Geografia Econômica: (re)leituras contemporâneas
Copyright © Sandra Lúcia Videira, Pierre Alves Costa, Sérgio Fajardo (Orgs.), 2011 Editor João Baptista Pinto Capa Rian Narcizo Mariano Diagramação Francisco Macedo Revisão Rita Luppi
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G298 Geografia econômica: (re)leituras contemporâneas / organizadores: Sandra Lúcia Videira, Pierre Alves Costa, Sérgio Fajardo. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011. il.; 23 cm ISBN 978-85-7785-119-5 1. Geografia econômica. I. Videira, Sandra Lúcia. II. Costa, Pierre Alves. III. Fajardo, Sérgio. 11-6034. CDD: 330.9 CDU: 338.1 13.09.11 16.09.11 029611
Letra Capital Editora Tels: 21. 2224-7071 | 2215-3781 www.letracapital.com.br
Geografia Econômica: (re)leituras contemporâneas Organizadores:
Sandra Lúcia Videira Pierre Alves Costa Sérgio Fajardo
Conselho Editorial Série Letra Capital Acadêmica Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR) Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM) João Medeiros Filho (UCL) Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ) Michela Rosa di Candia (UFRJ) Olavo Luppi Silva (USP) Orlando Alvez dos Santos Junior (UFRJ) Pierre Alves Costa (Unicentro-PR) Robert Lee Segal (UFRJ) Sandro Ornellas (UFBA) Sergio Azevedo (UENF) Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR) William Batista (Bennet - RJ)
SUMÁRIO
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Prefácio Sandra Lúcia Videira, Pierre Alves Costa e Sérgio Fajardo Crise, mudanças globais e inserção da América do Sul na economia mundial Claudio Antonio Gonçalves Egler
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Análise geohistórica da indústria de refino de petróleo no Brasil Pierre Alves Costa
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A ação territorial corporativa no espaço rural Sérgio Fajardo
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A internalização da categoria “informação” na Geografia Econômica: da teoria da localização à escola de geografia sueca Fábio Betioli Contel
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A internacionalização do capital. Abordagens para a leitura das dinâmicas das grandes empresas internacionais Eliseu Savério Sposito e Leandro Bruno Santos
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Território e dinâmica econômica Lisandra Pereira Lamoso
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Capital estrangeiro no Brasil: parâmetros para/de uma internacionalização Sandra Lúcia Videira
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Dinâmicas produtivas, logística e desenvolvimento territorial Frédéric Monié
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Reestruturação produtiva e suas implicações na indústria do oeste paulista Maria Terezinha Serafim Gomes
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Sobre os autores
Prefácio
Este livro propõe trazer temas contemporâneos para reflexão na
ciência geográfica. Resulta de um esforço coletivo para somar aos estudos da Geografia Econômica, propondo tratar de temas contemporâneos, mas com resquícios no passado, que hoje afloram nos debates acadêmicos. Os temas transitam por vários eixos temáticos da Geografia Econômica, dos quais algumas palavras chaves podem ser destacadas como: América do Sul, economia mundial, crise energética, indústria do petróleo, tradings, agroindústrias, cooperativas, informação, internacionalização do capital, empresas internacionais, capital estrangeiro, dinâmica econômica, logística, reestruturação produtiva, dentre outras que possam ser eleitas pelo leitor. O livro inicia-se com o capítulo de Claudio Egler que traz pertinente relação entre crise, mudanças globais e inserção do continente sul-americano na economia mundial, a partir da visão da geoeconomia. Correlaciona a expansão da matriz energética deste continente com os acelerados processos de urbanização e industrialização da Índia e China, países de imensa base populacional. Conclui apontando que a dependência do petróleo deixou marcas profundas na Venezuela e, no futuro próximo, poderá vir orientar fortemente a economia brasileira em um sentido e direção que poderá colocá-la na contramão da história. Explorando ainda o tema petróleo, o capítulo “Análise geo-histórica da indústria de refino de petróleo no Brasil e a presença do Estado”, de Pierre Alves Costa, destaca as estratégias econômicas e geopolíticas presentes na fundação do Conselho Nacional do Petróleo e da Petrobras. A evolução do setor petrolífero brasileiro, calcada no monopólio da Petrobras, é tratada numa perspectiva histórica que deixa marcas no espaço, como, por exemplo, quando é abordada a distribuição das refinarias. O meio rural é assunto no texto de Sérgio Fajardo, com “A ação territorial 7
prefácio
corporativa no espaço rural” ele avalia as implicações espaciais decorrentes da presença das cooperativas e das grandes corporações agroindustriais, principalmente no estado paranaense, representativo da dinâmica agroindustrial brasileira. Destaca a participação das tradings Bunge e Cargill como responsáveis pela comercialização e processamento da maior parte da produção agrícola do país e com participação expressiva no Paraná. Para ele, “é esse orquestramento do grande capital o ponto chave para entender a força e o peso das tradings agrícolas no território brasileiro”. Fábio Contel traz em seu capítulo a discussão de como se internaliza a categoria “informação” no conhecimento geográfico, e em particular na geografia econômica, retomando a “teoria clássica” da localização para chegar às obras da “escola de geografia sueca” que pioneiramente trabalhou o tema. O texto de Eliseu Sposito e Leandro Santos expõe as diversas teorias que procuram explicar o avanço de empresas no exterior, demonstrando os pontos fortes e frágeis desta expansão. Nesse sentido, elabora uma proposta de análise nas dimensões macro, meso e micro demonstrando como a competição, as vantagens e estratégias ocorrem em cada uma delas. O capítulo de Lisandra Lamoso traz uma instigante reflexão acerca da relação Território – Dinâmica Econômica. A autora constrói elementos para a reflexão do território como espaço usado, chegando ao estudo de caso sobre a influência do comércio exterior no uso do território em Mato Grosso do Sul. Sandra Videira aborda a história da internacionalização da economia brasileira (inserida no contexto da globalização contemporânea); com ênfase à participação do capital estrangeiro no país, principalmente nos últimos vinte anos. A autora constata que o Brasil recebeu mais empresas estrangeiras do que colocou as suas lá fora, confirmando que a globalização não é homogênea, mas seletiva, seja quanto aos lugares, seja quanto às empresas. O capítulo “Dinâmicas produtivas, logística e desenvolvimento territorial” de Frédéric Monié realiza uma reflexão analítica da evolução do pensamento e da prática logísticas à luz das dinâmicas que reestruturam permanentemente as economias e as sociedades, e de suas consequências sobre as formas de organização e gestão dos espaços pelos atores econômicos e as autoridades políticas. Para Frédéric, a logística constitui antes de tudo um componente central do planejamento, da organização, da gestão e da estratégia de empresas que mobilizam um amplo leque de recursos para prestar um serviço ou elaborar e comercializar um produto. O texto de Maria Terezinha Gomes faz um estudo crítico do processo 8
Sandra Lúcia Videira, Pierre Alves Costa e Sergio Fajardo
de reestruturação produtiva e suas implicações na indústria do Oeste Paulista, particularmente nas cidades médias. A autora vê a reestruturação produtiva como um processo de mudança espacial, social, tecnológica e organizacional. A reestruturação não é um processo mecânico ou automático; e sim em movimento, implicando fluxos e transição, mesclando continuidade e mudanças. Os autores aqui, dispersos nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país, deixam suas contribuições, fruto de suas pesquisas, para que possam servir de mola propulsora de novos estudos em Geografia Econômica. Sandra Lúcia Videira Pierre Alves Costa Sergio Fajardo (organizadores)
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Crise, mudanças globais e inserção da América do Sul na economia mundial Claudio A. G. Egler Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – Pesquisador do CNPq
Que del pasado fluye hacia el futuro, Que del olvido fluye hacia el olvido. Algo que ya padece. Algo que implora. Después la historia universal. Ahora. Jorge Luis Borges – Cosmogonia
Introdução O cenário de instabilidade trazido pela crise mundial e pelo aquecimento global coloca desafios para a gestão sustentável do território em escala planetária. A transição para uma economia de baixo carbono demanda conhecimento técnicocientífico que somente a cooperação entre as distintas ciências preocupadas com a dinâmica dos sistemas globais pode atender. A geoeconomia oferece um instrumental importante para a análise das contradições vigentes no mundo atual e contribui para a busca de vias alternativas para sua superação, o que é particularmente importante considerando a inserção atual da América do Sul nos circuitos econômicos mundiais e o papel que possa vir a desempenhar no enfrentamento dos desafios impostos pelas mudanças globais.
