Frances e ensino discursos praticas e politicas

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FRANCÊS E ENSINO: DISCURSOS, PRÁTICAS E POLÍTICAS


Copyright © Claudia Almeida, Felipe Dezerto e Patrícia Alves Carvalho Corrêa [org.], 2018 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e expressa do autor.

Editor João Baptista Pinto

Capa Luiz Guimarães

Projeto Gráfico e Editoração Luiz Guimarães Revisão Rita Luppi

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

F885 Francês e ensino: discursos, práticas e políticas / organização Claudia Almeida, Felipe Dezerto, Patrícia Alves Carvalho Corrêa. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2018. 278 p. : il. ; 15,5x23 cm.

Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-588-9

1. Língua francesa - Estudo e ensino. 2. Professores - Formação. 3. Prática de ensino. I. Almeida, Claudia. II. Dezerto, Felipe. III. Corrêa, Patrícia Alves Carvalho.

18-48616 CDD: 370.71 CDU: 37.02 Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária CRB-7/6439

Letra Capital Editora Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781 letracapital@letracapital.com.br


Claudia Almeida Felipe Dezerto Patrícia Alves Carvalho Corrêa [Org.]

FRANCÊS E ENSINO: DISCURSOS, PRÁTICAS E POLÍTICAS



Agradecimentos

A

realização deste projeto não teria sido possível sem o envolvimento e o trabalho de muitos parceiros que acreditaram na nossa proposta e contribuíram para a sua concretização. Agradecemos primeiramente ao Colégio Pedro II, instituição à qual estamos vinculados, que se apresenta não somente como uma parceira fundamental neste projeto, mas também como um fecundo campo de pesquisas sobre o ensino de língua estrangeira e de francês. Não poderíamos deixar de agradecer à Pro-Reitoria de Pósgraduação, Pesquisa, Extensão e Cultura (PROPGPEC), que vem incentivando e fomentando de forma decisiva as pesquisas em nossa instituição e, consequentemente, o desenvolvimento acadêmico da mesma. Agradecemos igualmente o apoio do Departamento de Francês do Colégio Pedro II, com o qual trabalhamos em parceria na organização do evento acadêmico que fomentou nosso interesse na organização deste volume. Nossos agradecimentos também ao Núcleo de Estudos FrancoBrasileiros (NEFB), vinculado ao Departamento de Francês do Colégio Pedro II, por nos acolher enquanto pesquisadores desta instituição e por nos proporcionar um ambiente de trocas acadêmicas. E por fim, agradecemos aos pesquisadores que participaram deste livro, pela confiança em nosso trabalho, pela dedicação e qualidade na produção do material que aqui tornamos público. Claudia Almeida Felipe Barbosa Dezerto Patrícia Alves Carvalho Corrêa



Sumário Apresentação........................................................................................ 9

Parte I - Construções discursivas ligadas ao ensino de francês....... 11

Aprende-se uma língua estrangeira na escola? Entre o novo e o velho...................................................... 13 Maria José Coracini Saber linguístico, livros didáticos e disciplinarização: o papel do colégio Pedro II no processo de constituição de um campo disciplinar escolar para o francês no Brasil................................................... 33 Felipe Barbosa Dezerto O que nos dizem as capas dos manuais de FLE: passeio pela história das metodologias de ensino/ aprendizagem de LE......................................................... 50 Camilla dos Santos Ferreira Humor em fle: abordagem de um discurso colocado em perspectiva no dessin de presse..................... 65 Sandra Falcão da Silva

Parte II - Práticas na sala de aula de francês na atualidade: inclusões e exclusões.......................................................... 87

As redes sociais na sala de aula de fle e a abordagem por tarefas................................................ 89 Katia Ferreira Fraga Desafios do ensino/aprendizagem de fle: o uso das tecnologias da informação e comunicação............. 103 Pedro Armando de Almeida Magalhães Atividades facilitadoras da compreensão escrita em francês língua estrangeira........................................ 113 Tânia Reis Cunha Letramento e leitura em classe de francês língua estrangeira com surdos................................................... 131 Juliana Rodrigues de Castro

