Antonia Krapp
Copyright © Antônia Krapp Tavares, 2005 antoniak@uninet.com.br
Editor João Baptista Pinto Capa Luiz Henrique Sales Editoração Eletrônica Claudete Stevanato Revisão Rita Luppi
Cip-Brasil. Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. K91d Krapp, Antonia, 1934Dom de amar / Antônia Krapp. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2005 il. ISBN 85-8656876-7 1. Krapp, Antônia, 1934-. 2. Professores - Brasil - Biografia. 3. Amor. 4. Relações humanas. I. Título. 05-2984. CDD 869.98 CDU 821.134.3(81)-94 20.09.05
22.09.05
Letra Capital Editora Telefone (21) 2224-7071 / 2215-3781 www.letracapital.com.br
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À Maria Santíssima, mãe de ternura e todo amor. Foi de Maria que o Filho de Deus recebeu a fisionomia, o sorriso, o primeiro afeto, o primeiro alimento e as primeiras palavras, o beijo, o abraço. No rosto de Maria ele reconheceu os traços de sua humanidade e nos amou com ela! Aos meus avós: Maria dos Passos Carneiro de Araújo e Manoel Lourenço de Araújo e Maria Kathinka Winkel Krapp e August Hermann Anton Krapp. Com meus pais aprendi a rezar. Eles foram ensinados por esses avós que rezavam.
GRATIDÃO Mergulhei no espaço além das nuvens, procurando estrelas. Com minhas mãos abrindo sacrários, segurei cada estrela, colocando no coração a luz que me ofereciam para me iluminar. Minhas lágrimas brilharam e a escuridão se transformou em cores. Dentro do sonho as estrelas abriram fendas onde fui acolhida e protegida. No coração de cada pessoa que me lê há o vestígio de estrelas que encontrei. Agradeço a luz que me deram e distribuíram. São histórias guardadas com afeto, nas trilhas da memória. Atadas nos laços da vida e da morte, celebrando partilhas. Partilha do pão da palavra, tão necessário, às vezes sem eco e escasso, outras vezes silenciosamente oculto! Alimento precioso o pão da palavra. Sustenta e alegra tanto quanto o pão nosso de cada dia. Oráculo de resistência e construção. À todos que me alimentam com pão e palavra a minha gratidão.
Sumário Apresentação................................................13 Quatro meninos...........................................15 Ausência.......................................................17 Para você.......................................................19 Amar.............................................................21 A gruta do Maratá........................................25 O canto da coruja.........................................29 O rio.............................................................33 A caça............................................................37 Brasileira......................................................39 O nevoeiro....................................................41 O sótão.........................................................44 Pequena grande história...............................47 O trem..........................................................49 Medo............................................................53 O olho na janela...........................................57 Maria Mãe dos Homens...............................60 A mãe............................................................71 Salvação da família.......................................77
Desamor e perdão........................................81 É só olhar.....................................................84 Criança, avós e netos....................................86 Netos............................................................91 A memória basta...........................................93 Auszwitch......................................................94 Para não esquecer.........................................97 Uma carta.....................................................99 O corpo......................................................102 O Pão de Santo Antônio.............................106 Natal...........................................................109 O vestido....................................................116
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Antônia Krapp
Apresentação
Pa
rece que às vezes nem convém escrever sobre amar. Ou amor. Não existem palavras. Mas as palavras ajudam a
exprimir o que sentimos. Elas podem nos ajudar a amar mais e amar mutuamente. Aquele que ama, antes de tudo, escuta. Procura compreender o outro. Por que sente o tesouro do outro. Escondido esse tesouro, não fica mais quieto, procura de todos os modos fazer algo para tê-lo, preservá-lo e cuidar, zelar por ele. Assim é o amor verdadeiro. Se doar pelo outro; fazer tudo pelo outro. Me dando totalmente pelo outro pareço perder-me totalmente. Fica talvez o nada. O que sobra para mim se dou tudo? Esse é o amor verdadeiro. Sendo verdadeiro, percebo que se estou ligado totalmente, fica uma renúncia. Mas, por outro lado, por esta renúncia eu recebo tudo de volta, o outro que amo tanto e o seu amor por mim. Só aquele que perde a sua vida ganha a sua vida. As linhas e as histórias que seguem neste livro precioso servem de guia e modelos para viver melhor nossas fases mais alegres e, às vezes, as mais dolorosas. Dom de Amar