A Era da Instabilidade As raízes da crise atual que afeta a Europa Ocidental e os Estados Unidos repousam nas decisões de política econômica adotadas no início dos anos 80, que estimularam diretamente a desregulamentação dos sistemas financeiros nacionais 11
Crise, mudanças globais e inserção da América do Sul na economia mundial
e aceleraram a circulação de toda a sorte de títulos mobiliários no mercado global. Do ponto de vista da origem primária dos recursos, duas fontes são importantes. Primeiro, o mercado imobiliário norte-americano e sua formidável capacidade de gerar títulos hipotecários, que serviram de lastro para uma miríade de títulos derivativos privados que se espalharam por todo o mercado global. Segundo, e não menos importante, é a grande capacidade de poupança da China, que rapidamente se transformou em um credor global, detendo a maior parcela de títulos do governo norte-americano e, portanto, umbilicalmente ligada às suas decisões de política monetária. As empresas chinesas também passaram a investir pesadamente fora do território nacional, em que foram acompanhadas por suas concorrentes russas, indianas e, também, brasileiras, principalmente nos setores de energia e matérias-primas, disputando posições em diferentes partes do planeta, com destaque para suas operações na África e na América do Sul. A presença de capitais russos, chineses e indianos competindo por recursos naturais é uma consequência direta da ruptura do mundo bipolar ocorrida entre as duas crises financeiras e, de certa maneira uma reorientação do sistema capitalista global. As “guerras por recursos” assumiram diversas formas e resultaram em distintas estruturas produtivas nas três idades do capitalismo. A Idade Europeia, capitaneada pela Grã-Bretanha, que assumiu seu apogeu na fase imperialista do final do século XIX, foi marcada de um lado pela presença colonial e militar nos territórios em disputa entre as potências da Europa, como foi o caso da Ásia e África, e de outro, pelo controle sobre a estrutura de produção, transporte e comercialização, como foi o caso dos países politicamente independentes, mas economicamente dependentes, da América Latina. A crise de 1929, que financeiramente foi uma crise do padrão-ouro e da libra esterlina, abriu espaço para a conquista da hegemonia global pelos Estados Unidos, inaugurando a Idade Norte-americana que, do ponto de vista do abastecimento de matérias-primas, pode ser dividida em duas fases. A primeira fundada na grande base interna de recursos naturais, principalmente energéticos, tanto carvão natural, como petróleo, o que alimentou a expansão industrial dos EUA até o final da década de 1950. A partir de então, as empresas norte-americanas passam a atuar mais diretamente sobre as bases de recursos naturais além de suas fronteiras nacionais. Nos dias atuais, a emergência de países como a China e a Índia no mercado mundial alterou significativamente a corrida por recursos naturais em escala global. Primeiro porque são economias que apresentam acelerada taxa de crescimento, em torno de 10 % ano, com crescente participação no mercado mundial. Ambas dispõem de uma imensa base populacional – já que juntas detêm cerca de 12
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um terço da população do planeta, que ainda é predominantemente rural e que atravessam um rápido processo de urbanização e metropolização, que se expressa em uma insaciável demanda por bens e serviços, que são obtidos tanto nos respectivos territórios nacionais, como também em diversas partes do mundo através da presença de grandes corporações transnacionais. A elevada pressão das economias asiáticas sobre a base de recursos naturais e as aceleradas industrialização e urbanização que atravessam contribuem para aumentar significativamente as emissões antrópicas de gases de estufa, resultantes da matriz energética fundada em hidrocarbonetos fósseis, da concentração da população em grandes aglomerações urbanas, da agricultura apoiada em fertilizantes nitrogenados, na indústria que opera em ciclo aberto e com grande intensidade energética e na predominância dos transportes individuais motorizados, que são responsáveis por um padrão de desenvolvimento global que, segundo os especialistas, dificilmente será alterado em tempo hábil, capaz de evitar seus efeitos acumulados há séculos.
