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Memórias de um Historiador Inventário de uma geração


Copyright © Lincoln de Abreu Penna, 2018 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e expressa do autor.

Editor João Baptista Pinto

Capa: Luiz Guimarães

Projeto Gráfico / Editoração Luiz Guimarães

Revisão Do autor

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P459m Penna, Lincoln de Abreu Memórias de um historiador: inventário de uma geração / Lincoln de Abreu Penna. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2018. 360 p. : il. ; 15,5x23 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-594-0

1. Penna, Lincoln de Abreu. 2. Historiadores - Brasil - Biografia. 3. Memória. I. Título.

18-49482 CDD: 920.99072 CDU: 929:930.1 Leandra Felix da Cruz - Bibliotecária - CRB-7/6135

Letra Capital Editora Tels.: (21) 3553-2236 / 2215-3781 vendas@letracapital.com.br www.letracapital.com.br


Lincoln de Abreu Penna

Memórias de um Historiador Inventário de uma geração



Revendo o Passado e Mirando o Futuro Agradecimentos Aos meus alunos de todas as escolas, colégios, faculdades, e universidades que lecionei, com os quais aprendi a ser professor. Este livro é de certa forma um testemunho do quanto fui feliz ao escolher a profissão de professor. Em especial registro o agradecimento pela ajuda e o incentivo constante do amigo e companheiro de viagem Aluízio Alves Filho. O melhor e mais lúcido interlocutor que encontrei em meio a tantos outros que me ajudaram a entender o mundo e as coisas. À Rose pela eterna compreensão que só o amor explica. Aos filhos Antônio e Ana Cláudia pelas alegrias incontáveis de sempre. Aos netos por me ajudarem a viver como se fosse criança de novo. À Edna pela felicidade de tê-la como irmã querida. Ao meu pai pelos caminhos que junto percorremos no mundo do conhecimento. A minha mãe pela sensibilidade de me ensinar a amar o povo humilde. Aos que partiram, a minha saudade e a certeza de que estão presente sempre.



Em todas as almas, como em todas as casas, além da fachada, há um interior escondido. Raul Brandão



Sumário Em algum lugar do passado.............................................11 Passados presentes............................................................19 Prefácio..............................................................................23 Apresentação.....................................................................27 I. Minha formação............................................................35 II. Andanças......................................................................81 III. Embates.....................................................................107 IV. O Golpe.....................................................................129 V. As ADs nas IES........................................................... 141 VI. Mais andanças e lembranças...................................153 VII. Meu encontro com a história..................................189 VIII. Memórias militantes..............................................197 IX. Golpeando as esperanças.........................................223 X. A Ilha das Flores........................................................261 XI. Roteiro libertário......................................................285 XII. PNA..........................................................................293 XIII. Passeata dos Cem Mil............................................315 XIV. Prepotência e silêncio............................................339 XV. A título de conclusão...............................................345 Referências bibliográficas...............................................351

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Em algum lugar do passado

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asci aos doze minutos do dia 12 de agosto de 1943, num parto normal com direito à parteira e no apartamento onde meus pais foram morar, nos fundos da casa de meus avós paternos, na Rua Uruguai 255, na Tijuca. O citado prédio de apartamentos fora construído por meu avô João para servir aos filhos e também para locação, de modo a obtenção de renda. É um prédio de seis unidades e que se encontra ainda de pé, situado à Rua Clemente Falcão, 153, se não mudaram a numeração. Na época esta rua não dava acesso à rua Uruguai.

