Meu AvĂ´ Leonel
Juliana Brizola Rejane Guerra
Meu Avô Leonel FRASES, “CAUSOS” E DEPOIMENTOS DE BRIZOLA
Copyright© Juliana Brizola e Rejane Guerra, 2016 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito das autoras, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.
Editor João Baptista Pinto Revisão Rita Luppi Edson Monteiro Projeto Gráfico e capa Rian Narcizo Mariano
Foto: www.flb-ap.org.br/leonel-brizola/ CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B879m Brizola, Juliana, 1975Meu avô Leonel : frases, causos e depoimentos de Brizola / Juliana Brizola, Rejane Guerra. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2016. 184 p. : il. ; 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 9788577852673 1. Brizola, Leonel, 1922-2004. 2. Políticos - Brasil - Biografia. 3. Brasil - Política e governo. I. Guerra, Rejane. II. Título. 16-33933 CDD: 923.2 CDU: 929:32
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Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 vendas@letracapital.com.br www.letracapital.com.br
Aos meus queridos avós: Leonel de Moura Brizola e Neusa Goulart Brizola (in memoriam) Alfredo Ribeiro Daudt (in memoriam) e a adorada Doris Hartz Daudt. Aos meus pais José Vicente Goulart Brizola (in memoriam) e à inspiradora Nereida Daudt, aos meus irmãos Leonel e Brizola Neto. Ao meu marido e companheiro Alexandre da Silveira e aos nossos amados filhos, José Inácio e Angelina. Juliana Brizola
Aos meus pais, José Edson Martins Guerra (in memoriam) e Maria do Carmo Bueno Guerra. Aos irmãos: João (in memoriam), Cláudio, Regina, Madu, Luiz, e, em especial, ao mano Cleber pela leitura entusiasmada e colaboração valiosa neste livro. Rejane Bueno Guerra
Agradecemos a todos aqueles que registraram e publicaram livros, teses e artigos sobre o legado político de Leonel de Moura Brizola, em especial, aos escritores Tabajara Ruas, Flávio Tavares, Roberto D’Avila, Moniz Bandeira, FC Leite Filho, Gilberto Felisberto Vasconcellos, Juremir Machado da Silva, Dione Kuhn, Ricardo Osman Aguiar, Hélio Ricardo Carneiro da Fontoura e os professores Américo Freire, Jorge Ferreira e João Trajano Sento-Sé, que com suas pesquisas muito contribuíram para o nosso trabalho. Ao nosso editor, João Baptista Pinto, e equipe por terem acolhido o nosso projeto com entusiasmo e dedicação.
Sumário Apresentação.......................................................11 Rejane Guerra Prefácio................................................................21 Roberto D’Avila Introdução ..........................................................25 Juliana Brizola As frases..............................................................31
Frases não registradas pelo PDT................76
Dicionário de apelidos................................77
“Causos”..............................................................81 Memorial.............................................................89 Neusa Goulart...................................................105 Depoimentos.....................................................125 Linha do tempo................................................173 Referências........................................................179 Sobre as autoras................................................181
Apresentação Rejane Guerra
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Foto: Alexandre Silveira
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onheci Juliana Brizola, gaúcha de Porto Alegre, em 1998, no período em que ela gostava de surfar em Ipanema e cursava Direito no Rio de Janeiro, onde eu já militava como jornalista na assessoria de comunicação do saudoso vereador Lysâneas Maciel (PDT-RJ). Juliana me contava as frases que escutava do seu avô Leonel de Moura Brizola e “causos” cheios de metáforas, e ensinamentos de valores morais, como verdadeiras fábulas, na sua quase totalidade ditos e protagonizados por ele. Isto muito nos divertia, mas, diante de tanta riqueza de simbolismos e refinada ironia acabei sendo despertada para começar a anotá-las. Muitas das frases inseridas neste livro foram publicadas na imprensa nacional, mas também boa parte foi resgatada dos acervos familiares e, portanto, são inéditas. Uma das nossas primeiras e mais efetivas ações em conjunto foi organizar um jantar de apoio à candidatura do seu avô ao Senado Federal, pelo PDT-RJ, em 2002, envolvendo artistas na casa do cantor Martinho da Vila, aquela que seria a sua última campanha eleitoral.
