Mosaicos da cultura brasilera

Page 1

Universidade Federal do Acre M�L � ���L Mestrado em Letras: linguagem e identidade

(Edital 03/2011- Formação de Pesquisas Locais/FDCT).


Conselho Editorial Série Letra Capital Acadêmica Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR) Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM) João Medeiros Filho (UCL) Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ) Michela Rosa di Candia (UFRJ) Olavo Luppi Silva (USP) Orlando Alvez dos Santos Junior (UFRJ) Pierre Alves Costa (Unicentro-PR) Robert Lee Segal (UFRJ) Sandro Ornellas (UFBA) Sergio Azevedo (UENF) Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR) William Batista (Bennet - RJ)


Luciana Nascimento Andrea Maria Favilla Lobo Organizadoras

Mosaicos da Cultura Brasileira


Copyright © Luciana Nascimento e Andrea Maria Favilla Lobo, 2012 Os textos são de inteira responsabilidade dos seus autores, bem como as figuras utilzadas. Os erros gramaticais e as opiniões expressas, isenta a editora ou organizadores de quaisquer responsabilidade. Esta obra não pode ser reproduzida total ou parcialmente sem a autorização por escrito do editor.

Editor João Baptista Pinto Capa Luiz Guimarães Fotos de capa: http://repenseja.blogspot. com/2011/09/respeite-as-outras-culturas.html Projeto Gráfico e Editoração Luiz Guimarães

Revisão Dos Autores

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

M865 Mosaicos da cultura brasileira / Luciana Nascimento, Andrea Maria Favilla Lobo organizadoras. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012. 222 p. : il. 15,5x23cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-148-5 1. Brasil - Usos e costumes. 2. Brasil - Vida intelectual. 3. Brasil - História. I. Nascimento, Luciana. II. Lobo, Andrea Maria Favilla 12-1550.

CDD: 981 CDU: 94(81)

14.03.12 22.03.12

033903

Letra Capital Editora Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781 letracapital@letracapital.com.br 4


APRESENTAÇÃO

É

com a sensação de um sonho realizado, que entregamos este volume à comunidade acadêmica e ao público leitor interessado nos estudos acerca da cultura brasileira. Dessa forma, tomamos por base a metáfora do mosaico, ou seja, a técnica de juntar fragmentos para formar uma figura. Destacamos que alguns dos trabalhos, aqui, publicados foram resultados das reflexões empreendidas na disciplina “Cultura e Literatura Brasileira”, ministrada no Mestrado em Letras: Linguagem e Identidade da UFAC, pela Professora Luciana Marino do Nascimento. Os trabalhos que abrem a publicação são dedicados aos estudos acerca do Império brasileiro, no tocante à educação no império, as imagens do império nos livros didáticos e as imagens da natureza veiculadas na literatura romântica finissecular. Ainda, no alvorecer do século XX, no trabalho intitulado “Os literatos e a boêmia no Rio de Janeiro de 1900”, os autores nos mostram a sintonia os compassos e descompassos entre a nossa modernidade e a modernidade européia. Compondo o mosaico da cultura brasileira da segunda metade século XX em diante, os autores premiam os seus leitores com estudos sobre a cultura da Bossa Nova, a poesia do sagrado, o teatro e a experiência estética, a literatura de Graciliano Ramos, o desenvolvimento da Igreja católica no Acre, a passagem da língua geral à língua portuguesa, a análise da linguagem e dos papéis sociais dos juízes no interior das Minas Gerais. Ainda, os autores nos mostram as várias facetas da cultura amazônica, com suas florestas e cidades, a partir dos discursos histórico, midiático e literário. E é a partir de muitos olhares e vários fragmentos que pretendemos mostrar algumas leituras do Brasil.

