscianismo  |  17


de que as indiscutivelmente duras condições de vigilância a que ele se encontrava submetido na prisão não lhe teriam permitido escrever mais claramente. Como veremos, não há nada de obscuro no próprio Gramsci.

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