CORRUPÇÃO
Edson Monteiro
CORRUPÇÃO, uma endemia sem remédio?
uma endemia sem remédio?
Edson Monteiro
CORRUPÇÃO, uma endemia sem remédio?
“um ensaio à luz do criacionismo e do evolucionismo”
Copyright © Edson Monteiro, 2013.
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Editor: João Baptista Pinto Projeto gráfico e capa: Rian Narcizo Mariano Revisão: Pedro Paulo Duran
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M775c Monteiro, Edson, 1940Corrupção, uma endemia sem remédio? : um ensaio à luz do criacionismo e do evolucionismo / Edson Monteiro. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2013. 182 p. : il. ; 24 cm. Inclui bibliografia ISBN 9788577852123 1. Criacionismo. 2. Evolução (Biologia). 3. Filosofia e religião. 4. Religião e ciência. 5. Corrupção. I. Título. 13-02325 21/06/2013
CDD: 170 CDU: 17 24/06/2013
Letra Capital Editora Tels: 21. 3553-2236 | 2215-3781 www.letracapital.com.br
A escrita deste ensaio foi encerrada na madrugada de 4 de dezembro de 2012, véspera do passamento de Oscar Niemeyer, a quem o autor dedica, in memoriam, o trabalho. Niemeyer não foi somente o artista criador das inesquecíveis curvas do concreto. Foi um ateu que dizia “se Deus quiser” e que marcou sua vida pelo comportamento solidário incondicional. O leitor que chegar ao final do livro compreenderá que essa dedicatória não constitui simples ato convencional ou de baixo oportunismo.
RESSALVA, pelo autor Esta é uma abordagem sobre aspectos neurológicos, morais e dogmáticos relacionados com a corrupção no ser humano. Causa espécie, à primeira vista, um tratamento dessa ordem procedido por um leigo em medicina, ciências sociais e teologia. Cumpre, pois, de saída, prevenir o leitor de que se trata de um passeio por assuntos de domínio geral, onde o socorro a considerações de ordem específica – como as mencionadas abordagens – estará assentado em referências especializadas que o ensaísta dispõe para suporte às suas especulações e eventuais conclusões. Não se trata, portanto, de um tratado científico que traga à Ciência fatos que ela desconheça. Pelo contrário, o propósito sempre foi o de extrair dela conhecimentos que sustentem a tese do ensaio: “a de que a corrupção é uma endemia, passível, consequentemente, de se instalar de forma ativa em qualquer ser humano”. Especula-se sobre raízes desse fatalismo na visão criacionista hebraica, ensejando o estabelecimento de comparações entre o princípio da autopreservação enunciado por Darwin – princípio equivocadamente trabalhado na ação corrupta, como será visto – e o aperfeiçoamento espiritual do Homem, enquanto criatura de Deus.
Sumário Prefácio............................................................................................. 11 Capítulo 1 – Breve posicionamento introdutório.......................... 21 Capítulo 2 – Do nome e do caráter da Endemia........................... 27 Capítulo 3 – A educação como prevenção à Endemia.................. 31 3.1 – O esforço educacional de base podre.....................................31 3.2 – O esforço educacional bem-intencionado...............................35 3.3 – A Origem da Corrupção, segundo Stephen Kanitz...............38 3.4 – Outra visão respeitável, pela origem autoral..........................42
Capítulo 4 – Uma interferência não ocasional.............................. 45 Capítulo 5 – Buscando a gênese da Endemia................................ 51 5.1 – Uma referência bem marcante.................................................51 5.2 – A propósito da menção ao Éden.............................................55
Capítulo 6 – Origens da Endemia no Brasil.................................. 59 6.1 – Pequeno esclarecimento...........................................................59 6.2 – O desabafo do Padre Vieira.....................................................59 6.3 – O Sermão do Bom Ladrão (reminiscência)(*5).....................62 6.4 – Uma alienígena, oportuna, intervenção no texto...................76 6.5 – Voltando à intenção precípua do Capítulo.............................79
Capítulo 7 – Um testemunho factual da origem endêmica na História do Brasil ainda colônia..................................................... 87 7.1 – Primeiro Ato..............................................................................87 7.2 – Segundo Ato..............................................................................93 7.3 – Terceiro Ato...............................................................................97 7.4 – Experimentando o contraditório.............................................104 7.5 – Conclusão histórica do romanceado.......................................107
Capítulo 8 – Especulando a validade da tese em base científica de múltipla ordem............................................ 111 8.1 – Uma abordagem introdutória à especulação..........................111 8.2 – De como, possivelmente, a corrupção alcança o poder público — um caso clássico apresentado no início do século XVIII..................................................................117
8.3 – Um pequeno mergulho nas bases psicológicas que explicam a efetivação da Endemia.............................................121