Juliana Brizola e Rejane Guerra
A ideia deste livro Meu Avô Leonel: frases, “causos” e depoimentos de Brizola, surgiu logo depois da morte inesperada de Brizola, no Rio, no dia 21 de junho, em 2004. Num momento de tamanha dor e tristeza da neta pela perda do seu querido avô, ela me concedeu a honra de ficar hospedada em minha casa, no período do funeral, no Rio, ocasião em que pudemos relembrar, entre lágrimas e alguns lampejos de alegria, as frases, mesmo aquelas que, sabidamente, não tendo sido criadas por ele, foram incorporadas ao imaginário popular como se dele fossem. Daí, concluímos que dispúnhamos de rico material para transformá-lo num livro, no que a amiga Juliana aceitou de pronto, com muito entusiasmo. Cumprida a etapa inicial do planejamento do trabalho, iniciamos a sua implementação, num ritmo forte, mas nossos planos tiveram que ser adiados em função da decisão de Juliana de retornar para o Rio Grande do Sul, onde iria concluir sua especialização em Ciências Criminais. Em sequência, ela iniciou a sua trajetória política como vereadora de Porto Alegre, em 2008, e deputada estadual, em 2010 e na atual legislatura de 2015, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT-RS). Neste ponto, vale ressaltar que todo esse longo lapso de tempo serviu para amadurecer o projeto, pois embora separadas geograficamente, entre o Rio e Porto Alegre, por anos continuamos a recolher material. Como Juliana tinha o projeto do livro na cabeça, me enviava documentos, fotos e livros sobre Brizola, que ganhava junto aos familiares e seguidores políticos do avô, em suas andanças pelo Rio Grande do Sul. Mas a lida na política, uma arte ainda tradicionalmente viril, que mais parece um campo de batalha, em especial 12
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pelas mulheres, com suas várias jornadas de trabalho e a exemplo da Juliana como mãe de dois filhos, parlamentar, liderança partidária e uma das herdeiras políticas de Brizola, obrigou-nos a adiar novamente o nosso projeto. Por ocasião dos festejos pelos 90 anos de nascimento de Leonel Brizola, no início de 2012, estive na capital gaúcha para retomarmos o projeto do livro, quando definimos lançá-lo naquele mesmo ano. Entretanto, ao aprofundarmos a pesquisa, fomos nos dando conta da grandiosidade da trajetória de Brizola, que alcançou uma caminhada de quase seis décadas como figura carismática, muito admirada e também contestada. E aí nos rendemos às evidências, concluindo que não deveríamos ter pressa, objetivando produzir um livro com mais qualidade, à altura do avô Leonel. Ademais, por dois anos pesquisamos as frases nos discursos, em livros, nas gravações de rádio, jornais e nos debates nas TVs, ao longo de suas campanhas a presidente da República, governador e, principalmente, bebendo na fonte da brilhante memória de Juliana como neta, além das entrevistas que fiz com alguns familiares, agentes políticos, amigos e contemporâneos. O nosso grande desafio foi pesquisar na internet, pois muitas frases atribuídas a Brizola nas redes sociais não eram de sua lavra, como constatamos depois nas declarações gravadas e escritas pelo próprio. Como um dos exemplos: “O PT é a esquerda que a direita gosta” é de autoria do professor Darcy Ribeiro, e “O PT é como uma galinha que cacareja para a esquerda e põe ovos para a direita” é do economista Cibilis Viana. Nessa fase de coleta de informações, fui a Porto Alegre várias vezes e três delas a São Borja, terra natal da sua saudosa avó Neusa Goulart, onde a memória do casal ainda é muito presente. 13
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Reunimos esse material ao acervo afetivo e inédito que Juliana guardava do avô, contendo algumas preciosidades, tais como: fotos do álbum de família e várias carteiras de diferentes fases da vida de Brizola: como jornalista, político e piloto de aeronave de desporto, além de material de campanha eleitoral, um bilhete dele para a mulher Neusa, e a última carta que a sua mãe, dona Oniva, enviou para ele no exílio, três meses antes de ela morrer, em 1968, em Carazinho, RS. Ao final deste trabalho, concluímos que escrever sobre Leonel Brizola não é tarefa das mais fáceis, pois, além de não existir um acervo