Profa. Dra. Luciana Marino do Nascimento Profa. Dra. Andrea Maria Favilla Lobo Organizadoras 5



SUMÁRIO

IMAGENS DO SEGUNDO IMPÉRIO BRASILEIRO NOS LIVROS DIDÁTICOS......9 Essio dos Santos Maciel IDENTIDADE E FORMAÇÃO DA NACIONALIDADE: REALIDADE DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO CENÁRIO EDUCACIONAL NO SEGUNDO IMPÉRIO............................................................20 Adelzita Valéria Pacheco de Souza e Joseane de Lima Martins IMAGENS DA NATUREZA NA FICÇÃO ROMÂNTICA BRASILEIRA..................26 Marcia Nogueira Vojdani e Edna Rosa Matos OS CAFÉS E A VIDA SOCIAL NA BELLE ÉPOQUE NA CRÔNICA DE LUIS EDMUNDO.......................................................................34 Luciana Marino do Nascimento e Luis Edmundo Bouças Coutinho REVISITANDO GRACILIANO.................................................................................41 José Luiz Foureaux de Souza Júnior TRAÇADOS DO BRASIL NA BOSSA NOVA............................................................71 Douglas Marques Luiz e Luciana Marino do Nascimento SOBRE ADAPTAÇÃO NA TV: ASPECTOS DA MINISSÉRIE “AMAZÔNIA: DE GALVEZ A CHICO MENDES”...........................................................................79 Maria de Nazaré Cavalcante de Sousa ENCONTRO E DESENCONTRO E DE MAIS UM PARAÍSO PERDIDO................93 Débora Souza do Nascimento HIBRIDISMO E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NA AMAZÔNIA BRASILEIRA: ESTUDO DE CASO A PARTIR DO ROMANCE “CINZAS DO NORTE”, DE MILTON HATOUM..................................................99 Francisco Aquinei T. Queiroz e Ezilda Maciel da Silva 7


MITO E IDENTIDADE NA NARRATIVA CURTA DE AUTORIA FEMININA NO ACRE....................................................................107 Margarete Edul Prado de Souza Lopes O AVESSO DO PARAISO VERDE: UM OLHAR SOBRE OS CRIMES CONTRA AS MULHERES EM NARRATIVAS DE EXPRESSÃO AMAZÔNICA.............................................................................119 Maria Ozélia Andrade Reges e Jefferson Henrique Cidreira O GOSTO E A CONSTRUÇÃO DAS PREFERÊNCIAS ESTÉTICAS......................130 Andrea Maria Favilla Lobo HIBRIDISMO DE PAPÉIS NA PRÁTICA PROFISSIONAL: ANÁLISE DE UMA AUDIÊNCIA NO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL..............................................149 Amitza Torres Vieira DAS LÍNGUAS À LÍNGUA: A PASSAGEM DA LÍNGUA GERAL À LÍNGUA PORTUGUESA........................................................................................................163 Maria Cristina Lobregat e Marisa Fontana A POESIA DO SAGRADO: UM ESTUDO DOS CANTOS DE BEIRAMAR, DE MARLOS NOBRE.............................................................................................173 Luciene de Bittencourt Martins e Luciana Marino do Nascimento A IGREJA CATÓLICA E A LUTA PELA TERRA NOS VALES DO ACRE E PURUS................................................................................................185 Sandra Tereza Cadiolli Basílio OS MODOS DE VIDA DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO VALE DO GUAPORÉ.......................................................................................208 Teresa Almeida Cruz BOA VISTA/RR NA DÉCADA DE 1950: UMA CIDADE VIVIDA E NARRADA...........................................................................................................234 Carla Monteiro de Souza


