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Icnologia de Paleovertebrados


Conselho Editorial Série Letra Capital Acadêmica

Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR) Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM) Claudio Cezar Henriques (UERJ) João Medeiros Filho (UCL) Leonardo Santana da Silva (UFRJ) Luciana Marino do Nascimento (UFRJ) Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ) Michela Rosa di Candia (UFRJ) Olavo Luppi Silva (UFABC) Orlando Alves dos Santos Junior (UFRJ) Pierre Alves Costa (Unicentro-PR) Rafael Soares Gonçalves (PUC-RIO) Robert Segal (UFRJ) Roberto Acízelo Quelhas de Souza (UERJ) Sandro Ornellas (UFBA) Sergio Azevedo (UENF) Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR)


Paulo Roberto de Figueiredo Souto Organizador

Icnologia de Paleovertebrados


Copyright © Paulo Roberto de Figueiredo Souto (Org.), 2017 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e expressa do autor.

Editor João Baptista Pinto Capa Luiz Guimarães Ilustração: Paulo Roberto de Figueiredo Souto Projeto Gráfico e Editoração Luiz Guimarães Revisão Dos Autores

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

I22 Icnologia de Paleovertebrados / organização Paulo Roberto de Figueiredo Souto. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2017. il. ; 15,5x23 cm.

Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-542-1

1. Paleontologia. I. Souto, Paulo Roberto de Figueiredo.

17-42724 CDD: 560 CDU: 56

Letra Capital Editora Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781 vendas@letracapital.com.br


Agradecimentos

Ao Departamento de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao Setor de Paleontologia do Museu de Ciências da Terra da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais/RJ, ao Centro de Pesquisas Llewellyn Ivor Price, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, ao Centro de Pesquisas Paleontológicas da Chapada do Araripe do Departamento Nacional da Produção Mineral/CE, ao Museu de Paleontologia de Monte Alto, Ao professor Dr. Giuseppe Leonardi pela elaboração do prefácio, e ao prof. Dr. Heinrich Theodor Frank, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul pela colaboração nas informações e cessão de imagens utilizadas, ao apoio da Dra. Valeria Gallo presidente do Núcleo de Paleontologia RJ/ES e aos desenhistas Aline Ghilardi, Rodolfo Nogueira, Felipe Elias e Ariel Milani pela produção das ilustrações realizadas. A Sociedade Brasileira de Paleontologia, Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e ao Centro de Ciências da Biologia e da Saúde da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e ao Conselho Nacional de Pesquisa pelo reconhecimento e apoio aos projetos.



À memória do Dr. prof. Adauto José Gonçalves de Araujo Pioneiro no campo da paleoparasitologia, coordenador do Laboratório de Paleoparasitologia, da Escola Nacional de Saúde Publica da Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro.



Sumário Prefácio.............................................................................................13 Apresentação....................................................................................15 Capítulo 1 - Icnologia......................................................................17 1.1 - Introdução............................................................................17 1.2 - Classificação.........................................................................21 1.3 - Icnofácies continentais atribuídas a vertebrados...............24 1.4 - Perspectivas..........................................................................28 1.5 - Referencias bibliográficas...................................................28 1.6 - Figuras..................................................................................30 Capítulo 2 - Ovos fósseis.................................................................33 2.1 - Introdução............................................................................33 2.2 - Histórico...............................................................................37 2.3 - Classificação e metodologia................................................39 2.4 - Importância e aplicações.....................................................40 2.5 - Referências bibliográficas...................................................43 2.6 - Figuras..................................................................................47 Capitulo 3 - Coprólitos ...................................................................57 3.1 - Introdução............................................................................57 3.2 - Histórico...............................................................................60 3.3 - Classificação e metodologia................................................63 3.4 - Importancia e aplicações.....................................................68 3.5 - Referencias bibliográficas...................................................70 3.6 - Figuras..................................................................................75 Capítulo 4 - Pegadas fósseis...........................................................93 4.1 - Introdução............................................................................93 4.2 - Histórico...............................................................................94 4.3 - Classificação e metodologia................................................98 4.4 - Aplicação e interpretação................................................. 107 4.5 - Referencias bibliográficas................................................ 115 4.6 - Figuras............................................................................... 121


