Direito eclesial organização interna da igreja particular

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Paulo J. Tapajós

Direito Eclesial

Organização interna da Igreja particular


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T175d Tapajós, Paulo J. (Paulo José), 1936Direito eclesial: organização interna da igreja particular / Paulo J. Tapajós. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012. 130p.: 23 cm Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-7785-156-0 1. Direito canônico. I. Título. 12-3342.

CDD: 262.9 CDU: 2-74

18.05.12

21.05.12

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“Se vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus” (Mt. 5.20)

Aos meus anjos: Caio, João e Cecilia, na lembrança do futuro.



SUMÁRIO

11

Apresentação 1. - Visão eclesiológica do Código de 1917~~~~ 11 2. - A eclesiologia do Vaticano II ~~~~~~~~~~ 12 3. - A normativa do Código~~~~~~~~~~~~~~ 14

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Introdução 1. - Colégio e grupo~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ 23 2. - Parecer e consentimento ~~~~~~~~~~~~~ 25

31

I. Corresponsabilidade e participação 1. - O Sínodo Diocesano ~~~~~~~~~~~~~~~~ 31 1.1 - Visão histórica ~~~~~~~~~~~~~~~~~ 31 1.2 - Visão sistemática ~~~~~~~~~~~~~~~ 34 2. - Conselho Presbiteral ~~~~~~~~~~~~~~~~ 2.1 - Visão histórica ~~~~~~~~~~~~~~~~~ 2.2 - A normativa do Código ~~~~~~~~~~ 2.3 - Visão complexiva ~~~~~~~~~~~~~~~

37 37 41 44

3. - Colégio dos Consultores ~~~~~~~~~~~~~ 47 4. - Conselho Pastoral ~~~~~~~~~~~~~~~~~ 52 4.1 - Visão histórica e fundamentos ~~~~~~ 52 4.2 - A normativa atual ~~~~~~~~~~~~~~ 55 5. - Cabido dos Cônegos ~~~~~~~~~~~~~~~~ 58 5.1 - Pequena visão histórica ~~~~~~~~~~~ 58 5.2 - A normativa do Código ~~~~~~~~~~ 60 LEGISLAÇÃO ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ 62


69

II. Funções de Coordenação Geral 1. - O Vigário geral e o Vigário episcopal ~~~~~ 69

1.1 - Noção histórica ~~~~~~~~~~~~~~~~ 69

1.2 - Normativa atual ~~~~~~~~~~~~~~~~ 71

2. - Vigário forâneo ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ 74

2.1 - Noção histórica ~~~~~~~~~~~~~~~~ 74

2.2 - Normativa atual ~~~~~~~~~~~~~~~~ 76

LEGISLAÇÃO ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ 78

81

III. Governo Diocesano 1. - Cúria Diocesana ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ 81

1.1 - Visão histórica ~~~~~~~~~~~~~~~~~ 81

1.2 - Noção e funções ~~~~~~~~~~~~~~~ 83 1.3 - Titulares, nomeação e requisitos ~~~~~ 84

1.4 - Coordenação: Bispo, Moderador, Conselho 85

1.5 - O valor jurídico dos atos curiais ~~~~~ 85

1.6 - Oficiais da Cúria ~~~~~~~~~~~~~~~ 86

1.7 - Os arquivos diocesanos ~~~~~~~~~~~ 87

LEGISLAÇÃO ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ 92

97

IV. Paróquia: Célula Fundamental da Diocese 1. - A paróquia ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~ 97

1.1 - Noção histórica ~~~~~~~~~~~~~~~~ 97

1.2 - Normativa atual ~~~~~~~~~~~~~~~~101


2. - O Pároco ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~102 2.1 - Figura e noção ~~~~~~~~~~~~~~~~~102

2.2 - Designação e provisão da paróquia ~~~104

2.3 - Requisitos para indicação de Párocos~~105

2.4 - Tomada de posse ~~~~~~~~~~~~~~~105

2.5 - Cessação do ofício ~~~~~~~~~~~~~~106

3. - O Vigário paroquial e organismos paroquiais ~~106 3.1 - Vigário paroquial ~~~~~~~~~~~~~~~~~106 3.2 - Conselho pastoral paroquial~~~~~~~~~~107 3.3 - O conselho paroquial para assuntos econômicos ~~~~~~~~~~~~~~~108 4. Destituição e transferência de Pároco ~~~~~~~~108 4.1 - Contexto ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~108 4.2 - Destituição ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~108 4.3 - As fases do procedimento ~~~~~~~~~~~~109 4.4 - Transferência~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~110 LEGISLAÇÃO~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~111