IMAGENS DO SEGUNDO IMPÉRIO BRASILEIRO NOS LIVROS DIDÁTICOS

Essio dos Santos Maciel1

Introdução No que se refere ao processo histórico brasileiro, o período do Brasil império, em especial o segundo império, teve profunda relevância para a questão cultural, pois foi nesta conjuntura que se processou o debate sobre a nacionalidade comandada pela corrente estética romântica patrocinada pelo então imperador D. Pedro II, que mandava escritores e intelectuais aprofundarem seus estudos no continente Europeu, tendo como objetivo a construção de uma identidade nacional. As imagens do império brasileiro encontram-se, geralmente, associadas ao projeto de unificação e grandeza nacional, onde se enfatiza aspectos da natureza exuberante, que tem como finalidade despertar a paixão de seus habitantes pelas belezas naturais existentes no território brasileiro. Os ideais de progresso e desenvolvimento também se constituem características marcantes no Reinado de D. Pedro II, que por seu turno, procurava trazer para a capital do país o que havia de mais moderno na Europa, desde a literatura, às peças teatrais, as artes, a música e a moda em geral, praticamente todo estilo de vida da elite imperial era importada do continente Europeu. Os esforços do Imperador em trazer a civilização para o Brasil, Graduado em História pela Universidade Federal do Acre-UFAC e mestrando em Letras: Linguagem e Identidade/UFAC. Trabalho originalmente apresentado como requisito para conclusão na disciplina “Cultura e Literatura Brasileira”, ministrada pela Profa. Dra. Luciana Nascimento e pelo Prof. Dr. João Carlos de Carvalho, no 1º semestre/2011. 1

9


Essio dos Santos Maciel

não foram suficientes para apagar a imagem de um país atrasado, visto no exterior. Essa visão se fundamentava no sistema escravista reinante no território brasileiro, o que constituía um empecilho para a implantação de uma economia de livre mercado, produto do capitalismo industrial. As desigualdades sociais também apresentam como ponto negativo do período imperial, tendo em vista que o Brasil, por ser um país agrário, possuia a maior parte de suas atividades econômicas voltadas para a agricultura e ao mesmo tempo, pouquíssimas pessoas tinham condições de comprarem terra para cultivarem, em decorrência de seus altos preços. Pretendemos mostrar neste trabalho, algumas imagens do Brasil império presentes no livro didático, mostrando alguns elementos que contribuíram para a construção da identidade do povo brasileiro, bem como o estilo de vida daquela sociedade, a qual mantém claro reflexo na atual conjuntura nacional.

O Brasil império nos livros didáticos Para fundamentar o nosso estudo utilizamos dois livros didáticos: História e vida integrada, de Nelson Piletti, e Por dentro da História, de Pedro Santiago. Ambos os livros estão sendo utilizados no 8º e 9° ano do Ensino Fundamental, na Escola Estadual Leôncio de Carvalho. Lançamos, portanto, um olhar sobre o segundo reinado e como este período é tematizado pelos autores. O chamado segundo império teve início em julho de 1840 e se caracterizou pelo favorecimento que o estado brasileiro dispensava às classes dominantes, demonstrando, dessa forma, pouco interesse na solução dos problemas das massas trabalhadoras que representavam a maior parte da população: O imperador e a burocracia imperial atendiam à essência dos interesses dominantes, ao promover a ordem em geral, ao dar tratamento gradativo ao problema da escravidão etc. [...] O núcleo de uma visão estatista do Brasil se concentrava nos membros vitalícios do Conselho de Estado. Uma bela imagem de José Murilo de Carvalho resume esta visão: para os conselheiros do Império,

10


Mosaicos da Cultura Brasileira

o Brasil era como um sistema heliocêntrico, dominado pelo Sol do Estado, em torno do qual giravam os grandes planetas do que chamavam “as classe conservadoras” e, muito longe, a miríade de estrelas da grande massa do povo (FAUSTO, 1995, p.190).

O governo imperial criou a imagem dos heróis da pátria, destacando a bravura dos seus soldados nos campos de batalha. Esta prática governamental colocava no anonimato os chamados voluntários que em sua grande maioria se constituíam de pessoas escravizadas e pobres, que devido a sua condição social eram forçadas a defenderem a nação. Tal fato nos é mostrado pelo autor do livro didático, História e vida integrada: A maioria dos voluntários da pátria era formada por pessoas escravizadas ou livres e pobres, recrutadas à força. Muitas, ao voltarem para casa, depois de terem derramado o seu sangue em defesa do país, deparavam-se com sua família vivendo ainda em situação de escravidão (PILETTI, 2009, p.179).