Capítulo 9 – À guisa de apêndice................................................... 131 9.1 – Esclarecimento necessário........................................................131 9.2 – O utilitarismo das conclusões pós-discussão..........................132 9.3 – Dos efeitos da escrita dinâmica, no tempo, aplicada ao ensaio..............................................................................134 9.4 – Um episódio de paixão, nada eficiente no combate à corrupção.........................................................................................139 9.5 – A delação e seus motivos emocionais não inspirados nem deflagrados na/por busca de poder.................................................146 9.6 – Um caso contemporâneo à escrita do ensaio, onde o poder não viu limites morais para o seu exercício.............152
Capítulo 10 – Epílogo...................................................................... 157 10.1 – Última ressalva orientadora...................................................157 10.2 – Um pouco do cérebro, a partir da Ciência...........................158 10.3 – A corrupção provável a partir das riquezas..........................161 10.4 – Preparando os ouvidos para a Palavra de Deus...................163 10.5 – Enfim, a Palavra......................................................................165 10.6 – Um contraponto final, em respeito ao leitor que se identifica ateu ........................................................................169
POSFÁCIO, pelo autor.................................................................... 175 Informações complementares e Referências bibliográficas.......... 177
PREFÁCIO Por Leon Clement Rousseau*
Hoje, 30 de janeiro de 2013, recebo o texto deste livro de Edson Monteiro, “CORRUPÇÃO, uma endemia sem remédio?”, com o amável convite para elaborar o prefácio, experiência que terei o maior prazer de realizar, com o mesmo entusiasmo que me fez escrever o prefacio de “O Sorriso da Razão”, também de sua prolífica lavra. Várias coincidências, que aproveito a oportunidade de revelar facilitaram a tarefa. A começar pela do dia de hoje, destacada na primeira página do Globo. Refere-se à tragédia de Santa Maria (RS), onde um incêndio criminoso em uma boate vitimou mais de 300 pessoas, a maioria jovens estudantes. A foto mostra o desespero, a dor e a revolta da mãe de uma vitima, brandindo um cartaz feito à mão, com os seguintes dizeres: “MINHA FILHA MORREU, por Ganância CORRUPTA”. Coincidência infeliz! (grifos meus).
de
gente
Ontem, assisti ao último filme de Spielberg (Lincoln), onde o real protagonista é a 13ª emenda à Constituição dos EUA, a que proíbe a escravatura. As negociações, num inflamado espírito guerreiro, tiveram um momento em que faltariam oito votos para a aprovação. Aí, o Presidente “mexeu seus pauzinhos” com a maior discrição, com a promessa de cargos públicos aos indecisos, apenas cargos. Isto em principio de 1865, e estando o Presidente Lincoln em seu segundo mandato. Coincidência com um dos exemplos deste livro, da história do Brasil! Para um leitor assíduo, ou mesmo de primeira viagem, procurarei reforçar os argumentos do autor em dois ramos de atividades humanas onde pode instalar-se e manter-se a corrupção (confirmando que ela é bem antiga e quiçá genética).
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Prezado leitor, caso tenha vontade de ler um trabalho de não ficção, ou mesmo de ficção, não deverá perder a leitura desta inteligente obra. Embora não seja de ficção, em vários momentos contados por Edson Monteiro, os episódios, mesmo reais, têm características de ficção e a dinâmica imprimida à narração se torna muitíssimo atraente. Difícil encontrar uma página da lavra de Edson em que não haja menção à ÉTICA. Desta vez, a serviço do entendimento da corrupção, na tese em que procura demonstrar seu caráter endêmico. Difícil encontrar uma página na imprensa de hoje que não mencione a corrupção. O caso de Santa Maria, com suas causas e culpas ululantes, de tão óbvias, e cuja catástrofe foi irreversivelmente penetrante, nos leva a imaginar que a salvação através da ética pode ser viável. Novo iluminismo, agora da consciência. Procurando debelar ou mitigar o inimigo gene da corrupção. O superego impedindo seu afloramento no ego. Façamos com que a catástrofe de Santa Maria leve definitivamente a correções, atos de prevenção, precaução, punição, através de leis claras, interpretações sem ambiguidade e aplicação rigorosa. Atos ilícitos, pequenos, médios e grandes são provadamente da natureza do ser humano, motivados pelo egoísmo ou a ganância que também se manifestam nos animais, embora também e, felizmente, o altruísmo e a solidariedade. Casos de mais de 2000 anos vêm corroborar com a tese de que a endemia existe, seja desde a Criação ou em algum momento da Evolução. Há muitas coincidências entre os pensamentos de Edson e os meus. Epidemia ou endemia? Causa genética ou adquirida? Difícil dizer. Posso assegurar que em pelo menos dois ramos da atividade humana a contaminação e o contágio podem ser verificados sem ajuda visual ou auditiva: no serviço público e na elaboração, interpretação e aplicação das leis. No primeiro, aproveitarei para mostrar como um servidor idealista pode vir a ser corrompido ou não e qual o seu destino, dependendo de seu comportamento perante o fato corruptor.