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Referências bibliográficas



Apresentação

P

ara analisarmos as estruturas diocesanas, hoje, é importante revermos o contexto hístórico-doutrinal em que elas atuam. Em primeiro lugar, veremos rapidamente o conceito eclesiológico do Código anterior, a seguir, a revirada conciliar, finalmente consolidada no atual Código.

1. - Visão eclesiológica do Código de 1917 As “divisões territoriais”1 maiores eram contempladas na Secção II {Os clérigos em particular} da Parte 1 {Os clérigos}, do Livro II De Personis, enquanto objeto de poder da suprema autoridade eclesiástica. Compete exclusivamente à suprema potestade eclesiástica erigir, mudar os limites, dividir, unir e suprimir as províncias eclesiásticas, diocesanas, abadias ou prelazias “nullius”, vicariatos apostólicos e prefeituras apostólicas.

E, à Diocese, sempre vista do ponto de vista territorial, competia a divisão interna, atribuindo a cada parte uma Igreja própria com seu povo. 1

Cf. Cc 215-220.

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Divide-se o território de cada Diocese cm partes territoriais distintas, designando a cada uma delas sua Igreja própria, com sua população determinada, e pondo à frente delas um reitor especial como pastor próprio da mesma, para a necessária cura de almas.

O critério territorial era de tal maneira forte que: Sem especial indulto apostólico, não podem ser constituidas paróquias tendo em vista a diversidade de lingua ou de nacionalidade dos fiéis que vivem em um mesmo território ou em uma mesma cidade, nem paróquias meramente familiares ou pessoais; no que diz respeito às já constituidas, nada deve ser inovado sem se consultar a Sé Apostólica.

Tal divisão era competência do Bispo. E a definição dogmática-juridica do Bispo incluia também o mesmo aspecto territorial, embora aludindo a peculiaridade daquela porção territorial. [cc. 217 e 218, 2]. Os Bispos são sucessores dos Apóstolos, e por instituição divina estão colocados à frente de Igrejas particulares, governando-as com potestade ordinária sob a autoridade do Pontífice Romano.

O que era considerado. na tradição do ocidente latino, a partir do ano mil, era a igreja universal, dirigida pelo Pontífice Romano, visão parcial e em certo modo abstrata, deixando na sombra a comunhão das Igrejas particulares, de tão rica conotação nos primeiros séculos o Cristianismo.

2. - A eclesiologia do Vaticano II A constituição dogmática “Lumem Gentium2” recupera, na linha de uma corrente teológica, desenvolvida sobretudo, a partir da primeira metade do último século, a noção mais ampla de Igreja vista 2

LG n 23

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não mais como realidade universal, dividida em territórios, mas como comunhão de Igrejas particulares. A união colegial aparece também nas mútuas relações de cada Bispo com as Igrejas particulares e com a Igreja universal.... E os Bispos individualmente são o visivel princípio e fundamento da unidade em suas Igrejas particulares, formadas à imagem da Igreja universal, nas quais e pelas quais subsiste a Igreja católica, una e única.

E a definição de conceito de Diocese3 sofre, com relação ao Código anterior, uma substancial mudança de perspectiva: É a porção do povo de Deus confiada a um Bispo para que a pastoreie em cooperação com o presbitério. ... Nela verdadeiramente reside e opera a una, santa, católica e apostólica Igreja de Cristo.

