Direito desportivo o pandesportivismo e seus conflitos

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Editor João Baptista Pinto Revisão Dos Autores Projeto Gráfico e capa Rian Narcizo Mariano

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

D635 Direito desportivo : o pandesportivismo e seus conflitos / organização Angelo Vargas. 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2014. 182 p. : il. ; 23 cm. ISBN 9788577852635 1. Esportes - Legislação - Brasil. I. Vargas, Angelo. 14-11399 CDD: 344.81099 CDU: 34:796(81)

Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 letracapital@letracapital.com.br


Angelo Vargas (Organizador)

Direito Desportivo

O pandesportivismo e seus conflitos



“Ao eterno renascimento – a erraticidade.”



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Prefácio Foi com muito orgulho e satisfação que recebi o desafio de escrever o prefácio de uma obra de tamanha importância para a área do esporte. O presente livro reúne escritores de altíssima competência, experiência e conhecimento nos temas abordados, capitaneados pelo multifacetado Doutor Ângelo Vargas, um batalhador das causas sociais e defensor fervoroso do acesso de todos ao esporte – atividade de vital importância para a promoção da qualidade de vida e para a percepção do bem-estar. Entendo que o esporte seja a grande manifestação social, cultural, educacional, científica, econômica e política do século. Trata-se de uma atividade lúdica e corporal, institucionalizada e com regras que, por conseguinte, transforma-se naturalmente em ato político, uma vez que são coletivas e sociais suas causas e consequências. Nesta obra, os leitores terão a oportunidade de percebê-lo como um fator de formação para a vida e para a felicidade humana, assim como sua exploração em segmentos, como comunicação, marketing, saúde, entre outros. Dentre os capítulos são abordadas questões críticas relacionadas ao esporte, passando pelo ponto de vista ético, pelos problemas crônicos pertinentes a sua atual conjuntura, tais como doping, as responsabilidades dos atletas, dirigentes e Políticas Públicas, as teses relacionadas à paixão que o envolve, bem como seus conceitos e reflexões econômicas e sociais. O livro também alerta para a importância de que o esporte seja ministrado por um Profissional de Educação Física para que haja a promoção de saúde e de valores, a formação cidadã e a inclusão social. O esporte é uma ferramenta e um meio, ou seja, requer que seja ensinado. Não é a simples prática que possibilitará os benefícios e promoverá os valores que lhe serão propalados. Os autores nos trazem também a compreensão de que o atleta de alto rendimento é um trabalhador que vende ao clube ou patrocinador a sua força de trabalho e é por ela explorado enquanto rende frutos, sem que haja uma política ou proteção à inserção social deste indivíduo quando cessa sua força de trabalho atlética, seja por tempo (aposentadoria) ou contusão. Este trabalho literário surpreendente é uma obra de referência e coloca-se a serviço de novas ideias, alertas e reflexões. São pensamentos que


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provocam a curiosidade e explicam questionamentos comuns. Provocações corajosamente apresentadas nas análises, sínteses e inferências com linguagem clara e precisa, no qual os autores com inteligência aliada a sua fértil criatividade e incansável capacidade de trabalho, oferecem um trabalho extremamente importante e atual para todos aqueles que se deixarem convidar para o debate que o livro oferece e oportuniza. É, portanto um livro necessário, sobretudo para todos os que se interessam ou se envolvem com a área do esporte. Boa leitura. Jorge Steinhilber CREF 000002-G/RJ

Presidente do Conselho Federal de Educação Física Presidente da Academia Olímpica Brasileira


Sumário Crime e vitimização no desporto: da impunidade à barbárie Angelo Vargas.................................................................................................... 11 A justiça desportiva no banco dos réus: limites jurisdicionais Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira e Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi... 26 O tratamento dispensado pelos estados brasileiro e português no que tange às lides desportivas Braz Rafael da Costa Lamarca e João José de Leal Gonsalves Lupi..............35 Código mundial antidoping 2015: alterações relevantes Luciano Hostins................................................................................................. 51 Eusébio: do ídolo ao mito José Antunes de Sousa....................................................................................... 63 Assédio moral na atividade desportiva Martinho Neves Miranda................................................................................. 75 A comunicação dos atos processuais na justiça desportiva Rafael T. Fachada.............................................................................................. 84 As decisões no âmbito da justiça desportiva Marcio de Souza Peixoto ................................................................................. 97 O avanço da genética e o futuro do esporte Caroline Nogueira e Marcelo Jucá Barros....................................................... 102 Marketing de emboscada nos grandes eventos esportivos Gustavo Lopes Pires de Souza.......................................................................... 108 Seguro obrigatório do atleta profissional Angela Leal Saboia de Castro........................................................................... 120