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No segundo, grande parte irei extrair de minha tese de mestrado, de 2003, em gestão ambiental, onde o enfoque principal visava à legislação. No Serviço Público, o que faz um ser humano almejá-lo são a estabilidade, a expectativa de trabalho responsável, o horário determinado, o salário garantido mesmo durante a aposentadoria, a possibilidade de assumir cargo de confiança mais bem remunerado. Exemplificarei com o caso de um ser idealista cuja vontade primordial sempre foi a de servir. Desempregado há 18 meses, consumindo poupança, resolveu se preparar e prestar concurso para o Serviço Público. Pensava como SERVIDOR PÚBLICO, no sentido exato das palavras. Vontade de servir, que, além da garantia do salário, indicava uma estrada de honestidade e boa fé, coisas da ética positiva. Após a posse no cargo, cabia-lhe um curso de preparação, incluindo várias matérias. Este curso era a confirmação concreta de que a ética deveria prevalecer em todas as atividades. Em nenhum momento de nenhuma aula os recém admitidos receberam de seus competentes professores qualquer instrução deturpada que ensinasse tramas e artimanhas para a execução de suas futuras tarefas de Controle. O servidor poderia ter orgulho de estar participando de experiências das mais gratificantes, tanto no curso da preparação como no da realização. Até que a cúpula do governo resolveu extinguir a Secretaria onde ficaria lotado o servidor, apagando de vez sua função saneadora. Como Servidor Publico, no sentido exato da expressão, poderia ocupar outro cargo, agora ligado ao Orçamento Federal, com as tarefas de participação e elaboração, bem como de parte do acompanhamento da execução orçamentária, empenhos e pagamentos. Sem qualquer diferença das do cargo anterior, as posturas ensinadas no curso de formação dariam inveja a outra pessoa que tivesse o mesmo ideal de bem servir, com honestidade, moral e ética. Nesta ocasião, o idealista pôde efetivamente conhecer e observar que apenas 20% do orçamento anual tinham sido executados até o décimo mês do ano. Esta informação, hoje de domínio público, é divulgada pela imprensa, permitindo que o público interessado tome conhecimento do efetivo destino dos impostos pagos (20% em 83% do ano).
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O mesmo servidor idealista poderia estar participando da perpétua reforma do Sistema Orçamentário, peça fundamental ao acompanhamento dos investimentos, até o presente não saída do papel. Mas o idealista ainda poderia passar por outra experiência traumatizante. Recusando convite para reuniões sociais fora do expediente e impedido de participar de reuniões de trabalho onde seriam discutidos aspectos de planejamento da área de sua competência exclusiva, chegaria a ter sua participação cancelada na última hora antes de iniciar reunião em que se trataria também de assuntos financeiros de um projeto (estranho e inexplicável). Finalmente, num dia inesquecível, poderia vir a ser surpreendido por duas linhas no Diário Oficial da União: seu nome seguido de “exonerado a pedido, a partir desta data.” “Mudam os governos sem que se mudem as consciências perpetuadas pelos contaminados.” Na Tese de Mestrado, vislumbro coincidências que só podem corroborar a magnífica tese da endemia apresentada por Edson. A tese de mestrado se baseou em 23 casos (entrevistas, documentos, seminários e congressos), a grande maioria dos quais apresentou problemas devido a lacunas, a ambiguidades, à pouca clareza ou mesmo à tendenciosidade encontrada em parte da legislação. Outras leis geram excesso de burocracia que objetivam o ganho de facilidades, sempre com pagamento do corruptor ao corrompido. Garimpando através de conhecidos casos, extraio alguns fragmentos que exponho ao leitor: •
O maior poluidor é o poder público, por omissão e descaso.