Não tive ama-seca, mas tive ama de leite. O nome dela, Odete. Negra risonha e feliz com a vida sem que esta tivesse lhe proporcionado grandes alegrias, a não ser o nascimento de Maria Helena, minha irmã de leite. Seu leite deixou-me tão forte que superei uma pneumonia na época em que ainda não havia chegado ao Brasil a penicilina, então recém descoberta e cuja guerra dificultava obtê-la do exterior, não fosse os esforços de meu pai, que conseguiu de um diplomata o envio da tão esperada medicação. Minha afeição pelas negras e negros não se limitou a querida e saudosa Odete. Na casa de meu avô materno havia uma cozinheira, a Geraldina, que foi uma segunda mãe. Não esqueço dos Eu e minha mãe

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mingaus que fazia quando o médico da família recomendou que me alimentasse mais e melhor, pois minha magreza não era apenas visível. Eu era fraco mesmo. Era também preocupante, uma vez que passava horas nas peladas da vida sem me alimentar. Além disso, Geraldina contava seus causos das profundezas das Minas Gerais tragando seu cachimbo nos momentos em que descansava da labuta diária. Era analfabeta e exibia uma erudição popular como poucos. Nessa relação das amizades afro-brasileiras não posso deixar de mencionar o colega de peladas Paulo Roberto de Queiroz ou Diniz. Este pseudônimo lhe foi dado por outro grande amigo Luiz Lauro Romero, tristemente falecido em virtude da queda da aeronave da TAM, em São Paulo. Luiz Lauro que como nós acompanhávamos a programação de um ginasta chamado Oswaldo Diniz Magalhães na rádio, também negro, num belo dia resolveu pela semelhança com o radialista batizar o amigo de Diniz. E assim ficou. Sua irmã, Madalena, chegou a trabalhar em minha casa como uma espécie de copeira, numa época em que os afazeres domésticos das classes médias altas eram realizados por prestadoras de serviços chamadas domésticas. E minha mãe, já separada, gostava de se cercar de pessoas de origem humilde. Se sentia bem melhor do que com as pessoas de sua classe social. Dela aprendi esse costume, por isso era antissocial no sentido burguês do vocábulo, mas francamente pró-social no que se refere à identidade em relação aos mais humildes. Depois de um primário na Escola Pública Soares Pereira, meu pai me transferiu para o Instituto La-Fayette onde passou a trabalhar. Completei o primário no prédio que fora casa do duque de Caxias, hoje ocupada por um supermercado, na rua Conde de Bonfim; e em seguida cursei parte do ginásio no prédio do mesmo La Fayette à rua Haddock Lobo, prédio este tombado e mantido pelo Bradesco e no qual funciona um educandário do banco. Ia ao La Fayette de bonde, de preferência o taioba, que conduzia operários e seus instrumentos de

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trabalho e também mercadorias. Era mais barato e gostava do convívio com os trabalhadores. Eram divertidos e não faltava a conversa sobre futebol. No ginásio sofri bullying por parte de uma professora de inglês, Léa o seu nome, que soube depois era uma reacionária cheia de recalques. Até hoje não sei a razão de sua insistência em me expor. A sensação de constrangimento que proporcionava se dava quando a citada figura me chamava à frente da classe para tomar o exercício que passara. E sistematicamente criticava a minha pronúncia de modo jocoso e a provocar risos dos colegas, que ingenuamente entravam no jogo de me desprestigiar. Passados muitos anos eu a vi e me assaltou não a raiva ou a revolta pelo mal que me fizera a ponto de me ter bloqueado em relação a língua inglesa, mas senti pena e um desprezo por aquela senhora, que trôpega cruzara comigo sem, naturalmente me reconhecer mais. Ao contrário dessa figura abjeta, o meu professor de desenho, o De Franco, eu o encontrei com os seus noventa e tantos anos a caminhar com a desenvoltura que se apresentava em sala de aula. Elegante e portando sempre um jaleco comprido, com seus vastos cabelos brancos precoces à época, era uma figura respeitável, serena e de bem com a vida. Sua filha naqueles tempos começava a lecionar no mesmo La Fayette e se inspirara no pai, também elegante e certa de que escolhera a profissão em virtude da boa influência paterna. Moravam na Tijuca, como a grande maioria dos docentes que lecionavam no colégio. Aliás, a Tijuca de meu tempo de estudante secundário gozava de prestígio por parte de toda a população dos outros bairros da zona norte da cidade. E a isto se deve o fato de ser a verdadeira Cinelândia do Rio. Os inúmeros cinemas existentes no entorno da Praça Saenz Peña eram disputados nos finais de semana. Sem precisar recorrer a registros bastaria citar o Carioca, o América, o Olinda, o Metro Tijuca, o Tijuquinha, o Esky, o Art Palácio, e o Santo Afonso. Depois vieram

