ReminiscĂŞncias de uma vida acadĂŞmica
Copyright© Heitor Piedade Junior, 2016 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito das autoras, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.
Editor João Baptista Pinto
Revisão Rita Luppi
Projeto Gráfico e capa Rian Narcizo Mariano
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
P668r Piedade Junior, Heitor 1928Reminiscências de uma vida acadêmica / Heitor Piedade Junior. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2016. 378 p. ; 24 cm. Inclui bibliografia e índice ISBN 9788577854646 1. Direitos humanos. 2. Direitos fundamentais. 3. Vitimologia. 4. Justiça. I. Título. 16-33509 CDU: 342.7
Letra Capital Editora Tel: (21) 2224-7071 / 2215-3781 vendas@letracapital.com.br
Heitor Piedade Junior
ReminiscĂŞncias de uma vida acadĂŞmica
À minha dedicada esposa Marli, com quem divido, diariamente, nossas alegrias e dores e assim somos sempre muito felizes. A meus queridos pais, Seu Gegê e Dona Etelvina, uma grande saudade. Para Micaela Augusta, filha muito amada, minha benção
Prefácio Álvaro Mayrink da Costa1
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ive o privilégio de ler e reler as Reminiscências de uma vida acadêmica, de Heitor Piedade Junior, filósofo, teólogo, humanista, escritor, professor, penalista e educador, em uma densa narrativa de grandes lutas acadêmicas, políticas e religiosas, traçadas em 52 artigos que marcam a trajetória vanguardista de um teólogo na defesa dos direitos da pessoa humana. Suas Reminiscências, que devem ser lidas como “atualidades” são o registro de mais de meio século de vida dedicada à academia e à advocacia na defesa dos princípios constitucionais. Heitor Piedade Junior, nascido em Viana, no seu Maranhão, teve o reconhecimento de todos os seus conterrâneos ao ser eleito membro da Academia Vienense de Letras, em sua cidade natal e, posteriormente, a consagração como jurista na Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Destaco que, no campo do Direito Penal e Penitenciário, o Mestre e Doutor, a grande contribuição histórica em suas obras sobre o estudo do crime, da pena e da gestão do sistema penitenciário, dando uma grande contribuição ao Brasil e ao Estado do Rio de Janeiro, como membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro. Heitor pertence à elite cultural brasileira, cujo curriculum é um miniextrato do seu labor intelectual. Fomos companheiros nos cursos de pós-graduação em Direito em várias universidades, nos departamentos de Penal, Processo Penal e Criminologia e, hoje, dividimos a bancada como membros do Fórum da Execução Penal da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, há mais de 18 anos ininterruptos. Recordo-me de quantas vezes consultei sua tese doutoral – Personalidade Psicopática, Semi-imputabilidade –, sua consagrada Vitimologia, 1 Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e Presidente do Fórum Permanente de Execução Penal da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro.
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bem como suas palestras publicadas na Revista da EMERJ, anotando e coletando ensinamentos, para minha honra, registrados no meu livro Execução Penal (2016), produto não de “reminiscências”, mas como “atualidades” de um desbravador do futuro. No estudo da pena, convergem vários segmentos cujas raízes são multidisciplinares, traduzindo um esforço conjuntural para racionalizá-la e desprover contornos éticos. Cogita-se de uma área cinza, controvertida e plena de tensões emocionais. Ninguém nasce delinquente, o crime não é herdado, não se imita, não se inventa, não é algo fortuito ou irracional: o crime se aprende. O Direito Penal, como instrumento de última etapa do controle social formalizado, deve se identificar com a aplicação prática envolta em uma série de garantias de regrada atividade, portanto, segura, previsível e controlada em todas as suas etapas, perante o devido processo legal. Neste desenho, diante de uma intervenção estatal mínima e por tempo mínimo, quando possível, levar-se-á à desconstrução de um sistema carcerário desumano e degradante, violador do Estado Democrático de Direito. O livro que está sendo lançado neste ano histórico de 2016, tornase leitura obrigatória para todos nós, jovens iniciantes ou experientes estudiosos, para reforçar os ideais de luta em prol do garantismo dos direitos humanos e da democracia. Finalizo este brevíssimo testemunho sobre este acadêmico exemplar, amigo querido, parabenizando-o pelo labor intelectual para a reconstrução da juventude brasileira, progressista e intelectualizada, preocupada com os direitos da pessoa humana e com o futuro do Brasil.