Atleta profissional de futebol – Vítima da paixão: uma proposta de organização da coletividade em prol da efetivação dos direitos e garantias laborais Jhansi Terzi e Sylvio Ferreira ........................................................................... 131 O esporte de alto rendimento e suas cifras milionárias Orestes Manoel da Silva e Tibério Machado................................................... 143 Ética e desporto: uma investigação acerca das modificações sociais e morais e o contexto atual dos megaeventos esportivos Natalie L. B. Longo e Rafael T. Fachada......................................................... 159 Legislação desportiva, “fair play” e responsabilidade social João Batista A. G. Tojal.................................................................................... 165 A formação do atleta e o respeito às leis esportivas José Maurício Capinussú.................................................................................. 175


Crime e vitimização no desporto: da impunidade à barbárie Angelo Vargas1

1 – Introdução No momento em que incursionamos sobre o tema em tela, a sociedade brasileira, sobretudo aquela parcela da população cujo espírito lúdico é plasmado em um conceito estético de identidade nacional através do futebol e, cuja alma, é impregnada pelas emoções desportivas, clama por soluções que permitam o retorno da segurança nos estádios. É imperioso assinalar, que a segurança enquanto valor social constitui um direito inalienável consagrado de forma pétrea na Lei Maior. Adstrito da segurança, o cidadão passa a dispor de um campo semântico de ampla magnitude no que tange ao seu direito ao lazer tais como: prazer, solidariedade, integração social, diversão, dentre outros. Não obstante, as partidas de futebol nos estádios brasileiros, já há muito, passaram a representar uma espécie de ritual de guerra e os estádios, assim como os perímetros urbanos que os circunscrevem, uma espécie de campo de batalhas onde os “combatentes”, (marginais travestidos de desportistas) lançam mão de todos os tipos de artifícios, armas, estratégias e logísticas bélicas para seus propósitos: vandalizar, ferir, aterrorizar e matar. Vale assinalar que nos dias de jogos, ninguém que esteja nas mediações das praças esportivas, como transeunte, dirigindo seu automóvel ou mesmo em um transporte coletivo, está a salvo das agressões destas hordas de delinquentes. Todos transformamse nos dias de jogos em vítimas potenciais deste estado de violência latente. Contudo, cabe trazer a lembrança que este fenômeno de erupção social contemporâneo não está circunscrito ao território brasileiro já que, não raro, assistimos pelos meios midiáticos eventos de violências nas plateias de jogos de futebol não só em outros países das Américas, como também na Europa, na África e em menor frequência em países asiáticos. Portanto, trata-se de Responsável pela Cátedra de Direito Desportivo da FND da Universidade do Brasil (UFRJ); Professor da Universidade Estácio de Sá (UNESA); Professor do Curso de Pós-graduação em Direito Desportivo da ESA – São Paulo; Procurador do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Estado do Rio de Janeiro. 1


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fenômeno humano com todas as nuances e complexidades a ele inerentes. Dentre as manifestações humanas mais antigas da humanidade, a agressão e a violência, caminham par e passo na construção do processo civilizacional. Cagigal2 no seu clássico da literatura desportiva internacional “Deporte y Agresion”, questiona a possibilidade de divorciar as guerras da história da humanidade. O ilustre mestre avança nos seus questionamentos acerca do processo de civilização, quando indaga as possibilidades de eventos violentos tais como guerrilhas, sequestros, crimes passionais, rivalidades profissionais e outros tipos de enfrentamentos, desaparecerem nas sociedades contemporâneas: Será posible que el hombre siga estimulándose a descobrir las leyes de la naturaliza, a penetrar en el secreto de las cosas y del mismo hombre, a inventar, a crear obras de arte sin que al mismo tempo en que ejercita sus fuerzas de búsqueda, expresión y projección, choque com un colega, un rival?3

E assevera acerca do fenômeno, contudo nega a hiposuficiência de técnicos e intelectuais no que tange a compreensão dos fatos, marco basal para a solução do problema: “La agresividad como tal es, hoy por hoy, um misterio. La agresión es más cognoscible, medible, quizá controlable.”4 Resta inequívoco para Cagigal, que uma vez isolado o problema da agressão e das formas de violência, as suas causas primárias e as nuances que lhes dão contorno e motivação, será possível desenvolver mecanismos de controle e “cerceamento”. Importa, contudo, referir, que a violência no desporto e, especificamente as agressões das plateias (nego-me a chamar de torcedores aqueles que concorrem para a prática de crimes comuns e travestem-se de desportistas ao utilizar as cores, e símbolos das associações de práticas desportivas), constituem mais uma das características das sociedades contemporâneas em crise axiológica, que não raro, de forma paradigmática, sustentem-se na negação do poder constituído, da autoridade, da legalidade, legitimando-se intragrupos através dos “modus operandi”, marginalizadores. Nesta esteira, a lição de Bento 5 os possibilita mais uma forma de compreensão do CAGIGAL, J.M. Deporte y agresion. Madri : Alianza Deporte, 1990. Ibid., p. 28. 4 Ibid, p. 63. 5 Bento, J.O. Desporto: discurso e substância. Belo Horizonte: Casa da Educação Física – UNICAMP, 2013. P.262. 2 3


