Nascendo o criador da criatura

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Nascendo o Criador da criatura Maria em seu mistĂŠrio


Copyright © Lina Boff, 2017 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida por meio impresso ou eletrônico, sem a autorização prévia por escrito da Editora/Autor. Editor João Baptista Pinto

Capa Rian Narcizo

Editoração Luiz Guimarães Revisão Da autora

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

B661n Boff, Lina, 1936 Nascendo o criador da criatura: Maria em seu mistério / Lina Boff. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2017. 90 p. : il. ; 14x21 cm.

Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-551-3

1. Maria, Virgem Santa. 2. Teologia. 3. Vida espiritual - Igreja Católica. I. Título.

17-44768 CDD: 232.91 CDU: 27-312.47

Letra Capital Editora Telefones (21) 22153781 / 35532236 vendas@letracapital.com.br www. letracapital.com.br


LINA BOFF

Nascendo o Criador da criatura Maria em seu mistĂŠrio



Celebrando! os 300 anos do encontro da Mรฃe Aparecida o primeiro centenรกrio de Fรกtima e os 10 anos da CELAM realizada em Aparecida



Sumário Para quem se dirige este livro...................................9 Maria no mistério de Cristo e da Igreja................11 I. Maria no mistério de Cristo............................15

1. O que se entende por mistério de Cristo.....17

2. O mistério de Cristo no Concílio Vaticano II.......................................................22

3. O que se entende por mistério de Maria.....24

II. O mistério de Maria inserido no mistério de Cristo..............................................29

1. Encarnou pelo poder do Espírito Santo......32

2. A atuação da Comunidade divina no mistério da Encarnação.................................35 3. Maria como membro e mãe da Igreja..........37 III. O Mistério de Maria: Prefácio do teólogo Clodovis Boff ao livro de Lina Boff..................39

1. Grandeza sob a forma de pequenez.............39

2. Imaculada conceição de Maria e sua visão da vida....................................................45 3. A Virgindade de Maria e seu conhecimento da divindade do Filho..........50


IV. Imaculada: um momento histórico da Teologia Mariana........................................ 57 1. A tese do teólogo Duns Escotto....................59 2. Como interpretar e viver hoje a Imaculada filha de Adão e Eva...................62 V. Maria vive seu mistério como Mulher de todos os tempos........................................... 66 1. O resgate da humanidade de Maria em mistério.................................................... 68 2. Maria na História da salvação e na Palavra de Deus...............................................70

3. Maria no pensar teológico de hoje...............70

4. A Mulher que encarna a Palavra..................71

5. A Filha de Sião que une o Oriente com o Ocidente...............................................73 6. Júbilo e alegria cobrem a Mulher em mistério......................................................76 VI. Atualidade do estudo da Mariologia.............79 VII. E no terceiro dia ressuscitarei!.......................83 Concluindo cada Parte.............................................86 Referências.................................................................88


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Para quem se dirige este livro

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m primeiro lugar para pessoas pastoralistas mariólogas a serviço do Povo de Deus. Estamos vivendo no meio de um Povo que traz o selo mariano na sua fé católica e cristã porque realiza projetos do Reino em comunhão ecumênica e inter-religiosa. O pequeno grande livro que ora se apresenta se dirige ao Povo também junto com as pessoas dedicadas ao ministério pastoral e teológico a serviço deste mesmo Povo que clama por mais vida e mais dignidade. A proposta do pequeno grande livro é falar do Deus a quem Maria de Nazaré entregou sua vida pelo SIM no mistério da Encarnação do Verbo e neste mistério ela se revelou de maneira familiar e íntima, assim como de forma estranha que a levava a contracenar com o filho. Os momentos marcantes da vida desta Mulher da simples Nazaré da Galileia, foram vividos em mistério. Esta experiência da Mãe do Filho de Deus nos levou a ter uma iniciação ao mistério de Cristo como Segunda Pessoa da Trindade. Pelo mistério de Cristo pudemos entrar no mistério de Maria que nos é proposto no contexto de todos os acontecimentos do filho. Estes acontecimentos encontram sua plenitude no Mistério Pascal, momento em que Maria de Nazaré assume a posição