centralizado em alguma instituição, muito material relativo a ele foi destruído pelos militares nos tempos do regime de exceção no Brasil, e também pelos seus correligionários com o objetivo de destruir provas. Assim, estivemos no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro – onde se encontra parte da documentação da polícia política no período da ditadura militar de 1964 – e, de forma surpreendente, deparamo-nos com poucas pastas sobre sua grande trajetória. A maioria sem relevância. Outra rica fonte de pesquisa foi o conjunto de suas palestras inéditas em reuniões no Rio, não registradas pelo PDT-RJ, e cedidas pela militante Maria Helena de Oliveira, então presidente da 4ª Zona Eleitoral do Rio, que as anotava de próprio punho, em 1982. O certo é que no decorrer deste longo trabalho, quanto mais eu pesquisava – li 24 livros sobre Leonel Brizola – e fazia as centenas de entrevistas, mais eu me encantava por sua figura humana e agente político. Chega a ser fascinante a história deste menino pobre e órfão de pai antes de completar dois anos de idade, nascido na área rural do Rio 14
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Grande do Sul, que acordava mais cedo para fazer as lições, antes de ir para o campo ajudar a mãe, viúva e professora, que o alfabetizou. Ficaram notáveis a sua permanente resolução de estudar e as terríveis dificuldades que encontrou para poder frequentar os bancos escolares. Com tais objetivos e muita determinação saiu do interior e foi morar em Porto Alegre, aos 14 anos, em 1936, período em que trabalhou como engraxate, jardineiro e ascensorista. Foi deputado estadual, em 1946, e reeleito em 1950, formando-se em Engenharia Civil, um ano antes. Em seguida foi deputado federal, em 1954, prefeito da capital gaúcha, em 1955, e governador, em 1958. Foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, em 1962, e por duas vezes foi governador fluminense (1982 e 1990). A questão da educação marcaria Brizola para o resto da vida, tendo feito dela uma obsessão, tratando-a como política de Estado. O protagonismo do governador Leonel Brizola tornou-se nacionamente conhecido em agosto de 1961. Para defender a Constituição e garantir a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, Brizola liderou a Campanha da Legalidade, transmitindo seus discursos no rádio até conseguir a adesão do comandante do III Exército, general Machado Lopes, e assim derrotou o Golpe das Forças Armadas. Ele mobilizou a população da Região Sul para resistir à “bala” se necessário, às ameaças de bombardeio ao Palácio do Governo pelas Forças Federais, evitando assim uma guerra civil e derramamento de sangue, episódio que entrou para a História do Brasil. Sua ousadia e bravura na militância política, seu poder de oratória e a grande facilidade de se comunicar com o povo através de um microfone de rádio ou em um palan15
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que, foram determinantes para o sucesso da trajetória de um político diferenciado. Ademais, ele foi um visionário ao colocar a Rádio Guaíba no porão do Palácio Piratini sob seu controle e montar uma estação com a qual comandou 104 emissoras, inicialmente com as adesões das rádios do Sul e de Goiás, que foram entrando na Cadeia da Legalidade, formando a mais poderosa rede de comunicação radiofônica desde então existente no país. E assim antecedeu às redes sociais de hoje. Ele foi o primeiro líder civil brasileiro a derrotar um movimento militar golpista. Outra significativa mudança de rumo deste livro foi quando tomei ciência da singela grandeza de uma figura humana extraordinária, ainda que periférica: dona Neusa Goulart Brizola. Sim, porque as mulheres, aparentemente invisíveis, vão crescendo à medida em que passamos a conhecê-las melhor. Embora nascida lá nos rincões sulistas, oriunda de uma família de latifundiários, afastou-se de suas origens para entrar na História entre duas grandes lideranças políticas: o marido Leonel Brizola e o irmão João Goulart. Foi submetida a muitas provas, sempre se saindo como uma mulher de coragem, sem perder a serenidade, a capacidade de contemporizar e, sobretudo, de buscar o equilíbrio e o diálogo. E, reconhecidamente, como uma mulher avançada para a sua época, dona Neusa não foi uma simples coadjuvante, foi participante ativa de tudo ao lado de Brizola, sem nunca fugir do embate, o que seria explicável para uma mulher nascida na elite em um ambiente masculino e tradicional dos pampas gaúchos. As evidências de sua presença foram tantas que optamos por redirecionar os rumos do foco da pesquisa, antes voltado apenas para o político, escrevendo um capítulo dedicado a dona 16