Capítulo 5 - Gastrólitos................................................................ 139 5.1 - Introdução......................................................................... 139 5.2 - Histórico............................................................................ 141 5.3 - Metodologia e descrição.................................................. 141 5.4 - Importancia e aplicação................................................... 143 5.5 - Referencias bibliográficas................................................ 146 5.6 - Figuras............................................................................... 149 Capitulo 6 - Regurgitólitos.......................................................... 153 6.1 - Introdução......................................................................... 153 6.2 - Histórico............................................................................ 154 6.3 - Aplicação........................................................................... 154 6.4 - Referencias bibliográficas................................................ 154 6.5 - Figura................................................................................ 155 Capitulo 7 - Escavações fósseis................................................... 157 7.1 - Introdução......................................................................... 157 7.2 - Classificação e metodologia............................................. 157 7.3 - Importancia e aplicação................................................... 158 7.4 - Referencias bibliográficas................................................ 163 7.5 - Figuras............................................................................... 166 Capítulo 8 - Urólitos..................................................................... 173 8.1 - Introdução......................................................................... 173 8.2 - Classificação e metodologia............................................. 174 8.3 - Referencias bibliográficas................................................ 176 8.4 - Figuras............................................................................... 179 Capítulo 9 - Tafóglifos.................................................................. 181 9.1 - Introdução......................................................................... 181 9.2 - Histórico............................................................................ 182 9.3 - Descrição e metodologia.................................................. 183 9.4 - Importância e aplicações.................................................. 183 9.5 - Referencias bibliográficas................................................ 184 9.6 - Figuras............................................................................... 185 Anexo - Tabelas de Ocorrências de Icnofósseis de Vertebrados nas Bacias Sedimentares Brasileiras.................... 191 10

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Prefácio

Meio-dia. No sertão causticante nordestino o ar deforma as

imagens. A pedra preta do lajeiro queima, mal se pode encostar a mão. O paleontólogo – um icnólogo, no caso, ou seja, um cientista rastreador – interrompe seu trabalho. Junta as ferramentas e os instrumentos, e se recolhe na sombra de uma oiticica. Entre um trago d’agua e outro, seus olhos se semicerram, e contempla os grandes rastros, profundamente gravados no lajedo. Esquerdadireita-esquerda. Uma passada de cinco metros. Muitas passadas frenéticas. O dinossauro, evocado com clareza, corre a toda enfiando os três dedos providos de garras afiadas na lama cinzenta. O peso do animal, mais de uma tonelada, faz a lama levantar-se na margem da pegada em uma alta reborda. O corpo do animal fica paralelo ao solo, a cabeça com a boca aberta sobre duas fileiras de dentes curvos e agudos, a cauda levantada em balanço. Os braços pendem nos dois lados com seus pequenos dedos entreabertos; as patas musculosas açoitam o ar na corrida. O animal some entre a vegetação. O icnólogo abre os olhos e volta ao presente, contempla mais uma vez a pista fóssil gigante que acaba de descobrir. Uma pista fóssil, um objeto icnólogico, uma janela na noite dos tempos. Assim é a icnologia, e particularmente a paleoicnologia de vertebrados tetrápodes, um setor talvez pouco conhecido da paleontologia, mas que sem dúvida será mais conhecida, divulgada, apreciada, graças a este volume que tenho o prazer de apresentar. A icnologia é uma ciência que permite, em muitos aspectos bem mais do que o estudo dos esqueletos, não tanto em sonhar, como se imaginava nos trechos acima, mas de documentar cenas de vida de animais, e secundariamente de plantas, do passado próximo ou distante. Quando se descobre e escava um esqueleto fóssil, sem dúvida se faz uma descoberta preciosa, mas apenas se descobre um corpo morto, precisamente um esqueleto. Quando se descobrem jazigos Icnologia de Paleovertebrados