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duas salas de cinema na Conde de Bonfim, que como as outras não resistiram e cerraram as portas. Mas não foram apenas os cinemas que atraíam os cariocas da zona norte. Os bares viviam repletos e animados, como por exemplo o Éden, que rivalizava com o Lamas, na minuta servida até altas horas e no chope com suas serpentinas famosas e apreciadas pelos notívagos. Sem esquecer o Palheta e a confraria constituída por uma geração que apreciava o bom papo e a irreverência no trato com os costumes normativos dos donos da verdade. Acima do bar do café e iguarias sempre renovadas funcionava o salão de sinuca mais concorrido do bairro e quiçá da cidade. Lá aprendi a jogar, a ganhar e saber perder. Serviu de lição para muitas vitórias e derrotas na vida. Antes de concluir o ginásio já tinha me transferido para o Colégio Batista. Foi uma decisão difícil, mas a sina da reprovação em inglês, que reprovava, e os resultados medíocres no La Fayette não podiam continuar. Era preciso, como disse meu pai, de uma terapia de campo, ou seja era preciso mudar de ares e acabar com o estigma de filho de professor, cuja cobrança era maior do que qualquer um. Com o tempo percebi que a razão para um desempenho bem abaixo das expectativas decorria do fato de não estudar as matérias como devia. Não encontrava clima favorável em casa, razão pela qual era frequentemente submetido a repetições ou na melhor das hipóteses à segunda época de provas. Além do inglês, o português era o meu calcanhar de Aquiles, e a matemática pior ainda, em parte, ambas as matérias em função de professores despreparados no trato com adolescentes a conviverem com crises conjugais de seus pais, o que acarretava muitas vezes o acompanhamento dos estudos por parte de quem deveria orientá-los estando, porém, desorientados e envoltos em problemas afetivos e, portanto, sem condições para tal. Assim valeu a pena a mudança de escola. No Batista, como me refiro no correr dessas reminiscências, tive a oportunidade de conhecer

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um professor que me fez gostar de estudar. Refiro-me ao professor Queiroz, de história. Talvez tenha sido em suas aulas que me convenci de que seria alguém como ele. Nunca mais o vi ou soube dele, sequer seu prenome. Era um pastor batista. Optei pelo professor, não pelo pastor. Da Tijuca dos anos cinquenta e sessenta guardo as lembranças da própria Praça Saenz Peña, com o seu chafariz sempre a jorrar seu jato d´água e a refrescar os que nela procuravam a brisa que nem sempre se fazia presente. O flanar pelos arredores era um passatempo de casais e não casais, de grupos de velhos e moços, todos a circularem com parcimônia, sem pressa, e por vezes sem destino certo. Já no Colégio Primeiro de Setembro, então Paiva e Souza, onde terminei o meu secundário, fiz amizade com um colega de turma, o Estelita, com quem circulava pela Saenz Peña em busca de aventuras amorosas, nem sempre bem sucedidas. Em geral, eram funcionárias dos bancos da região ou do comércio local. Moças de origem humilde em sua maioria, uma vez que as de classe média jamais davam ouvidos às paqueras bem comportadas de dois rapazes tímidos. A timidez impediu-me de me aproximar das meninas de minha rua, a Mário Barreto, 35, para onde fui morar já adolescente na confortável casa de meu avô materno, Mário. Admirava meu avô, coronel precocemente reformado do exército, pela capacidade de contar seus causos, com tiradas sempre recheadas de muito humor. No caramanchão que ele construíra no quintal da casa reunia os familiares em torno de um verdadeiro churrasco gaúcho e divertia a todos com suas histórias. O ingresso no ensino superior fortaleceu a minha autoestima que andava baixa, desde os tempos de meus estudos (?) secundários. Passei nos vestibulares da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil e ingressei no curso de Ciências Sociais, ao mesmo tempo em que me matriculava no curso de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Estado da Guanabara. Na primeira fui o 11º colocado. Na segunda o 16º. Isto para turmas de 40 e