Da geografia econômica à geoeconomia A geografia econômica tem uma de suas origens na geografia comercial britânica do final do século XIX. Representa um período em que o conhecimento mais detalhado sobre a disponibilidade de mercadorias para alimentar a circulação comercial desempenhou um papel decisivo na projeção do capitalismo britânico em escala internacional. Durante o século XX, a geografia econômica se consolidou enquanto disciplina acadêmica nas universidades europeias e norteamericanas. Nos Estados Unidos recebeu forte influência da geografia regional e os compêndios de geografia econômica utilizados nas universidades norteamericanas difundiam uma visão de mundo que foi fortemente marcada pela Guerra Fria e a bipolarização no pós-guerra. Na Europa, principalmente na França, a geografia econômica foi influenciada pelo debate do desenvolvimento e subdesenvolvimento que emerge com a reconstrução econômica e a descolonização política, o que fez com que a geografia ativa estivesse na agenda tanto das nações europeias dizimadas pelo conflito, quanto nas jovens nações africanas e asiáticas, que buscavam vias alternativas para vencer o atraso e a dependência legadas pelas antigas metrópoles coloniais. A crise da década de 1970 trouxe mudanças conceituais radicais na geografia econômica. Envolvida pela ‘revolução quantitativa’ dos anos 60, 13
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foi submetida à ‘crítica radical’, que inverteu a prioridade de seus argumentos e orientou-a para o engajamento junto aos movimentos sociais de 1968 e de contestação à Guerra do Vietnã. Tal movimento pode ser acompanhado pela trajetória de David Harvey, que em 1969 publica o seu Explanation in Geography, de orientação fortemente quantitativa, a seguir Social Justice in the City (1973), onde rompe com a formulação anterior e lança as bases de sua visão crítica sobre os processos espaciais, que atinge um posicionamento claramente marxista em The Limits of Capital (1982). O desmoronamento do bloco soviético e a emergência dos Estados Unidos como potência global unipolar fez com que os imperativos territoriais da geopolítica se deslocassem para o controle geoeconômico dos mercados. Luttwak (1990 e 2000) e seus seguidores, principalmente os economistas franceses como Lorot (1999), passaram a considerar a geoeconomia como uma mera extensão da geopolítica através do emprego do poderio econômico. Em trabalho anterior (Egler, 2008) apontou-se que a geoeconomia tem uma história de quase um século enquanto disciplina preocupada com as dimensões territoriais da dinâmica econômica, porém que sua importância nos dias atuais é decisiva para entender a fase atual de desenvolvimento do capitalismo, os impactos da atividade humana sobre os sistemas globais e os conflitos e ajustes existentes na busca de um quadro regulatório que seja capaz de enfrentar os problemas que afetam a economia mundial. Em artigo recente, Cowen e Smith (2009) questionam o primado da Geopolítica na explicação dos processos espaciais contemporâneos e apontam na direção de uma Geoeconomia social, considerando sua importância em três domínios: o efeito dos fluxos supranacionais sobre a segurança territorial, os impactos da lógica de mercado sobre a segurança social e a ‘ressignificação’ do Estado nacional como agente geoeconômico submetido frequentemente à lógica privada. Harvey (2003:32) afirma que “o capitalista opera no espaço e no tempo contínuos, enquanto o político opera em um espaço territorializado”. Para ele a acumulação é difusa e ocorre de forma molecular em distintas localizações, apresentando grande diversidade de composições orgânicas, muitas delas favorecidas pela atuação do Estado nacional, pela aplicação de políticas regionais e locais como, também, pelas vantagens competitivas endógenas desenvolvidas no processo de acumulação. A questão está em como interconectar estas distintas localizações e garantir a constante e segura circulação de mercadorias e capitais. Esse é o domínio das finanças e campo preferencial da geoeconomia. 14
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Ao analisar o processo de internacionalização dos mercados, da produção e dos circuitos financeiros, Martins (1999) mostra que a lógica econômica das grandes empresas nem sempre coincide com os interesses dos estados nacionais de onde se originam, chamando a atenção para o fato de que as decisões privadas podem afetar diretamente a estabilidade econômica internacional e a macroeconomia dos Estados nacionais, sem que estejam disponíveis, pelo menos por enquanto, mecanismos efetivos que regulem as operações desses grandes grupos econômicos. As contribuições da geoeconomia, no entanto, não se restringem ao estudo das relações entre Estado e mercado e aos mecanismos utilizados para projetar o poderio econômico. Há também outro aspecto em que o instrumental geoeconômico vem ganhando terreno nos dias atuais. Trata-se da análise dinâmica dos chamados sistemas globais, que envolve questões cruciais acerca das relações entre sociedade e natureza diante da crescente depleção dos recursos naturais e do esgotamento da capacidade de autodepuração da biosfera. Considerando o papel das emissões de gases de estufa para o aquecimento global e as consequentes mudanças climáticas, o instrumental da geoeconomia passou a ser aplicado para analisar a influência das decisões econômicas sobre os sistemas globais A geoeconomia nos ensina também que o núcleo central da questão do aquecimento global repousa na matriz energética desenvolvida a partir da Segunda Revolução Industrial, fundada na geração de energia elétrica em grandes plantas térmicas e na exploração maciça de hidrocarbonetos fósseis. Existem diversas fontes alternativas de energia, renováveis e menos poluentes, como os biocombustíveis e o hidrogênio, entretanto as forças geoeconômicas que dominam o mercado mundial de energéticos não parecem estar dispostas a ceder sua posição hegemônica de mais de um século no mercado mundial de energia, apesar dos conflitos e guerras por recursos que marcam o início do milênio.