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de animais fossilizados, como em alguma sanga de Santa Maria no Rio Grande do Sul, em um corte rodoviário ou em uma voçoroca do Triângulo Mineiro ou em outras regiões, trata-se de tanatocenoses, ou seja, de associações de animais reunidos naquele lugar pela morte e depois da morte. As carcaças procedem de lugares distantes, trasportadas e encalhadas em uma barra de areia. A icnologia não permite o conhecimento exato do corpo do animal fóssil como a osteologia, ou seja o estudo dos restos ósseos, que neste ponto leva ampla vantagem; mas tem a oportunidade de fazer-nos conhecer o animal de alguma forma “vivo”, engajado em suas atividades e operações dos tipos mais diferentes: como andava, corria, reproduzia, depositava os ovos – dos quais estudei alguns –, como ele construía ninhos; como se protegia escavando-se tocas, refúgios e crotovinas para defender-se e repousar: eu próprio estudei ninhos e tocas escavadas pelo bico de papagaios nos arenitos que ladeiam o Rio Negro na província homônima na Patagônia. E ainda, alguns setores da icnologia permitem “ver o animal” a alimentar-se, animais necrófagos a roer os restos ósseos de outros, deixando neles as marcas de seus dentes; herbívoros a digerir só parcialmente seu alimento vegetal permitindo ao icnólogo, e mais particularmente ao especialista de coprólitos, achar sementes e grãos de pólens ou esporos nos excrementos fósseis; analogamente os coprólitos de carnívoros conservam fragmentos de ossos mal digeridos, ou até pequenos animais engolidos inteiros, ou quase digeridos. Os coprólitos colaboram também na compreensão dos níveis de metabolismo e dos gastos energéticos dos seus produtores; e ainda revelam paleodoenças e paleoparasitas, como protozoários e vermes. Por outro lado, os regurgitólitos, pelotas alimentares cuspidas após uma refeição, nos instruem sobre os hábitos alimentares dos animais extintos, sobre as relações entre os carnívoros e suas presas, entre os herbívoros e sua forragem; entre os animais piscívoros e os peixes e outros animais aquáticos; entre os insetívoros e insetos, crustáceos e outros artrópodos. Na musculatura do estômago, ou melhor, onde esta se encontrava, se acham os gastrólitos, ou seja os clastos que vários animais, 12

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como os pássaros e os jacarés e seus parentes hoje e os dinossauros ontém, enguliam para auxiliar em “moer” o alimento mais duro, os gastrólitos, também objeto de estudo da icnologia, são produtos da atividade digestiva animal. Retornando às pegadas e pistas fósseis, nos primórdios da idade média, aliás até o século XVI ou XVII, e por vezes até hoje, os achados de material ósseo, e mais ainda das pistas dos grandes répteis e mamíferos fósseis, está na base de lendas populares e literárias de todo um bestiário medieval; atrás de muitas estórias como do dragão Fafner, do troll Grendel ou do Dragonheart na área germânica e escandinava, dos dragões na China e em outros países asiáticos, está a observação, por parte dos antigos, das pistas de Chirotherium (e ichnofamilia) nos arenitos da Saxônia e da Westfalia, ou das pistas de dinossauros presentes nas regiões germânicas. As maravilhosas pegadas de Homo erectus achadas em 2000 nos tufos de Roccamonfina (Foresta, Tora, Caserta na Itália), chamadas pelo povo do lugarejo “Ciampate del diavolo” ou seja, pegadas do diabo, ou quando nos arredores de Cianorte (PR), após ter descoberto em 1977 as pegadas de terópodos e de Brasilichnium, nos arenitos vermelhos do Grupo Caiuá, Formação Rio Paraná, e no córrego Catingueiro, ouvi falar pelo povo que havia “os passos de um santo” em uma pedreira de Indianópolis (PR), e ao ir lá, de fato encontrei, não as pegadas de um santo, mas pegadas de dinossauros e de mamíferos cretácicos na pedreira dos Dois Coqueiros, e também nas calçadas da praça principal da cidade de Indianópolis. Embora a icnologia seja uma ciência muito antiga, aliás um dos setores mais antigos da paleontologia, amiúde foi considerada pouco importante. Quando comecei a publicar meus primeiros trabalhos de icnologia de vertebrados, uma revista científica não aceitou meu artigo, argumentando se tratar de ficção científica! Entretanto, a partir dos últimos quarenta anos, esta ciência, sempre fundamentada nos achados mais concretos e abundantes, com base em dados quantificados e tabulados, provida de meios e métodos informatizados e sofisticados, foi levada mais a sério, e bem como pela contribuição que proporciona à datação dos terrrenos e aos estudos da estratigrafia, do paleombiente, do paleoclima e da Icnologia de Paleovertebrados