Podem-se resumir os elementos essenciais desta visão da Igreja: a) Igreja particular e igreja universal não são duas realidades distintas ou diversas, muito menos contrapostas, mas urna realidade única; nas Igrejas particulares está e subsiste a Igreja universal, de outro lado, a igreja particular é impensável sem a sua referência basilar á Igreja universal; b) a Igreja universal não é a soma das Igrejas particulares ou a sua confederação sob a autoridade do Pontífice Romano; juntas formam em comunhão um organismo unitário, o Corpo de Cristo; c) a Igreja particular não é uma mera representação da igreja universal; ela é a própria Igreja universal que vive e aje em um determinado lugar e em uma determinada comunidade de fiéis; d) a Igreja particular não é uma secção da Igreja universal; ela é porção do povo de Deus; nela todas as propriedades essenciais, todos 3

Núcleo básico da noção de igreja particular é, originalmente, a Diocese, como indica claramente o Decreto Christus Dominus [n. 11], noção que será retomada depois pelo Código no cânone 369.

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os elementos constitutivos estão presentes: é parte que contem o todo. A Igreja de Cristo, una, santa , católica e apostólica está presente na plenitude de seus ministérios em todas e em cada urna das Igrejas particulares. e) a Igreja particular é, desta forma, a manifestação concreta da Igreja universal em um determinado espaço pessoal-territorial, em uma porção do povo de Deus determinada: a conotação total é característica do Novo Testamento: a Igreja que esta em 1Cor. 1, 2 {LG. 26, 1} Entende-se assim, que na eclesiologia do Vaticano II, privilegie-se a dimensão de communio com todas as suas consequências, já estudas certamente nos princípios fundamentais da igualdade dos fiéis pelo Batismo e da variedade dos modos e formas de vivê-la e de exercer a única missão salvifica da Igreja, como também do princípio hierárquico que, por vontade fundacional de Cristo, encontra-se á base da própria organização eclesial, mas do poder ministerial entendido como serviço e, não podemos esquecer ainda, da subsidiariedade que deve existir entre todas as formas de atualização das três missões, seja por via hierárquica ou não.

3. - A normativa do Código Nesse quadro de referência que é dado pelo Vaticano II, a legislação atual: a) afirma a Diocese como principio básico da organização eclesiástica, mas modificando o visual da territoriedade, acentuando agora a portio populi Dei; são seus elementos constitutivos: uma porção determinada do povo de Deus, o pastor próprio e um seu presbitério; b) ao mesmo tempo, amplia o conceito a outras realidades que são, pelo Direito, equiparadas á Diocese: prelazias territoriais, abadias territoriais, vicariatos apostólicos e prefeituras apostólicas, ou ainda a administração apostólica erigida de maneira estável (e não apenas como intervenção passageira); PAULO J. TAPAJÓS 

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c) autoridade competente para ereção das Igrejas particulares é o Romano Pontífice. d) a normativa de posterior organização ao interno da própria Diocese obedece a situações pastorais. e) tenha-se presente a existência de outras realidades que, ainda que componham a organização diocesana, são reguladas em outras partes do Código, como os seminários e as atividades judiciárias; f) interferirão igualmente, na organização diocesana, organismos supradiocesanos como as orientações das Conferências Episcopais ou ações interdiocesanas; g) finalmente, pode-se perceber a preocupação do Legislador na distribuição dos títulos referentes às Igrejas particulares, ao separar as atribuições do seu Bispo da sua própria organização interna e, ao trazer para ela a efetiva participação dos clérigos e dos fiéis em geral. É nesse espírito que passaremos a estudar o Titulo III, da Organização interna das Igrejas particulares, da Parte II do Livro II. do Povo de Deus. Sem seguir rigorosamente a sequência do Código a matéria em questão foi agrupada em quatro núcleos básicos. A primeira parte abrange o conjunto dos organismos que, nas Igrejas particulares tem especial participação na ação pastoral do Bispo Diocesano. Na segunda parte são consideradas as funções de coordenação geral na Diocese. A Cúria, com seu conjunto de pessoas e ofícios que ajudam o Bispo no governo, conceitue a terceira parte. E finalmente, na quarta parte, a Paróquia como articulação básica da Diocese através da qual a Igreja-instituição se torna Igreja-comunidade.