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O Francês com Objetivo Universitário (FOU): nova abordagem, novos desafios.................................... 145 Luiz Carlos Balga Rodrigues Práticas da oralidade no projeto cefradis: recriando a aula de francês no espaço on-line............... 159 Maria del Carmen de la Torre Aranda

Parte III - Implicações políticas e articulações críticas do trabalho do professor de francês................................. 177

Percursos docentes em Francês Língua Estrangeira: memória, escrita e identidade........................................ 179 Cristina Moerbeck Casadei Pietraroia Da linguística aplicada à didática das línguas: pela diversidade de pesquisas favoráveis ao trabalho com língua estrangeira.................................... 197 Décio Rocha Professores de francês: formação crítico-reflexiva e abordagem intercultural para o ensino da língua francesa............................................................................ 219 Heloisa Albuquerque-Costa Intervenção, pesquisa e formação: ações para a aprendizagem do trabalho docente e para o desenvolvimento de professores.................................... 237 Eliane Gouvêa Lousada A influência dos pcns nas construções identitárias do professor de francês.............................. 255 Erika Noel Ribas Dantas

Sobre os autores e organizadores.............................................. 271

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Apresentação

A

reflexão sobre o mundo referido no termo Francês, que caracteriza o departamento do Colégio Pedro II a que estamos ligados, tem sido uma constante em nosso percurso acadêmico e profissional. Angústia e alegria, entusiasmo e decepção, perseverança e desistência são alguns sentimentos e posturas que se entremeiam e produzem o tecido que também podemos chamar de carreira docente. Cores variadas e desenhos sortidos comprovam a curiosidade da agulha e a irrequietude dos dedos. Este livro também é resultado dessa inquietude. Que francês ensinamos? Como podemos estabelecer conexões entre nossa sala de aula e o que deixamos do lado de fora? Por que ensinamos francês? O que não ensinamos em francês? Mais do que perguntas, esses são alguns desafios com os quais nos deparamos em nosso cotidiano e sobre os quais nos propusemos a refletir em conjunto. Assim, em 2014, organizamos a Jornada de Estudos “ReFLEtindo: entre o passado e o presente: os rumos do ensino de FLE no Brasil”. O título, propositadamente ambicioso, apontava para nossos principais objetivos: fomentar a reflexão sobre as práticas docentes dos professores e pesquisadores de francês, ampliar trocas acadêmicas com docentes de instituições de ensino e pesquisa no âmbito do FLE e contribuir para a construção de projetos de ensino, pesquisa e extensão que tenham o FLE como objeto de estudo. As reações do público e dos sete palestrantes foram inequívocas: além de atingirmos nossos objetivos, havíamos aberto um caminho ansiado por vários colegas. Prosseguindo nessa trilha, percebemos que a publicação das apresentações feitas na jornada seria um passo importante para registrar a discussão ali desenvolvida. Entretanto, a dimensão dos questionamentos nos mostrou que seria mais produtivo e pertinente alargar a via e propor um volume que já apresentasse avanços em nosso trajeto. Para tanto, reestruturamos a ementa do evento e definimos três eixos de abordagem: 1. Construções discursivas ligadas 9


