Ozias Inocêncio
Justiça Social & Igualdade Racial Um estudo sobre Ações Afirmativas para o Brasil e em Queimados, RJ 2ª Edição
Copyright © Ozias Inocêncio Ferreira, 2011 Proibida a reprodução total e parcial sem a autorização prévia do autor.
Editor: João Baptista Pinto Capa/Projeto Gráfico: 2ébom Design Diagramação: Flávio Lecorny Revisão: Leonam de Oliveira Siqueira, Jader de Medeiros Britto e Diva Maria Digitadores: Anderson do Nascimento Silveira e Luiz Henrique Santos Santana CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
I44j Inocêncio, Ozias, Justiça social e igualdade racial: um estudo sobre ações afirmativas para o Brasil e em Queimados, RJ / Ozias Inocencio. – Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011. il. Anexos Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-083-9 1. Programas de ações afirmativas - Brasil. 2. Programas de ações afirmativas - Queimados (RJ). 3. Brasil - Relações raciais. 4. Negros - Brasil - História. 5. Justiça social - Brasil. 6. Queimados (RJ) - História. I. Título. 10-6025.
CDD: 305.80981 CDU: 316.347(81)
19.11.10
26.11.10
022852
Entre em contato com o autor: oziasinocencio@yahoo.com.br (21) 2663-3420 / 9155-5632 / 7129-3127 / 8397-8572 Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 www.letracapital.com.br
Agradecimentos
Ao encerrar este trabalho acadêmico, quero agradecer à professora Simoni Lahud, pela atenção e carinho com que me orientou, pelas críticas e sugestões que fez. Obviamente, erros e imperfeições do texto são de minha exclusiva e inteira responsabilidade. Em função desta pesquisa, tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas interessantes, com quem, além de me oferecerem ajuda, tive o prazer de compartilhar também de seus saberes e, em alguns casos, da amizade. Especialmente: as bibliotecárias do Sesc/NI – Serviço Social do Comércio em Nova Iguaçu; os bibliotecários do NuFep – Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas, da Universidade Federal Fluminense, bem como, às bibliotecárias do 7º andar da U.G.F – Universidade Gama Filho. A essas pessoas, registro minha gratidão, pois este trabalho é também fruto de nossas trocas e, portanto, obra de todos nós. Agradeço também ao amigo e professor do ensino-médio, Marcos Ribeiro: pela simplicidade e inteligência no convívio humano.
Homenagens Póstumas
A José Inocêncio Ferreira, meu pai, pelo início de tudo. Vítima da exclusão social, sem acesso à instrução, mas com inteireza de caráter. Minha referência de homem digno. Devo-lhe o incentivo à carreira acadêmica e profissional. A meu tio Valdemar, pelas horas que me dedicou, madrugadas adentro, como simples ouvinte e conselheiro.
Sumário
APRESENTAÇÃO ................................................................................. 13 PREFÁCIO ............................................................................................... 15 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 19 1. JUSTIÇA
SOCIAL ............................................................................. 25
1.1. O
que a sociedade justa deve fazer ................................ 27
1.2. O
que é Ação Afirmativa?
Sua contribuição para a justiça social ............................. 28
1.3. Um
1.4.
breve histórico ................................................................ 30
Argumentos em favor das cotas para a população negra no Brasil .................................................. 32
1.5. Refutando
críticas às cotas para negros
no Brasil ...................................................................................... 37
1.6. Outras
2. O
modalidades de ações afirmativas
adotadas no Brasil .................................................................. 44 PORQUÊ DA COMPENSAÇÃO:
A ESCRAVIDÃO NO BRASIL .......................................................... 51
2.1. O
Tráfico negreiro para o Brasil ........................................ 52
2.2. A
luta dos escravos ............................................................... 53
2.3. As
Revoltas ............................................................................... 54
2.3.1. Balaiada ............................................................................ 54 2.3.1.1. Após a Escravidão .............................................. 55 2.3.2. Revolta da Chibata ....................................................... 57
2.4. Teoria
do Branqueamento .................................................. 58
2.5. Democracia
Racial ................................................................. 60
2.6. Preconceito
racial de marca ............................................... 63
2.7. Segurança
Pública e Injustiça Criminal:
as vítimas negras da violência ........................................... 65
3. A
CONTRIBUIÇÃO DOS LÍDERES ........................................... 69
4. ÍCONES
NACIONAIS ..................................................................... 75
5. MUNICÍPIO
DE QUEIMADOS:
HISTÓRICO E ATUALIDADE .......................................................... 83
5.1. Um
5.2 Indicadores
5.3. O
breve relato ...................................................................... 83 do Município de Queimados ..................... 87
papel dos movimentos sociais
e seus expoentes locais ........................................................ 88
Instituto Herdeiros de Zumbi –
5.4.