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contexto quando assinala que nunca como hoje a sociedade foi tão moldada pelo conhecimento. Era, pois, de esperar que vivêssemos num ambiente propício ao triunfo e harmonia da ética e da razão. Só que o progresso científico e tecnológico não leva automaticamente no seu bojo e passo o aprimoramento da consciência. Parece até gerar o contrário, não se estranhando que a crise e a miséria, antes de serem econômicas e físicas, sejam de (des)ordem moral e social; que irrompam portanto da fragilidade dos costumes, princípios e valores. Não restam dúvidas que os fenômenos de agressões e violência que se tornaram comuns nos estádios brasileiros, são uma forma sísmica de reflexo da grande crise que assola a convivência humana moderna - uma crise de moralidade – uma crise que se polariza na violência em detrimento da paz e da harmonia e que coloca em risco a instituição Desporto. Também assim foi no passado e será no futuro. Grandes instituições e impérios ficam pelo caminho, vitimados sempre pela doença da imoralidade. Se olharmos a nossa volta, sem necessidade de compulsar a história, não faltarão exemplos a confirmar esta tese. Empresas e potentados, com nome sobejamente conhecido à escola nacional e mundial, conhecem dificuldade e falência, cuja origem provém em menor ou maior grau de maleitas morais. É esta igualmente a origem da profunda desilusão com os dias de comoção que estamos a viver. Várias são as teorias que tentam explicar o fenômeno da agressividade e da violência, sem, contudo, chegarmos a unificação dos conhecimentos o que por sua vez culmina por dificultar o delineamento de estratégias interventivas para coibir eventos de violência no âmbito desportivo. Dentre as teorias mais em voga está aquela que relaciona a agressividade e a violência no cosmo esportivo com a configuração urbana das cidades com suas nuances diferenciadas, com a delimitação dos territórios “por tribos”, com seus respectivos rituais e relações de proxemia. Com efeito, esta intrínseca relação está entre os “modus vivendi” esportivo de jovens e adultos nas grandes cidades e o processo de urbanização contemporâneo. Schimmel6 afirma que a sociologia do esporte acrescentou detalhes à tese da máquina de crescimento de diversas maneiras e proporcionou apoio empírico, por meio de estudos de caso, para a ideia de que as coalizões de crescimento se formam e atuam de modo a promover os próprios interesses. Em certos casos, em vez de serem meros “atores secundários”; os atores relacionados ao esporte (por exemplo, donos de times de esporte profissional) tornaram-se 6 SCHIMMEL, K. Os grandes eventos desportivos: desafios e perspectivas. Belo Horizonte: Casa da Educação Física – UNICAMP, 2013. p. 55-56.


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membros-chave das coalizões de crescimento. Nesses casos, os planos de desenvolvimento urbano se concentram no projeto específico que utiliza mais espaço, alavanca mais financiamento público e altera a paisagem talvez mais do que qualquer outro projeto de desenvolvimento: a construção de estádio esportivo e de instalação esportiva. Nesta mesma esteira é possível assinalar que, está emergindo na sociologia do esporte um corpo literário que aborda o esporte e as estratégias de crescimento urbano em relação a um pano de fundo internacional maior. A maior parte desses trabalhos enfocada com diversos atores locais recorrem ao tema onipresente do “geobalismo” para promover “suas” cidades na concorrência internacional pelo investimento de capital.7 Outro fator de extrema relevância diz respeito ao fenômeno das torcidas organizadas que mais que comprovadamente corroboram no espaço urbano para a disseminação da violência (Fachada8; Peixoto9; Murad10; Teixeira11). Longe de querer generalizar o assunto, muitas destas torcidas, embora criadas com o objetivo de incentivar o seu time, acabaram transformadas em verdadeiras organizações criminosas, graças à presença, dentre seus associados de verdadeiros criminosos nas vestes de torcedores. A identificação desses grupos passou a ser percebida pelas violências verbal e física praticadas, pelas transgressões das regras legais e pela incitação à prática criminosa. Cada vez mais a sociedade se surpreende pelas atrocidades praticadas por esses indivíduos, que quando reunidos e organizados, sentem-se fortalecidos e corajosos suficientemente para desrespeitar as leis e enfrentar as autoridades. Como se sabe, o objetivo de algumas torcidas organizadas não é outro, senão o de causar desordem e praticar atos de vandalismo nos espetáculos esportivos. Infelizmente, tal movimento acaba por espantar as famílias e as pessoas de bem das praças esportivas, deixando o caminho ainda mais livre para esse tipo de conduta que precisa ser repelida12. Ibid., p. 65-66. FACHADA, R.T. Ultras, barras-bravas, torcidas organizadas: cúmplices ou vítimas da violência urbana? In: VARGAS, Angelo. Direito desportivo: dimensões contemporâneas. Rio de Janeiro: Letra Capital, LECSU, 2012. p. 168. 9 PEIXOTO, M.S. Violência no âmbito desportivo. In: VARGAS, Angelo. Direito desportivo: dimensões contemporâneas. Rio de Janeiro: Letra Capital, LECSU, 2012. p. 65-76. 10 MURAD, M. A violência no futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. São Paulo: Editora FGV, 2007. 11 TEIXEIRA, Rosana da Câmara. Os perigos da paixão: visitando jovens torcidas cariocas. São Paulo: Annablume, 2004. 12 ANDRADE, G.B. In: VARGAS, Angelo. Direito no desporto: cultura e contradições. Rio de 7 8


