Feminismos e identidades vol xiii 1a15

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Feminismos, identidades, comparativismos: vertentes nas literaturas de lĂ­ngua inglesa Vol. XIII

Eliane Borges Berutti (ORG.)



Feminismos, Identidades, Comparativismos: Vertentes nas Literaturas de LĂ­ngua Inglesa Vol. XIII Eliane Borges Berutti (Org.)


Copyright©, Das Autoras, 2015 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e por escrito do(s) autor(es).

Editor João Baptista Pinto Capa/Projeto/Diagramação: Francisco Macedo

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

F375 – v.13 Feminismos, identidades, comparativismos: vertentes nas literaturas de língua inglesa – vol. XIII / Organização Eliane Borges Berutti. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. 122 p.; 14x21 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-412-7 1. Literatura em língua inglesa – História e crítica. 2. Feminismo e literatura. 3. Identidade (Psicologia) na literatura. 4. Etnicismo. 5. Literatura comparada. I. Berutti, Eliane Borges. 15-26823 CDD: 820.9 CDU: 821.111.09

Letra Capital Editora Tels: (21) 3553-2236 / 2215-3781 www.letracapital.com.br


Sumário

Apresentação Eliane Borges Berutti – 7 Virginia Woolf: do suicídio feminino em Julia Kristeva à androginia Davi Pinho – 11 Transmasculinidades, normalidade e gravidez Eliane Borges Berutti – 26 Shakespeare, cultura retórica e modernidade: um comentário sobre Coriolano (1608) Fernanda Teixeira de Medeiros – 37 Narrativas autobio/gráficas em literaturas de expressão inglesa: quadrinhos para adultos Leila Assumpção Harris – 52 A subalternidade científica surfa nas ondas do Feminismo Lucia de La Rocque – 64 Relações raciais nos Estados Unidos hoje: um olhar da Literatura – Autoras Afro-americanas em foco Maria Aparecida Andrade Salgueiro – 79 Um corpo de boneca: miradas desejantes Maria Conceição Monteiro – 93 Angels in America e a loucura feminina: é Harper a nova Lady Macbeth? Vanessa Cianconi Vianna Nogueira – 108



Apresentação Eliane Borges Berutti

Por treze anos consecutivos, temos publicado a série anual Feminismos, identidades, comparativismos, produto das pesquisas das professoras do Mestrado em Literaturas de Língua Inglesa da UERJ, que abriga duas linhas: A voz e o olhar do Outro: questões de gênero e/ou etnia nas literaturas de língua inglesa e Literatura e comparativismo. Neste ano, em especial, trazemos uma novidade – a colaboração de Davi Pinho e Vanessa Cianconi, que entraram para o quadro de professores do Instituto de Letras neste ano. Uma das formas de recepcioná-los residiu no convite para participarem deste volume. Esperamos que, em breve, façam parte do Programa de Pós-Graduação em Letras de nossa instituição. O ensaio “Virginia Woolf: do suicídio feminino em Julia Kristeva à androginia” parte da discussão de Julia Kristeva sobre o suicídio feminino em Des Chinoises (1974) para confrontar o uso que ela faz do suicídio de Virginia Woolf, como resultado da impossibilidade de um sujeito feminino na linguagem. Em um diálogo com o movimento conhecido como écriture féminine, Davi Pinho percorre a obra de Virginia Woolf para identificar os momentos de vida que afirmam a experiência feminina na linguagem, o que dará acesso ao que ela chama de androginia. Virginia Woolf não quer não ser, como formula Kristeva. Ela quer ser muitos, todos; ela quer ser. Eliane Berutti traz à discussão uma questão contemporânea no segmento LGBT nos Estados Unidos, ao contemplar a interseção entre transmasculinidade e gravidez. Tomando por base questio7