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Níveis de Comunhão na Organização da Igreja

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Correspondência Codicial 1983 917 460 356/362 461 356 462 357 463 358 464 359 465 361 466 362 467 ---- 468 ---- 469 363 470 366, 2 e 372, 1 471 364 472 365 473/474 ---- 475 366 476 ---- 477 366, 2 e 3 478 367 479 368 480 369 481 371 482 372 483 373 484 374 485 373, 5 486 375 487 377 488 378 489 379 490 379,3 e 382 491 383 492 1520

CCEO 235 236 237 238 239 240 241 242 237 243 244 ---------245 246 247 247 248 249 251 252 253 254 255 256 257 258 259 260 261 263

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493 ---- 494 ---- 495 ---- 496 ---- 497 ---- 498 ---- 499 ---- 500 ---- 501 ---- 502 ---- 503 391, 1 504 392 505 410 506 392 e 394, 1 507 392, 2 e 394 508 401 509 404 510 402 511 ---- 512 ---- 513 ---- 514 ---- 515 215/216 516 216, 3 517 ---- 518 ---- 519 451 520 452 e 471 521 453 522 454 523 455 524 458/459 525 ---- 526 460 527 461 528 ---- PAULO J. TAPAJÓS 

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263 262 264 265 266 267 268 269 270 271 ------------------------272 273 274 275 280 ------280 281 282 284/285 284 284 285 286 287 288 289


529 467/468 530 462 531 463, 3 532 ---- 533 465 534 466 535 470 536 ---- 537 ---- 538 ---- 539 ---- 540 473 541 475; 458; 472; 1093, 2 542 453/454; 458/459 543/544 ---- 545/552 471/478 545/547 ---- 548 ---- 549 ---- 550 ---- 551 ---- 552 ---- 553 445 554 446 555 447/449 556 479 557 480 558 481 559 482 560 483 561 484, 1 562 485 563 486 564/572 518/530

289 290 291 ---292 294 296 295 295 297 298 299 300 ---------301 302 ---302 ---303 ---------304 305 306 306 307 308 309 310 ----

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Introdução

N

a conclusão da Apresentação a este estudo, observávamos a preocupação do legislador em tratar separadamente as atribuições dos Bispos como membros do Colégio, e como tais, com funções magisteriais e pastorais na Igreja universal, diversamente enquanto atuam quando à frente de uma Igreja particular, limitando sua jurisdição aos membros, exigências e condições próprias de uma porção do povo de Deus.

Refletindo a afirmação de Lumem Gentium {n.27} sobre o sentido pleno da consagração episcopal “regerem como vigários e legados de Cristo as Igrejas particulares que lhes foram confiadas”, Lombardia [2008, p. 137] destaca A doutrina do Concílio Vaticano II acerca da Sacramentalidade e da colegialidade do episcopado positivou uma das linhas fundamentais para a compreensão constitucional da Igreja universal, mostrando a harmonia entre a vida eclesial que flui do ministério sacramental do sacerdócio dos Bispos e da fundamentação do regime jurídico da Igreja-sociedade.

A feliz expressão Igreja-sacramento, consagrada no pós Concilio para melhor precisar esta nova percepção eclesiológica, para assim Direito Eclesial – ORGANIZAÇÃO INTERNA DA IGREJA PARTICULAR 

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definir o também novo direito eclesial, na expressão de Paulo VI como o “direito de comunhão”, enquanto sustenta esta dupla dimensão social e carismática, na harmonia de sua unidade e diversidade, que o Código, positivou no cânon 205: neste mundo, estão plenamente na comunhão da Igreja católica os batizados que se unem a Cristo na estrutura visível, ou seja, pelos vínculos da profissão da fé, dos sacramentos e do regime eclesiástico4. Podemos então concluir com Ghirlanda [1998, p.117]: Sempre se acham dois elementos especificativos em relação a Igreja como comunhão católica ou eclesiástica quer universal, particular ou local ; 1} o povo de Deus que em si mesmo é um elemento essencial, mas torna-se específico se considerado em sua totalidade ou numa sua porção; 2} o órgão do governo que também por si mesmo é um elemento essencial, porque para se ter a Igreja é necessário haver quem esteja investido do sagrado ministério.