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de Mulher da fé, Serva do Senhor da vida e teóloga da Palavra. Nesta perspectiva, Maria e sua missão de Mãe de Deus adquirem um significado de longo alcance teológico que leva as pessoas estudiosas das Ciências Sagradas a aprofundarem ainda mais a relação entre mariologia e teologia da Palavra. Desta relação “poderá vir grande benefício para a vida espiritual e para os estudos teológicos e bíblicos. Quando a inteligência da fé olha um tema à luz de Maria coloca-se no centro mais íntimo da verdade cristã. A encarnação do Verbo não pode ser pensada prescindindo da liberdade desta jovem, mulher que, com seu assentimento coopera de modo decisivo para a entrada do Eterno no tempo. Maria é a figura da Igreja à escuta da Palavra de Deus que nela se fez carne. É também símbolo da abertura a Deus e aos outros; escuta ativa que interioriza, assimila, na qual a Palavra se torna forma de vida” (Verbum Domini, parágrafo 27).


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Maria no mistério de Cristo e da Igreja1

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ncontra-se na base desta investigação o comentário sobre o VIII capítulo da Constituição dogmática Lumen gentium, que fala de Maria como Mãe de Cristo e da Igreja. Este trabalho limita-se a apresentar os elementos que documentam e interpretam o conteúdo do Proêmio2 do VIII capítulo que consta de três pontos distintos, em ordem à subdivisão da Constituição. Os pontos são os seguintes: 1) O primeiro corresponde ao número 52 que fala de Maria como mulher inserida no mistério de Cristo. 2) O segundo corresponde ao número 53 que fala de Maria como mulher inserida no mistério da Igreja. 3) E o terceiro corresponde ao número 54 que expressa as intenções do Concílio ao tratar de Maria num capítulo específico dentro da Lumen gentium. Artigo publicado pela primeira vez na Revista do Departamento de Teologia da PUC-Rio de Janeiro: Atualidade teológica/3, julho/dezembro 1998, pp. 25-40. Foi revisto e completado para ser publicado pela Paulus como uma Parte do livro: Maria no meio do povo. Ensaios de mariologia na ótica latinoamericana e caribenha. São Paulo: Paulus, 2001 e 2004, pp. 41-60. 2 Do grego prooímion, ‘canto introdutório’. Nesse estudo levar-se-á em conta só o número 52 e não os demais artigos que constituem a introdução de todo o capítulo VIII referente à Maria no mistério de Cristo e da Igreja como já está explicado no texto. Pois, no Proêmio vem claramente expressa a linha diretriz de todo o capítulo VIII, seu espírito e a projeção de Maria como mulher inserida no mistério de Cristo. 1


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Tratando desses três pontos aqui relacionados o nosso estudo aprofundará o número 52 que, a nosso juÍzo, trata de uma questão mariológica de fundamental importância porque diz respeito à inserção de Maria no mistério de Cristo3. Isso não significa que não se recorra aos demais parágrafos que seguem e nos quais se fale da inserção de Maria com sua vida e sua missão no mistério de Cristo. Dentre as inúmeras obras, artigos e comentários publicados depois do Vaticano II, para esse trabalho queremos destacar o Comentário elaborado por Domenico Bertetto, sdb4, como ponto de partida para a presente reflexão teológica na perspectiva da mariologia.

Status quaestionis No discurso de conclusão da Terceira Sessão do Concílio Ecumênico Vaticano II a qual se deu em 21 de novembro de 1964, Paulo VI falou claramente do lugar que teve Maria nas deliberações do ConCf. FAVALE, A., “Genesi della Costituzione”, in La Costituzione dogmatica sulla chiesa. Introduzione storico-dottrinale, testo latino e traduzione italiana, commento. Collana Magistero Conciliare. Torino-Leumann: Elle Di Ci, 1967, pp. 49.52.60. 4 Fazer um cf. com: AA.VV. La Costituzione dogmatica sulla chiesa. Introduzione storico-dottrinale, testo latino e traduzione italiana, commento. Collana Magistero Conciliare. Torino-Leumann: Elle Di Ci, 1967, pp. 935947; MEO, Salvatore, osm. Maria nel Capitolo VIII della ‘Lumen Gentium’. Elementi per un’analisi dottrinale. Pontificia Facoltà Teologica ‘Marianum’, Roma 1974/1975, pp. 18 a 21. 3