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Neusa. Trata-se de um perfil sobre o olhar dela, baseado nas histórias contadas pelos familiares e amigos. Costuramos pequenos retalhos de lembranças, sem preocupação de registrar exatamente os episódios da vida do marido. Outra boa surpresa com que nos deparamos foi resgatar a certidão de casamento de Leonel e Neusa, realizado no dia 1º de março de 1950, documento original nunca antes publicado, do qual reproduzimos parte com destaque para a assinatura do presidente Getúlio Dornelles Vargas, que foi um dos padrinhos do casal. Na transcrição fornecida pelo cartório na certidão atual não foi mencionado o nome de Getúlio, pois a referida assinatura estava ilegível. Encontramos o livro de registro original, no cartório do 2º Subdistrito de São Borja, hoje, Itacurubi, RS. Com mais de meio século, o documento estava se deteriorando devido aos poucos recursos tecnológicos existentes na pequena cidade. Foram inúmeros telefonemas para o cartório de Itacurubi, lá na fronteira do Uruguai, apelando para os funcionários sobre a importância de se resgatar a assinatura de Getúlio Vargas no documento original. E graças ao empenho deles esse documento foi preservado através de fotos tiradas de celular que, depois, foram enviadas pela professora Maria Celina D’Araújo, para a neta de Getúlio, a socióloga Celina Vargas do Amaral Peixoto, que identificou, dentre tantas, a assinatura do avô. Não se pretende aqui, leitor, nesses tempos extremados de grandes paixões cívicas pelo qual passa a política nacional, apresentar uma prestação de contas da neta Juliana perante os desafetos de Leonel Brizola, muito menos do mais famoso, o dono das Organizações Globo. Muitos outros foram os seus algozes: o jornalista Carlos 17
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Lacerda, que o atacava no seu jornal Tribuna da Imprensa; Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados, que colocou o seu império de comunicação a serviço dos militares para desconstrução de sua imagem. Além disso, após o golpe de 1964, Brizola foi perseguido, cruel e impiedosamente, pelos militares, ódio esse que cresceu muito quando nacionalizou as empresas americanas: a companhia elétrica filial da Bond and Share, em 1959 e a companhia telefônica Internacional Telegraph & Telephone (ITT), em 1962, quando era governador gaúcho, porque ambas prestavam um mau serviço à população do Estado – tendo se tornado também um inimigo importante do governo dos Estados Unidos e perseguido pela Central Intelligence Agency (CIA). Entretanto, a verdade histórica que ficou até o final de sua vida, é que, ao lado de Brizola estavam as lideranças das forças populares, os nacionalistas, trabalhistas e os movimentos organizados de centro-esquerda. Este livro também não é uma biografia de Leonel Brizola, pois ao final dos intensos trabalhos de pesquisa restou demonstrado que tem crescido, nos últimos anos, a produção acadêmica acerca de sua trajetória política. Brizola se relacionava bem e mantinha um contato cordial com os repórteres, sendo que muitos deles escreveram livros e artigos sobre ele. Brizola dizia que “era muito importante o diálogo com os jornalistas cujo papel não podia ser confundido com o dos patrões”. A seu ver, de maneira geral, o jornalista estava comprometido com a verdade e essa é a sua tendência natural, mas, muitas vezes, o seu trabalho é desconsiderado e desviado do seu curso normal. Assim, o livro Meu Avô Leonel: frases, “causos” e depoimentos de Brizola, tem a intenção de registrar e organizar 18