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namentos sobre o sistema binário de sexo e de gênero elaborados pela teoria queer, a pesquisadora sublinha determinadas categorias teóricas com o objetivo de problematizar os casos de Thomas Beatie, considerado o primeiro homem grávido, e o de Nick Bowser, ambos homens trans norte-americanos. “Transmasculinidades, normalidade e gravidez” ainda trata do questionamento do conceito de normalidade ao fazer uso da provocação de Beatie a respeito da definição deste conceito. Algumas ideias contidas na obra Os anormais, de Michel Foucault, complementam esse ensaio. Em “Shakespeare, cultura retórica e modernidade: um comentário sobre Coriolano (1608)”, Fernanda Medeiros dialoga com textos de Peter G. Platt e Russ McDonald, a fim de ressaltar a importância e a produtividade analítica de se entender o contexto elisabetano-jaimesco como profundamente marcado por vários aspectos da retórica. Os críticos propõem que a retórica também seja compreendida como um suporte de processos de subjetivação e conhecimento do mundo. A linguagem, mais do que representar, cria sujeitos e realidades. Caio Marcio Coriolano, protagonista da última tragédia escrita por Shakespeare, é provavelmente o personagem que melhor encarna uma desconfiança em relação à retórica, fazendo da sua recusa à linguagem, sua tragédia. No ensaio “Narrativas autobio/gráficas em literaturas de expressão inglesa: quadrinhos para adultos”, Leila Harris explora seu interesse em práticas autobiográficas na literatura migrante de autoria feminina através de uma autografia. Em Persepolis (2003), Marjane Satrapi oferece seu testemunho pessoal e político conforme visualiza e verbaliza suas memórias durante a infância e adolescência assim como a luta de sua família e do povo iraniano antes e durante a revolução islâmica, a guerra contra o Iraque e os anos que se seguiram. Criticando tanto o imperialismo britânico e estadunidense quanto a revolução iraniana e o fundamentalismo islâmico, Satrapi faz uso dos quadrinhos para abordar questões políticas e sociais. “A subalternidade científica surfa nas ondas do Feminismo”, de Lucia de La Rocque, tem como foco de discussão, tanto entender 8


Apresentação

os mecanismos que relegaram a mulher ao segundo plano do fazer ciência, quanto se voltar para essa representação em três filmes de comédias Hollywoodianas: O inventor da mocidade (1952), O professor aloprado (1963) e Júnior (1994), que foram utilizados como subsídios para a construção de um estudo de caso aplicado ao ensino de Deontologia e Ética Farmacêutica. Ficou evidente, no momento de pré-seleção dos filmes, que nos enredos as mulheres se encontravam em posição subalterna em relação aos homens, principalmente no ato do fazer ciência. Essa circunstância motivou a presente reflexão, que não deve ser desvinculada das discussões sobre a conduta ética do profissional farmacêutico. Pergunta constante nas salas de aula de Literatura e Cultura Estadunidenses diz respeito às relações raciais nos Estados Unidos nos dias de hoje. Como, perguntam-nos, parece que tudo, ao invés de avançar, com a eleição de um Presidente inteligente, culto, hábil na política – e negro – caminhou para, ao contrário, a saber, relações cada vez mais tensas, pesadas, de confronto e enfrentamento ostensivos? A resposta, como bem sabem os estudiosos das relações interdisciplinares não é nada simples. Passa por caminhos tortuosos das relações de poder, desaguando em uma das manifestações mais trágicas e lamentáveis do ser humano: o racismo. Em “Relações raciais nos Estados Unidos hoje”, Maria Aparecida Salgueiro procura mostrar como Autoras Afro-americanas já haviam manifestado com clareza sua percepção das relações raciais nos Estados Unidos em suas obras e como vêm se posicionando nos dias de hoje. O foco principal do ensaio “Um corpo de boneca: miradas desejantes” é o conto de Felisberto Hernández (1902-1964), “Las Hortensias”, em que o corpo mecânico, figurado na boneca, ainda que uma forma fixa, não se prende a um centro, transformando-se em figura centrífuga. Por ser receptáculo de fantasias, o corpo mecânico está sempre aberto a novas inscrições. Interessa a Maria Conceição Monteiro a maneira como essa figura desencadeia no seu criador um processo inesperado e incontrolável de desejos obscuros e forças ocultas e perversas, concretizado na relação dele com si próprio e com 9