Um movimento afro-social articulador .......................... 92
5.4.1 Vereadores aprovam as ações afirmativas ........... 93
5.4.2 Movimento
estudantil e a mobilização ....................... 94
5.4.3. Secretário estadual negro é homenageado ........ 95
6. PROPOSTA
DE DESDOBRAMENTO
NAS ESCOLAS ...................................................................................... 97 6.1. Implementação
da Lei 10.639 ................................................. 97
7. REVANCHISMO
NEGRO ........................................................... 101
8. LEIS 9. O
ANTIDISCRIMINATÓRIAS ............................................. 103
QUE PENSAM PESSOAS DA SOCIEDADE .................... 113
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 119 BIBLIOGRAFIA ................................................................................... 127 ANEXOS ............................................................................................... 131
Apresentação
Este trabalho busca fazer uma breve exposição das ações afirmativas para a população negra no Brasil, abordando aspectos mais relevantes que marcaram a situação do negro desde sua chegada ao Brasil, até os dias atuais, com ênfase na problemática da injustiça social. Exemplificará outras duas modalidades de ações afirmativas adotadas no Brasil: a de gênero e de deficientes físicos. O estudo tem como foco principal as controvérsias da implementação e aplicabilidade dessas ações na cidade de Queimados, município da Baixada Fluminense – RJ e terra natal do autor. Baseou-se no trabalho de conclusão do Curso de Pós-graduação em Segurança Pública e Justiça Criminal, da Universidade Federal Fluminense.
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Prefácio
Sobre o racismo à brasileira, um dos textos que mais me encantaram – e que ainda me encanta – nas ciências sociais brasileiras é o ensaio clássico de Oracy Nogueira denominado “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil”, apresentado originalmente para comunicação a um congresso, em 1954, e imediatamente publicado na revista Anhembi, São Paulo, 1955. O ensaio foi produzido no mesmo período em que, em São Paulo, Roger Bastide e Florestan Fernandes encabeçavam o Projeto Unesco para interpretação das relações raciais no Brasil, dando surgimento a várias publicações de Sociologia, Antropologia e História que apresentaram novas questões sobre as relações raciais no Brasil. No entanto, talvez tenha sido o texto de Oracy Nogueira aquele que melhor atingiu o cerne da questão racial brasileira. Embora na comparação com os Estados Unidos, estabeleça um contraste que, segundo alguns autores modernos, tem dificultado o aprofundamento da compreensão da questão racial brasileira, este ensaio tem o inegável mérito de dar nome e formato Justiça Social e Igualdade Racial
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específico ao racismo à brasileira, confrontando-se, diretamente, com a tese da “democracia racial”, derivada de uma determinada interpretação da “mestiçagem”. Não é de menor importância que, ao oferecer essa interpretação, esse Autor, como vários outros, ao apresentar novas representações da realidade, propicia o debate entre visões divergentes e possibilita a experimentação de caminhos também novos. O livro de Ozias Inocêncio Ferreira move-se, justamente, na análise dos caminhos recentemente trilhados na discussão da questão racial no Brasil, caminhos que geraram as ações afirmativas direcionadas aos negros no Brasil, em alguns casos denominadas como “cotas raciais”, alvo de acalorados debates. Será bastante fácil perceber claramente a posição favorável do autor a essas políticas. Mas, em nenhum momento, sua posição se apoiou em argumentos frágeis. Pelo contrário, dispõe-se e abre-se ao debate, em análises lúcidas e equilibradas, tanto investindo no significado e no surgimento da noção de “ação afirmativa” quanto relacionando e refutando os argumentos contrários a sua utilização na promoção social dos negros no Brasil. Trata-se, sem qualquer dúvida, de tema complexo; em especial devido, justamente, às características peculiares do racismo à brasileira, como numerosos autores vêm demonstrando. A positivação da hibridação e da mestiçagem, desdobrada em diversas representações coletivas, tem sido, muitas vezes, interpretada como inexistência de racismo ou discriminação racial. Entretanto, se há um consenso nesse debate, ele se expressa em significativos números que demonstram as várias formas de estigmati16 | Ozias Inocêncio