Francês e Ensino: discursos, práticas e políticas

ao ensino de francês; 2. Práticas na sala de aula de francês na atualidade: inclusões e exclusões; e 3. Implicações políticas e articulações críticas do trabalho do professor de francês. Nessa nova empreitada convidamos pesquisadores com lastro acadêmico para se juntarem aos que haviam participado da jornada. O resultado, mais uma vez, superou nossas expectativas: 15 artigos de colegas de oito instituições diferentes apresentam e articulam questões importantes para a reflexão sobre o trabalho docente de professor de francês e o mundo que esse termo resume. Cabe ressaltar que não estamos nos referindo ao ensino de língua francesa tão somente, mas, sim, ao ensino de francês com as implicações históricas, políticas e culturais que se fazem presentes nesse campo. Nesse sentido, este livro também inclui artigos que problematizam aspectos ou conteúdos que se relacionam, aparentemente, de forma indireta com a prática docente em sala de aula. Insistimos que a visão ampliada dessa prática e a compreensão de um entorno que, muitas vezes, é, de fato, o cerne, estimula a reflexão sobre aplicações imediatas no trabalho do professor. Perceber e estar atento aos saberes que circulam no campo disciplinar que escolhemos, estabelecer relações entre projetos de formação profissional e contexto sociopolítico-econômico e interagir com discursos e tecnologias são passos fundamentais para intervir produtivamente nas reformulações desse campo. A organização deste volume exigiu de nós um tempo que não sabíamos estar disponível (talvez não estivesse e o tenhamos inventado), uma convergência de propósitos e uma consonância de procedimentos que nos fez pôr em prática as habilidades necessárias para um trabalho em equipe e, sobretudo, nos proporcionou um enorme prazer em entrar no caldeirão das reflexões. Nossos tecidos ganharam vieses de cores e formatos que ainda não tínhamos usado e redesenharam temas e motivos. A inquietude que originou este projeto continua intensa: nossos dedos irrequietos e nossas agulhas curiosas continuam trabalhando. Claudia Almeida Felipe Barbosa Dezerto Patrícia Alves Carvalho Corrêa

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Parte I

Construções Discursivas Ligadas ao Ensino de Francês

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Aprende-se uma língua estrangeira na escola? Entre o novo e o velho Maria José Coracini (Unicamp)

E

ste texto pretende discutir o pressuposto difundido na escola e junto a professores de língua estrangeira de que, para se ensinar e, portanto, aprender uma língua é preciso, de um lado, conhecer essa língua, no sentido gramatical (lexical, morfológico e sintático), e, de outro, ter uma metodologia de ensino bem estruturada como a que se pressupõe existir em livros didáticos. Estes são legitimados pelo nome da editora e do autor e, consequentemente, pela instituição escolar e por órgãos ligados às políticas de ensino do país, assim como por muitos pesquisadores que, não raro, são também autores desse material didático que, muito frequentemente senão sempre, vem acompanhado (no mesmo livro ou em livro ou caderno separado) do manual, guia ou orientações para o professor. A designação que se dá a esse material já mostra como esse “caderno” constitui a autoridade máxima que serve de espelho para o professor, orientando-o, guiando-o, servindo-o diariamente – manual é o que se manuseia, que está sempre ao alcance das mãos –, até mesmo nos gestos e nas respostas a serem obtidas.

Mas não é propriamente o material didático que pretendemos abordar neste texto, embora indiretamente ele esteja presente como um fantasma que assombra a todos, professores de línguas em geral, inclusive da língua dita materna. O que nos move é problematizar a noção de metodologia a ser praticada em aula de língua estrangeira, sobretudo no início da aprendizagem. Como se aprende uma língua? Todos precisam de métodos bem delineados para aprender/adquirir uma língua? De que necessitam os interessados? Essas são algumas das questões que pretendemos abordar ao longo deste texto, trazendo para isso excertos de relatos de experiência de dez falantes de outras línguas. Do ponto de vista teórico, basear-nos-emos nos estudos do discurso, privilegiando Bakhtin para a compreensão da polifonia nos dizeres 13


Francês e Ensino: discursos, práticas e políticas

dos participantes da pesquisa, bem como da noção de ideologia, uma das contribuições mais relevantes do autor em Marxismo e filosofia da linguagem, e em Foucault, sobretudo para a compreensão das relações de poder que perpassam todas as relações humanas, substituto (com diferenças, é claro) de ideologia e de subjetivação; na Psicanálise freudo-lacaniana, trazendo à baila conceitos a respeito de tudo o que envolve o sujeito, e na desconstrução derrideana, para a problematização do que nos parece natural, verdadeiro, real. Em suma, apoiamo-nos na perspectiva que denominamos discursivo-desconstrutiva, para distingui-la de outras abordagens discursivas. Trazer esses pensadores pode sugerir falta de rigor científico pelas diferenças, por vezes profundas, existentes entre eles, mas eles trazem, também, similaridades: criticam a concepção de ciência, baseada na razão, na verdade absoluta, como um fim em si mesma, na ausência de toda e qualquer subjetividade. Como contemporâneos que foram, sua concepção de linguagem e sujeito era contrária à racionalidade que vigorava nas Ciências Humanas até a década de 1960. Compartilhando, cada qual a sua maneira, uma visão desconstrutiva, que se opõe à construtivista, e concepções semelhantes de sujeito, subjetividade e linguagem (opaca), é possível aproximá-los e tomar de cada um o que há de mais adequado a nossa pesquisa. É o que procura(re)mos fazer.