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Fenômeno recorrente no cosmo esportivo brasileiro, a violência entre “torcidas organizadas” que segundo estudo de Teixeira – “Os perigos da paixão”, conta com dinâmicas e estratégias de “guerrilha” urbana com seus componentes basilares: a intimidação, as justificativas “ideológicas”, a demarcação de territórios, o uso de simbologias de identificação dos grupos, táticas de emboscada, terror e etc. Alguns torcedores não somente registram que a violência sempre existiu como arriscam a dizer que ela já foi mais intensa, recorrente, ou seja, a situação “já foi muito pior”. O período situado entre o final da década de 80 e, especialmente, o início dos anos 90 é apontado como realmente crítico, grave, insustentável. Ir ao estádio e transitar em certos locais da cidade era um empreendimento arriscado. O deslocamento em dias de jogos, era meticulosamente um ponto de encontro na região em que moravam, na sede da torcida, ou em um outro lugar, onde a maior parte dos componentes se reunia partindo juntos por questão de segurança e para intimidar os adversários em caso de emboscada. Certos lugares já famosos pela concentração de torcedores como a Praça Saens Pena, recebiam reforço de policiais que escoltavam os organizados até o estádio.13 Ainda nesta esteira é preciso elencar os ensinamentos de Murad quando assevera que “não é possível realizar uma detida análise da violência das torcidas em jogo de futebol, sem contextualizá-la com o momento político, econômico e sociocultural vivido pelo país”14. Portanto, é possível observar que embora estejamos a viver uma década de pandesportivismo no Brasil adstrito dos megaeventos que ocorrem desde 2011, a sociedade brasileira, sobretudo, aquela parcela da população mais atenta ao universo desportivo, tem experiência dos sentimentos díspares e imediatamente antagônicos que vão desde a euforia patriótica passando pela insegurança urbana até o temor pelo fiasco e o temor pela violência de toda ordem, inclusive, aquela que ocorre nos ambientes de competição. Importa trazer ao lume que embora os governos e as organizações internacionais diretamente ligadas ao esporte estejam empenhados em construir uma atmosfera de tranquilidade nos ambientes urbanos, as competições, por si só, não farão mudar a realidade social de nosso país com suas incertezas e desconfianças na classe política. Outro ponto a ser considerado para além da construção e reforma de estádios com suas cifras bilionárias, as obras dos sistemas viários nas Janeiro: Letra Capital, 2013. p. 179. 13 TEIXEIRA, op.cit., p. 162. 14 MURAD, op.cit., p. 62.


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grandes cidades, não se teve notícia de nenhum projeto de alcance nacional voltado para o âmbito educacional sistemático e tampouco assistemático que permitisse assegurar um legado de educação esportiva e solidariedade durante e após a realização das competições. Indubitavelmente, a nação perde diante deste modelo pandesportivo político e megaempresarial, uma excepcional oportunidade de investir na educação olímpica desportiva cujos pilares estão fincados na solidariedade que por sua vez, constitui um dos meios mais eficazes para neutralizar a violência urbana. Segundo Freire15, não é muito comum pensar em centro esportivo como um centro de educação. É como se o esporte fosse um caso à parte. Há, inclusive, tópicos nas leis brasileiras, que não valem para o esporte. No esporte, é permitido negociar jovens para equipes estrangeiras sem cuidar da vida pessoal deles. Muitos são abandonados à própria sorte, por empresários, em outros países, e não há qualquer punição para o criminoso que faz isso. Também é permitido submeter crianças a rotinas exaustivas de trabalho, quando, em outros setores, o trabalho infantil é proibido... De vez em quando, surgem projetos e programas que declaram ter por objetivo tirar as crianças das ruas, fazer educação através do esporte... Lembro que na Copa do Mundo de 1994, jogo final entre Brasil e Itália, na decisão por pênaltis, um dos maiores jogadores do mundo, Roberto Baggio, errou sua cobrança. Com isso o Brasil sagrou-se campeão. Baggio, raras vezes, havia desperdiçado um pênalti, porém naquele evento, havia mais coisas a dar conta do que simplesmente a habilidade de chutar a bola, e ele falhou. Fora essas questões, a especialização precoce é injusta tanto com os que não apresentam talentos especiais quanto com os mais talentosos. Com os primeiros, ela é injusta pela exclusão. Tira das crianças seu direito de aprender o esporte, de se divertir com ele, de se desenvolver pela oportunidade da prática esportiva. Com as talentosas é injusta porque lhes rouba o direito de ser criança, de aprender aquilo que, para além do esporte, será necessário para levar uma vida mais digna.