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Prefácio Eduardo Mayr1
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eitor é uma pessoa notável. Notável e surpreendente. Modesto, estudioso, estimado por todos que o conhecem, jurista de escol, amigo de seus amigos, colegas e companheiros. Heitor é imprescindível, no sentido exato do termo que lhe deu Bertold Brecht: “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muito anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda vida e estes são imprescindíveis’’. Este livro prova isso. É um fragmento da vida vivida, um breve retrato do quotidiano deste garimpeiro de imagens, essas Reminiscências de uma vida acadêmica. Selecionando textos de sua criação no decorrer de aproximadamente cinco décadas como estudioso das coisas da vida, nota-se a prevalência e superposição de uma palavra-chave como fio condutor de todos os trabalhos: humanismo. A imprescindibilidade do humanismo nas mentes e nas ações humanas. Vitimólogo e estudioso das coisas do Homem, seus anseios e perspectivas, Heitor espraia e alastra seus conhecimentos em uma linguagem agradável e acessível, mostrando suas qualidades como mestre e professor, sempre em leitura simples e concisa, em imagens claras e precisas, e que nos leva a meditar. Já se afirmou que fazer rir é fácil, fazer emocionar também, mas fazer pensar é uma arte rara. E Heitor é um artista das imagens e das palavras, buscando, por vezes, no quotidiano, os argumentos que reforçam seus pensamentos, os quais são acima de tudo cristãos, não desmerecendo suas origens filosóficas e morais. A leitura desta seleção é gratificante e agradável. Longe de rebuscamentos e sem abusar de citações, sua pena flui tranquila nestas páginas que relembram palestras e dissertações, aulas e introduções, sempre originais e surpreendentes. Assim, se espraia nas considera-
1 Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e professor da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
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ções sobre o crime, o criminoso, a pena, a ressocialização, a injustiça do quotidiano, a dicotomia entre liberdade e repressão, e, sobretudo sobre o assunto em que é estudo desta ciência biopsicossocial em nosso país. A cronologia de seus trabalhos e seu extenso curriculum vitae encontra-se ao final, onde podemos avaliar como foi sua produção acadêmica: incansável. Enquanto outros se assentaram nas sombras de suas realizações pretéritas, no otium cum dignitate, Heitor sempre continuou firme em suas produções, mais que literárias, perenes. E agora, surge este como que mosaico de pensamentos e depoimentos que, modestamente, foi intitulado de Reminiscências, um como que “olhar para trás” das suas “ joias da coroa”, e cujo aplauso é merecidíssimo. Seu livro é, sem dúvida, encantador, e merece ocupar lugar de destaque na biblioteca de todos os que conhecem e admiram esse batalhador impoluto, e os quais, após sua leitura, certamente continuarão ou passarão a amá-lo e admirá-lo mais e mais. Heitor, sinceros parabéns pela iniciativa em democratizar sua experiência e conhecimento. Congratulações por mais este lançamento, que alia a excelência do seu conteúdo à primorosa apresentação gráfica. E para todos nós, seus amigos, admiradores, alunos e companheiros, que tenhamos uma merecida, boa e gratificante leitura.