A inserção da América do Sul Por sua própria natureza, petróleo e gás natural são negócios para grandes investimentos, independente da origem do capital, seja privado, estatal ou misto. O risco envolvido, o tempo de maturação e a integração dos fluxos nas diversas fases de produção, induzem à centralização e à concentração dos capitais aplicados. Além disso, considerando as condições de poder estratégico que o seu fornecimento exerce sobre o conjunto da economia, os negócios petrolíferos 15
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sempre se situaram na fronteira entre estado e mercado e na agenda dos interesses territoriais vinculados à segurança nacional (Falola & Genova, 2005). Atualmente, entre as 50 maiores companhias petrolíferas do mundo, 27 têm o seu controle acionário nas mãos dos respectivos estados nacionais. Praticamente 75 % das reservas mundiais de petróleo e gás natural pertencem às empresas nacionais estatais ou mistas e, no reverso da moeda, apenas 2 % das reservas são controladas pelas cinco maiores empresas privadas norte-americanas. A partir da década de 1970, com os choques de preços dos hidrocarbonetos, os negócios ligados ao petróleo e gás natural foram estatizados nos principais países produtores, transferindo parcelas importantes das rendas petrolíferas para o controle de grupos territoriais, definindo o Estado Rentista como uma forma contemporânea de manutenção do poder de interesses territoriais através da transferência de receitas graças à propriedade da terra e dos recursos naturais (Beblawi & Luciani, 1987 e Yates, 1996). Entretanto, a lógica da acumulação continuou vigente, e muitas vezes dominante, nas decisões de investimento de muitas empresas estatais e mistas, que progressivamente romperam os limites nacionais e passaram a operar nas diversas fases do processo produtivo do setor de petróleo e gás natural, inclusive na esfera financeira através da especulação com os preços internacionais do petróleo, atuando nas mais diferentes localizações geográficas, tanto em terra, como no mar. Nos anos 70, também houve uma guinada significativa do governo e das grandes empresas norte-americanas no mercado mundial de petróleo. Confirmando as previsões de Hubbert (1956), os EUA atingiram o peak oil, invertendo a tendência histórica de expansão e iniciando a fase descendente do ciclo, com retração no volume das reservas provadas e na produção doméstica de petróleo. A partir de então, aumentou significativamente a dependência norte-americana das importações de petróleo e gás natural. Isto ajuda a explicar a presença geopolítica e geoeconômica no Oriente Médio e os custos militares crescentes embutidos nos preços internacionais do petróleo. É nesse contexto que as recentes descobertas no Brasil de petróleo e gás natural na camada pré-sal e a abertura à exploração na Venezuela da faixa do Orenoco definem a América do Sul como uma das mais importantes fronteiras energéticas do planeta. À primeira vista, isto poderia ser um ambiente geoeconômico extremamente favorável para os países que dispõem dessas novas fontes de hidrocarbonetos, pois em uma lógica cartesiana elementar os preços tenderiam a crescer à medida que as áreas consolidadas fossem perdendo sua capacidade extrativa. No entanto, no campo dos negócios do petróleo, o cartesianismo tem pouca ou nenhuma validade, 16
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e é sempre recomendável ter em mente a frase atribuída a um potentado árabe que teria afirmado que “a idade da pedra não acabou por falta de pedra”. Não há a menor dúvida de que a exploração da fronteira de recursos na América do Sul irá exigir investimentos vultosos para enfrentar os desafios, tanto das condições adversas da distância à costa e grandes profundidades no caso do pré-sal, como para o transporte e processamento do petróleo pesado e ultrapesado a ser extraído do Orenoco. A questão reside no ciclo de vida das tecnologias para prospecção e exploração em águas profundas em relação ao desenvolvimento de novas fontes de energia em escala global e no poder de arrasto sobre o potencial nacional de geração de inovações que serão necessárias para a efetiva ocupação da fronteira de recursos. Previsões mais otimistas estimam uma década para a plena exploração do petróleo do pré-sal e do Orenoco. Provavelmente a demanda mundial por hidrocarbonetos estará bastante aquecida no futuro imediato, nem tanto pelo consumo dos Estados Unidos, União Europeia e Japão, cuja eficiência energética é crescente e declinante a parcela de carbono nos respectivos produtos nacionais. China e Índia, pelo contrário, estão aumentando rapidamente a sua parcela na demanda mundial de combustíveis fósseis e suas empresas estatais tenderão a assumir posições agressivas para aumentar seu poder de negociação e de formação de preços no mercado de hidrocarbonetos, que serão inevitavelmente necessários para atender ao acelerado processo de urbanização no Leste e Sul da Ásia. Do ponto de vista geográfico, o petróleo e o gás natural destacam-se por sua grande mobilidade espacial, sendo um dos fatores fundamentais para alimentar a acelerada urbanização do pós-guerra e a vigorosa expansão do ecúmeno, tanto no interior dos continentes, como para as áreas marítimas vizinhas. Dificilmente poder-se-ia conceber o padrão atual de povoamento da Amazônia sul-americana sem o concurso dos derivados de petróleo, que fornecem tanto a energia que alimenta as termoelétricas urbanas, como movimentam pessoas e mercadorias através de precária, e frequentemente temporária, rede de estradas. No entanto, a urbanização brasileira e de grande parte das economias sul-americanas, se fez com níveis de carbono relativamente baixos quando comparados aos países centrais. Excetuando a Guiana e o Suriname, que dependem diretamente de derivados de petróleo para gerar energia elétrica em condições amazônicas, e a Venezuela, o Equador e a Bolívia, que são exportadores de petróleo e gás natural; os demais países apresentam baixos níveis e manifestam a tendência de redução na participação do carbono no PIB, notoriamente a Argentina e a Colômbia. 17
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A intensidade energética do PIB, que mostra o consumo de energia por unidade de produto é bastante diversificada, variando entre o padrão europeu do Uruguai até o extremo do Paraguai, cujo principal produto de exportação é a energia elétrica de Itaipu. Argentina e Peru vêm a seguir no que diz respeito a eficiência energética e o Brasil, Chile e Colômbia apresentam situação intermediária, sendo que no caso brasileiro houve significativa mudança a partir de 2001 e 2002 com os efeitos do racionamento de energia elétrica devido à falta de água nos reservatórios e de investimentos em energia. Bolívia, Equador e Venezuela, que são países exportadores de petróleo e gás natural, e o Suriname e a Guiana, que no reverso são dependentes da importação de petróleo para gerar energia, são aqueles que apresentam a participação mais elevada de energia por unidade de PIB, tendendo a mostrar que os combustíveis fósseis têm custo elevado para economia nacional. O quadro toma cores mais carregadas quando se observa a expressiva participação das emissões de carbono, que no caso da Bolívia cresceram rapidamente com a produção e exportação de gás natural. O desafio que se coloca para o futuro, que vai influir diretamente nas vias de transição da América do Sul, está na geoeconomia da exploração, produção e consumo das grandes reservas de petróleo do pré-sal na costa brasileira e da faixa do Orenoco Venezuelana. No centro de comando e decisão estarão duas grandes companhias petrolíferas estatais que hoje se situam entre as vinte maiores do mundo: a PDVSA e a Petrobras. Considerando que a Venezuela já possui economia profundamente marcada pelo petróleo, não existem evidências de que tais decisões possam reverter radicalmente a tendência histórica e levar a maior diversificação em sua matriz energética e produtiva. Por outro lado, o Brasil, por suas dimensões territoriais, demográficas e econômicas, as decisões geoeconômicas que a Petrobras venha a tomar na escala nacional terão seguramente reflexos importantes na velocidade de transição do continente sul-americano. No Brasil, a importância da Petrobras é tão decisiva que cerca de 40 % dos investimentos previstos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), principal programa econômico do atual governo, resultam de suas decisões estratégicas de acumulação. Decisões essas que muitas vezes são objeto de negociações políticas com interesses territoriais, como, por exemplo, a implantação de seis novas refinarias em distintos estados da federação. O desafio está em explorar o pré-sal sabendo que a economia mundial está transitando para a redução significativa do carbono em sua matriz energética e que grandes investimentos estão sendo feitos para conquistar posições nos mercados emergentes de fontes alternativas. 18
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Não são poucas as companhias petrolíferas globais que estão se transformando em empresas de energia, diversificando seus investimentos em diversas fontes. A própria Petrobras criou uma subsidiária de biocombustíveis e desenvolve pesquisas no processamento de lignocelulose. Entretanto, o esforço necessário à exploração da camada pré-sal – agravado pela mudança no quadro regulatório que a transforma na principal operadora dos campos ultra profundos – pode vir a ser uma faca de dois gumes. De um lado garantiria rendas petrolíferas quase monopólicas à empresa e ao governo brasileiro; de outro poderia drenar investimentos e capacidade técnica que seriam necessários à transição sustentável para uma economia com baixos teores de carbono.