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as frases e os apelidos que ele dava tanto a seus desafetos, quanto a seus amigos e, também, mostrar o lado humano do político. Este país já teve muitos políticos da grandeza do Doutor Brizola; quando foi que perdemos isso? Ninguém teve a vida mais esmiuçada pelos Inquéritos Policiais Militares (IPMs), às dezenas, seguido, investigado; nenhum político foi jamais tão grampeado e espionado quanto Leonel Brizola e nada foi encontrado, sequer vestígio de corrupção. Brizola ganhou a eleição para o governo do Rio de Janeiro, sem dinheiro, desconhecido, sem máquina partidária e administrativa. Ele foi um paladino da moralidade pública no Brasil, último representante dessa linhagem de lideranças políticas. Como conclusão, ficou evidenciado que Leonel Brizola foi um nacionalista, um pensador, um intelectual e um dos maiores líderes da democracia no Brasil. O nosso objetivo, portanto, foi homenageá-lo, 12 anos após a sua morte, ressaltando que 12 era um número cabalístico, o número do partido fundado por ele, o autêntico PDT. Ademais, 12, no jargão esportivo, representa a torcida, a alma popular que ele conhecia tão bem, valendo-se de sua oratória privilegiada para se comunicar com a imensa torcida que ele encantou por esse Brasil afora. Rejane Guerra Jornalista
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Prefácio Roberto D’Avila
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história não se corta com uma tesoura. Foi com essa frase que, ainda no exílio, o governador Leonel Brizola me explicou as razões pelas quais ele queria refundar o Partido Trabalhista do Brasil (PTB) na sua volta ao Brasil. Estávamos em Paris, e ele havia chegado da Espanha onde encontrara Felipe Gonzales, que pouco tempo depois se tornaria primeiro-ministro daquele país. Felipe, seu grande amigo, foi quem o aconselhou: “Brizola apegue-se na história”. Brizola tentou, mas numa “chicana” jurídica estrategicamente urdida pelo general Golbery, a histórica sigla foi parar em mãos espúrias, e assim Brizola perdeu a oportunidade de reconstruir um grande partido trabalhista nacional. O Partido Democrático Trabalhista (PDT) que ele criou depois, tornou-se um partido regional com força no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, estados que ele governou. Nunca foi um partido nacional como o PTB, e acabou com a possibilidade de Brizola chegar ao poder central. Escrever e lembrar do Brizola é sempre uma emoção para mim. Foram quase 30 anos de convivência, diariamente, em muitos períodos, e quanto mais eu o conheci, mais eu o admirei. Por causa de minha vida profissional, tive a oportunidade de conhecer inúmeros líderes políticos, aqui e lá fora. Nenhum com o senso da justiça social, a coerência e a coragem pessoal de Brizola. 21
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O ex-ministro e governador José Aparecido de Oliveira, durante muitos anos seu adversário, dizia: “O Brizola tem a melhor biografia política entre todos os homens públicos do nosso país”. Certa vez, no Palácio Guanabara, depois de um dia de trabalho intenso e de receber empresários, líderes políticos e sindicalistas, ele me disse: “O mais difícil quando se está no poder é ser justo. Os pobres – continuava ele – não têm lobby. Ninguém pede por eles, e pouca gente procura melhorar a vida daqueles que vivem à margem da sociedade”. Por isso a sua obstinação pela educação. Construiu 6.000 mil escolas quando governador do Rio Grande do Sul, e o povo gaúcho deve a ele o fato de ter uma das populações mais homogêneas em termos educacionais no Brasil. No Rio de Janeiro foram 500 Centros Integrados de Educação Pública, os CIEPs, escolas de tempo integral, como as que ele sonhava desde os seus tempos de criança. Ele me contava que às vezes ia de Carazinho, onde morava, até Passo Fundo, e na frente do Instituto Metodista, ficava grudado nas grades que circundavam o colégio, observando aquela escola do tipo americana, com estudos em tempo integral, salão de jogos e biblioteca, e sonhava em poder estudar ali. Foi este mesmo tipo de escola que, junto com Darcy Ribeiro, ele instituiu no Rio de Janeiro, e a elite despreparada e preconceituosa do nosso país procurou destruir de todas as maneiras. Foram muitos os momentos durante todos aqueles anos em que eu tive a oportunidade de conversar sozinho com ele, de ouvir os seus ensinamentos, lembranças da sua 22