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paleogeografia. Sobretudo, as icnofaunas fósseis (e de materiais afins) nos fazem conceber a presença de milhares de indivíduos animais fósseis em regiões e em unidades estratigráficas onde os restos corporais estão total ou quase completamente ausentes, sendo uma verdadeira janela que se abre sobre um mundo perdido. Este livro contribui amplamente a abrir esta janela, a nível mundial, mas com particular atenção ao Brasil. O texto é acompanhado de numerosas ilustrações e de interessantes tabelas. Veneza, julho de 2017 Giuseppe Leonardi

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Apresentação

Já vai tempo, quando ainda éramos alunos do programa de pós-

graduação nossos destinos se cruzaram, e na efervescência do meio acadêmico, abraçamos a tarefa de decifrar os icnofósseis de vertebrados. No inicio a sensação era de olhar para os lados e perguntar, onde procurar? O que encontrar? Cada achado era um triunfo e um desafio! Ao longo dessa jornada, muitos trabalhos de campo realizados, projetos desenvolvidos e trabalhos escritos. Nosso entusiasmo em levar adiante e divulgar a Icnologia se concretizou na forma de uma tímida apostila que, por anos, nos guiou entre momentos de conquistas e frustrações. Mas o tempo não para, e hoje, após muitas descobertas e pesquisas, conseguimos reunir esse conhecimento, parcela tão significante da Paleontologia, na obra: Icnologia de Paleovertebrados, que tem por objetivo apresentar os diferentes padrões de icnofósseis relacionados a vertebrados extintos. O livro é constituído por nove capítulos que abordam os diferentes aspectos relacionados a evolução dos conhecimentos, descrição e aplicabilidade dos estudos dos vestígios fósseis associados aos vertebrados, permitindo ao leitor um entendimento claro e uma reflexão sobre cada tema. No final, é apresentado um anexo contendo tabelas que sintetizam as localidades e as unidades estratigráficas icnofossilíferas presentes no território brasileiro. Desejamos aos leitores uma incursão ao universo da Paleoicnologia, importante e surpreendente área do conhecimento sobre o registro da vida em nosso planeta. Atenciosamente Os autores

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Capítulo 1

Icnologia 1.1 - INTRODUÇÃO Os fósseis são classificados, quanto ao tipo de preservação, em resto, quando a estrutura corporal esta parcialmente ou completamente preservado e em vestígio quando apenas o molde ou a impressão da atividade vital esta preservada, nesse caso nos referimos de um modo geral as pegadas, ovos, coprólitos, regurgitólitos, urólitos, gastrólitos, escavações, estruturas que indiretamente indicam o vestígio da atividade de vida sobre ou dentro do sedimento. Esses vestígios fossilizados são estudados e descritos pela icnologia, termo que provém do grego: ikhnos=vestígios + logos=estudo, também chamados de bióglifos (Abel, 1935; Seilacher, 1953; Caster, 1957). Os estudos e identificação quanto a natureza dos vestígios deixados no sedimento é fundamentada principalmente na comparação com estruturas produzidas por vertebrados modernos com consequência da análise do comportamento e da interação deles com o meio em que vivem. As comparações tem permitido que os vestígios fósseis produzidos por vertebrados possam ser utilizados como parâmetros a respeito na interpretação dos aspectos ambientais, ecológicos e climáticos que atuaram na biosfera no passado, por serem reflexo da atividade dos organismos preservados no substrato os icnitos são um registro fiel da dinâmica in situ que quando integrados a presença de restos fossilizados de outros organismos revelam aspectos sobre a dinâmica dos organismos e suas interações no ambiente que viveram. O estudo da icnologia de vertebrados é muito anterior ao surgimento da icnologia de invertebrados. A primeira descoberta de uma pista de dinossauro ocorreu em 1802 pelo jovem lavrador chamado Pliny Moody de Massachusetts, Estados Unidos, que encontrou pegadas de três dígitos nos arenitos avermelhados do Vale de Connecticut (Estados Unidos), seguido em 1814 da primeira publicação de outro vestígio fóssil associado a um tipo de tetrapode terrestre na região de Dumfriesshire, Escócia (Buckland, 1829a,b). Icnologia de Paleovertebrados

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