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Prefácio Ester Kosovski1
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gradecida pelo honroso convite do professor Heitor Piedade Jr. para fazer o prefácio para a sua obra, depois da extensa bibliografia já existente publicada ao longo da bem sucedida vida acadêmica deste vocacionado professor e autor tão querido por alunos e colegas. Esta oportuna coletânea de artigos que apareceram em esparsas obras, sendo algumas inéditas, são resultado de pesquisa e reflexões durante anos e em diferentes oportunidades oferecidas generosamente como contribuição da cultura e do saber deste verdadeiro mestre. Acompanhei como colega e amiga a trajetória de Heitor Piedade nos últimos 40 anos, nas várias áreas e faculdades em que atuou: temos, inclusive, vários livros publicados em coautoria e assim posso testemunhar com conhecimento de causa. A Vitimologia, ciência bio-psico-social recente que apareceu a partir da Criminologia, na segunda metade do século XX, teve em Heitor Piedade um dos primeiros contribuintes e membro fundador da Sociedade Brasileira de Vitimologia (SBV), criada num dos Congressos de Criminologia, na cidade de Londrina em 1984. Neste livro aparecem vários artigos referentes à Vitimologia, matéria pouco explorada, baseados, inclusive, em livros já editados. Contribuição importante do professor Heitor. Mas esta coletânea é um panorama amplo no tempo e no espaço dos variados temas abordados com propriedade, bem redigidos, de leitura accessível, que o autor desenvolveu ao longo de sua exitosa carreira acadêmica. Reflexões sobre o Sistema Penitenciário, problemas e leis referentes, Direitos Humanos, violência, aspectos teóricos do Direito em geral e do Direito Penal, em especial, sua disciplina 1
Professora titular emérita da UFRJ.
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no magistério, lembranças de sua terra natal, Viana, no Estado do Maranhão e muitos outros temas de interesse geral. É uma obra imprescindível para os que se interessam pelos eventos da atualidade e seus múltiplos aspectos, que não pode faltar na biblioteca dos interessados nas mudanças da nossa época, na pena de um escritor que conhece o vernáculo e sabe usar a nossa língua para bem expressar os seus pensamentos e observações. Cumprimento a Editora Letra Capital que tanto contribui para a cultura brasileira.
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Meus caros amigos Para compartilhar com vocês nesta publicação, não me foi fácil decidir-me, face à curiosidade de meu “anjo da guarda” chamado Marli da Silva Piedade, que descobriu alguns textos inéditos em meio de tanta papelada que eu guardava, como planos de aula, palestras, artigos de jornais, recorte de conferências e tantos outros guardados desde quando iniciei meu curso de bacharel na Faculdade de Direito da UFRJ, nos idos de 1966. Imaginei que poderia servir-me daquele material apenas para matar saudades. Ledo engano. Ela me sugeriu que eu selecionasse os melhores textos para uma futura publicação. Mas, quando ela pesquisou peça por peça, convenceu-me de que selecionasse 50 textos, para comemorar meu cinquentenário de vida acadêmica, que ocorreria em 2016. Concordei e não se falou mais sobre isso. Quase ao final do ano passado (2015) voltou a cobrança da Marli. “Está chegando a vez de seu cinquentenário de vida acadêmica”, lembrou-me ela. Não pude fugir. Promessa é dívida. Sendo assim, selecionamos os 50 textos, em ordem cronológica, e agora estamos lançando esta modesta coletânea prometida, que hoje leva o nome de Reminiscências de uma vida acadêmica. Com temas bem variados, desde as saudades de minha terra e de minha gente, críticas ao Sistema Penitenciário e às leis consideradas “cortinas de fumaça”, homenagens aos ilustres filhos da terra vianense, nossa posição doutrinária a respeito do crime e da pena, da lentidão da justiça, sobre a Vitimologia e os direitos humanos no Brasil e no mundo, os direitos dos presos e condenados, dos movimentos religiosos contrários em épocas de ditaduras, sobre a menoridade penal, sobre a vitimização de nossa “mãe Gaia” e do meio ambiente, em geral. Homenagem de respeito à água, à excelência do método de Paulo Freire, meu poema à Vitimologia (que foi a Carta da Vítima) e todas as homenagens a todos os que desfraldam a bandeira dos Direitos Humanos etc. Nossa tarefa termina aqui. Hoje, sentimo-nos gratificados, com os 50 anos da vida acadêmica. Muito mais da vida do magistério do que 13