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passagem pela história brasileira. Aproveito essas poucas linhas para contar uma dessas conversas que ainda hoje me intriga. Na noite do velório de outro grande brasileiro, Barbosa Lima Sobrinho, Brizola e eu saímos da Academia Brasileira de Letras e fomos para a sua casa jantar. Como estávamos sós, lhe perguntei: “Governador, por que na campanha presidencial de 1989, o senhor não foi a São Paulo, gravou apenas sete ou oito programas do horário eleitoral (Fernando Barbosa Lima e eu, que cuidávamos dessa área, tivemos que improvisar quase 50 programas), deixou de ir a muitos comícios que já estavam marcados Brasil afora e várias vezes me disse durante aquela campanha: “Tem uma mão me segurando”. Afinal, que “mão” era aquela, Governador? “Pois é, Roberto, eu tinha um sentimento muito forte de que se eu viesse a ser presidente, e fosse fazer o que seria preciso fazer para mudar o nosso país, os militares e as forças mais conservadoras não me deixariam governar...” E rememorando as suas atitudes durante a campanha presidencial de 1989, me fica a certeza de que Brizola se sentia psicologicamente impedido de vencer aquelas eleições. A história não se corta com uma tesoura... Brizola não chegou à presidência da República, mas as suas ideias e os seus ideais por um Brasil mais justo, mais igual e soberano estão vivos, e agora nas mãos dos jovens que, como alguns dos seus netos, participam ativamente da vida pública nacional. Roberto D’Avila Jornalista, apresentador de TV. 23
Juliana Brizola com quatro anos de idade no colo do avĂ´ Leonel e acarinhada pela avĂł Neusa, em Porto Alegre.
Introdução Juliana Brizola
Foto: Álbum de família
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N
o ano em que festejamos os 94 anos de nascimento do meu saudoso avô Leonel de Moura Brizola, decidimos homenageá-lo escrevendo um livro com suas frases, “causos” e depoimentos colhidos a respeito de sua brilhante trajetória. Este livro, lançado há 12 anos de sua morte e 52 anos depois do golpe civil-militar de 1964, é uma defesa de seu legado político, pois mesmo em suas declarações bem-humoradas, aparentemente triviais, percebemos uma análise arguta de momentos cruciais para a História do Brasil. Posso dizer, sem modéstia que, mesmo carregado de afeto e saudades, este livro constitui um registro de parte da memória política nacional. É quase impossível para um brasileiro, independentemente de classe, ideologia, cor ou credo, não associar ao nome de Leonel Brizola as palavras Brasil, política e democracia. Durante as pesquisas, descobrimos várias faces de um mesmo homem: coerente, honesto, nacionalista para alguns. Radical, populista e caudilho no sentido pejorativo, para outros. Preferimos destacar o lado humano do político, falar das curiosidades sobre o Tata, pois era assim que nós, os netos, o chamávamos. Pincei da memória familiar uma história que traduz a personalidade do meu avô. Os Brizola vieram da Itália, se fixando em São Paulo em 1870, e posteriormente no Rio Grande do Sul. Meu bisavô, o camponês José de Oliveira Santos Brizola casou-se com Oniva Albuquerque de Moura, neta dos portugueses, que foram os primeiros povoadores do município gaúcho de Nonoai – e tiveram quatro filhos: Francisca 26
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(Quita), Irani, Paraguassu, e Frutuoso. O quinto filho, que se chamaria Itagiba, não sobreviveu. E Oniva, novamente grávida, anunciou que se o próximo filho “vingasse” herdaria o nome do natimorto, mesmo contra a vontade do marido. Finalmente, no dia 22 de janeiro de 1922, em Cruzinha, zona rural de Carazinho, então distrito de Passo Fundo, RS, nasceu o menino que permaneceu sem nome diante do impasse, e durante dois anos os irmãos e os vizinhos o chamavam de Gurizinho. O pano de fundo desta saga familiar era dominado por muitas guerras pela posse das fronteiras ao sul do país. O Rio Grande do Sul vivia há quase um século uma sucessão de revoltas sangrentas: Guerra dos Farrapos (Revolução Farroupilha), em 1835, a Revolução Federalista, em 1893. Na época do nascimento do meu avô Leonel estourou a Revolução Estadual de 1923, um conflito violento entre o governo do Rio Grande, representado por Borges de Medeiros (há 20 anos no poder, recorrendo a fraudes) e os seus opositores liderados por Joaquim Francisco de Assis Brasil. O meu bisavô José apoiou os Maragatos e por isso foi assassinado por soldados governistas antes de o filho caçula completar dois anos. Pagou, por uma escolha política, com a própria vida. Minha bisavó Oniva assumiu a pequena propriedade rural e a criação dos filhos (viúva, se casou de novo e deu mais dois irmãos para Leonel Brizola, os meus tios avôs: Sadi, in memoriam, e Jesus, todos alfabetizados por ela à luz de lampiões. 27