Figura 1 11


Essio dos Santos Maciel

No projeto de construção da identidade nacional se destaca o papel da literatura, tendo em vista que muitos literatos da corrente romântica, que teve o seu início na Europa no final do século XVIII, cujos postulados pregavam a imaginação sobre a razão e a busca das raízes da cultura nacional. (FALBEL, 1993.p. 38). Em solo brasileiro, o Romantismo literário valorizou a natureza e a vida nacional, de maneira fantasiosa e mítica, quando se referiam aos indígenas, por exemplo. Essa literatura que tomou para si a missão de construção de uma nacionalidade brasileira, reatualizou no imaginário cultural a imagem do Brasil como o paraíso terrestre. (BOSI, 1993.p.245).

Figura 2

As imagens do imperador D. Pedro II encontram-se, em geral, associadas à imagem do monarca esclarecido, amante das letras e das artes, tendo agregado em torno de si escritores e intelectuais, bem como foi o grande patrocinados das grandes expedições de viajantes estrangeiros em território brasileiro. Sobre essa faceta do nosso Império, Nelson Piletti, em seu livro didático de História do Brasil, assim descreve 12


Mosaicos da Cultura Brasileira

o Imperador: “Do ponto de vista cultural, ele era uma pessoa erudita e incentivou a produção artística brasileira. [...] Também incentivava as pesquisas científicas e históricas, desenvolvidas no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)”. (2009, p. 189). O IHGB foi criado com o objetivo de constituir uma identidade nacional, como também uma história que fosse aceita por todos. Para essa finalidade a literatura romântica exerceu papel fundamental, no que diz respeito à exaltação dos bens feitores da pátria, como também a super valorização das paisagens naturais, objetivando construir no imaginário popular que o Brasil, de fato, é o melhor lugar do mundo para viver. Vale também ressaltar que os escritores do IHGB, são intelectuais com formação na Europa e que se empenharam na construção de uma história do Brasil a partir de uma visão eurocêntrica, elegendo apenas alguns elementos da cultura nativa, como por exemplo: a figura do indígena e as belezas naturais como parte integrante da nossa história, sem oferecer uma contextualização histórica que permitisse a compreensão mais ampla de como construiu a identidade e a história do povo brasileiro: Os caminhos para a modernidade adotados e percorridos pelo Brasil geraram uma nação estruturalmente injusta e excludente. Isso não se deu, porém, porque o Brasil é assim e o brasileiro é diferente, se pensarmos das diferenças como elementos irredutíveis e como um jeito de ser que condena o país ao fracasso ou que o transforma na Grande Promessa Ocidental. É preciso pensar a diferença como um processo específico de construção da nacionalidade e conectá-lo á tarefa urgente de construção de uma democracia a ser pensada de forma radical e nos mias diversos níveis [...] O arsenal teórico mobilizado pelos intelectuais das nações periféricas tendem a ser o fornecido pelas próprias nações dominantes, o que faz, também, com que eles saiam à procura de elementos existentes em suas próprias tradições que apresentem afinidade com os conceitos provenientes dos países centrais. A busca de uma identidade específica também embasou a cultura brasileira e derivou da tentativa de construção de uma identidade às vezes distintas da herança colonial; outras vezes apresentou-se como sua depositária, mas significando, sempre, a elaboração de um projeto identitário a ser visto como específico de uma nação em formação. No caso brasileiro, o ideal de modernização com13