propriamente das lides forenses, muito embora, para ambas as tarefas os professores da Faculdade de Direito (UFRJ) se esmeraram em nos preparar. Esses 50 textos constituem os esforços de um jovem que sabia o que desejava. Pelo esforço das duas vias: da sala de aula e das longas esperas nas salas da justiça penal. Heitor Piedade Júnior
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Sumário Carta da vítima.................................................................................... 17 Direito, crime e pena (1ª parte).......................................................... 20 Direito, crime e pena (2ª parte).......................................................... 33 Personalidade psicopática, semi-imputabilidade e medida de segurança....................................................................... 47 O sistema penitenciário...................................................................... 52 Tipologia da vítima.............................................................................. 56 Criador e criatura: Astolfo Serra, um padre revolucionário........... 60 No caminho da ressocialização do homem condenado e preso...... 72 A participação da comunidade na execução da pena...................... 75 À guisa de uma apresentação............................................................. 85 A vítima e o processo penal................................................................ 89 Vitimologia no Brasil e no Mundo..................................................... 98 Direitos do preso................................................................................. 102 Criminosas mulheres........................................................................... 113 Medidas provisórias e a constituição federal.................................... 116 Os crimes hediondos na legislação brasileira.................................... 122 Prisão: uma violência institucional.................................................... 129 A escrita dos condenados.................................................................... 133 Trabalho escravo: vergonha nacional................................................ 137 Os movimentos religiosos e o Golpe Militar de 1964....................... 140 Redução da maioridade penal............................................................ 152 Tortura: antiga forma de abuso de poder......................................... 155 Vitimização no sistema penal............................................................. 163 Astolfo Serra: um imortal em meio aos mortais............................... 168 Uma incrível história de vitimização profissional............................. 173
IV Maratona Jurídica da OAB: Direitos Humanos – Teoria e Realidade............................................................................ 177 Mulheres condenadas e presas, consequência de uma sociedade violenta, cruel e desigual..................................... 181 As sensitivas......................................................................................... 192 Um grito de socorro em favor da água.............................................. 195 Vitimologia e direitos humanos: reflexões doutrinárias.................. 203 Vitimologia no Brasil........................................................................... 222 Viana e seu novo renascer................................................................... 238 América Dias: a genial musicista vianense........................................ 242 Aula sobre Vitimologia e Direitos Humanos..................................... 245 Louk Hulsman: uma luz que não se apagou..................................... 251 Vitimização de nossa “GAIA”............................................................. 257 A expressão de um movimento educacional na pedagodia de Paulo Freire............................................................. 261 Violência, vitimização e sua história no tempo................................. 283 Algemas sem lei................................................................................... 295 E no meio da aula, as luzes se apagaram: assim foi João Marcelo de Araújo Jr................................................... 298 Enquanto caíam as folhas de uma velha mangueira. (Réquiem para um ex-amigo)............................................................. 306 Justiça, uma questão de cidadania..................................................... 