Desta realidade neste central e rico conceito de “comunhão” que se concretiza pela unidade e diversidade do povo de Deus tanto na sua constituição5 como na sua organização6, derivará uma dupla situação significativamente presente na organização da Igreja particular que exige introdutórias considerações quer para seu entendimento teórico como nas circunstâncias de aplicação prática. Queremos nos referir aos atributos de colegialidade, participação e corresponsabilidade ainda que 4

O texto deste cânon corresponde, em grande parte, ao n. 14 da LG, mas melhorando o seu conteúdo teológico. Lá, de fato, se falava de “incorporação à Igreja católica’’ (que é um conceito jurídico); aqui se trata da “comunhão plena, neste mundo”, o que é mais exato, do ponto de vista teológico. Advirta-se que não se trata de uma pura união visível (no sentido da velha definição de Bellarmino), mas que se alude também a um elemento interno: “unem-se com Cristo”. Comentários Hortal, CIC LOY

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Segundo a própria condição, todos são chamados a exercer a missão que Deus confiou a Igreja {c. 204}

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Segundo as prescrições do direito {os fieis} cumpram os deveres que têm com a Igreja, quer universal, quer particular a que pertencem {c. 209}

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siano i termini piú diffusi nel linguaggio post-conciliare, il loro significato proprio ed il loro respettivo campo di applicazione in seno ad una Chiesa particolare sono piú ristretti e limitati di quanto si pensi ... il sostantivo astratto collegialità non é adeguato per compendere le modalità con cui il principio della “communio” determina l´esercizio del potere nella Chiesa, perché sotto un profilo stretamente giuridico sono collegiali solo gli atti in cui la volontà dei singoli, perdendo la propria rilevanza auntonoma, é integrata nella volontà del collegio quale unico soggetto responsabile della decisione presa. Nella Chiesa sono dunque pochi e rari gli atti veramente collegiali, anche perché il potere ecclesiale é fondato sul sacramento dell´ordine, conferito esclusivamente a persone fisiche. [GEROSA, 1991, p. 96];

e quanto ao termo “participação”, este mesmo canonista observará presta il fianco a interpretazioni di non meno dificile applicazione in campo ecclesiale. Infatti, secondo le piú recenti analisi delle sue evoluzioni semantiche, con esso si indica un fenomeno complesso e poliedrico che presenta dimensioni e significati diversi a seconda dell´angolo visuale da cui lo si considera: giuridico, sociale, economico o politico.

Em vista destas considerações, parecem-nos então oportunas algumas reflexões preparatórias para o entendimento posterior dos organismos presentes na estrutura da Igreja particular quando ao modo de suas atuações enquanto Conselhos com manifestações de caráter consultivo ou deliberativo no governo desta Igreja.

1. - Colégio e grupo Como ocorre em outras passagens do Código, a utilização de certos termos não apresenta uniformidade de sentido e conceituação, podendo assim resultar em menos precisa compreensão de aplicações práticas e até mesmo consequências jurídicas. Neste nosso tema de Direito Eclesial – ORGANIZAÇÃO INTERNA DA IGREJA PARTICULAR 

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estudo, verifica-se a presença de diversos organismos coletivos na organização interna da Igreja particular, com atribuições próprias de cooperação e participação em seu governo. Tratando-se de coletividades de pessoas enquadra-se obviamente na identificação de pessoas jurídicas, tendo como ponto de partida o cânon 115 que apresenta esta distinção entre “pessoas colegiais e não colegiais”, definindo a primeira pelo fato de seus membros concorrerem igualmente para tomada de decisões e a atuação do colégio.7 Apenas como observação complementar mas oportuna, temos deste canonista agora referido, consideração prática quanto a utilidade da proteção civil, para a atuação destas pessoas jurídicas8. A expressão colégio ou poder colegial, desde a “Lumem Gentium” alimentou discussões teológicas, exigindo anexar-se uma “nota prévia explicativa” a esta primeira Constituição Dogmática do Concilio, ainda que se referindo expressamente ao Colégio Episcopal9. 7

Para entender o conceito de colégio, lembre-se a velha definição do Direito romano: “collegae sunt eiusdem potestatis”: todos participam do poder, mesmo que seja em grau diverso. Por isso, todos os membros tomam parte nas decisões. [Hortal, CIC.LOY]