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As ações civis públicas podem levar 10 ou mais anos.
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O Secretário Estadual do Ambiente do RJ, Carlos Minc, apresenta o elenco das leis em que participou: são 73, das quais apenas 14 estão sendo totalmente cumpridas.
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Existência de exagero em processo, licença, outorga e autorização. Além de ineficaz, isto confunde o cidadão e torna um inferno a vida empresarial.
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O Licenciamento Ambiental é usado como arma política.
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Vê-se inúmeros problemas na fiscalização: falta de estrutura, falta de recursos, atendimento emergencial a duras penas; falha no acompanhamento dos EIA/RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental), para se poder verificar a sua “honestidade”.
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Demoras na conclusão dos licenciamentos.
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Enumeram-se 11 (onze) instituições perante as quais os interventores no meio ambiente do Rio de Janeiro têm que se curvar.
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Acredita-se que as leis podem fracassar por ignorância de quem as produz, por má fé, por vaidade ou por briga de poder.
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Quanto ao licenciamento (ano 2002): são 25.000 empresas cadastradas na FIRJAN (Indústrias), e 6.000 na FEEMA, sendo que as licenças da demanda são 75.000, para serem estudadas por apenas 30 analistas ambientais. A fiscalização das indústrias pressupõe vistorias cuja demanda é muitas vezes superior à capacidade de atender.
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Necessidade de desburocratização do licenciamento para pequenas empresas.
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O advogado Francisco Carrera observou que os aspetos éticos no comportamento dos advogados aparecem no novo Código Civil, que o Direito Ambiental permeia todos os direitos, que a responsabilidade objetiva implica 3 requisitos (autoria, resultado, nexo causal). Comentou sobre a irreparabilidade do dano (irreversibilidade), sobre as teorias do risco integral e do risco criado, sobre os instrumentos participativos (ação popular, mandado de segurança coletivo), destacando que a responsabilidade sem culpa é difícil de admitir na área penal, que o cidadão carece ainda de acesso aos instrumentos e que não há imputabilidade quando o crime é para saciar a fome.
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O processo de licenciamento pode levar a intermináveis “vai-evem”, caso um dos atores deseje que o processo seja protelado pelo maior tempo possível.
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Licenças concedidas podem ser cassadas.
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A Lei 9795/1999 instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, e foi regulamentada pelo Decreto 4281/2002. Define educação ambiental como sendo “os processos participativos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais e adquirem conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida e a sua sustentabilidade”.
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Deve-se considerar a “interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade e deve-se promover o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos.”
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Inadequação do sistema fiscalizatório e de (desaparelhamento, riscos de corrupção e suborno).
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Paulo Nogueira-Neto, doutor em Direito e Historia Natural; ex Secretario da SEMA, precursora do Ministério do Meio Ambiente; e autor de: O comportamento animal e as raízes do comportamento humano, (1984), descreve o caso do Parque de Caparaó – MG/ES, quando a verba repassada ao IBAMA foi desviada de sua finalidade. Diz que as nomeações são feitas por influência política, e sugere uma revisão de estrutura.
