Virgínia Pontual
LOUIS-JOSEPH LEBRET NA AMÉRICA LATINA Um exitoso laboratório de experiências em planejamento humanista
Aos mestres AntĂ´nio Bezerra Baltar e Celso Monteiro Lamparelli
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Editor João Baptista Pinto
Capa e Editoração Luiz Guimarães
Revisão Carlos Gomes de Castro
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
P86L
Pontual, Virgínia, 1950Louis-Joseph Lebret na América Latina: um exitoso laboratório de experiências em planejamento humanista / Virgínia Pontual. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2016. 204 p. : il. ; 15,5x23 cm.
Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-480-6
1. Ciências sociais. I. Título.
16-35215 CDD: 320 CDU: 32 03/08/2016
09/08/2016
Letra Capital Editora Tels.: (21) 3553-2236/2215-3781 letracapital@letracapital.com.br Editora UFPE Fone PABX: (81) 2126.8000
www.ufpe.br
Sumário
APRESENTAÇÃO.................................................................................. 7 PREFÁCIO...........................................................................................11 INTRODUÇÃO....................................................................................15
1 Louis-Joseph Lebret e o planejamento humanista no Brasil: SAGMACS, Baltar e os estudos urbanos e regionais....................................................................................25
2 Économie et Humanisme e o catolicismo social: França e América Latina.........................................................................60
3 Louis-Joseph Lebret e o planejamento humanista no Uruguai: as EBC, o CLAEH e os Cuadernos.......................70
4 Louis-Joseph Lebret e o planejamento humanista na Colômbia: a SAGMAESCO e o planejamento do desenvolvimento nacional......................................................87
5 Louis-Joseph Lebret, o planejamento e o urbanismo humanista: Argentina e Chile...................................................105
6 Louis-Joseph Lebret, o planejamento e o urbanismo humanista: Peru e Venezuela....................................................124
7 Lebret, intérprete da América Latina: Um enigma decifrado e um conceito construído........................................144
8 As Redes Économie et Humanisme na América Latina: La Grande Famille E.H. e Un Reseau d’Amitiés Continental.......163 Cadernos de imagens......................................................................183 Referências bibliográficas...............................................................191
A PRESENTAÇÃO
O
livro de Virginia Pontual constrói uma interpretação original sobre o papel que o padre dominicano Louis-Joseph Lebret exerceu no meio religioso, político e do urbanismo de algumas cidades latino-americanas entre as décadas de 1950 e 1960. Ao cotejar documentos, analisar os escritos e as reflexões de Lebret, ela avança na hipótese sobre o papel dele como intérprete do estágio de desenvolvimento das cidades latino-americanas, em um período especialmente tensionado do ponto de vista político e marcado por transformações econômicas e sociais. O acurado estudo realizado por Denis Pelletier em sua tese de doutorado sobre o movimento Économie et Humanisme aborda, de um ponto de vista internacional, a trajetória latino-americana do padre dominicano francês. Já as pesquisas e análises realizadas por Virginia Pontual, focalizando as particularidades dessa trajetória de uma perspectiva latino-americana, revelam a importância da presença de Lebret a partir da trama de relações que possibilitaram os deslocamentos e as permanências desse padre dominicano na América Latina. Cabe destacar o cuidadoso trabalho de pesquisa documental empreendido pela autora, o qual é brevemente relatado na introdução desta obra. Graças aos amigos e seguidores do padre dominicano, o Fond Lebret, depositado nos Archives Nationales em Fontainebleau, é bastante completo e bem organizado. Somam-se a este, os diversos acervos existentes em bibliotecas nas cidades onde Lebret atuou ou teve equipes de pesquisa que foram consultados e analisados cuidadosamente por Virginia Pontual.