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o mundo, ao mesmo tempo que as projeta e transfere para o corpo criado. Como em um palco, através do uso de máscaras, encena-se toda uma vida por meio da casa escura, do barulho das máquinas, do espelho, da alma, do mistério, da ambiguidade, do delírio. Dan Vogel divide o teatro estadunidense em três máscaras distintas: a do diabo, a de Édipo e a de cristo. Angels in America, peça de 1985, de Tony Kushner, claramente não nega essa origem e coloca no palco todas elas. O fantasma da mulher louca e sofredora é literalmente encarnado em Harper, uma viciada em valium. Aqui, a louca de Kushner é o cristo de Vogel. De fato, Harper percorre o caminho contrário do de Lady Macbeth, personagem de Macbeth, de William Shakespeare – a primeira vai da escuridão à luz, enquanto que a última, da luz à escuridão. “Angels in America e a loucura feminina”, assinado por Vanessa Cianconi, tenta elucidar as duas personagens enquanto figuras femininas ao mesmo tempo em que delineia seus caminhos opostos no mundo em que vivem. Ao finalizar esta apresentação, agradecemos ao apoio dado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ ao longo desses treze anos e esperamos que outros volumes desta série sejam produzidos.

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Virginia Woolf: do suicídio feminino em Julia Kristeva à androginia Davi Pinho I meant to write about death, only life came breaking in as usual. I like, I see, to question people about death. I have taken it into my head that I shan’t live till seventy. Suppose, I said to myself the other day, this pain over my heart suddenly wrung me out like a dish cloth and left me dead? – I was feeling sleepy, indifferent, and calm; and so thought it didn’t much matter, except for L. Then, some bird or light I daresay, or waking wider, set me off wishing to live – wishing chiefly to walk along the river and look at things. Virginia Woolf, de seu diário, 17/02/1922

“Eu quero não ser”: é assim que Julia Kristeva intitula o quinto capítulo de seu polêmico Des Chinoises (1974), no qual discorre sobre o suicídio feminino. A formulação de Kristeva, que se desdobra em outras questões no célebre Le temps des femmes (1979), revela a questão da crise do sujeito da representação no que tange as possibilidades linguísticas para um sujeito feminino dentro da linguagem que a crítica francófona de seu tempo qualifica como falocêntrica. O resultado está em seu título: para a mulher, a única possibilidade de subjetificação dentro da linguagem historicamente masculina seria o lugar do não, da transgressão final, da morte – a alternativa que Hamlet abandona em seu eterno solilóquio. A escolha pelo não ser feminino adviria do impasse da mulher moderna ao tentar ocupar um lugar de sujeito dentro de uma linguagem que a cristalizou objeto. Kristeva diz que ela, a mulher, se vê presa entre concretizar a falta de Freud a partir da linguagem – o que significaria se tornar sujeito nomeador e objetificador como o pai, reafirmando o phallus –, e o misticismo que apenas o tempo do sujeito 11