controle
Passeando agora pela análise das causas primordiais, extraio estes fragmentos, onde peço a atenção do leitor para que possa confirmar, ao ler a tese de Edson, as coincidências que encontrei: Qual é a verdadeira natureza do ser humano? Sua motivação primordial: pela democracia ou outra forma de governo; pela paz ou pela guerra; pela solidariedade e altruísmo ou pelo egoísmo e ganância? Indaguemos. Em Políbios, historiador (208a.C, 125a.C), descrevendo 53 anos da Historia, entre -221a.C -168a.C: “Assim formou-se naturalmente entre os homens a primeira noção do bem e do justo e dos sentimentos contrários a estes; eis o início e a gênese da verdadeira monarquia. Mais ainda: o povo confia o poder supremo não
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somente a esses homens, mas também aos seus descendentes, convicto de que os filhos nascidos de tais homens e criados por eles terão também princípios semelhantes aos seus (...). Mas, quando passaram a receber as funções por sucessão hereditária e viram sua segurança garantida, e já dispunham de meios de subsistência mais do que suficientes, os reis cederam aos seus apetites por causa dessa superabundância (...). Esses hábitos deram origem de um lado à inveja e à reprovação e do outro a excessos de cólera e ao rancor insano, e então a monarquia transformou-se em tirania; concomitantemente nasceu nos súditos a idéia de depor os governantes e começaram as conspirações. Essas conspirações não eram obra dos homens mais obscuros, e sim dos mais ilustres e magnânimos, e também dos mais corajosos, (...). A monarquia e a autocracia (conviventes) foram assim completamente abolidas, e em seus lugares a aristocracia começou a crescer (...). Nada lhes parecia mais importante que o interesse da comunidade, enquanto administravam dedicadamente os negócios públicos e a vida privada do povo. Mas também nesse caso, (...), alguns deles se entregaram à cupidez (...), transformando dessa maneira a aristocracia em oligarquia, (...) e consequentemente, tiveram um fim calamitoso semelhante ao das tiranos (...). A única esperança que lhes restava intacta [aos cidadãos] estava em si mesmos, e recorrem a ela, e transformam o governo de oligárquico em democrático, (...). Quando, porém, emerge uma nova geração e a democracia cai nas mãos dos netos de seus fundadores, eles se acostumam de tal maneira à igualdade e à liberdade de palavra que já não lhes dão valor, e alguns começam a querer ter mais direitos do que a maioria; (...). E quando passam a ambicionar o poder e não conseguem obtê-lo por si mesmos e graças às suas próprias qualidades, esses homens dilapidam as suas fortunas tentando atrair e corromper o povo por todos os meios possíveis, (...) criam entre o povo a avidez por vantagens e o hábito de recebê-las, e a democracia por seu turno é abolida, passando a ser o governo da força e da violência em vez de uma democracia propriamente dita; (...) unindo então suas forças, o povo agora massacra, exila e saqueia, até regredir para a animalidade total e achar novamente um senhor e autocrata. “Esse é o ciclo pelo qual passam as constituições [monarquia, aristocracia, democracia], o curso natural de suas transformações, de sua desaparição e de seu retorno ao ponto de partida.”
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A primeira profissão de fé na Democracia encontra-se no capítulo 78 do Livro V de Heródoto, três séculos antes de Políbios (484 a.C, 425 a.C). Neste, ele destaca o direito dos indivíduos na igualdade “para falar”, ou seja a liberdade de expressão. Considera ainda a Democracia, na maioria dos casos, uma instituição excelente. Em J.J. Rousseau (o Pacto Social, 1762), o homem nasce livre e bom, a sociedade o corrompe. O estado natural prescinde de organização social; trata-se de encontrar uma organização social que seja o mais possível de acordo com a Natureza. “Deve-se então organizar a sociedade segundo um princípio racional, ou seja, segundo a justiça “com” e tendo “para fim” a virtude (...) posta a igualdade como princípio essencial”, numa interpretação atribuída ao professor de filosofia e doutor ex-letras, Paul Lemaire, autor de obra sobre J.J. Rousseau e seu “O Contrato Social”, pela Librerie A. Hatier, França, (1945). Do Livro I, do estado civil em lugar do estado da natureza: na conduta, substitui instinto por justiça dando às ações, moralidade. Sobre os direitos e os limites da soberania: leis políticas ou fundamentais; civis, criminais e mais uma, gravada nos corações: moral, costumes, opinião, das quais depende o sucesso de todas as demais. “Logo que o serviço público deixa de ser a principal ocupação dos cidadãos, que cuidam mais da bolsa que de sua pessoa, o Estado está perto da ruína”. Em Machiavelli (O Príncipe – 1515), falando dos homens, “em geral, podemos dizer o seguinte: eles são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores; eles furtam-se aos perigos e são ávidos de lucrar.” Analisando o Código Civil, encontro: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” Tikopia e Mangaia: Como testemunhas de dois cenários opostos, revelando comportamentos humanos de natureza distinta, estão as ilhas de Tikopia e de Mangaia (ilha de Páscoa). A ciência arqueológica descobriu que os Tikopianos, após total degradação da