315 Reflexões sobre Vitimologia e Direitos Humanos (1ª parte)............ 320 Relendo Gleba que Canta..................................................................... 327 Uma homenagem especial à obra maior de Astolfo Serra: A Balaiada............................................................... 332 Viana, depois de alguns anos............................................................. 340 Viana é uma cidade curiosa................................................................ 343 Violência urbana e cortina de fumaça............................................... 346 Sonho com o renascer vianense......................................................... 359 De “Torquemada” ao “Iluminismo”................................................... 361 Sobre o autor........................................................................................ 370 Mini curriculum.................................................................................. 372 Trabalhos publicados.......................................................................... 374
Carta da vítima
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Sociedade Brasileira de Vitimologia, no Dia da Luta Contra a Injustiça, tendo em vista seus propósitos culturais, científicos e sociais, na permanente busca da igualdade de direito entre os homens, com o objetivo de erradicar todo e qualquer processo de vitimização e: – considerando a necessidade do império da Justiça entre as nações; – considerando a terrível desigualdade social entre pessoas, grupos e povos; – considerando o vertiginoso crescimento do processo vitimizatório dos poderosos sobre as classes menos privilegiadas: RESOLVE REPUDIAR: 1º O sistemático desrespeito aos direitos fundamentais do homem, materializados no seu direito “à vida, à saúde, à liberdade, à segurança e à propriedade”, afrontados, diariamente, no foco da indiferença, quando não da conivência do poder público e de grande segmento da sociedade civil. 2º O fisiologismo político de nossos governantes, sempre em seus interesses pessoais ou partidários, ao descaso do encaminhamento de soluções aos problemas sociais, notadamente das classes menos favorecidas. 3º A indiferença da sociedade diante do tratamento desumano dispensado em hospitais, asilos ou casas de saúde, contra a criança e adolescente de rua, pessoas idosas, doentes, mendigos, famintos e desabrigados, sob o olhar complacente das autoridades competentes. 4º As condições em que são submetidos aqueles que cumprem pena privativa de liberdade nas penitenciárias ou delegacias policiais, à margem da lei e do respeito ao direito do preso proclamado pela ONU e pela consciência dos povos civilizados. 5º A tortura, por agentes do Poder Público, contra pessoas suspeitas de crime, culpadas ou inocentes, a pretexto da busca da verdade,
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praticada diariamente, sob o olhar impassível de quem de direito; a violência praticada nas ruas, favelas, no campo, nas repartições públicas e particulares, nas sedes de governos, em todos os níveis, por parte de agentes criminosos, sob o pálio da impunidade. 6º O trabalho escravo na cidade e no campo aos “sem terra”, “boiasfrias”, posseiros, índios; o desemprego; o subemprego; o baixo salário das classes trabalhadoras; as péssimas condições de vida da maioria da população de nossa comunidade nacional; a fome de milhões de seres humanos e o desperdício de alimentos. 7º O desvio criminoso do dinheiro do povo, para salvar o interesse escuso de poderosos banqueiros; a escravidão imposta à criança e ao adolescente, que se tornam vítimas do uso e do tráfico de drogas ilícitas, bem como sua exploração sexual, sobretudo quando praticada pelos próprios familiares. 8º O analfabetismo, o abandono de nossas escolas, o baixo salário dos professores, o deficiente acompanhamento intelectual e psicológico dos alunos. 9º Os falsos profetas de determinado segmento da mídia, deturpadores da opinião pública, maculadores da honra de pessoas dignas e deformadores da consciência da coletividade. 10º Por fim, repúdio à falta de acesso do povo humilde na busca de seus direitos através da Justiça, em face de seu estrutural e histórico distanciamento das classes menos privilegiadas e de seu proverbial descompromisso com a solução dos problemas sociais. EM FACE DE TANTO, RESOLVE: Art. 1º Fica decretado que, a partir de hoje, seja revogado o processo de vitimização entre todos os homens. Art. 2º Fica decretado que as crianças, pobres e ricas, brancas, vermelhas, negras e amarelas, poderão estudar juntas na mesma escola, rezar juntas no mesmo templo, correr com a mesma alegria, pelos jardins e campos do mundo inteiro, receber presentes em todos os Natais e não poderão mais ser exploradas, maltratadas e assassinadas. Art. 3º Fica decretado que as pessoas idosas poderão sorrir como todos os demais seres humanos felizes e que a sua velhice seja 18