Para Refletir Na América do Sul, a principal orientação dos investimentos nas últimas décadas foi direcionada para aumentar a oferta de commodities agropecuárias e minerais no mercado mundial. Grande parte dessas commodities está sendo consumida na China e na Índia, que são países que apresentam um rápido crescimento urbano com uma substancial mudança da distribuição territorial de suas numerosas populações. Soja, minério de ferro, alumínio, petróleo e, mais recentemente, biocombustíveis integram a pauta de exportações das nações sulamericanas, que contaram com substanciais investimentos de grandes empresas transnacionais beneficiadas pela liberação fiscal e financeira adotada pelos governos nacionais. A crise financeira que marca o final da década atual coloca em cheque esse padrão de desenvolvimento e inserção na economia mundial. A América do Sul é o continente responsável pela maior parcela das exportações mundiais de proteínas vegetais e animais, porém grande parte da população urbana e rural no continente padece de fome crônica e desnutrição por ausência de proteínas. As reservas de água potável são as mais abundantes do planeta, mas estão sendo exportadas nas mais diversas formas sem que a maioria da população tenha acesso ao saneamento básico, o que progressivamente contamina essas reservas. A dependência do petróleo deixou marcas profundas na Venezuela e, no futuro próximo, poderá a vir orientar fortemente a economia brasileira em um sentido e direção que poderá colocá-la na contramão da história.
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Análise geo-histórica da indústria de refino de petróleo no Brasil1 Pierre Costa Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) – Guarapuava (PR) Em suas primeiras décadas o negócio do petróleo forneceu a um mundo que se industrializava um produto ao qual se deu o nome inventado de “querosene”, conhecido como a “nova luz” que fazia recuar a noite, estendendo assim o dia de trabalho. No final do século XIX, John D. Rockefeller tornou-se o homem mais rico dos Estados Unidos graças sobretudo à venda do querosene. Por essa época a gasolina era apenas um subproduto inútil pelo qual às vezes se obtinham dois cents por galão, sendo despejada nos rios à noite quando era absolutamente impossível vendêla. Mas quando a invenção da lâmpada incandescente parecia indicar a obsolescência da indústria do petróleo, uma nova era se inaugurou com o desenvolvimento da máquina de combustão interna provida de energia pela gasolina. A indústria do petróleo tinha um novo mercado, uma nova civilização nascia. Daniel Yergin — O petróleo.
Introdução1 O petróleo modificou significativamente a economia, a sociedade e o espaço dos países produtores do mundo em desenvolvimento nos últimos dois séculos. Nestes países, o papel dos hidrocarbonetos foi normalmente duplo. Petróleo e gás natural propiciaram divisas, energia e matérias-primas a partir das quais começa um processo de industrialização. Inicialmente, os governos buscavam valorizar suas exportações mediante agregação de valor ao produto bruto. Isto significou investimentos expressivos em unidades de refino, geralmente instaladas nas proximidades dos portos exportadores (MONIÉ, 2003, p. 257). 1
Este capítulo reproduz em parte trabalho em coautoria com Sandra Lúcia Videira, apresentado originalmente no I Simpósio Nacional de Geografia Política, Território e Poder, em 2009; e publicado nos Anais do Evento. Também representa um segmento da Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em História da UFF, em dezembro de 2009.
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Análise geohistórica da indústria de refino de petróleo no Brasil
Em todos os casos, a capacidade de refino cresceu e permitiu diversificar o leque dos produtos exportados, limitando, em certos casos de forma significativa, a participação do petróleo bruto na pauta das exportações. Paralelamente, os mesmos países construíram uma indústria petroquímica – produzindo principalmente etileno, plásticos e fibras – que funcionou como pilar da industrialização e também como símbolo do acesso a uma segunda revolução industrial. (...) Ainda na década de 1970, o brusco aumento do preço do petróleo nos mercados internacionais acelerou o processo de nacionalização do setor e incentivou os programas de integração vertical, visando a dominar a cadeia das atividades, das jazidas até os postos de gasolina (MONIÉ, 2003, p. 257).
Abordamos a evolução da atividade de refino no Brasil. Para a construção deste capítulo, realizamos a leitura e reflexão da bibliografia levantada. Também utilizamos uma gama variada de fontes, onde destacamos: jornais, revistas e documentos; visitas técnicas à Refinaria Duque de Caxias (REDUC) e ao Terminal Aquaviário da Baía de Guanabara (TABG). No período 1930-45 o governo de Vargas tratou de três importantes questões – petróleo, siderurgia e energia elétrica – porque as compreendia como essenciais para o pulo de desenvolvimento industrial que viria depois da crise internacional e o fim das reformas institucionais necessárias ao novo Estado e à sua relação com o mercado (LEOPOLDI, 2003, p. 252). Neste capítulo nos deteremos à questão do ouro negro, crucial para o desenvolvimento do mesmo. Observamos que em meados da década de 1930, quando o Brasil dependia largamente da lenha e do bagaço da cana para ativar as máquinas de suas indústrias, já se pensava no combustível derivado do petróleo como fonte energética para a indústria. Algumas refinarias foram criadas, utilizando matéria-prima importada, encorajadas pelos incentivos governamentais para o processamento do óleo cru e do óleo combustível.