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ilha, no ano 900a.C., tomaram uma decisão consciente para reverter a situação: desenvolveram economia sustentável e com bom nível de vida, com 2000 habitantes e crescimento populacional zero, às custas de evidenciado infanticídio. Por outro lado, a população de Mangaia se expandia sem consideração para o futuro: o estado era de guerra intertribal, a paisagem sem árvores, prevalecia o terrorismo social, vivendo-se em cavernas fortificadas e quase certamente incluía o canibalismo. Paulo Nogueira Neto, citado anteriormente, em sua também citada obra de 1984 menciona que segue os princípios cristãos, pois “a moral cristã está apoiada também na Lei Natural e portanto na nossa própria herança biológica”, levando em conta o que “nos ensina o estudo do comportamento, pois isso nos ajuda a melhor compreender o mundo, principalmente os animais e as pessoas (...)”. Natureza Humana e Ética sendo conceitos indissociáveis. O autor discute o papel do inato e do adquirido nas ações dos animais e dos humanos. O autor cita extensivamente as idéias desenvolvidas pelo filósofo, cientista, eminente paleontólogo e jesuíta Pierre Teilhard de Chardin (França 1881- EUA 1955). Suas escavações na China, em 1929, descobriram o fóssil hominiano (homo erectus), e humano (sinantropo: homem de Pekin) da idade da pedra (há 500.000 anos). Conciliou ciência (evolucionismo) e religião. As obras consideradas: “O Fenômeno Humano”, e “Cristandade e Evolução”. Corroborando as citações de Paulo Nogueira-Neto, MerleauPonty (França: 1908- 1961: filósofo, professor; casa em sua obra a fenomenologia da percepção ao existencialismo e ao personalismo) e também se refere ao jesuíta em seu compêndio sobre a Natureza e a natureza humana. Haveria uma energia espiritual na molécula, além de física, que se desenvolveria conforme e com a complexidade dos seres. Acima da Biosfera (da vida), haveria a Noosfera (do espírito). E pertence ao homem levar a termo sua evolução até o “ponto omega”. Em relação ao comportamento, haveria o inato (inerente à natureza humana) e o adquirido (inerente à cultura). Pode-se indagar: os humanos têm todos consciência (percepção, discernimento)? Paulo Nogueira-Neto lembra, ainda de Teilhard de Chardin
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(1955): “o momento decisivo da evolução humana surgiu quando foi atingido o “passo da reflexão”, ou seja, quando a consciência atingiu uma nova dimensão e foi capaz “de se aperceber” de sua própria existência, num revolucionário salto para a frente.” Prezado leitor, em continuação apresentei as coincidências acima entre diferentes teses para demonstrar que raciocínios idênticos, ora sobre a elaboração, interpretação e aplicação das leis, ora sobre a corrupção com todas suas origens, podem nos esclarecer sobre o comportamento humano. A leitura da tese de Edson Monteiro só me deu satisfação. Em cada capítulo, um momento peculiar — por favor, leiam pelo menos duas vezes a análise do Sermão do Bom Ladrão, e o capitulo que aborda corajosamente a possível base cientifica da tese —, tal como cada movimento de uma sinfonia, onde destaco a capacidade também própria do autor de esclarecer e principalmente contar momentos decisivos da Historia da humanidade, sempre com temperos novos e pontos de vista próprios de quem se preocupa com a verdade e a ética. Não pretendo me alongar mais, para deixar ao leitor o triplo prazer de ler, aprender e refletir: o, com e sobre mais este rico ensaio de meu irmão de pensamento Edson Monteiro. Enquanto continuar mergulhado nas reflexões suscitadas pela leitura, citarei à guisa de oração: Por mais fraca influência que a minha voz possa ter nos negócios públicos, como cidadão de um Estado livre e membro do soberano, o direito de votar bastaria para me impor o dever de me instruir a este respeito; feliz, sempre que medito sobre os governos, para encontrar nas minhas buscas novas razões para amar o governo do meu país. (palavras de J-J Rousseau em 1762) AMEN! * Leon Clement Rousseau é eng. Civil, pós-graduado em eng. Econômica, mestre em gestão ambiental. Foi professor da FVG, coordenador do curso de Administração de Projetos, Técnico de Finanças e Controle do Ministério da Fazenda, Analista de Orçamento do Ministério do Planejamento e Coordenador Geral de Atendimento e Orientação do Trabalhador da Secretaria Executiva do Ministério do Trabalho. Autor da obra “Saturação”, editora Litteris, (2001) e Membro Efetivo do Conselho Diretor do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro.