Essio dos Santos Maciel

partilhado por suas elites passava pela integração do país á cultura européia com base em padrões importados a serem impostos de forma mais ou menos orgânica à Nação. Mas tal projeto de integração foi de encontro a um obstáculo aparentemente intransponível: como integrar à cultura ocidental e a seus padrões de modernização uma nação cuja população vivia em posição relativamente marginal em relação às estruturas políticas, sociais e culturais dominantes? (SOUZA, 2007, pp. 27 e 30)

No livro didático intitulado Por Dentro da História, do autor Pedro Santiago encontra-se referências sobre a imagem que D. Pedro Segundo tenta construir para si e para o seu império: O imperador dom Pedro II, ao longo de seu governo, realizou diversas viagens ao exterior, nas quais procurou mostra-se como senhor culto e integrado as novidades do mundo contemporâneo. Nos Estados unidos, por exemplo, participou, ao lado do presidente daquele país, da Feira Internacional de Filadélfia, em que o telefone foi apresentado oficialmente ao público. Essa imagem que o imperador procurava cultuar tinha sua razão. O Brasil era identificado como país atrasado, sobretudo pela presença da escravidão. Dom Pedro II procurava, assim, distanciar-se desta condição e construir uma imagem civilizada para si e para o seu império. Nesses jogos de aparência desenvolveu-se o governo do Segundo Império [...] A produção cultural também se avolumava, na área da literatura, das artes plásticas, da música. Buscava-se então, construir a nacionalidade. Inúmeros literatos e pintores, por exemplo, transformavam o índio no elemento mais original de nossa cultura, enquanto o africano era visto com várias ressalvas. Realizavam-se, ainda, trabalhos na área de história, procurando construir um passado comum para os diferentes brasileiros. Toda essa produção fazia uma pequena parcela da população sentir-se mais próxima do chamado mundo civilizado, em especial da Europa e, sobretudo, dos franceses, donos dos hábitos mais valorizados da época. No Rio de Janeiro – o centro do Império, as elites se divertiam na rua do Ouvidor, que concentrava cafés, livrarias, sede de jornais e muitas lojas de produtos importados. Ali se reuniam os intelectuais, os políticos, as ricas senhoras. A mania pela cultura francesa podia ser percebida, então, nos menores 14


Mosaicos da Cultura Brasileira

detalhes, até mesmo no comércio do sexo. No recanto de muitos lares, havia séculos, os homens da elite coagiam e praticavam inúmeras violências sexuais contra as mulheres de origem africana. No mundo do comércio do sexo, porém, eram as francesas as profissionais mais requisitadas e caras. Este era o Brasil do Segundo Império (SANTIAGO, 2006, p. 50).

Figura 3 Ângelo Agostini. Revista Ilustrada, 1883

Com a finalidade de proporcionar um ar civilizatório, o ambiente musical erudito brasileiro era dominado pelos padrões europeus. As companhias de óperas que se apresentavam no Brasil vinham todas do dito “mundo civilizado”, sendo que os espetáculos eram produzidos em italiano ou francês, as classes detentoras do poder, acostumados à música estrangeira, desprezavam as musicas produzidas pelas camadas populares. Nas artes plásticas, a pintura também foi um instrumento para a construção de um Brasil moderno, pois o Império foi o patrocinador dos artistas, que por seu turno viajavam para o Continente Europeu, com intuito de ampliarem seus conhecimentos no campo da pintura 15