8

Tenha-se presente que, em todos estes cânones, se trata exclusivamente da personalidade “canônica”, que pode coincidir ou não com a civil. O ideal seria uma harmonização entre as duas legislações. Não sendo isso possível, o costume que prevaleceu no Brasil (exceto no caso das dioceses, que são pessoas jurídicas civis pelo próprio direito) foi o de constituir associações ou fundações, de acordo com a legislação civil, paralelas às pessoas jurídicas canônicas. Assim fazem, por exemplo, os religiosos. Deveria, porém, advertir-se que a realidade profunda a ser vivida é a canônica e que a chamada ‘’sociedade’’ é apenas o ‘’braço secular”. Por isso, as decisões tomadas mediante os órgãos legítimos de acordo com a legislação canônica devem ser traduzidas ao plano civil e não vice-versa.

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O Sumo Pontífice, visto ser o Pastor supremo da Igreja, pode exercer, como lhe aprouver, o seu poder ern todo o tempo; exige-o o próprio cargo. O Colégio, porém, embora exista sempre, nem por isso age permanentemente com uma acção estritamente colegial, conforme consta da Tradição da Igreja.Por outras palavras, não está sempre «em exercício pleno”. Mais ainda: somente por intervalos age de uma maneira estritamente colegial e nunca sem o consentimento da Cabeça. Diz-se, porém, “com o consentimento da Cabeça” para que não se pense numa dependência de pessoa por assim dizer estranha; o termo “consentimento” evoca, pelo contrário, a comunhão entre a Cabeça. e os membros e implica a necessidade do acto que é próprio da Cabeça. Isto é afirmado explicitamente no número 22 e explicado no mesmo lugar. A fórmula negativa “a não ser” compreende todos os casos, e assim é evidente que as normas aprovadas pela Autoridade suprema devem ser sempre observadas.

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O temo “colégio” de forma explicita na atual legislação, aplica-se ao Colégio dos Bispos10, Colégio dos Cardeais11, Colégio dos Consultores12, mas por outro lado, sempre que a legislação relaciona a participação de várias pessoas na realização de certos atos jurídicos, a expressão coetus estará sempre acompanhada desta outra “colégio” que torna imprecisa a significação das manifestações de tais grupos, como atuação individuais ou grupal {colegial}. Nesta nossa temática específica da organização interna das Igrejas particulares, vamos encontrar vários organismos que agem e se manifestam grupalmente, como os Conselhos diocesanos e paroquiais, o Sínodo diocesano, o Conselho Episcopal diocesano, tendo novamente presente o principio do c 115 anteriormente citado collegialis, si eius actionem determinant membra, in decisionibus ferendis concurrentia. Se, ainda assim, a identificação é de mais simples percepção, a de grupo de pessoas {coetus} se mostrará muito mais diversificada e ampla para precisar quando se trata de verdadeira ação grupal ou individual de seus membros. Este termo pode se referir à diversidade de classes sociais13 ou grupos de fiéis14, organismos que congreguem Igrejas particulares15, Sínodo dos Bispos e suas assembleias16, assim como a organismos estatutariamente organizados, como Conferências Episcopais, Províncias eclesiásticas, Foranias, etc.

2. - Parecer e consentimento A legislação canônica estabelece, mesmo reconhecendo as capacidades e competências das autoridades superiores em seu poder 10 Cf. cc. 330; 336-341 11 Cf. cc. 349-359 12 Cf. c. 502 13 Cf. c. 294 14 Cf. c. 479 15 Cf. c. 333 16 Cf. c. 342