zação da população negra brasileira (índices de escolaridade, de acesso a posições sociais de poder e prestígio, de acusações de criminalidade etc). Ozias Inocêncio trabalha esses índices, buscando, ainda, apontar alguns momentos decisivos da história dos negros no Brasil. A experiência do autor no município de Queimados, na Baixada Fluminense, área do Grande Rio de Janeiro, em que 60% da população são classificados como negros, aponta algumas das possibilidades da ação afirmativa, por exemplo, reservando vagas para negros no serviço público. Talvez tão relevante quanto essa política efetiva de promoção social, sejam as homenagens públicas relacionadas à negritude, instituindo, por exemplo, a Semana da Consciência Negra, assim como a atuação para implementação da Lei 10.639 que obriga o ensino da história da África e do Negro no Brasil. Como bem assinala o autor, é na escola que os estereótipos negativos sobre os negros podem ser superados e, sem qualquer dúvida, nesse caso, a atuação fundamental é dos professores. Gostaria de acentuar que este livro é o desdobramento de uma monografia realizada no Curso de Especialização em Justiça Criminal e Segurança Pública, da Universidade Federal Fluminense, que tive o prazer de orientar. Os resultados obtidos por esta experiência, que já se estende por alguns anos, é excepcional. O trabalho de Ozias Inocêncio Ferreira é mais uma demonstração de que é, disponibilizando o que temos de melhor na academia, proposta deste curso, que podemos contribuir para uma sociedade melhor e mais justa. Este trabalho, que agora vem a público, inscrevese tanto em um debate intelectual candente quanto nas Justiça Social e Igualdade Racial
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experimentações necessárias para superar séculos de estigmatização e discriminação. Escrito numa linguagem apurada mas direta, será de grande utilidade para todos que, de uma maneira ou de outra, se proponham a atuar para transformar o racismo à brasileira numa história passada. Simoni Lahud Guedes Universidade Federal Fluminense
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Introdução
“Apesar da dificuldade, observando a minha experiência, percebi que era possível construir uma sociedade mais justa e tolerante” Zezé Motta, atriz Ao falar de identidade, deve-se ter em mente que é algo dinâmico, que se constrói dentro da história. A identidade, portanto, deverá ser sempre construída levando em consideração a vida econômica, social, cultural e religiosa do período em que se vive. Igualmente importante, é recordar a situação em que se encontra o povo negro a nível de Brasil, América Latina e mundial. O passado de morte funde-se ao presente de sobrevivência pelos empobrecidos: bolsões de miséria, sociedade baseada na injustiça, exploração, lucro desenfreado, mortes no campo e na cidade. A resistência negra incita a organização para a luta. É dentro desse contexto, buscando a vida, que se encontra a população não-branca no Brasil. A necessidade de Justiça Social e Igualdade Racial
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refazer a identidade da população brasileira, de mostrar o rosto para os diversos setores da sociedade, é tarefa difícil para todos, negras e negros brasileiros. Deve-se, também, compreender que o que está aí hoje, é fruto de uma caminhada de muitos anos. O importante, quando se fala da identidade, é saber, pois, reconhecer as diferenças, frutos de realidades distintas, e reconhecer o que os une, os identifica. O sistema de ensino brasileiro, da pré-escola à universidade, tem primado por ocultar ou distorcer o passado histórico e a cultura do povo negro, na África e aqui; bem como a apresentar o negro de forma inferiorizada, como seja: bêbado, serviçal, exercendo papéis considerados inferiores na sociedade. O livro didático apresenta como modelo de bom, inteligente e bonito apenas personagens brancos. A família, a professora, o médico, todas as profissões e instituições consideradas importantes são representadas nos livros por pessoas brancas. Há centenas de livros em que o negro não aparece e quando aparece em alguns é de forma negativa. A ideologia subjacente a essa prática de ocultação e distorção do negro e seus valores tem como objetivo não oferecer modelos positivos que ajudem a construir uma autoimagem positiva, nem um referencial de sua verdadeira história aqui e na África. Em consequência, desenvolve-se no negro um complexo de autorrejeição e inferioridade, bem como a necessidade de branquear-se, de torna-se semelhante ao branco, o único modelo considerado bom, bonito e aceito pela sociedade.