Essio dos Santos Maciel

acadêmica. Os artistas, seguindo uma característica do Romantismo enalteceram o Império e a nacionalidade, outros exaltaram a figura do indígena como símbolo do país. As imagens do segundo império brasileiro são extremamente contraditórias, pois os livros didáticos retratam o imperador como um homem esclarecido, amante das artes e da cultura em geral. Mas, ao contrário dessa imagem esclarecida, o quadro social mostra o lado oposto, pela mão-de-obra escrava do negro africano com suas mazelas sociais, e das condições de sobrevivência da maior parte da população que não tinha acesso, sequer à educação ou mesmo a um pequeno lote de terra: Os autores da Lei de Terras foram buscar sua inspiração no economista inglês Edward G. Wakefield, que acreditava que em lugares com grande estoque de terras os governantes deviam impor elevados preços ás propriedade, impedindo a compra por pessoas de baixa renda e preservando as grandes fazendas. A terra no Brasil passava a ser compreendida, assim, como mercadoria, objeto de venda e compra por elevados valores, o que dava fim à possibilidade de milhares de ex-escravo e qualquer outra pessoa pobre de possuir sua própria terra. Na prática, a lei acabava ainda por expulsar das terras os pequenos agricultores que não possuíam títulos de propriedade. Todos acabavam assim transformados ainda em força de trabalho, em um mundo no qual se abolia a escravidão (SANTIAGO, 2006, p. 41).

Até os anos de 1990, a Princesa Isabel, comumente, aparecia nos livros didáticos como a bem feitora dos escravos, e que através de um gesto de bondade pôs fim ao regime escravista. É o que nos informa Mario Furley Schmidt, autor do livro didático, Nova história crítica: “Era uma vez uma princesa boazinha, chamada Isabel. Ela ficou com tanta pena dos negrinhos que resolveu acabar com a escravidão, assinando a Lei Áurea” (2002, p. 283). No entanto, essa visão de história não está mais presente no livro didático, o próprio autor da obra citada neste parágrafo, apresenta elementos que nos levam à compreensão de que a abolição da escravatura se deu por fatores multidimensionais. Dessa mesma concepção, compartilha o historiador Boris Fausto (1995), quando retrata que a libertação dos escravos se deu tanto por fatores externos como por internos ou seja, no tocante aos fatores externos, 16


Mosaicos da Cultura Brasileira

observa-se que a Inglaterra que era o principal credor do Brasil, tinha interesse em conquistar mais um mercado consumidor, sendo que a escravidão representava forte empecilho a esta finalidade. Internamente, grupos de diferentes classes sociais aderiram ao movimento abolicionista, entre eles: artistas, intelectuais, setores do empresariado ligado ao liberalismo, e o próprio parlamento que em sua ampla maioria aprovou, sem restrições, a lei da abolição, que foi sancionada em 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel que se encontrava na regência do trono.

Considerações finais As imagens do Brasil do Segundo Império nos proporcionam a visualização da construção de um país, cujos traços culturais ocupam um campo de ampla diversidade. Todavia, o padrão cultural que prevalecia era o europeu com seu modelo civilizatório. Esta constatação pode ser feita pela análise do estilo de vida do imperador D. Pedro II que durante o seu reinado empreendeu várias viagens pelos países da Europa, sempre na busca de por em prática o projeto de construção de uma nação civilizada e moderna. Os costumes e os hábitos cultivados pelos detentores do poder estavam condicionalmente ligados ao continente Europeu, sem a menor preocupação em verificar se as condições ambientais e geográficas eram adequadas. Exemplo disso pode ser verificado na maneira de vestir da elite do Rio de Janeiro, a então capital do país, com clima tropical, mas, no entanto, as vestimentas eram para ser usadas em ambiente frio. Essa obsessão em seguir o estilo de vida dos europeus demonstra que a cultura nativa no Brasil não era levada em conta pelas classes dominantes. O governo imperial reprimia com veemência as manifestações culturais públicas produzidas pelas camadas populares, consideradas inferiores, entretanto, a dinâmica social nos mostra que muitos elementos da cultura popular que eram proibidos, se constituíram na atualidade, como algo respeitado por trazerem um debate para as múltiplas identidades nacionais, que antes foram obliteradas para dar lugar á uma identidade única e que por sua vez, correspondia aos anseios oficiais: No Brasil imperial, no entanto, as brincadeiras de rua eram duramente reprimidas. Cansados do controle policial, os foliões ca-

17


Essio dos Santos Maciel

riocas organizaram cordões constituídos por negros, mestiços e brancos pobres que saíam às ruas fantasiados, cantando e dançando ao som de instrumentos de percussão. Começava a surgir a autêntica música de carnaval (PILETTI, 2009, p. 186).