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jurisdicional próprio e discricionário no exercício de suas funções de governo, algumas condicionantes para certas situações desta ação, exigindo inclusive para validade dos atos praticados a obtenção de pareceres ou até mesmo consentimento, de pessoas ou de grupos “para ayudar al Superior a evitar decisiones irreflexivas o erróneas en casos delicados... assegurando una más ampla cooperación en el processo de toma de decisiones” [THERIAULT, 1997 p. 831]. Para desenvolver algumas considerações sobre esta questão, tenhamos presente a norma geral estabelecida no c. 127 § 1. Quando é estatuído pelo direito que, para praticar certos atos, o Superior necessita do consentimento ou conselho de algum colégio ou grupo de pessoas, o colégio ou grupo deve ser convocado de acordo com cân. 166, a não ser que haja determinação contrária do direito particular ou próprio, quando se tratar unicamente de pedir conselho. Mas, para que os atos sejam válidos, requer-se que se obtenha o consentimento da maioria absoluta dos presentes, ou se peça o conselho de todos. § 2. Quando é estatuído pelo direito que, para praticar certos atos, o Superior necessita do consentimento ou conselho de algumas pessoas tomadas individualmente: 1°- se for exigido consentimento, é inválido o ato do Superior que não pedir o consentimento dessas pessoas ou que agir contra o voto de todas ou de algumas delas; 2°- se for exigido conselho, é inválido o ato do Superior que não ouvir essas pessoas; o Superior, embora não tenha nenhuma obrigação de ater-se ao voto delas, mesmo unânime, todavia, sem uma razão que seja superior, segundo o próprio juízo, não se afaste do voto delas, principalmente se unânime. § 3. Todos aqueles cujo consentimento ou conselho é requerido devem manifestar sinceramente a própria opinião e, se a gravidade do negócio o exige, guardar diligentemente o segredo; essa obrigação pode ser urgida pelo Superior.

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Encontramos aqui uma ampla diversidade de alternativas de procedimento a serem observadas pela autoridade, a partir da distinção primeira entre “parecer” = voto consultivo e “consentimento” = voto deliberativo. a) Voto consultivo Começando pelo voto consultivo que parece mais simples e não obriga um procedimento subsequente vinculado, ainda porque poderá ocorrer determinações próprias de legislações particulares, com v.g. as constituições de Institutos religiosos, a primeira obrigação é de que todos devem ser consultados para a validade do ato. A norma parece determinar dois procedimentos: convocar quem deve se manifestar e ouvi-las, parecendo dispensar de convocação na hipótese de se “tratar unicamente de pedir conselho”. Cremos que devamos distinguir quando se tratar de um grupo ou na situação do parágrafo segundo, se tratar de pessoas tomadas individualmente. Na primeira hipótese, pela determinação do ítem 2º, do mesmo parágrafo, a manifestação deveria realizar-se em reunião do grupo, para garantia de que todos do grupo tenham se manifestado17, ainda que a autoridade não esteja obrigada a seguir a opinião majoritária ou mesmo unânime, mas com a ressalva posta pela lei, “sem uma razão que seja superior”, entendendo-se no contexto desta normativa que tal razão deva ser apresentada ao grupo. Em síntese, considerando as determinações desta normativa em sua combinação com o cânon 166 ao qual faz referência, seriam os procedimentos cabíveis, para a validade dos atos praticados pelo Superior: a. exigência de participação de todos os membros do Conselho ou do Grupo possam se manifestar, daí a obrigação de que todos tenham sido convocados, tornando-se nula ispo iure a não 17 O canonista Thériault, citado anteriormente, apresenta uma interpretação bem mais categórica quanto a essa exigência:”Si hay convocatória, es preciso que esta vaya seguida de la reunión de todos los membros en um mismo lugar. Un contacto telefónico individual entre el Superior y cada miembro del colegio o grupo sucesivamente non cumpliria el objetivo da le ley, puesto que de ese modo no puede haver discusión entre las personas consultadas.

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convocação superior a um terço do grupo, a não ser que estes se façam presentes, assim como quando alguém que não tenha sido convocado, recorra no prazo legal; b. os estatutos do Colégio ou do Grupo devem estabelecer os modos previstos de convocação; c. ainda que o Bispo diocesano seja competente para dispensar de leis disciplinares18, tal faculdade não pode ser invocada para não convocação, como positivamente determina o cân 86, “não são susceptíveis de dispensa as leis enquanto definem as coisas essencialmente constitutivas dos institutos ou dos atos jurídico”, e parece evidente estarmos diante de elemento constitutivo de possibilidade de exercício de ato jurídico. d. a possibilidade do Superior em exigir assim como a obrigação dos membros em manifestar suas opiniões, não parece excluir a alternativa de abstenção de algum membro, que de todo modo não deixa de ser uma manifestação, provocada talvez por falta de elementos suficientes para uma posição definida sobre a questão em pauta. e. enfim, permanece sempre a prevalência do Superior, mesmo com manifestação de maioria e até unânime, em agir contra a opinião do Colégio ou do Grupo.