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Parabenizo a autora – que tive a honra e o prazer de conhecer há quase meio século, sendo minha aluna na PUC, Rio de Janeiro. Apesar das distâncias e do tempo, mantivemos sempre contato, com ela, seu caro marido, Necésio José Meirelles Tavares, e sua família tão amada. Penso que este livro é como um tesouro guardado e encontrado, no momento certo, para ser-nos oferecido. Pe. Antonius Benkö S.J. - Budapest, 15/06/2005
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Quatro Meninos “Que seja o amor o tema de nossa canção.” Goethe
Crianças de quatro a sete anos. Nosso encontro, nosso olhar, nossa palavra. Eles me ofereciam água e sabão, um trapo limpo para lavar o túmulo num dia de Finados. Nada mais simples. Nada tão humano, amoroso e terno. Eu não podia aceitar o trabalho deles, não trazia dinheiro comigo. Mas eles não se importavam com isso. Não era a moeda que tinha valor. Era o acolhimento. Queriam me ajudar, lavando tudo. As letras de bronze tinham sido roubadas, mas sobraram algumas soltas e eles as depositaram nas minhas mãos. Agradecida, contei-lhes uma história. Aquela do Eco, que nos devolve a palavra. Ouviram alegres, atentos e gratos. Rezamos de mãos dadas. Com o carinho de um abraço e um beijo nos despedimos. Eram tão especiais, gentis, perfumados e afetuosos. Voltando para minha casa lavei as letras e a estrela. Quando juntei as letras apareceu a palavra AMAR. Quatro letras brilhantes e limpas aquecendo minhas mãos e o meu coração. AMAR, um significado impactante para mim naquele momento. A confirmação numa palavra, de tudo o que sempre acreditei. Uma mensagem! Eu saíra de casa numa expectativa de dor, luto e perda. Havia força sim, mas uma amargura monumental me fazia sentir terrivelmente magoada. Sei que Dom de Amar
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a passagem é definitiva a cada momento, no silêncio e na solidão de cada um. Porém, amar revela caminhos para reinos de paz e alegrias. Um trabalho tão humilde: lavar sepulturas num dia de Finados ou não. Eu também lavo, lustro, enfeito, mas é o jazigo que tem um nome, o da minha família. De repente, esse trabalho revelou para mim uma proporção tão diferente, uma dimensão inusitada de esperança. Estar ali naquele instante me devolveu a crença de que tudo o que acontece tem um propósito. Nada é coincidência pura! Aqueles meninos me deram a mensagem que eu precisava, mas não sabia onde buscar e nem quem me daria. Dentro do meu abismo interior, essa mensagem trouxe um imenso conforto numa hora de perplexidade, e ficou para repartir. Com histórias podemos amenizar preconceitos, demolir barreiras, abrir novos caminhos para melhorar e alterar a realidade, criando sonhos e utopias. É bom ouvir e contar... AMAR modifica, convence e engrandece. Eu acredito!
“Para fazer uma pradaria é preciso: um trevo, uma abelha e a fantasia. Se o trevo murcha e a abelha se afasta, a fantasia basta”. De uma poetisa alemã da Idade Média
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Ausência À Necesio José Meirelles Tavares
Lembro coisas assim, para exorcizar sua ausência. Ausência que a morte fortalece e entristece. Lembro coisas assim, como o sorriso, as palavras, o olhar. No começo do dia, de manhã, a saída para o trabalho. Todo um ritual de gestos e rotinas. Seu regresso no final da tarde. Mansamente. Silenciosamente. Olhando tudo carinhosamente. Recebendo o abraço e abraçando. Beijando amorosamente. A sede por água e a sede por convívio e partilha. Lembro coisas assim, para conservar sua presença. Ele que viveu bondosamente, sem magoar nem em pensamentos nem em atos. Tinha passos tranqüilos sem pisar ninguém. Encontrando seu mundo dentro de nossa casa, nos sons e aromas. Consertando tudo, até o coração, as saudades de outras ausências. Na sua oficina, procurava, arrumava e desarrumava, parafusos, roscas, chaves de fenda e de grifa, pilhas, pregos, lâmpadas etc. etc. Falava nos filhos, nas noras e se alegrava com os netos. Lembrava seus irmãos, a família toda, os amigos. Silenciava. Pensava. Lia os jornais. Lembro coisas assim para conservar comigo a sua serenidade. A magnitude de sua beleza revelada mais intensamente Dom de Amar
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nos momentos difíceis. Lembro coisas assim, porque o que dele ficou é bom e belo. A saudade segura sua imagem e assegura o amor por ele. Lembro coisas assim, para disfarçar e serenar sua ausência. A brincadeira dos filhos na aposta de quem seria o primeiro a ver o pai, quando ele chegava. Escondiam-se, na árvore junto ao portão, no armário debaixo da escada, sob a mesa puxando a toalha. Um dia, o mais velho, mais afoito, ameaçou subir no telhado. Seria sempre o primeiro. Então, encerrando as apostas, o pai carinhoso propôs que daquele dia em diante queria ver os três juntos na porta da frente. Acabaram as apostas. Sua maior alegria: ver os três filhos juntos ao primeiro olhar e o grande abraço. Qual o pai que não gosta de ver todos os filhos ao mesmo tempo? Até eu!
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