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30 alunos, respectivamente. Para quem veio de um aprendizado cheio de problemas, absolutamente deficiente, o esforço na concentração das leituras para as provas foi louvável como resultado. Meu pai dizia com frequência: ponha na cabeça, você não é limitado, o que lhe falta é hábito de estudo regular. O dia que adotar essa regularidade os resultados virão, com certeza. Não sei se as palavras por ele usadas foram exatamente estas, mas o recado era este, e eu o absorvi e passei a ser tanto quanto possível um estudante disciplinado. E o primeiro passo foi o de ter de escolher para qual curso, afinal, eu deveria seguir com mais empenho e interesse. As circunstâncias da escolha eu relato ao longo do livro. A minha admiração pelos mestres-escolas me levava a apreciar mais a desenvoltura de meus professores em sala de aula e a maneira de se comunicar do que propriamente o conteúdo programático. Logo que ingressei nos dois cursos e comecei a cursá-los simultaneamente a opção pela História acabou se impondo porque a sala de aula assim determinou. Desde o primeiro ano já começara a lecionar em cursos prévestibulares e, logo a seguir em colégios. Num destes, a rigor minha primeira experiência foi o Hebreu Brasileiro, na rua Desembargador Izidro, na Tijuca. Devo esse aprendizado ao professor Eliezer Schneider, diretor do colégio, psicólogo, amigo de meu pai, e que juntamente com ele fundou o curso de Psicologia na Universidade do Brasil. Neste colégio judeu era um auxiliar da direção e assumia as aulas na ausência eventual de professores. Cheguei a assumir a disciplina de Sociologia no curso Normal, primeira vez que me encarregava de fato de uma turma, que poderia chamar de minha. No curso das memórias tratarei das andanças profissionais. No prédio que abrigava a Faculdade de Filosofia da UEG não posso deixar de registrar o mutirão que os estudantes organizaram por ocasião das chuvas de verão do ano de 1966, a ocasionar enxurradas, deslizamentos nos morros da cidade e o consequente desamparo de moradores das favelas da Tijuca,

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principalmente o do morro da Formiga, um dos mais atingidos. Este mutirão consistia em recolher dinheiro para ajudar as famílias desabrigadas, a entrar em contato com os representantes da Faferj, Federação das Favelas do Rio de Janeiro, associação já existente e bem anterior a dos moradores do asfalto, e a abrigar no espaço da Faculdade os que tinham perdido tudo. Lá fornecíamos alimentação e entrevistávamos os flagelados para direcioná-los às autoridades. Com a ajuda inestimável de Roberto Chabo, médico e humanista dos mais genuínos, e do jornalista Pedro Porfírio criamos a Campanha de Assistência aos Flagelados, cuja finalidade era a de tornar permanente esse apoio aos moradores das favelas que rodeiam o bairro da Tijuca. Foi nessas atividades que nos mobilizaram durante as férias de janeiro e início de fevereiro que conheci Rosely. A tarefa de amparar os nossos amigos flagelados levou-nos a trabalhar na cozinha do bar da Faculdade, do qual nos apossamos sem que pedíssemos licença a ninguém. Nascia um namoro que com todos os percalços inerentes aos enamorados se estendeu até hoje. E em todos momentos de alegria e adversidades a estima e o amor permaneceram solidamente sedimentados. E esses momentos foram definidos pela construção de meu núcleo familiar com Rose e meus dois filhos, Antônio Cláudio e Ana Claudia. A felicidade que me proporcionaram e me proporcionam é indescritível. E os encontros que tive com eles, ao conhecer Rose e ao assistir o nascimento dos meus filhos não têm paralelo. Hoje essas linhas eu as dedico a esses encontros que a vida reservou e que antes eu não consegui expressar em palavras. A essas emoções outras mais foram acrescidas, com o nascimento das minhas queridas netas Carolina e Laura, e mais recentemente com o neto temporão Bruno, que reacendeu a alegria de viver de toda a grande família. A eles o meu eterno carinho. A convivência com a família me proporcionou momentos de rara felicidade, seja junto à minha mãe Yedda na solidão acompanhada pelo afeto que só ela soube me dar, mesmo em