b) Voto deliberativo Como já observado anteriormente, a exigência agora de consentimento se apresenta mais complexa já que, de alguma forma há um cerceamento à autonomia absoluta no agir do Superior. O ponto de partida por isso mesmo, será de que estes votos se caracterizarão sempre pelo seu sentido negativo, isto é, podem impedir a ação do Superior mas não lhe podem obrigar a um agir determinado, mesmo quando lhe for favorável o resultado da consulta. 18 Cf. c. 87

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Pela própria gravidade das questões que devam submeter-se a consentimento, as exigências de sua observância são igualmente mais graves, tornando inválidos os atos do Superior que não as observar, não cabendo agora o recurso ao suo iudicio aestimanda. Como a legislação coloca a dupla hipótese de o consentimento poder resultar de uma consulta colegial ou pessoal, na primeira depende da maioria enquanto na segunda a concordância teria que ser de todas as pessoas que devam ser ouvidas19. Quando se tratar porém de consulta a um grupo colegiado, será a maioria que definirá a questão. Já que a lei não fala maioria qualificada, esta resultará consequentemente, de metade mais um dos presentes; não dos votantes o que nos permite concluir que devem constar no cálculo da maioria exigida, como votos negativos, as abstenções que possam ocorrer, já que a busca do Superior que consulta este Conselho ou Grupo é a autorização para algum procedimento e, evidentemente não se pode considerar a não manifestação como assentimento. Outra situação bastante possível de ocorrência seria a situação de empate nos votos manifestados. Como se trata de se obter de um grupo o consentimento para determinado ato, parece óbvio que não caberia a aplicação do chamado “voto de minerva” por parte do Superior; não teria o menor sentido que quem pede um consentimento possa se manifestar na sua concessão20. Mais complexa ainda, e também não tão rara, seria as situações que obrigam ao Superior a consulta a mais de um Colégio {Presbiteral e Econômico por exemplo} e as decisões neles resultassem opostas. Aqui também não caberia ao Superior escolher quais dos Conselhos seguir; simplesmente estaria impedido de agir, visto que a lei determina que obtenha o consentimento dos Colégios, e um deles na hipótese, não lhe concedeu esta aprovação. 19 Assim se expressa Chiapetta [1989, p.165] “Non puó, similimente agire contro il loro voto o anche contro il voto di una sola di esse; se lo facesse, l´atto sarebbe invalido”. 20 Veja-se a manifestação positiva do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos [AAS LXXVII {1985} 771] Utrum cum iure statuatur ad actus ponendos Superiorem indigere consensu alicuius Collegii vel personarum coetus, ad normam can. 127, §1, ipse Superior ius habeat ferendi suffragium cum aliis, saltem ad paritatem suffragiorum dirimendam. = NEGATIVAMENTE

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c) Exigências Além das já referidas quando tratamos do voto consultivo e das que serão citadas posteriormente neste estudo, quando considerarmos a constituições dos organismos coletivos na esfera da Igreja particular, a legislação universal identifica bem poucas situações em que se deva proceder a consultas, competindo pois às legislações particulares quer das próprias Igrejas particulares, como de quaisquer outras pessoas jurídicas definirem em seus Estatutos, tais oportunidades21. Apenas como informação complementar sobre tais exigências em outros temas da legislação, podemos identificar: consentimento – celebração de Concilio provincial {c. 442} – institutos religiosos {cc. 665, 686, 690} – redução de Igreja para uso profano {c. 1222} conselho – do Promotor de justiça para afastamento do réu de seus ofícios, ainda na fase inicial do processo {c.1722} – para nomeação de Capelão em casa de Instituto religioso {c.567} – para estabelecer Pia batismal em Igrejas não paroquiais {c.858}.

21 Ao tratar das competências do Conselho Presbiteral em seu segundo parágrafo, o cânon 500 indica que este Conselho tem voto somente consultivo, acrescentando que o Bispo diocesano ouça-o em questões de maior importância, sem precisa-las e excetuando que precisa do seu consentimento nos casos expressamente determinados pelo direito.

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