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Refino de petróleo no Brasil e a criação do Conselho Nacional do Petróleo
O refino de petróleo no Brasil teve início em 1932, por iniciativa privada, quando foi construída a primeira refinaria, a Refinaria Riograndense, em Uruguaiana (RS), processando petróleo importado do Uruguai e da Argentina, 22
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com capacidade de 150 barris/dia (bpd). Posteriormente, em 1936, entraram em operação mais duas refinarias: Ipiranga2, localizada no Rio Grande (RS), com capacidade para 1.000 bpd e a das Indústrias Matarazzo de Energia, em São Caetano (SP), com capacidade para 500 bpd (ver Quadro 1). Preocupado com o preço da gasolina importada, o Conselho Federal do Comércio Exterior (CFCE) estudou a questão do petróleo em 1935, chamando a atenção para a dependência da economia nacional junto às empresas petrolíferas internacionais, seja no abastecimento do produto, como no estabelecimento de seu preço. Entre as cinco empresas abastecedoras, destacavam-se a Standard Oil of New Jersey e a Anglo Mexican (Shell). Ademais, o industrial Euvaldo Lodi, representante dos industriais no CFCE, propôs que o governo incentivasse a implantação de refinarias por grupos privados nacionais. Para Lodi, competia ao Estado a importação e o controle da oferta interna do óleo, ao passo que os empresários processariam o petróleo nas refinarias privadas. Já estava evidente para ele, nesse momento, que o continuar do problema do petróleo no país iria necessitar de uma união dos industriais com os militares, para quem o petróleo era uma questão de segurança nacional. No começo de 1938, o Exército solicitou a atenção do Conselho Superior de Segurança Nacional para o conjunto do problema e propôs que o CFCE fosse designado para avaliá-lo e de sugerir para o mesmo a solução apropriada aos interesses da economia e da defesa nacionais. Nas reuniões do CFCE, nas quais atuou como relator da matéria o engenheiro Domingos Fleury da Rocha, antigo chefe do Serviço Geológico do Ministério da Agricultura, depois diretor-geral do DNPM e um dos autores do Código de Minas de 1934, foi confeccionado o projeto daquilo que seria o Conselho Nacional do Petróleo (CNP). Concordamos com Cohn (1968, p. 48), quando ele diz que “nesse documento, a influência da concepção ‘militar’ do problema do petróleo, que era encarado em termos de segurança nacional, foi decisiva, de vez que forneceu a pedra de toque para as suas formulações de cunho mais nacionalista”. Nessa época, o país não detinha legislação sobre o petróleo e nenhum controle sobre a incipiente atividade do refino. Durante o Estado Novo (193745), em 1938, Vargas, por meio de decretos, declarou como serviço de utilidade pública todas as atividades referentes ao petróleo (incluindo o refino) e definiu 2
O Grupo Ipiranga, do qual a refinaria Ipiranga faz parte, foi vendido, em 2007, por US$ 4 bilhões para o Consórcio Braskem, Petrobras e Grupo Ultra, entrando com US$ 1,1 bilhão, 1,6 bilhão e 1,3 bilhão, respectivamente. O controle da refinaria passa a ser dividido em três partes (1/3 para cada empresa).
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que tais atividades estariam subordinadas à autorização oficial e só deveriam ser concebidas por brasileiros natos. O presidente também criou o CNP, responsável pela política nacional para o setor. A instituição do CNP através do Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938, significou a primeira iniciativa sólida do governo federal de regulação do setor petrolífero. Representou o ponto final de um processo que, iniciado com a promulgação da Lei de Minas de 1921, se tornou mais complexo a partir de 1933, com o conflito entre empresários e grupos técnicos do governo sobre a atividade petrolífera no Brasil, e culminou com a vitória das posições nacionalistas, defendidas principalmente pelos militares (VICTOR, 1970, p. 97-113; COHN, 1968, p. 39-68 e Arquivo Horta Barbosa – CPDOC/FGV). Sobre a legislação de 1938, fala-se que ela era mais uma estratégia do que uma política. Sem dúvida. A afirmação encontra-se em relatório oficial, do CFCE, que apresenta os dois primordiais motivos diretos que incentivaram o governo a tomar essas providências legais: a proximidade da guerra e a expansão da rede rodoviária. Não obstante, existe uma pedra angular de toda a concepção das leis de 1938 que é preciso apresentar em destaque, para que se compreenda melhor a evolução de fatos posteriores de relevância decisiva na política petrolífera. É a importância que se destinava ao refino na legislação de 1938, segundo o pensamento do general Horta Barbosa: “Alicerce da independência econômica de um povo, a indústria da refinação deve ser criada, com a descoberta ou não das jazidas de petróleo”3. O CNP foi criado como um órgão dotado de elevado grau de autonomia administrativa e financeira, submetido de modo direto apenas ao presidente da República. Seu primeiro presidente foi o general Júlio Caetano Horta Barbosa (1938-43)4, oficial nacionalista de formação positivista. Ademais, seu corpo técnico, formado principalmente após 1941, viria a compor a fonte mais relevante de recursos humanos para a Petrobras. O general Horta Barbosa não tardou a se aproveitar da lei para criar obstáculos no funcionamento de empresas privadas – atitude que daria gênese a famosos entreveros com Monteiro Lobato e com a estadunidense Oil Company –, para estatizar os campos petrolíferos descobertos na Bahia e para começar o planejamento de uma refinaria estatal. Observamos, através da leitura da bibliografia e fontes consultadas, que foi na área das decisões que concernem de 3
CPDOC/FGV. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930 (em CD) – Petrobras. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, sem data, p. 4.
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Ex-diretor da Engenharia do Exército.
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maneira global à economia do país e referem-se às grandes linhas da política do petróleo que a ação do CNP deixou suas impressões mais relevantes. O Decreto-Lei nº 2.615, de 21/09/1940 implantou as condições fiscais para o estabelecimento da refinação de petróleo em território nacional. A margem de proteção fiscal para a indústria nacional ficava, portanto, fixada em 25%. A implantação da indústria nacional de refinação de petróleo era um intuito do primeiro presidente do CNP, gal. Horta Barbosa. Foi, na prática, a sua grande batalha, e os obstáculos que enfrentou para alcançar esse intento da maneira que almejava – o monopólio estatal – foram um dos componentes que o levaram a pedir exoneração do cargo, em 1943 (COHN, 1968, p. 62). A partir de 1939, em função da descoberta de petróleo na Bahia e da dificuldade de importar derivados durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45), o CNP improvisou instalações rudimentares de refino na Bahia, porém apenas após a guerra e do final do Estado Novo, o governo Dutra definiu, no final de 1946, construir uma refinaria em Mataripe (BA), para processar o petróleo retirado dos poços baianos.5 Logo depois, no Plano Salte de 1948, Dutra planejou a ampliação da Refinaria de Mataripe, ainda em obras, e a construção de outra, de início prevista para o Rio de Janeiro, e depois instalada em Cubatão (SP), em 1955. Observamos que, o capital privado nacional também conseguiu autorização para dois projetos: a Refinaria União, em Mauá (SP), implantada em 1954 e a Refinaria de Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro. Antes da criação da Petrobras em 1953, seria aprovado mais um projeto privado, o da Refinaria de Manaus (AM) – vide Quadro 01. Notamos que o volume do refino aumenta em 1941 com a descoberta do primeiro campo de petróleo comercial, em Candeias (BA), atingindo a marca de 2.700 barris/dia (bpd) em 1953. A verdade, entretanto, é que nem mesmo o clima de festa que se teve com o início do funcionamento da Refinaria de Mataripe (BA) em 1950, com 2.500 bpd, primeira etapa de um plano para levá-la a refinar 5 mil bpd em outubro de 1959, pôde disfarçar o muito pouco que isso significava em face das necessidades que se expandiam e ainda mais das que se calculavam para o futuro. A partir de 1945, o consumo de derivados de petróleo disparara. Em 1950, praticamente triplicara: em 1945, o país consumia 34 mil bpd; em 1950, 5
Na segunda metade dos anos 1930, o engenheiro Manuel Inácio Bastos notou que, próximo à estação ferroviária de Lobato, perto de Salvador, os moradores iluminavam as casas com o óleo extraído de uma lama preta. Bastos formou, então, uma sociedade para explorar aquele material, porém não obteve autorização do governo federal. Após várias tentativas, a prospecção pôde ser iniciada. Foi ali que o petróleo jorrou pela primeira vez no País, em 21/01/1939. O volume era pequeno, não tendo importância comercial, porém despertou a nação para o potencial da produção. Dois anos mais tarde, em 1941, em Candeias (BA), foi descoberto o primeiro campo de petróleo comercial (ADEODATO, 2008, p.43).