Davi Pinho

matrilinear imporia. Esse, para Kristeva, seria o impasse de Virginia Woolf, para o qual a resposta seria o não. O propósito deste ensaio é apresentar a obra de Woolf como uma outra resposta, a do sim, da vida, da volta à linguagem. Em seu processo de subjetificação, Kristeva diz que a mulher seria chamada a uma identificação com a mãe, mas se perderia na palavra do pai, no mundo da linguagem comunicativa. Em seu desespero para se identificar no tempo linear, no tempo histórico, na ordem dos nomes do pai que lhe daria um lugar na esfera pública, essa mulher seria levada à loucura de se saber Outra do mundo. Desse lugar Outro viriam as múltiplas vozes, a dissolução “primeiro do superego, depois do ego,” até que a “própria vida não consiga segurar-se: a morte silenciosamente adentra” (Kristeva: 1974, p. 157).1 Quando um homem se mata, diz Kristeva, “é para provar que sua vontade é maior que a de Deus” (1974, p. 158). Mas o suicídio feminino tenta negar Deus, a palavra, para então negar a posição Outra de um sujeito feminino. A morte da suicida seria então uma constatação da impossibilidade de um sujeito feminino dentro da linguagem corrente para Kristeva, um movimento que ansiaria, a partir da potência de não, por “dissolver o próprio ser, livrá-lo da palavra, do self, de Deus” (Kristeva: 1974a, p. 158). Kristeva, entre o psíquico e o linguístico, nos dá uma possibilidade de pensar o suicídio feminino que ainda nos faltava e que ainda nos intriga, que ainda se desdobrará em muitas outras questões. No entanto, ao pensar os suicídios de Sylvia Plath, Maria Tsvetaeva e, claro, o de Virginia Woolf como exemplos dessa transgressão final feminina frente ao masculino da linguagem, algo se perde da obra dessas autoras na análise de Kristeva. Virginia Woolf aparece ali como personagem apenas, e sua resistência assemelha aquela da antiga mulher oitocentista, cuja única possibilidade era o não ser – cuja escolha era a de negar-se ser. É a obra de Woolf que poderá nos dar outras possibilidades que ultrapassem o não de Emma Bovary, de Catherine Earnshaw Linton, e de muitas de suas contemporâneas.2 A obra de Kristeva sempre aponta para uma terceira possibilidade, uma mulher que conseguiria em vida realizar o que o suicídio 12


Virginia Woolf: do suicídio feminino em Julia Kristeva à androginia

feminino realizaria – aquela morte do sujeito masculino e a afirmação da diferença feminina como um sujeito possível, ou melhor, um Outro possível. A écriture féminine de Cixous, Irigaray e Clément já havia pensado a escrita como tal caminho – a possibilidade de múltiplas vozes, de múltiplos olhares, o que já havia sido antecipado por Woolf desde a década de 20. Ou seja, a possibilidade de se viver a loucura que Kristeva vê silenciosamente adentrar no feminino que se quer sujeito já está em Woolf, e ademais é repensada em 70 pelas feministas francesas contemporâneas de Kristeva. A discussão de Woolf, começando em A Room of One’s Own (1929), parte da constatação de que a mulher ainda não conseguira usar da linguagem masculina para se tornar sujeito se não por meio de imitação, ódio, ou riso da linguagem vigente. As mulheres, em sua crítica, aparecem atreladas à demanda masculina, refletindo a relação do homem com ele mesmo e com o mundo.3 Paralelamente, as imagens do feminino na ficção de Virginia Woolf, mesmo que presas ao mundo objetal, escondem um outro valor. Seja ao tentar remontar uma perspectiva que contribua para o tempo da história e um outro tipo de conhecimento, como Lily Briscoe ao pintar seu quadro em To the Lighthouse (1927); ao tentar acessar uma linguagem diferente da linguagem comunicativa do mundo público, como o poema espontâneo de Terrence Hewet ao ouvir Helen e Rachel em The Voyage Out (1915); ou ao apontar para as muitas perspectivas que inundam a visão individual, como faz Bernard no monólogo final de The Waves (1931), sempre há nas personagens de Virginia Woolf uma vontade de conciliar o privado e o público, o feminino e o masculino culturalmente construídos, para além de uma posição estável, uma posição de sujeito homem ou mulher. Tal desejo aponta para a possibilidade de uma vida outra, de uma outra linguagem que não se revela totalmente, mas que tem como princípio um enclave do sujeito que vê e daquilo que é visto ao/no mesmo tempo; uma linguagem que quer fazer do silêncio poético um modo de refletir todas as perspectivas de outros indivíduos. É por isso que, ao trazer o suicídio de Woolf como única resposta para o dilema da mulher no mundo da linguagem, Kristeva 13