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A analogia com a ideia de trama, recurso de método histórico proposto por Paul Veyne, nos vem à mente quando analisamos as relações identificadas neste livro. Não se trata de uma trama fechada, homogênea. Alguns fios são mais espessos e mais longos, outros, curtos, se desfazem com rapidez e deixam poucos resquícios. Entretanto, é nessa irregularidade da trama que a perspectiva histórica adotada pela autora se revela. Lebret formou o Centre Économie et Humanisme em fevereiro de 1942 na zona livre, em Marseille. O primeiro manifesto definia um campo amplo de atuação, destacando a criação de centros de estudo e de escolas de formação tanto na França como no exterior; nele se propunha ainda a publicação periódica de uma revista e a organização de conferências e exposições. Enraizada no conturbado período da guerra, matriz de um pensamento econômico original e de um engajamento político afastado da tradicional clivagem tradicional direita-esquerda, a utopia comunitária marcou o inicio dos estudos e das pesquisas do Centre Économie et Humanisme. É possível perceber uma relação entre o quadro político e ideológico do período e as formas de atuação desse centro de estudos católico. No primeiro período, ele se constituiu como um lugar de debate e reflexão em torno de concepções, muitas vezes opostas, que se explicitavam nas sessões de formação e pesquisa. O objetivo inicial de multiplicar centros de estudo se concretizou logo após o final da Segunda Guerra Mundial. De fato, a vinda de Lebret a São Paulo em 1947 foi o início da trajetória latino-americana. Entre 1947 e 1966, o padre dominicano francês realizou muitas viagens às cidades desse subcontinente com objetivos diversos, como proferir palestras, organizar cursos e realizar pesquisas. Os documentos revelam a ampliação gradativa do movimento Économie et Humanisme no Brasil, Uruguai, Argentina, Colômbia, Chile, Peru e Venezuela – ampliação que dependeu tanto de circunstâncias políticas como da inserção de Lebret no meio católico local. Os primeiros anos de formação do movimento são esclarecedores do meio em que circulou e da forma como Lebret estabeleceu as redes de contato. Interessante destacar que os primeiros contatos foram feitos no meio político católico e conservador. Porém, com
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o avanço dos trabalhos de pesquisa, eles foram restringindo-se aos meios mais progressistas tanto políticos quanto acadêmicos. As pesquisas coordenadas por Lebret a partir da segunda viagem ao Brasil, em 1952, inscrevem-se na lógica geral do período que propõe o desenvolvimento e a intervenção dos poderes públicos na gestão econômica dos Estados. Elas apresentam, contudo, uma diferença importante. Lebret parte da percepção das diferenças estruturais existentes entre as regiões e da necessidade de romper com a complementariedade e dependência entre os estágios de desenvolvimento das regiões. Para isso, era necessário também romper com as estruturas agrárias e arcaicas da sociedade brasileira. A formulação dessa concepção de planejamento e desenvolvimento é o ponto de partida e a base para a formulação de políticas econômicas e sociais para cada região e cidade. Estava em questão uma perspectiva em que se combinavam os aspectos econômicos com a valorização do ser humano e com a formulação de políticas de intervenção. No decorrer dos anos 1960, mesmo antes da morte de Lebret, houve um declínio da importância do movimento Économie et Humanisme nos países latino-americanos. Os motivos disso são vários, entre eles os golpes militares e os longos períodos de governo autoritário. Entretanto, o fato de os conceitos e princípios defendidos por Lebret terem se disseminado e enraizado em centros de ensino, em partidos políticos e órgãos públicos garantiu a reflexão, o debate e a continuidade de suas ideias. Este livro é um documento contundente de tal continuidade.
Professora Maria Cristina da Silva Leme Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Coordenadora da Rede Urbanismo no Brasil
PREFÁCIO
D
ans “Louis-Joseph Lebret na América Latina: Um exitoso laboratório de experiências em planejamento humanista”, Virginia Pontual nous emmène sur les pas de Louis-Joseph Lebret en Amérique Latine entre 1952 et 1965, date de sa dernière visite. Elle nous montre un homme débordant d’activité, allant d’un pays à l’autre, d’une ville à l’autre, d’une réunion à l’autre, faisant des enquêtes, écoutant les pauvres comme les puissants, suscitant des groupes de réflexions dont certains se transforment en institutions, élaborant des plans d’urbanisme et des plans de développement. Elle nous rappelle que quand Lebret n’est pas en Amérique Latine, il déploie la même activité ailleurs dans le monde, particulièrement en France, au Liban, au Vietnam, au Sénégal et dans d’autres pays où il est appelé pour un conseil. Par son analyse des faits et témoignages qu’elle a méticuleusement rassemblés, Virginia Pontual fait découvrir que cet homme d’action était un homme de méthode, un homme qui entraîne, un homme de réflexion. Un homme de méthode. Lebret en avait fait la démonstration quand à la fin des années 1930, il est ému par le sort des marins pêcheurs du nord de la Bretagne. Il veut connaître le milieu et ses besoins, recueillir l’avis des intéressés sur les moyens de les satisfaire, analyser les causes des situations qu’il observe : il mène donc une enquête sur les pêches dans 300 ports de la Manche et de l’Atlantique. Très vite, il est conscient que, face à la misère des pêcheurs, l’apostolat et les secours ne suffisent plus, qu’il faut se battre contre le système en place et organiser la profession. Se battre : il intentera mille cinq cents procès aux propriétaires de bateaux qui, au trois-centième procès perdu, accepteront de négocier. Organiser : il crée successivement le Secrétariat Social Maritime, une Ecole Normale Sociale Maritime et fonde
