Da Hungria ao Brasil

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Da Hungria ao Brasil Memรณrias que transbordam


Copyright © Agnes Milley, 2018 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e expressa do autor.

Editor João Baptista Pinto

Capa: Rian Narcizo Mariano

Projeto Gráfico / Editoração Luiz Guimarães

Revisão Rita Luppi

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M592d Milley, Agnes, 1940 Da Hungria ao Brasil: memórias que transbordam / Agnes Milley. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2018. 160 p. : il. ; 15,5x23 cm.

ISBN 978-85-7785-617-6

1. Milley, Agnes, 1940-. 2. Mulheres - Hungria - Biografia. I. Título.

18-52137 CDD: 920.72 CDU: 929-055.2 Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644

Letra Capital Editora Tels.: (21) 3553-2236 / 2215-3781 vendas@letracapital.com.br www.letracapital.com.br


Agnes Milley

Da Hungria ao Brasil Memรณrias que transbordam



Prefácio

C

reio que minha vó já era uma grande contadora de histórias muito antes de debruçar-se sobre as palavras deste livro. Não o digo somente por conta dos inúmeros eventos nos quais ela contava, com sua fluida e deliciosa narrativa, lendas indígenas e fábulas que levava na memória; nem pelo fato de que sempre conseguia conquistar a atenção de adultos e crianças com seu gesticular arrebatador e aqueles olhos que transportam a gente para além de suas palavras... Aqueles olhos que, como a imensa tela de um elegante cinema dos anos 50, fazia com que todos mergulhassem num mundo de imagens vivas e inesquecíveis. Não... Mais do que isso! Minha vó não só conseguia cativar-me por completo toda vez que discorria sobre episódios de sua turbulenta infância por conta de seu talento para narrá-los, havia também algo de mágico em sua história, algo diferente de tudo que eu conhecia até então. Passagens sobre a guerra, sobre a busca por um novo lar, sobre as dores e alegrias de partir... Parecia-me um mundo inteiramente novo, algo muito distante daquilo que, com a ingenuidade de meu olhar de criança, considerava uma realidade absoluta. Ficava, então, submersa numa aura de fascínio e encantamento até com as mais simples das experiências vivenciadas por minha vó e carrego muitas delas em minhas mais doces lembranças. Não somente o lirismo magnético das palavras de minha vó hão de fazer você mergulhar neste livro, mas as histórias que aqui estão certamente ficarão impressas nas sensibilidades de cada um que por aqui passar. Mariana Milley



Dos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é sem dúvida, o livro. Ele é uma extensão da memória e da imaginação. Jorge Luís Borges



Sumário Introdução e Agradecimentos.................................................11 Parte 1.....................................................................................133 Vác, nossa cidade em 1944................................................15 Vác – nossa nova casa e a fuga..........................................23 Pelas estradas......................................................................27 Bayreuth – finalmente a Alemanha...................................31 Enfim a paz ........................................................................35 Depois da festa novas lutas................................................39 Heinesreuth e nosso terceiro albergue ............................42 Heinesreuth – mais aventuras...........................................46 Voltando ao mundo dos adultos........................................48 Uma grande decepção.......................................................51 Weidenberg, nosso quarto albergue.................................53 Weidenberg – nossas tarefas..............................................56 Weidenberg – a família reunida .......................................60 Weidenberg – maçãs secas e outras iniciativas.................63 Weidenberg – alegrias e brincadeiras...............................68 Weidenberg – nossa escola................................................71 Weidenberg – nossas gargantas ........................................74 Weidenberg – nova despedida...........................................77 Hoppetenzell e arredores..................................................79 Hoppetenzell – palco de pequenos incidentes.................81 Hoppetenzell – brincadeiras e aventuras.........................85 Hoppetenzell – mais uma despedida................................89 A viagem.............................................................................91

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Parte 2.......................................................................................95 Chegada ao Brasil e a Ilha das Flores...............................97 A olaria..............................................................................102 Rocha Sobrinho e o meio de transporte.........................105 O jardim da olaria............................................................107 O bolo da estação.............................................................109 Depois do bolo ................................................................111 A Dutra e Eu.....................................................................114 Higienópolis – uma mudança audaciosa........................117 Construindo nosso lar......................................................120 Ganhando o pão de cada dia...........................................122 Os empregos de papai......................................................124 Nossos animais..................................................................126 Higienópolis, como era?..................................................129 Barreiras – língua e cultura.............................................132 Nossas escolas...................................................................134 Como fomos admitidas na Escola Piauí..........................135 Escola Oswaldo Cruz........................................................137 O Ginásio..........................................................................139 Nossas diversões...............................................................142 Depois de Higienópolis....................................................144 Adultos..............................................................................146 Avôs, avós, tios e tias........................................................148 Anexo................................................................................153