Davi Pinho

dá menos valor à obra da mulher Virginia Woolf. Lembro-me de Mrs. Dalloway (1925) e o embate final entre a morte e a vida que fecha o romance, ao qual Virginia Woolf faz referência em nossa epígrafe retirada de seu diário. Na famosa festa que serve de fio condutor da narrativa de Woolf, Clarissa Dalloway sente a chegada de uma intrusa insólita, a morte. Quando ela se retira para um quarto vazio para pensar sobre a história que acabara de ouvir acerca do suicídio de Septimus Warren Smith, sentimos a narradora tentando compreender o impulso de Clarissa tanto quanto nós, leitores. Septimus, o veterano de guerra que durante o dia, em vida, transitara pelas mesmas ruas que Clarissa mas nunca conseguira contato, agora, na morte, torna-se um intruso na festa, e seu suicídio parece comunicar alguma coisa a Clarissa. O que nós, leitores, recebemos são imagens: Clarissa Dalloway à janela sozinha, como se pronta para repetir o ato de Septimus e jogar-se rumo ao concreto. Dali ela vê uma idosa que primeiramente a olha diretamente nos olhos, mas logo caminha lentamente em direção à cama em um apartamento oposto à sua casa. O contraste entre a vida que borbulhava em sua festa, o suicídio de um jovem veterano de guerra, e a senhora que agora apagara a luz para dormir, parece significar alguma coisa que nem a narradora nem os leitores podem tocar, mas que dá à Clarissa a vontade de delimitar um lugar que afirme a festa, a vida. Ainda à janela, a narradora nos diz que o relógio continuara martelando, “um, dois, três,” e com esse tempo martelando ela não poderia ter pena de Septimus, pois Clarissa parece ver em Septimus a vontade de viver o tempo individual, do privado, como se a morte fosse seu desafio derradeiro para achar o centro, a unidade, um lugar dele e só. As batidas do relógio formam círculos ao entorno de Clarissa que vão se dissolvendo: ela observa a luz que se apaga no apartamento da anciã, pensa na coragem de Septimus, mas decide que precisa descer. “Ela precisa reunir”, nos diz a narradora (Woolf: 1925, p. 158). Reunir parece ser uma palavra-chave: Clarissa precisa, com seus convidados, montar, coligar, passar do tempo privado para o 14


Virginia Woolf: do suicídio feminino em Julia Kristeva à androginia

público, e achar, mesmo que com as batidas do relógio devorador, uma maneira de achar um lugar na vida, na festa. O suicídio parece figurar aqui como a rebeldia desse mundo particular em querer negar o lugar do sujeito da representação, em querer permanecer incomunicável. No entanto, a última imagem do romance é a da afirmação da festa, do se pôr no mundo em rebeldia ao tempo que bate. Peter, ao se sentir em êxtase, percebe que é a imagem de Clarissa, seu retorno à festa, que o leva a um momento de arrebatamento, com o qual a narradora termina o romance: “pois lá estava ela” (Woolf: 1925, p. 165). É com a mera existência de Clarissa, com seu ali estar, que Virginia Woolf nos deixa, não com a resposta de Kristeva. Clarissa vai criar uma nova forma de vida, dentro da linguagem, pois a linguagem é a sua única chance de criar uma imagem para si mesma no mundo. Woolf, seja a ensaísta ou a romancista, não quer não ser; pelo contrário, ela quer ser muitos. Sempre que Virginia Woolf discute um mundo que escape da visão de apenas um sujeito, ela parece apontar para a possibilidade de um sujeito múltiplo, formado de outros sujeitos, que não tenha um objeto fixo por oposição. Em outras palavras, ela revela uma posição para além de sujeito e objeto, uma posição que afirma os outros muitos sujeitos no sujeito que vê, o que é pura afirmação de multiplicidade, diferença. Assim, em toda sua obra, a vida da mulher é afirmada, pensada, intuída como resposta aos modos de subjetificação masculinos. Mrs. Ramsay, o farol de To the Lighthouse (1927), cujo primeiro nome nunca descobriremos, que é apenas a mãe de James à janela, ou esposa de Mr. Ramsay, é representante de um tipo de conhecimento que Lily precisa trazer para o mundo através de seu quadro. Rachel, de The Voyage Out (1915), cuja linguagem quebrada parece unir Hewet à natureza das folhas que ele amassa entre os dedos, é símbolo do silêncio que o permitiria criar um romance inovador sobre o conhecimento que jaz nas coisas não ditas. Clarissa Dalloway, que tenta ininterruptamente remontar sua vida durante a tarefa prosaica de organizar uma festa, quase sucumbe aos poderes 15


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