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passou a consumir 100 mil bpd. O índice de evolução do comércio por vias internas estava deixando transparecer que o Brasil iria depender em escala crescente de rodovias para integrar e expandir a sua economia. De 1939 a 1950 o comércio por vias internas havia quase dobrado, enquanto o que se processava pela cabotagem aumentara de apenas uma vez e meia. Em 1954, a atividade exploratória foi iniciada com as descobertas dos campos terrestres das bacias do Recôncavo e de Sergipe-Alagoas. Quanto ao resto, era necessário perseguir a redução dos custos de importação de derivados através da criação de uma infraestrutura de abastecimento que garantisse o refino e uma rede de transporte em todo o território nacional (MELO, 1994, p. 235). Segundo Leopoldi (2003, p. 254-255), após a Segunda Grande Guerra, o consumo nacional de petróleo aumentou, ocasionando o racionamento de combustível, que por sua vez criou um mercado negro do óleo. A indústria e a aviação também necessitavam de óleo diesel. A falta do ouro negro foi então recebendo ares de questão política. Em breve, diversos setores urbanos estariam empenhados, ao lado de políticos e militares, na campanha “O petróleo é nosso”. O governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) enviou em 1948 ao Congresso Nacional um anteprojeto de lei com o fim de regularizar a atividade petrolífera, o Estatuto do Petróleo, que representava em parte as teses sustentadas pelo general Juarez Távora, pois possibilitava a participação do capital internacional no setor. O Estatuto do Petróleo estabelecia um sistema de concessões pelo prazo inicial de 30 anos; para acesso à pesquisa e lavra, as empresas estrangeiras não necessitavam de associação com o capital nacional, porém no transporte e refino sua participação era fixada em 40%. A exportação de petróleo e de derivados também era controlada, porque existia um relevante cuidado com o abastecimento interno; “o Estatuto do Petróleo não era um manifesto liberal. Tentava articular um compromisso e terminou por desagradar a ambos os lados” (DIAS e QUAGLINO, 1993, p. 95). Em 30 de setembro de 1948, o presidente Eurico Dutra enviou à Câmara dos Deputados a Mensagem nº 514, onde sugeria modificação nas verbas orçamentárias do Plano SALTE para o ano de 1949, por necessidade de aquisição imediata de material para construção de uma refinaria de petróleo, de locomotivas e de petroleiros. O debate sobre os destinos da indústria ganhou as ruas. Militares, técnicos, estudantes e jornalistas que lideravam a tendência nacionalista qualificavam como entreguista o Estatuto do Petróleo. A palavra de ordem dos nacionalistas era “O petróleo é nosso”, lema cunhado no
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movimento estudantil e que ganhou a boca do povo. Manifestações se multiplicaram pelo Brasil afora e o Estatuto do Petróleo permanecia sem aprovação no Congresso Nacional. As companhias estrangeiras também boicotavam o projeto porque desconfiavam da ingerência do CNP na regulamentação do setor e sobretudo temiam não terem o controle do mercado nacional de refino e transporte (MELO, 1994, 233).
A participação popular descrita acima, num debate de aspecto precisamente de política econômica, foi algo peculiar na história do Brasil. O movimento popular aumentou e alastrou-se pelo país. Em 1949, foi inaugurado o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN), cujas finalidades eram mais abrangentes do que a simples defesa do petróleo. Nas eleições de 1950 diversos membros dos Centros de Defesa do Petróleo, em vários estados, foram eleitos e a discussão alcançou o poder legislativo. No Clube Militar, também a chapa de tendência nacionalista tinha sido eleita; esta era presidida pelo general Newton Estillac Leal, futuro ministro da Guerra de Vargas, e o seu vice era o general Júlio Caetano Horta Barbosa. A Campanha Nacional de Defesa do Petróleo e o Clube Militar formaram um pólo essencial de apoio à evolução do projeto desenvolvimentista nacionalista. Com a campanha aumentou intensamente a ideologia da “emancipação econômica” do Brasil e, com ela, da industrialização planejada. A Revista do Clube Militar transformou-se num órgão de consulta obrigatória, não só para os militares, mas também para os civis interessados na estratégia de desenvolvimento econômico nacional (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 323).