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Em Carazinho, corria a fama de um chefe político, um caudilho chamado Leonel Rocha, uma lenda viva, líder dos camponeses na luta pelo direito à terra. A brincadeira predileta do meu avô menino e “sem nome” era combater inimigos imaginários enquanto erguia sua espada de madeira e gritava: “Eu sou Leonel Rocha, eu sou Leonel!” Todos passaram a chamá-lo de Leonel. Então, Oniva foi convencida pela filha Quita: “Minha mãe, ele escolheu o próprio nome”. Gurizinho foi batizado na Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Passo Fundo, em 1924, e em sua certidão agora constava: Leonel Itagiba de Moura Brizola. Depois o Itagiba foi retirado por ele. À primeira vitória do meu avô Leonel, somaram-se muitas outras. Estreou na política aos 25 anos de idade, sendo eleito deputado estadual pelo Rio Grande do Sul em 1946. Ao liderar a Campanha da Legalidade, em 1961 – uma reação contra os militares que visavam a impedir a posse do meu tio-avô, o vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros –, elegeuse em 1962, deputado federal pelo Rio de Janeiro, na época Estado da Guanabara, recebendo votação jamais alcançada até então por um político brasileiro: um terço dos votos válidos. Com o golpe civil-militar de 1964, foi obrigado a viver 15 anos exilado no Uruguai, Estados Unidos e Portugal. Após retornar ao Brasil com a Anistia, em 1979, foi eleito duas vezes governador do Rio de Janeiro, em 1982 e 1990. Ele foi o único político brasileiro a governar dois estados diferentes: o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. 28
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Meu avô tinha uma fala carregada pelo sotaque do Sul, um sorriso franco e passadas largas. Quase sempre de camisa azul e no bolso esquerdo uma caneta, um lápis e uma lapiseira. “Coisas de engenheiro!”, dizia. Um homem dono de uma coragem sem limites. Rendeu-se uma vez na vida, ao apaixonar-se por Neusa Goulart, mulher à frente de seu tempo e somente por ela aceitava mudar caminhos. Leonel Brizola foi elevado à categoria de Herói da Pátria, pelo governo brasileiro em 2014 – todas essas homenagens são simbólicas e recebo comovida – mas a maior delas seria priorizar a Educação no país, que hoje está sucateada, como resultado do abandono de sucessivos governos. Já Brizola, quando prefeito de Porto Alegre e governador do RS, nos anos 1950, criou o mais audacioso projeto educacional realizado no Brasil e construiu 6.300 escolas. Sendo que 1.045 escolas feitas de madeira foram construídas nas zonas rurais e periferias e ficaram conhecidas como “brizoletas”. Algumas “brizoletas” ainda resistem, mas é urgente conseguir recursos para a reforma e manutenção desse símbolo da história do nosso estado, a chama acesa por Brizola, que não nos deixa esquecer que sem educação pública de qualidade não há desenvolvimento. No Rio, como governador, construiu 500 Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs). Tantas vitórias, conquistadas à custa do exercício da vontade, da determinação e do desejo de promover a educação foram construídas por um elemento fundamental: o voto. Com sua natural liderança, participou das eleições 29
democráticas após o fim da ditadura. Arrastava multidões nos comícios inesquecíveis. Algumas vozes ofereceram depoimentos emocionados a este livro e representam o que a população tem a dizer até hoje sobre ele. Pois, antes de tudo, é graças ao povo brasileiro que a trajetória de Leonel de Moura Brizola pertence hoje ao imaginário político do Brasil. Juliana Brizola Advogada e deputada estadual (PDT-RS)
As frases