Introdução e Agradecimentos

D

irijo-me a toda minha querida família, a meus caríssimos amigos e a todos que vierem a ler esta história. Cumpro minha promessa. O livro pelo qual vocês tanto esperaram está finalmente pronto. No entanto, devo-lhes uma explicação pela longa demora. Costumava repetir com frequência que estava escrevendo um livro, há uns 30 anos. Ora, 30 anos era apenas uma forma de expressão. Na verdade, esta história vinha sendo construída desde quando eu era muito pequena. Em minha mente havia um arquivo onde eu guardava, em “vídeos”, tudo o que me acontecia. Eu organizava e reorganizava esses “vídeos” e os projetava para mim mesma muitas vezes. A cada dia o arquivo se expandia e as lembranças se consolidavam. O arquivo ficou tão cheio que já transbordava. Chegou então a hora de compartilhar tudo com todos. Preciso também deixar bem claro que fui sempre muito leal e sincera com minha própria memória. Meu livro não pretende ser histórico, mas sim um depoimento fiel guiado por lembranças infantis e mais tarde pelas de nossas vivências. Naturalmente algumas informações eu obtive mais tarde ouvindo comentários aqui e ali, mas não me permiti, em momento algum, utilizar de ficção. Minhas lembranças podem não estar sempre inteiramente corretas, mas são todas autênticas. Foi assim que eu vi e ouvi tudo e guardei em meus “vídeos”. O processo da transcrição foi muito lento e muitas vezes interrompido, e se depois de cada interrupção eu não tivesse podido contar com o entusiasmo e o estímulo de todos vocês, certamente eu não estaria aqui, agora, podendo dizer MUITO OBRIGADA com o coração tomado de gratidão. Menção Da Hungria ao Brasil Memórias que transbordam • 11


especial para Apja, Anyi, Zsuzsi, Kati e Gábi que pela bondade de Deus puderam vivenciar comigo esta singular história. Graças ao cuidadoso relato de Zsuzsi (1997) pude confirmar ou corrigir algumas datas, nomes de familiares e de lugares, principalmente. Para meus filhos, netos, sobrinhos e os que vierem depois deixo de presente um pouco de nossas raízes. E, a todos vocês que de alguma forma contribuíram para que este projeto fosse concluído a tempo e com sucesso, peço que tenham a certeza de que guardo no coração toda a palavra dita com amor, todos os gestos positivos, as mãos que agiram, os pés que me acompanharam e cada precioso minuto gasto em pensar, por exemplo, no título e na capa do livro e em como representar em português a pronúncia tão difícil dos nomes húngaros. Minha gratidão a Cristina Amarante e Ágnes Szabó por terem tão generosamente mergulhado na finalização do meu projeto. Penso também nos amigos que já estão planejando em como tornar nosso encontro do dia 22 de setembro o coroamento alegre de toda essa comunhão. Agradeço a minha filha Anita a oportunidade que me proporcionou de revisitar a Ilha das Flores, no ano passado, e a meu filho Átila pela paciência de me ajudar com minhas dificuldades com o computador. À Elza, minha irmã de coração, fica o meu muito obrigada por ter assumido minha parte das tarefas domésticas para que eu pudesse escrever. E também não posso deixar de mencionar a alegria de ter sido apresentada a João Baptista Pinto, editor, Rita Luppi, revisora e a toda a equipe da Letra Capital. Seu acolhimento, o sincero interesse e carinhosa dedicação ao trabalho e ao autor são impagáveis. Que Deus os abençoe a todos. Com todo meu carinho Agnes 12 • Agnes Milley


Parte I Hungria e Alemanha

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Vác1 , nossa cidade em 1944

P

ara nós a guerra começou numa clara manhã de outono. Zsuzsi e eu brincávamos debaixo da majestosa castanheira que encobria o pequeno portão de ferro de nosso jardim. Com gravetos e castanhas caídas no chão, construíamos bonecos e com eles criávamos histórias divertidas, sem nos darmos conta de que a História começava a escrever para nós um roteiro bem diferente. Zsuzsi2 tinha então seis anos de idade, eu quatro e Kati3 ainda dormitava tranquila nos seus três meses de vida. O sol morno de outono envolvia e iluminava seu enorme carro de bebê branco de para-choques brilhantes. O Possante, assim o chamarei daqui por diante, seria para nós um companheiro fiel ainda por muito tempo. Pronuncia-se Vats Pronuncia-se Juji 3 Pronuncia-se Kâti 1 2

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