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Capítulo 1 Breve posicionamento introdutório
Prezado leitor, agora, o livro já pronto e posto a público, cabeme confessar, registrando a verdade, que essas primeiras palavras me vieram quando eu ainda não sabia sobre como seria o desenrolar do trabalho e algumas de suas conclusões. Era uma terça-feira da Semana Santa Cristã do ano de 2012. Eu estava nas primeiras horas de um recesso profissional de cinco dias. De uma coisa, contudo, em meio à espera do arranco da escrita, eu já estava convicto: “Pretendia auscultar as origens do que me parecera sempre um fenômeno humano, com reflexos sociais, de caráter endêmico — o ato de corromper ou corromper-se”. Talvez, por uma razão intuitiva — e o fato é bem remoto — eu sempre vi a corrupção como algo fenomenológico inerente à criatura, tanto pelos fundamentos do evolucionismo darwiniano quanto pelos do criacionismo dos Hebreus. Não vou por ora aprofundar a implicação da corrupção — na forma que a intuí — com o evolucionismo. Porém, no caso do criacionismo, já vou inserir o Deus hebraico naquela fenomenologia — aceitando que Ele, em Seu propósito de Criador, quis ou aceitou tal fatalidade. Diante dessa manifestação de minha mente, dois corolários me chegaram — assumindo em ambos a existência de Deus e Seu papel de agente nas origens de natureza corrupta da criatura: (a) se a teoria darwiniana da Evolução tangenciava, pelo menos, aquela suposta endemia, então Deus, de fato, estabelecera a evolução na criatura, aceitando a corrupção como episódio natural na Criação, e (b) Deus, assim, teria sido tolerante em não ver de imediato, no Seu ato criador, a criatura como obra encerrada, esperançoso em
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vê-la bela — em espírito, fundamentalmente —, por conta do livre arbítrio concedido a ela, atribuindo-lhe, misericordiosamente, uma coautoria na beleza final a ser alcançada. Eu aceito, prezado leitor, que há certo idealismo nessa concepção. Mas, em nome da boa vontade — que penso não lhe custa ter — você pode dar algum crédito a esse resultado de minha intuição. Veja, por exemplo, que Darwin é muito objetivo em identificar o agir para a autopreservação como característica de cada espécie. Na luta por sobrevivência, cada tipo animal cumpre o que parece ser uma lei natural, espontaneamente, de forma previsível ao olhar humano e à sensação de superioridade do predador do momento. Deus os teria concebido assim. O ato de agir se preservando seria, pois, um componente da lógica divina. Ora, porque não ver da mesma maneira o ato de se entregar a uma prática condenável como se ela fosse supostamente uma forma de se autopreservar? A reação de um “pitbull” diante de um susto dado por alguém seria um equívoco de avaliação do animal, além da imprudência do frágil incauto, mas a inspiração para o feito do cão é idêntica a da autopreservação legítima. Preservando-se ou pensando estar se preservando legitimamente são situações dependentes do mesmo livre arbítrio doado por Deus à criatura. O Homem, embora diferentemente das lógicas entre os irracionais, também luta para sobreviver. Pode por isso também levar sustos e viver alucinações e grandes fobias ligadas à sua sobrevivência. Pode nessas horas utilizar inadequadamente o seu livre arbítrio e ficar distante da perfeição desejada pelo Criador parceiro. As conquistas da Ciência, exemplificando, trazem nos dias de hoje a esperança do contorno definitivo de doenças consideradas males terminais. A evolução do conhecimento da espécie humana, mormente nos aspectos ligados a melhores condições de vida e sua maior duração é modelo de luta pela sobrevivência, dentro de um prisma de racionalidade que distingue o Homem — pelo seu evoluído cérebro — dos irracionais que precisam lutar fisicamente e, num máximo de racionalidade inconsciente, adaptaram-se a um meio ambiente que os proteja dos predadores — autodefesa perante a iminência de morte.