2 – O despertar de uma consciência desportiva A eliminação ou ao menos a diminuição da violência no universo do esporte estaria no despertar de uma “nova” consciência desportiva? Penso que, a priori, aquilo que chamamos de consciência desportiva, tem suas 15

FREIRE, J.B. Ensinar esporte ensinando a viver. Porto Alegre: Meditação, 2012.p.61-64.


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bases no exercício da racionalidade, na cultura e, portanto, na educação. Destarte, será impossível eliminar a violência nos estádios sem educação desportiva, cujas bases estão na solidariedade urbana, na assimilação dos direitos fundamentais como essência de uma sociedade democrática e justa. Em Morin16 aprendemos que despertar a humanidade, hoje, confunde-se com a necessidade de acordar a humanidade, isto é, de provocar “o sobressalto da humanidade” que possa deter a marcha da morte. Deter a morte! Não é só contribuir para luta permanente e multiforme de toda a vida contra a morte. É lutar contra a nova morte, a morte maciça, aos milhões, ou megamorte... coloca-se aqui o problema da violência, mas o da violência enlouquecida. O problema da violência “louca” é inseparável da própria natureza do homo SAPIENS/DEMENS, mas age verdadeiramente na era histórica que é a era dos Estados e das guerras, com massacres enormes, sevícias cruéis, torturas insensatas que superam qualquer alcance estratégico. Os fanatismos... aumentaram e multiplicaram as demonstrações de violência louca. Em vez de reduzi-las, o século XX inaugura uma nova era de violência louca ao mesmo tempo que inaugura a era da megamorte. Não obstante, é preciso que a sociedade brasileira, não só aqueles aficcionados pelo esporte, os empresários, os governos, mas como todos os setores da nação, despertem para a situação de risco em que nos encontramos com a disseminação da violência através do desporto. Aduz a isto, o despertar desta “nova” consciência desportiva cujos fundamentos estão na essência lúdica do homem e assim, é pelo homem e para o homem que o desporto existe. Não custa lembrar as lições filosóficas de Sergio17 que sob a ótica do humanismo leciona que o projeto – esperança que o desporto pode oferecer ao mundo atual é o de um novo humanismo. Daí o sexto princípio de uma filosofia do desporto: no desporto, a tradicional filosofia do ser e do logos, onde como, por exemplo, em Kant, uma verdade ôntica depende de uma verdade ontológica previamente estabelecida, transforma-se em filosofia da relação e do ato, no âmbito de uma organização (de fato é dentro de uma organização, em ato que se aprende a inovar). No desporto, rompe-se com a lógica do individualismo mesquinho, onde ninguém, nem nenhum grupo, poderá arvorar-se em valor absoluto (incluindo a especulação financeira). No desporto, trabalha-se em equipe. Sem individualismo, nem totalitarismo porque, nele, a democracia não é quantitativa, estatística, anônima, mas fundada nas possibilidades criadoras de cada um dos praticantes. Poderá começar aqui a crítica da razão desportiva, 16 17

MORIN, E. Para sair do século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.p.350-351. SERGIO, M. Crítica da razão desportiva. Lisboa: Instituto Piaget, 2012.p.29.


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para o século XXI. Numa cultura de arraigada tradição positivista... conceito que se tem do desporto há de radicar num conceito integrado do humano. O desporto só evolui à medida que evolui o conceito que se tem do homem! Por isso, o desporto pode fazer suas as palavras de Ernest Bloch – no princípio era o futuro. É que no meu humilde pensar, ainda vivemos a pré-história da história do conhecimento do homem. Há muito que aprender no desporto.

3 – A reprodução da violência nas arenas desportivas brasileiras e a busca do controle legal O substancial esforço político no sentido de criar mecanismos legais para coibir a violência no âmbito desportivo, pode ser analisado pelo sancionamento do Estatuto do Torcedor, Lei 10.671 de 15 de março de 2003, recentemente alterado em parte pela Lei 12.299 de 27 de julho de 2010. O referido diploma legal veio celebrar medidas protetivas ao torcedor nas dimensões da prevenção e da repressão à violência, tendo como paradigma a segurança nos estádios. O dispositivo legal ampliou o âmbito das responsabilidades consagrando uma espécie de solidariedade entre o Poder Público e atores intervenientes do evento desportivo como as associações de torcedores, as entidades de prática desportiva e também a todas as pessoas físicas e jurídicas que, de alguma forma, contribuam para organização, promoção e coordenação do referido certame. É oportuno trazer a lembrança que o paradigma da segurança do torcedor, não o exclui das responsabilidades já que o próprio Estatuto do Torcedor, faz elencar no art.13 os deveres inerentes a conduta desejada. É preciso que atentemos que as sanções de natureza administrativa poderão ser aplicadas sem incorrer em prejuízo de outras sanções civis ou penais. Ao perquirir a segurança, o legislador não deixou margem às dúvidas no que concerne ao estoicismo da norma quando a integridade física e moral dos indivíduos estiver em risco. Nesta esteira, o artigo 41-B18 faz elencar os referidos atributos: Promover tumulto, praticar ou incentivar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos; Pena – reclusão de 1(um) a 2 (dois) anos de multa. §1º Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que: 18 BRASIL. Lei 10.671, de 15 de maio de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. Disponível em : < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/ l10.671.html>.