As eleições presidenciais de 1950 recolocaram Getúlio Vargas no poder; em contraste com Dutra, Vargas assumiu a presidência com um compromisso de aprofundar a industrialização nacional, sendo importante solucionar a questão do ouro negro. A campanha do petróleo continuava nas ruas, a violência policial atormentava seus membros, com a desculpa de que comunistas participavam da campanha. Ademais, o Ministério da Justiça, em meados de 1951, tentou interromper as atividades do CEDPEN no Distrito Federal, terminando à bala com uma conferência; a perseguição também ocorria nos estados, sendo que em Minas Gerais, o governador Juscelino Kubitschek lacrou o centro local. Finalmente, em dezembro de 1951, Getúlio Vargas tirou do Congresso Nacional o anteprojeto do Estatuto do Petróleo e enviou outro. 27
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Quando Vargas chega à presidência pela segunda vez, em 1951, a questão do petróleo tinha adquirido tal expressão na vida política e econômica do país, que dificilmente poderia ser desprezada. As metas principais eram as relacionadas com as atividades de pesquisa, industrialização e armazenamento dos refinados. A duplicação da Refinaria de Mataripe (BA) e intensificação das obras de construção da Refinaria de Cubatão (SP) representaram medidas iniciais designadas a levar à frente a completa substituição da importação dos refinados. A complementação da frota de petroleiros, por outro lado, propunha-se, junto à primeira, atenuar a capacidade de compra no exterior e diminuir os riscos de falta de combustíveis nas situações de emergência. Conforme Draibe (1985, p. 172), esses intuitos foram pensados no longo prazo; em razão do tempo e volume de recursos necessários à montagem das instalações e aquisição de equipamentos, a opção seria, claramente, aquela que já vinha amadurecendo pelo debate político desde a apresentação do Estatuto do Petróleo pelo presidente Eurico Dutra: o aumento da produção nacional de petróleo, destinando capital às atividades de pesquisa e extração até então sob responsabilidade do CNP e, simultaneamente, solicitando os esforços públicos e privados para a solução da questão em bases reais e permanentes. Em dezembro de 1951, o Executivo enviou ao Congresso o Programa do Petróleo Nacional, sugerindo também a criação da Petrobras. O programa, confeccionado para um período de cinco anos (1952-1956), baseava-se na previsão de que até 1955 o consumo de derivados no Brasil saltaria de 100 mil barris/dia para 200 mil – demanda que não poderia ser atendida nem em 50%, se levada em conta a capacidade máxima futura das refinarias em construção. Por outro lado, a extração nacional do petróleo representava somente 2,5% do consumo. Prevendo investimentos da grandeza de 8 bilhões de cruzeiros, o Programa destinava 62% para inversões de pesquisa e produção, 25% para o refino e o restante para equipamentos e transporte (VARGAS, 1952, p. 80), para aumentar a capacidade de refino, em 1956, para acima de 100 mil barris/dia do consumo previsto (ou seja, por volta de 300 mil barris/dia). Ademais, sobre os assuntos analisados acima, concordamos com a afirmação de Draibe (1985, p. 175): (...) As possibilidades de resolver os chamados “pontos de estrangulamento” em energia e transporte foram concebidas como intimamente associadas à criação das indústrias de base, como a produção de material e equipamentos para a indústria do petróleo,
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material elétrico pesado, material e equipamento para comunicações, e a grande indústria do transporte, isto é, a produção nacional de locomotivas e equipamento ferroviário, a indústria automobilística, a indústria naval etc.6
Existia um uso crescente do óleo bruto e seus derivados, tornando este item o primeiro lugar na pauta de importação. Ademais, o número de veículos importados tendia a subir (apenas em 1951, alcançara 100 mil), o que ocasionava um aumento na demanda de derivados. Aumentava também o consumo de combustível líquido por parte das fábricas, das ferrovias e dos veículos de carga que trafegavam pelas estradas. No Ministério da Fazenda foram instaladas duas agências para confeccionar planos e projetos direcionados para a industrialização e a infraestrutura energética: a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para Desenvolvimento Econômico (CMBEU)7 – 1951-1953 – e a Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI). No final de 1953, a CMBEU foi extinta, face ao desinteresse do novo presidente estadunidense, Dwight Eisenhower, nesse tipo de acordo técnico, englobando recursos públicos ao invés de investimentos privados. O BNDE continuou realizando o papel dessa comissão (LEOPOLDI, 1994, p. 169). A CDI, implantada em julho de 1951 com o fim de elaborar uma ampla política de desenvolvimento industrial, ao lado de projetos específicos de implantação e crescimento de setores da indústria. Em maio de 1952, essa Comissão confeccionou um Plano Geral de Industrialização, no qual determinou setores estratégicos a serem atendidas pelo governo: energia (refino de petróleo, indústria de equipamentos para prospecção e refino, material elétrico pesado), metalurgia (produção de ligas metálicas e seu processamento em bens de produção), indústrias químicas (insumos industriais, adubos, fibras artificiais e matérias plásticas, produtos farmacêuticos, celulose e papel), indústria da borracha e indústria de alimentos (DRAIBE, 1985, p. 219-221). A Refinaria de Mataripe iniciou as operações em 1950, com unidades de destilação e craqueamento térmico. Posteriormente, em 1954, entraram em funcionamento as refinarias União (20 mil bpd) e de Manguinhos (10 mil bpd), e um ano mais tarde, a Refinaria de Cubatão (45 mil bpd), iniciada pelo CNP e concluída pela Petrobras. Em fins de 1956 foi implantada a Refinaria de Manaus 6
Grifos do autor.
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Estabelecida a partir de um acordo entre os governos Dutra e Truman em 1950, e instalada em julho de 1951.
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(5 mil bpd) – vide Quadro 1. O governo Vargas também se inseria no setor de transportes, dispondo de navios petroleiros, adquiridos no governo Dutra, e em 1952, foi inaugurado o oleoduto ligando o porto de Santos a Cubatão e São Paulo.
2. Petrobras O projeto de criação da companhia de petróleo foi discutido durante quase dois anos pelas duas casas legislativas e, uma vez aprovado, em setembro de 1953, foi sancionado pelo presidente Vargas em 3 de outubro de 1953, transformando-se na Lei nº 2.004. Durante o seu exame pelos parlamentares, aprofundaram-se as discussões do Congresso e da grande imprensa, em sua maioria contrária à criação da Petrobras. Houve também tempo para que se acumulassem os recursos tributários e se reunisse a equipe técnica para dar início à empresa (LEOPOLDI, 1994, p. 180).
A empresa começa suas atividades em janeiro de 1954, estruturando-se como uma empresa de economia mista, onde o governo federal possuía 51% das ações. A Petrobras detinha o monopólio da prospecção e da exploração do petróleo, podendo contratar técnicos e firmas internacionais para esses serviços. Repartia sua capacidade de refino com firmas nacionais, autorizadas a funcionar pela Lei nº 2.004, porém era responsável pelo controle da produção dos derivados, e assegurava às refinarias particulares o abastecimento de matéria-prima e o mercado consumidor. Os seus recursos eram provenientes do patrimônio econômico e técnico8 herdado do CNP e da receita de parcela do imposto único sobre combustíveis e dos impostos sobre a compra e o licenciamento de veículos. Pela Lei nº 2.004 destinava-se ao CNP a função de supervisionar a oferta nacional do petróleo, ao passo que a Petrobras ficou responsável pela prospecção, extração, refino, comercialização e transporte do petróleo e derivados, processos esses que precisavam estar sempre de acordo com as diretrizes do CNP. O patrimônio herdado do CNP era insuficiente diante das necessidades do Brasil. Naquele período, o consumo era de 160 mil bpd, conseguidos através de importação. As refinarias em funcionamento e em construção não possuíam 8
A frota nacional de petroleiros (22 navios com 230 mil toneladas de porte bruto); o terminal de Madre de Deus (BA), a Refinaria de Mataripe (BA) – 5 mil barris/dia (bpd), a Refinaria de Cubatão (SP) – 45 mil bpd, as áreas de produção e os equipamentos de prospecção; somando aproximadamente US$ 165 milhões.
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