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seus instantes de adversidade; e na companhia sempre lúcida e não menos carinhosa de meu pai Antônio, cujo nome batizei meu filho para homenageá-lo. As boas recordações das idas à casa de Cabo Frio, com Marion, que casou-se com meu pai e a grande família que eles souberam construir e preservar, tornavam as dificuldades e os aborrecimentos da vida inteiramente superados.

Um registro especial devo fazer em relação ao ano de 2007, pois foi em março deste ano que recebi o diagnóstico de um tumor na base da língua, um carcinoma metastático. Após receber o resultado do exame que detectou o referido câncer, o meu médico Jacob Klingerman tratou de imediatamente marcar a cirurgia para remover os três nódulos que já apareciam na parede do pescoço provenientes do tumor original na garganta. Com a maestria de sempre o competente Jacob salvou-me. Quatro anos depois, quando presidi um ato em homenagem ao centenário de nascimento do brigadeiro Teixeira, no auditório da ABI lá estava o doutor Jacob. Mencionei sua presença e a emoção quase impediume de dar continuidade à minha fala. Em grande parte este cidadão garantiu o tempo para que estas linhas pudessem chegar a quem se interessar por elas. Obrigado, doutor.

Inspirei-me em Jorge Amado que em sua Navegação de Cabotagem desfila um conjunto de notas e reminiscências com a graça de sempre, que só o talento do grande baiano é capaz. Longe de imitá-lo nesta empreitada eu o tomo como uma das boas influências para escrever estas memórias. Dedico este esforço, portanto, ao bom e bem amado Jorge.

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Passados presentes A memória é a consciência inserida no tempo Charles Robert Anon.

A

epígrafe acima eu a encontrei numa edição de caderno para anotações que me foi presenteada em algum lugar do passado. E achei apropriado usá-la como abertura dessas memórias. Afinal, como profissional da história sempre tive no tempo o meu material de trabalho. E essa consciência inserida no tempo me impulsionou a escrever as lembranças dos vários momentos da vida, mas a cada acréscimo que fazia ao texto me assaltava a dúvida quanto à validade de publicá-lo. Foi um longo período de hesitação. Contudo o avançar da idade parece que reduz as nossas defesas, cobranças e a própria insegurança torna-se desprezível. Mas se a razão do adiamento em tornar pública esse exercício memorialístico se explica inicialmente pela insegurança, outros fatores também concorreram para que fosse deixando de lado a publicação dessas memórias. Uma delas, por exemplo, se prendia à referência a nomes de pessoas vivas ou mesmo mortas, que embora em nenhum momento essas citações implicassem situações constrangedoras ou danosas do ponto de vista moral, custou-me muito chegar a conclusões definitivas sobre mencioná-las ou não. Acabei minimizando essa dúvida e alguns poucos nomes figuram nessas minhas lembranças, o que não significa que os que não figuram não desfrutem de minha amizade e de meu reconhecimento. Por outro lado, pensei seriamente por que publicar memórias de um cidadão comum, inexpressivo, quase Lincoln de Abreu Penna

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