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I - promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento; II- portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência. § 2º Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo. § 3º A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converterse-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. § 4º Na conversão de pena prevista no § 2º, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada. § 5º Na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2º.

É possível depreender que o legislador perseguiu com a amplitude que a matéria permite, o maior controle nos estádios através da responsabilização conjunta de todos os atores, contudo, o fenômeno com toda a complexidade que lhe é inerente, ainda requer esforços no sentido da tão almejada paz no esporte. No lume desta complexidade, Peixoto19 discorre que no âmbito desportivo, a violência consiste na transgressão das regras esportivas por parte de quem pratica e da violação das normas de natureza civil e criminal no comportamento social dos torcedores... é possível diferenciar claramente 19

PEIXOTO, op. cit., p. 67.


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a agressividade encaminhada com vistas a produzir danos em um ambiente competitivo de alto rendimento, resultado de um estado fisiológico que o organismo alcança por influência de certos hormônios, como a adrenalina, e da violência fora da arena desportiva, onde a complexidade da origem da violência e seus respectivos contornos serão analisados de forma multidisciplinar. Contudo, percebe-se que o torcedor está perdendo a graduação de sua agressividade, decorrendo uma maior excitação. Ademais, a agressividade mal entendida gera violência potencial, e o torcedor é facilmente envolvido por esta mesma violência... Nota-se que a violência foi aparentemente institucionalizada, tanto dentro, como fora dos limites das disputas desportivas. Os estádios e arenas carregam o estigma de ser um local natural e propício para práticas de covardias e barbáries.

4 – A realidade contextual: A barbárie e a exposição midiática da violência nos estádios Por mais paradoxal que possa parecer, nos últimos dias de 2013 e nos dois primeiros meses de 2014 os eventos de violência tem sido noticiados com maior frequência, chegando a ocupar cerca de 25% dos espaços desportivos nos meios midiáticos. No dia 3 de fevereiro de 2014 o jornal O Globo20 veiculou a seguinte notícia de página inteira: “Violência à espreita – barril de pólvora”. No dia 08 de dezembro de 2013, facções organizadas de Atlético Paranaense e Vasco se enfrentaram em Joinville. A barbárie chocou o país. Quase dois meses depois, dos 27 (vinte e sete) acusados com mandados de prisão, só sete ainda estão presos. Três estão foragidos e 17 tiveram prisão preventiva negada. Todos os outros citados no processo deveriam se apresentar em delegacias em dias de jogos e de seus times, mas não é o que tem acontecido. Ontem (dia 2 de fevereiro), dez torcedores do Vasco, sem camisa ou com blusa de uma organizada, acumulavam pelo Maracanã enquanto Vasco e Botafogo já estavam em campo há 20 minutos. Ao serem abordados pelo O Globo, disseram que não estavam para ver a partida, pois tinham estado em Joinville e seus nomes constam no processo como identificados por participar da briga. Eles sabem que deveriam ter se apresentado na delegacia. - Nunca recebi uma intimação (a torcida Força Jovem Vasco recebeu a lista dos membros que deveriam comparecer à delegacia), mas sei que tenho VIOLÊNCIA à espreita: barril de pólvora. O Globo, Rio de Janeiro, 03 fev. 2014. Caderno de Esportes.