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O termo raça, utilizado neste trabalho, considera as características do fenótipo e não de genótipo, ou seja, as características físicas do não-branco. O próprio conceito de raça vem sendo cada vez mais questionado, pois, tal como é comumente usado, não tem fundamento científico. Na verdade, os caracteres biológicos, transmitidos por via hereditária, distribuem-se através de uma linha contínua, nas diversas partes do mundo, de tal modo que, em cada um dos grupos humanos, é possível verificar a predominância de determinadas características. Contudo, os caracteres predominantes num grupo vão-se juntando gradualmente aos dos grupos vizinhos, acabando por não ser possível distinguir um determinado grupo com base nos caracteres biológicos. No Brasil, juristas mais esclarecidos já atentaram para a inconveniência política e a impropriedade científica do conceito de “raça”, colocando o ponto-chave da identificação na questão da identidade étnica, porém entendida não propriamente como comunidade de origem que se vincula ao conceito de raça natural, justamente por estar fundada a “raça natural” no fator biológico, hoje superado.
Portanto, o termo raça negra, será adotado neste livro como expressão popular, por consciência de um vínculo histórico e não biológico-genético. Cientificamente as raças não existem, mas socialmente elas existem. No samba-enredo Cem Anos de Liberdade, realidade e ilusão, da escola de samba Mangueira, o intérprete elabora uma reflexão sobre a condição do negro no Brasil:
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CEM ANOS DE LIBERDADE, REALIDADE E ILUSÃO.
Será... Que já raiou a liberdade Ou se foi tudo ilusão Será... Que a lei Àurea tão sonhada Há tanto tempo assinada Não foi o fim da escravidão Hoje dentro da realidade Onde está a liberdade Onde está que ninguém viu Moço Não se esqueça que o negro também construiu As riquezas do nosso Brasil Pergunte ao criador Quem pintou esta aquarela Livre do açoite da senzala Preso na miséria da favela Sonhei... Que Zumbi dos Palmares voltou A tristeza do negro acabou Foi uma nova redenção Senhor... 22 | Ozias Inocêncio
As estrofes podem ser analisadas como paradigmáticas da situação brasileira em dois momentos específicos. No primeiro, percebe-se a intenção do grupo étnico dominante em colocar a mulher branca, neste caso a princesa Isabel, na ótica de uma personagem vista como boa para os escravos, tornados com a Lei Àurea em ex-escravos. No segundo momento, temos a realidade atual, dura e crua, contendo a exclusão social do negro e a ignorância da sociedade. Do samba, em tese, constata-se que não se trata apenas de discutir se existe ou não discriminação racial no Brasil. Faz-se necessário, portanto, passar para uma outra esfera de preocupação: dar visibilidade ao fenômeno e buscar romper as barreiras que impedem os passos iniciais para a constituição de uma sociedade que reconheça a pluralidade de credos, cores/raças, estratos sociais e de outros fatores. Ozias Inocêncio
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