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le journal La voix du Marin. Plus tard, à la demande du Secrétaire d’Etat à la Marine il accepte de procéder à l’étude de l’organisation professionnelle des pêches maritimes sur les côtes de la Méditerranée. Il est à l’origine du Décret-Loi instituant en 1941 la Corporation et le Comité corporatif des pêches qui sera abrogé à la Libération en 1944, mais dont les dispositions essentielles seront reprises dans une Ordonnance de 1945 à la rédaction de laquelle il participera. Toute la méthode Lebret est dans cet exemple : enquêtes, concertation, action, pérennisation de l’action et de ses résultats par la création de journaux, d’institutions, ou la mise en place de dispositions législatives. Un homme qui entraîne. Lebret entraîne parce qu’il sait écouter, s’émouvoir pour une cause, susciter des groupes de réflexions qui aboutissent à des projets, confier des responsabilités aux personnalités qui émergent de ces groupes et leur donner une grande autonomie pour conduire ces projets. Il rassemble ainsi des hommes et des femmes les plus divers : des religieux et des laïcs, des hommes de terrain, des universitaires, des hauts fonctionnaires, des politiques ; il conseille des chefs d’Etat et de gouvernements et finalement le pape Paul VI pour lequel il écrira plusieurs des versions de l’encyclique Popularum Progressio. Dans les groupes ou les institutions qu’il crée et où il rassemble des personnes appartenant à des univers très divers, les tensions sont inévitables ; Lebret les apaise le plus souvent et ressoude les équipes. Mais, les divergences de fonds sur les stratégies sont plus difficiles à l’association résoudre et peuvent conduire à des ruptures. Renonçant à créer un Centre d’études marxistes par crainte d’opposition du Vatican, Lebret avait créé Economie et Humanisme en 1941. Desroches l’avait rejoint mais ne croyait pas à une troisième voie entre capitalisme et marxisme que recherchait Lebret et il trouvait le Centre d’Etudes d’Economie et Humanisme trop empêtré dans la méthodologie. Lebret, quant à lui, ne pouvait envisager une rupture avec Rome que les positions de Desroches et son livre Signification du Marxisme menaçaient de provoquer. Le départ de Desroches de l’équipe d’Economie et Humanisme en 1951 fut douloureuse, mais Lebret savait conserver ses amitiés et il le fera venir au Sénégal en 1960 pour développer l’animation rurale. Un homme de réflexion. La diversité des sujets auxquels Lebret s’est attaché est impressionnante : après la misère des marins pêcheurs, les budgets familiaux, les migrations et équilibres démographiques, l’habitat,
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l’aménagement du territoire, l’enfance handicapée. Mais l’axe central de sa réflexion a été de rechercher les fondements d’une économie humaine. Cette recherche a guidé les travaux d’Economie et Humanisme, ses multiples missions de développement et l’écriture de Populorum Progressio. La recherche d’une économie qui réponde aux besoins de chaque homme dans ses dimensions matérielle et spirituelle et aux besoins de tous les hommes. Que reste-t-il aujourd’hui de la créativité et des intuitions de Lebret ? Virginia Pontual décrit les échecs de nombre d’initiatives, de réformes, de mouvements, tous enterrés par les hasards du calendrier, des élections et des ego des politiques. En Amérique Latine comme dans le reste du monde. Et pourtant, sa pensée vit sous toutes les latitudes. Après le triomphe du néolibéralisme, chacun sent que le développement n’est pas la seule croissance et recherche une autre économie. L’expression économie humaine oubliée pendant plus de trente ans réapparait dans le monde académique, le monde politique, le monde des ONG. Une économie où l’on ne parle plus d’individus, mais de personnes pour lesquels les besoins de spiritualité et de relations font partie des besoins essentiels.
Yves Berthelot Ancien Sous Secrétaire Géneral des Nations Unies Ancien Président de Développement et Civilisations Lebret-Irfed
INTRODUÇÃO
Quando iniciei a busca pela compreensão da dimensão so-
cial do urbanismo, tudo me era ainda nebuloso. Não sabia se tal dimensão existia associada a esse campo, e, se sim, quando e como ela tinha se expressado. Não sabia, igualmente, com quais outros fenômenos iria fazer combinações. Para além das dúvidas, o certo é que a riqueza de uma pesquisa não é iniciar sabendo-se aonde o pesquisador chegará, mas a incerteza dos começos e a possibilidade de descobertas. E é por algumas dessas descobertas que abro esta introdução. Os primeiros passos dessa investigação data dos anos 1990, quando pesquisei a relação entre o saber urbanístico e o governo da cidade, narrando dois momentos da história política do Brasil, especificamente no Estado Novo (1937-1945) e na Democracia Desenvolvimentista da década de 1950. Na tese de doutorado resultante dessa pesquisa, O Saber Urbanístico no Governo da Cidade: uma narrativa do Recife das décadas de 1930 a 1950 (Pontual, 1998), é detalhada a passagem do padre dominicano Louis-Joseph Lebret por Recife, convidado, pelo governo de Pernambuco, para elaborar um estudo sobre a industrialização nesse estado. Posteriormente, constatei, a partir da leitura e análise de documentos históricos, que a construção da trama historiográfica da trajetória de Lebret – formada por ideias, jogos de práticas, por uma diversidade de sujeitos e de instituições, saberes, relações sociais e poderes – na América Latina era uma lacuna a ser estudada e, claro, preenchida. As questões, as hipóteses, as indagações, os deslocamentos, as correlações e os cruzamentos foram sendo ajustados e ampliados, tornando-se mais complexos à medida que a leitura e a apropriação