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que estar lá. Não vamos porque temos medo de sermos presos. Todo mundo aqui já se envolveu em briga de torcida – disse Leonardo, que não quis dar seu sobrenome e estava com uma camisa da torcida. - Nós não estamos hoje no Maracanã porque estamos com medo de ser preso. Só a Diretoria da Força foi presa, mas a gente esteve em Joinville – completou um outro membro do grupo. Sem nenhum pudor, eles disseram que estavam esperando uma facção organizada do Botafogo passar por ali para “arrumar confusão”. Várias vezes, durante a conversa, que durou cerca de 15 minutos, eles repetiam que o “único envolvimento” (com crimes) eram os relativos às brigas de torcida, mas todos disseram ser reincidentes. Apresentar-se na delegacia, no caso deles, não seria só uma medida administrativa. Resultaria em prisão. Independente do processo que corre em Santa Catarina, a Justiça do Rio decidiu que todos os torcedores do Vasco que são citados por participarem da briga devem se apresentar, durante um ano, numa delegacia toda a vez que o Vasco jogar. Mas, como se trata de uma medida administrativa, não há nenhum controle sobre quem comparece ou não e muito menos, uma punição para quem deixa de cumprir a determinação. Em caso de medida cautelar, na qual a liberdade do indivíduo está condicionada à apresentação na delegacia, quem não cumprir pode voltar à cadeia. Já a medida administrativa acontece como punição por mau comportamento ou enquanto ele ainda estiver sendo julgado. Nesse caso, o não comparecimento pode prejudicá-lo no curso do processo, quando ele deve apresentar os documentos de que esteve nas delegacias – explica o Juiz Marcello Rubioli, do Juizado Adjunto do Torcedor21. Neste mesmo diapasão, apenas três dias após, ou seja, no dia 06 de fevereiro, no mesmo veículo de comunicação publicou no seu Caderno de Esportes: “Torcedores Corinthianos brigam no Pacaembu”, denunciando atos de vandalismo de que Torcedores do Corinthians, ligados a facções organizadas que voltaram a protagonizar cenas de violência durante o jogo em que o time, com um jogador a mais, perdeu para o Bragantino por 2 a 0, no Pacaembu... Primeiro houve confronto com a polícia. Por volta dos 20 minutos, houve briga entre os próprios torcedores no setor onde estava a Gaviões da Fiel. A confusão provocou reação do restante do público que protestou contra os vândalos e aplaudiu a Polícia Militar quando agiu e levou dois brigões detidos. Ontem, a Delegacia de Crimes Radicais recebeu imagens captadas 21

NO PAÍS do faz de conta. O Globo, Rio de Janeiro, 03 fev. 2014. Caderno de Esportes.


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pelo circuito interno de segurança que mostram a invasão de um grupo da torcida organizada Gaviões da Fiel ao centro de treinamento do Corinthians no sábado. Elas foram entregues pelo presidente do clube..., que afirmou que há falhas na filmagem. - O aparelho técnico já está à disposição da polícia para eventual perícia técnica para se saber se realmente foi uma falha técnica ou se houve algum desvio de conduta – declarou o dirigente, que ainda manifestou o desejo de afastar as organizadas dos estádios. - Gostaria que elas (organizadas) fossem banidas de qualquer prática de esportes no Brasil, porque não vão parar e é um problema sério. Os jogadores mais hostilizados foram Emerson, Pato e Guerreiro, sendo que o peruano chegou a ser agredido. Os três passaram a andar com seguranças. – A atitude que tiveram foi de bandidos...22 As veiculações midiáticas não deixam dúvidas do estado de risco do esporte, sobretudo do futebol no Brasil. A violência não só configura o aspecto nocivo à prática desportiva, como também vitimiza todos aqueles que apaixonados pelo esporte, que ao arrepio dos direitos sociais consagrados na Lei Maior, vão aos estádios para usufruir do lazer. Os verdadeiros desportistas, aqueles que através da dimensão lúdica do jogo inerente ao esporte, vão aos estádios para usufruir da cultura, do entretenimento e das relações sociais.

5 – Educação desportiva e criminalização: Possíveis soluções. Como é possível depreender pela leitura das linhas iniciais deste ensaio, a teorização sobre a violência não está circunscrita a uma única área do conhecimento. Trata-se de fenômeno de alta complexidade e inerente à natureza humana e seu perene processo de civilização. Constitui, portanto um desafio no qual todos somos convocados a participar sob pena de sucumbirmos na barbárie. Nos ensinamentos de Morin23 é possível a lição: Devemos resistir ao nada. Devemos resistir às formidáveis forças de regressão e morte. Em todas as hipóteses, é preciso resistir. Deter a morte é resistir. Lutar contra a barbárie é resistir... ao mesmo tempo, devemos saber que só poderemos vencer a ameaça mortal por uma transformação muito grande e múltipla que possa revolucionar as condições do problema. Se o homem quiser viver, ele deve 22 TORCEDORES corintianos brigam no Pacaembu . O Globo, Rio de Janeiro, 06 fev. 2014. Caderno de Esportes. 23 MORIN, op. cit., p. 373.