(Des)naturalizando crenças... Na década de 1980, Krashen (1987; 1988) distingue aquisição de aprendizagem defendendo a ideia – até hoje subjacente a pesquisas e métodos didáticos que se dizem comunicativos – de que apenas a língua dita materna é adquirida; as demais são aprendidas. Isso significa que a primeira língua, aquela que marca definitivamente o indivíduo, tornando-o sujeito, é assimilada sem que se conheça sua gramática, ou melhor, sem que se conheça a língua formalmente. As outras línguas, denominadas comumente estrangeiras, são apre(e) ndidas em contextos formais, já que os aprendizes não estão em contato direto – ou em situação de imersão –, com falantes dessas línguas. A primeira é adquirida inconscientemente, sem que nos apercebamos, enquanto as outras são aprendidas de forma consciente. Aliás, segundo Krashen (1988), quanto mais conscientes forem as estratégias de aprendizagem mais e melhor será o processo e os 14


Parte I - Construções discursivas ligadas ao ensino de francês

resultados; daí o estudo de estratégias didático-pedagógicas (cognitivas e metacognitivas) fomentadas por pesquisas com aprendizes, com o intuito de facilitar tal aprendizagem. Essa dicotomia foi também reforçada pelo psicanalista, radicado em Paris, Melman (1992). Segundo ele, só é possível “saber” a língua materna; as demais só é possível “conhecer”. Mais recentemente, em palestras1, o mesmo psicanalista afirmou que a língua materna é aquela na qual (se) conta, diferentemente das demais, nas quais apenas “contamos (números por exemplo)”, de forma consciente. Mas, como compreender a diferença entre saber e conhecer postulada por Melman (1992)? Saber, parece-nos, tem a ver com adquirir, com nos constituir dessa e por essa língua (que é sempre cultura), que acolhe o bebê até antes de nascer, que fala do e para o sujeito. Em outro trabalho (CORACINI, 2011c; 2014a) faço referência ao verbo “saber”, num de seus sentidos caros aos portugueses, que remete a “sabor”, dá prazer, mata minha sede ou minha fome, como no seguinte exemplo: alguém está comendo (saboreando) uma fruta e diz “Isso me sabe!”. A língua materna viria, então, amalgamada à cultura que acolhe o bebê, protegendo-o, ainda que ilusoriamente, como uma mãe, que o protege e o enlaça na memória discursiva, na tradição e na historicidade (momento histórico-social e, portanto, cultural em que ambos se encontram). E o que dizer da língua chamada estrangeira2? Segundo Melman, na obra citada, só é possível conhecê-la, o que remete ao conceito de aprendizagem de Krashen (1987; 1988). Assim se posiciona Melman (1992, p. 15): Saber uma língua é muito diferente de conhecê-la. Saber uma língua quer dizer ser falado por ela, que o que ela fala em você se enuncia por sua boca como destacado a título do ‘eu’. Conhecer uma língua quer dizer ser capaz de traduzir mentalmente, a partir da língua que se sabe, a língua que se conhece. Desde então, não falamos mais do mesmo lugar, nos comunicamos.

A língua, portanto, que sabemos é a chamada língua materna, aquela que fala de nós; a que conhecemos é a língua estranha, a 1 Refiro-me a palestras em que estive presente no ano de 2006, em Paris, em que o psicanalista comentou a respeito de um microfilme sobre ser/estar entre línguas. 2 Para entender porque me refiro às “chamadas” língua materna e estrangeira, ler Coracini (2010).

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