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Então, a grande diferença entre irracionais e racionais resulta naquilo que os primeiros livrinhos da educação infantil já nos diziam: a capacidade de pensar, de estudar, de refletir, de avaliar, de decidir. Tudo concentrado no laboratório mental que não para de produzir Ciência, de dar ao Homem a dimensão de sua grandeza de criatura gerada por amor — a concessão divina da coautoria que eu aqui especulo. E é aí, prezado leitor, que agradeço o seu crédito de me ter lido até aqui, pois vou voltar ao item (b) do terceiro parágrafo acima — onde falei da tolerância de Deus —, o Ser Maior, que teria introduzido na criatura a propriedade de ser coautora de sua própria existência, a mais contundente prova de amor conhecida pela civilização. Deus, então, é amor porque decidiu dividir com a criatura o galardão criacionista da produção do Ser Humano. Estando correto o meu racionalismo, Deus quis compartilhar com a própria criatura a sua criação. Para tanto lhe tolerou fraquezas, esperançoso de que o desenvolvimento científico — propriedade inerente ao que já criara — conduzisse a espécie humana à beleza iluminada que a Ele entusiasmou no instante em que se fez a Luz, do dia e da noite (Livro Gênesis, primeiro do Pentateuco, capítulo 1, versículo 18). É possível que o leitor — dialeticamente — me conteste na afirmação do compatilhamento divino, identificando-me como imaginador de um Deus brincalhão, um Ser Absoluto que se decidisse não agir de forma responsável na hora suprema de fazer o Homem. Longe de mim essa heresia. Já afirmei que, para mim, definitivamente, o gesto de tolerância divina é gesto de amor. Quantos dos que me leem já se postaram diante de seus filhos-crianças montando um aparato do tipo “lego”, um joguinho de montagem? Nessas horas, lendo os respectivos manuais, os pais ficam ansiosos de concluir o exercício — e até o fazem, às vezes —, mas por amor — que é o que prevalece no Deus de quem estou falando, perante os homens, desde o instante da Criação — os pais deixam que os filhos tomem a iniciativa de ir juntando as peças, principalmente a última, aquela da vitória da criação. Compartilhar durante a vitória dos filhos é prova indubitável de amor. E Deus, na minha conjectura, introduziu essa consciência na lei natural que trouxe o Homem ao mundo.
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Eu sei que estas minhas observações introdutórias são suficientes para levar um leitor apressado a concluir que eu penso que a corrupção no mundo é obra de Deus. Ora, tolerar fraquezas não torna autor o tolerante, principalmente se ele mesmo as anuncia como avessas ao seu desejo de compartilhamento. Deus, quando tolera, “não assina embaixo”, não se revela coautor das baixezas, não é cúmplice das iniquidades. Pelo contrário, repreende, deixa cair sobre o faltoso a consequência e, depois, exclusivamente por amor, dá sequência ao perdão para o faltoso arrependido, restabelece a esperança numa criatura bela, espiritualmente obediente e solidária, marcas indiscutíveis de suas promessas — a Antiga e a Nova, ditadas nas palavras do Antigo Testamento — dos Hebreus — e nas do Novo Testamento Cristão. As atrocidades praticadas pela criatura ainda faltosa são de diversos tipos. Porém, todas maculam os princípios de obediência e de solidariedade. São atitudes confrontantes com as lições mosaicas e o mandamento absouto de amor trazido na mensagem do judeu Jesus. É do respeito àquelas lições que resultará a beleza da Criação no ser humano, a sublimação do Homem, a salvação concedida — como creem os cristãos — no sacrifício extremo de Jesus. Mesmo que o leitor não siga Jesus, prossigo pedindo a sua boa vontade em não deixar a leitura. Posso garantir-lhe o meu esforço no uso da lógica deste mundo secular, muito calcado na minha experiência de homem igual aos demais, independentemente da minha condição de cristão, que vejo no Cristo o meu amigo fiel, convicção que fui firmando durante a minha caminhada. Este trabalho não é religioso, não segue qualquer ritualística, não se propõe pretensamente a salvar quem quer que seja. Jesus é o único Salvador, no entendimento deste autor. Cada um O descobrirá se assim tiver de ser, em seu respectivo tempo. O prezado leitor pode, no entanto, perguntar: Se assim você se dispõe no seu trabalho, então por que trouxe Deus à escrita? A resposta é simples: Porque Deus está presente no seu dia-a-dia, no seu caráter, nas suas atitudes, na sua luta pela sobrevivência. No que for de positivo — nas leis que Ele enunciou e nas interpretações devidamente reformadas por Jesus —, estará alegre pelo que você faz
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por si mesmo. Caso contrário, lamentará, mas não perderá jamais a esperança de que você se transforme, mesmo que você não tenha consciência disto e pense que agir corretamente — como dizem, a partir de suas convenções, as leis dos homens — é o que te basta para viver seguro. Deus ama os seus filhos, mesmo quando eles ignoram esse amor ou pensam — autossuficientemente —, que tudo somente decorre de suas potencialidades de gente. Eu creio no amor de Deus, mas você pode prosseguir a leitura mesmo não tendo ainda tal consciência. Eu espero, humildemente e por amor fraternal, que assim o faça, pelo que eu agradeço, sinceramente.
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