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mudar. Quanto mais a morte se aproxima, mais se aproxima o problema da mudança necessária para salvar a vida. É preciso, contudo, que assimilemos que o futebol e tudo o que a ele é inerente, inclusive a violência dos “torcedores”, constitui uma das nuances dos matizes da sociedade brasileira e dessarte, reproduz valores e comportamentos dos seus pares. Portanto, é possível afirmar que a violência nos estádios é uma forma de reprodução da sociopatia que assola uma parcela de nossa sociedade. Indivíduo, grupo, espécie, sociedade, cultura são sistemas autônomos, abertos, termodinâmicos, na sua auto-organização e autoeco-organização, ou seja, na sua organização que, embora autônoma, encontra-se em relação dialética com outros sistemas circunvolventes... Qualquer sistema é complexo na sua organização, funções e relações com a natureza e a cultura. O futebol portanto: é uma unitas multiplex, ou seja, é unidade e diversidade, é um megassistema composto por elementos que, por sua vez, são sistemas de sistemas, em contínuas interações, conexões e interpenetrações.24 Contudo, penso que em que pese os avanços em busca das medidas protetivas daqueles que amam o esporte, sobretudo o futebol, com o advento do Estatuto do Torcedor, a sociedade brasileira, nomeadamente o Poder Público, as entidades de administração do desporto e tampouco as entidades de práticas desportivas não se encontram preparadas para cumprir os desígnios da lei. Isto posto, a ausência de estrutura para a aplicação da norma faz tornar inócuo o espírito da lei e portanto a dimensão protetiva não se realiza. Não tenho dúvidas que um dos caminhos para a tão almejada erradicação dos comportamentos violentos nos estádios, advirão de programas de grande alcance de educação desportiva onde o sentido da ética, da moral e da paz se inserem no universo ecológico da convivência social. Outro aspecto a ser considerado diz respeito à imperiosa criminalização dos comportamentos violentos nos estádios. Qualquer observação mais atenta possibilitará a tipificação comum dos modus operandi dos marginais travestidos de torcedores tais como: Injúria racial – art. 140 C.P.; Crime de Racismo – Lei 7716/89; Explosão – art.251 C.P.; Ato Obsceno – art. 233 C.P.; Crime de Dano – art. 163 C.P.; Furto – art. 155 C.P.; Roubo – art. 157 C.P.; Constrangimento Ilegal – art. 146 C.P.; Lesão Corporal – art. 129 C.P.; Homicídio – art. 121 C.P.; dentre outros. 24

SERGIO, M. Filosofia do futebol. Lisboa : IDP, 2011. p. 133.


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Destarte, não restam dúvidas da urgente mudança no tratamento jurídico dos marginais que frequentam os estádios. Por derradeiro, ouso inferir que todos nós, amantes apaixonados pelo desporto, devamos evoluir no sentido de romper com todas as formas de dogmatismos e paixões delirantes quando tratamos o esporte como algo “supérfluo”, que se pode prescindir posto que não é fundamental a sobrevivência da sociedade. Muito pelo contrário, o esporte, nomeadamente o futebol, é um dos universais da cultura, e, no caso da civilização brasileira, ele está impregnado na alma e, portanto dá contorno e conteúdo às nossas emoções. Para Gustavo Pires citado por Sergio25, vivemos num mundo e num desporto, em permanentes transformações. Num sistema em que só a mudança é imutável, é conveniente encontrar quadros de análise e referência, que facilitem a compreensão daquilo que está a acontecer. O desenho do desporto do futuro tem de ser encontrado, tendo em atenção às características, a forma e a substância dos conteúdos da própria mudança social. A não ser assim, o desnorte será completo.

Referências Bibliográficas ANDRADE, G.B. In VARGAS, A. Direito no desporto: cultura e contradições. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. BENTO, J.O. Desporto: discurso e substância. Belo Horizonte: Casa da Educação Física – UNICAMP, 2013. BRASIL. Lei 10.671, de 15 de maio de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/ l10.671.htm>. CAGIGAL, J.M. Deporte y agresion. Madri: Alianza Deporte, 1990. FACHADA, R.T. Ultras, barras-bravas, torcidas organizadas: cúmplices ou vít imas da violência urbana? In: VARGAS, Angelo. Direito desportivo: dimensões contemporâneas. Rio de Janeiro: Letra Capital, LECSU, 2012. FREIRE, J.B. Ensinar esporte ensinando a viver. Porto Alegre: Ed. Meditação, 2012. MORIN, E. Para sair do século XX. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1986. MURAD, M. A violência no futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje. São Paulo: Editora FGV, 2007. NO PAÍS do faz de conta. O Globo, Rio de Janeiro, 03 fev. 2014. Caderno de Esportes. PEIXOTO, M.S. Violência no âmbito desportivo. In: VARGAS, Angelo. Direito desportivo: dimensões contemporâneas. Rio de Janeiro: Letra Capital, LECSU, 2012. SERGIO, M. Crítica da razão desportiva. Lisboa: Instituto Piaget, 2012. SERGIO, M. Filosofia do futebol. Lisboa: IDP, 2011. 25

SERGIO, op. cit., p. 75.


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SCHIMMEL, K. Os grandes eventos desportivos: desafios e perspectivas. Belo Horizonte: Casa da Educação Física – UNICAMP, 2013. TEIXEIRA, Rosana da Câmara. Os perigos da paixão: visitando jovens torcidas cariocas. São Paulo: Annablume, 2004. TORCEDORES corintianos brigam no Pacaembu. O Globo, Rio de Janeiro, 06 fev. 2014. Caderno de Esportes. VIOLÊNCIA à espreita: barril de pólvora. O Globo, Rio de Janeiro, 03 fev. 2014. Caderno de Esportes.


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