Carta da vítima
reconhecida como uma conquista na vida e jamais um sinal de decadência. Art. 4º Fica decretado que o homem é o senhor da terra e não seu escravo e que todos os homens possam contribuir para sua grandeza e para sua perenidade, na medida em que todos tenham os mesmos direitos sobre ela. Art. 5º Fica decretado que aquele que errou tenha mais direito ao perdão, à compreensão e à ajuda do que aquele que nunca o fez, e que, no cumprimento de sua pena, possa ser tratado como um ser humano, porque somente aquele que errou tem o direito ao perdão. Art. 6º Fica decretado que não haja mais vítimas de qualquer ato criminoso, quer entre pessoas, grupos ou povos, mas que passem, a partir de agora, a respeitar-se mutuamente e se conduzirem como pessoas, grupos ou povos civilizados. Art.. 7º Fica decretado que, em casa ou nos hospitais, os doentes passem a receber toda atenção, carinho e respeito de seus familiares, amigos e de todo e qualquer profissional da saúde. Art. 8º Fica decretado que, daqui por diante, todas as raças, todos os credos, todas as ideologias políticas ou religiosas, todos os povos de esquerda, de direita, de centro ou de periferia, se assentem em torno de uma mesma mesa e partam, como companheiros, o pão da fraternidade universal. Art. 9º Fica decretado que a natureza, reino mineral, vegetal ou animal, céu, mar e terra, não terão mais medo do homem, porque este, finalmente, reconheceu a necessidade de respeitá-los, amá-los e protegê-los. Art. 10º Finalmente, fica decretado que, a partir de hoje, DIA CONTRA A INJUSTIÇA, não haja mais vitimizadores, nem vítimas, e que a injustiça seja definitivamente erradicada do coração do homem, e que, em seu lugar, se implante o reino do amor, da concórdia e da Justiça.1
1 “Carta da Vítima”, autoria do professor HEITOR PIEDADE JÚNIOR, poema inspirado no poeta Thiago de Mello e publicado na obra coletiva Vitimologia em Debate II, pp.199-202, coordenada por Eduardo Mayr, Ester Kosovski e Heitor Piedade Jr., então presidente da Sociedade Brasileira de Vitimologia, em 23 de agosto de 1996.
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Direito, crime e pena (1ª parte)
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presente trabalho está dividido em duas partes: na primeira estão contemplados os seguintes subtemas: 1) O Direito; 2) O Direito Penal; 3) Conceitos de Direito Penal; 4) Caracteres do Direito Penal; 5) História do Direito Pena Brasileiro; 6) O Código Criminal do Império e o Código Penal de 1890.
1. O Direito. Já se tornou por demais conhecido o aforismo latino segundo o qual ubi societas ibi jus, isto é, “onde a sociedade, aí o direito”. Ao longo do processo histórico, dialético e cultural, o Direito foi-se apresentando como um conjunto de normas que têm por objetivo a disciplina e a organização da vida em sociedade. A vida em sociedade vai-se enriquecendo com os costumes, as regras religiosas, morais, sociais, jurídicas, indo constituir um vasto estuário do sistema do controle social. Direito, portanto, é a relação de normas que regula o comportamento das pessoas em comunidade, ainda que esta seja apenas a convivência de duas pessoas. Poderíamos considerar o Direito como sendo uma imensa árvore que se compõe de diversos ramos, cada um deles responsável pelo relacionamento de cada modalidade de comportamento plural. Neste sentido, temos o Direito Constitucional, com o objetivo de regular o relacionamento da população de um país em um determinado momento de sua história, estabelecendo a estrutura política e administrativa da nação e firmando os princípios que constituem garantia da liberdade individual em face do poder público. Tem-se, ainda, o Direito Civil que regula a relação entre as pessoas na mesma sociedade, tutelando o patrimônio da cada membro da sociedade. O Direito Administrativo, que significa o complexo de normas jurídicas a regular a administração do Estado. O Trabalhista que regula as situações de conflito entre empregado e empregador, assegurando os 20