Os livros didáticos nos mostram imagens que nos possibilitam a compreensão de uma imagem construída para o Brasil Imperial, em especial, acerca do Reinado de D. Pedro II, o qual nos é apresentado de maneira contraditória, pois, enquanto a imagem do monarca é visualizada como um homem ligado à cultura, amante das letras e das artes, assessorado por intelectuais e o patrocinador das pesquisas científicas e das obras literárias, o mesmo Imperador é àquele que está a frente da administração de um país com extrema desigualdade social, cujas bases estão assentadas na economia escravocrata.

Figura 4

Procuramos neste trabalho, mostrar uma face da construção da imagem do Império brasileiro, na qual se buscou construir um passado glorioso para a nação, enaltecendo a cor local e um nativo idealizado. Para concretizar tal projeto de unificação da nacionalidade, a literatura romântica se esmerou em “pintar belas paisagens”, a partir de um caudal de histórias heróicas dos nossos nativos.

18


Mosaicos da Cultura Brasileira

Referências Bibliográficas BOSI, Alfredo. Um castelo nos trópicos? Imagens do romantismo no Brasil. In: GUINSBURG, Jaco. O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993. p. 210-250. FALBELL, Nachmann. Romantismo e Classicismo. In: GUINSBURG, Jacó. O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1993. p. 20-38. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo. EDUSP/FDE, 1995. PILETTI, Nelson. História e vida integrada. 4. ed. São Paulo: Ática, 2009. SANTIAGO, Pedro. Por dentro da História. 1. ed. São Paulo: Escala Educacional, 2006. SCHMIDT, Mario Furley. Nova História crítica. 2. ed. São Paulo: Nova Geração, 2002. SOUZA, Ricardo Luiz de. Identidade nacional e modernidade brasileira. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

19


IDENTIDADE E FORMAÇÃO DA NACIONALIDADE: REALIDADE DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO CENÁRIO EDUCACIONAL NO SEGUNDO IMPÉRIO

Adelzita Valéria Pacheco de Souza1 Joseane de Lima Martins2

Introdução

O

debate acerca da nacionalidade brasileira se dá a partir da segunda metade do século XIX, período representado pelo Segundo Império, quando Dom Pedro II, assumindo a condição de Imperador do Brasil, apoiado por personalidades liberais e em meio a um cenário de revoltas em diferentes regiões do espaço brasileiro, destacou-se enquanto figura de poder por quase cinco décadas, tendo sido hábil em reger e articular as demandas políticas da época. Com o declinio da ordem imperial, que centrava o poder em uma ação escravista e ruralista, os liberais instigavam-se a organizavam-se com a intenção de promover a Proclamação da República, o que se deu, inevitavelmente em 1898, destacando-se um novo cenário nacional. Saise de um cenário onde o poder é centralizado em uma unica pessoa e passa-se a organizar uma nova dinâmica, na qual a idéia republicana descentraliza esse poder, pulverizando-o em diversas mãos. Licenciada em Pedagogia: Orientação Educacional; Administração Escolar e Magistério das Disc. Pedagógicas – FEUC/1991. Pós graduada em Psicopedagogia – UGF/1993; Arteterapia UCAM/1997; Supervisão Escolar - UCAM/2004 e PROEJa: Educação profissional integrada a Educação de jovens e adultos– IFAM/2009. Mestranda em Letras – Linguagem e Identidade – UFAC 2011/2012. Professora do Centro de Educação, Letras e Artes da Universidade Federal do Acre - UFAC. 1

Licenciada em História - UFAC / 2004; Pós graduada em Educação Inclusiva UFAC/2007. Mestranda em Letras – Linguagem e Identidade – UFAC 2011/2012. Professora do Centro de Educação, Letras e Artes da Universidade Federal do Acre - UFAC. 2

20


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.