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cílio e aludiu ao Capítulo VIII da Lumen gentium com estas palavras: Justamente podemos afirmar que a presente Sessão se conclui com um hino incomparável de louvor em honra de Maria. É a primeira vez de fato – e o dizê-lo se Nos enche a alma profunda comoção – que um Concílio Ecumênico apresenta uma síntese tão vasta da doutrina católica acerca do lugar que Maria Santíssima ocupa no mistério de Cristo e da Igreja”5.

O lugar que a doutrina mariológica ocupa no esquema De Ecclesia, foi apresentado como documento de trabalho que deu origem à atual Constituição dogmática Lumen gentium – Luz das gentes ou Luz dos povos. Essa doutrina não foi inserida no desenvolvimento da Constituição, como poderia ter sido, mas foi inserida no fim da Constituição dogmática, não como complemento ou parte secundária da Constituição como tal. Mas a modo de coroamento e digna conclusão ao importante tema de natureza cristológica e eclesiológica, tema esse que une de modo visceral, Maria ao mistério de Cristo conforme o Plano salvífico do Pai6.

Versão italiana publicada in L’Osservatore Romano, 22 novembro 1964, n. 272. Cf. BERTETTO, Domenico, “La Beata Maria Vergine Madre di Dio nel mistero di Cristo e della Chiesa”, in La Costituzione dogmatica sulla chiesa, o.c., p. 937. 5 6


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Com a cooperação de Maria, o mistério da Encarnação redentora, mistério guardado no silêncio durante tempos antigos, agora é revelado na pessoa de Jesus Cristo, manifestado e levado a conhecimento de todos os povos segundo a ordem do Deus eterno (cf. Rm 16,25-27). A inserção de Maria nesse mistério como fundamento da economia da salvação7 é considerada e refletida nos Tratados da Teologia Sistemática, à luz da Sagrada Escritura e da Tradição. Mais: a Sagrada Escritura interpretada à luz plena de toda a Revelação, da Doutrina dos santos Padres e do Magistério eclesial, nos faz conhecer e penetrar no fulcro de todo o mistério mariológico8 que se dá no contexto da Encarnação do Verbo.

Cf. FAVALE, o.c., pp. 49.52-53. Cf. MEO, Salvatore, osm. Maria nel capitolo VIII della ‘Lumen gentium’, o.c., p. 47. 7 8


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I Maria no mistério de Cristo O título do número 52 da LG diz: “A Bem-aventurada Virgem no mistério de Cristo”9. Tendo como eixo dessa reflexão o número 52 que apresenta explicitamente a inserção de Maria no mistério de Cristo, transcrevemos aqui o parágrafo referente para extrair dele os pontos que mais dizem respeito ao assunto em questão: Querendo Deus, sumamente benigno e sábio, realizar a redenção do mundo, “quando chegou a plenitude dos tempos, mandou o seu Filho nascido de uma mulher /.../ para que recebêssemos a adoção de filhos”(Gl 4,4-5), ‘o qual,por amor de nós homens e para nossa salvação, desceu dos céus e encarnou pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria’10. Este mistério divino da salvação revela-se a nós e continua na Igreja que o divino Senhor constituíu como seu corpo, e na qual os fiéis unidos a Cristo, sua cabeça, e em comunhão com todos os seus santos devem também, e em primeiro lugar, venerar a memória da gloriosa sempre Virgem Maria, Mãe de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo”11. LUMEN GENTIUM. Constituição dogmática do Concílio Ecumênico Vaticano II sobre a Igreja. São Paulo: Paulinas, 1981, pp. 190ss 10 Credo da missa romana: Símbolo Constantinopolitano. Mansi 3, pp. 566. 11 Cânon romano da missa. 9


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Como se vê com o número 52, o Concílio aponta para a íntima conexão existente entre a reflexão teológica feita na perspectiva mariana acerca do mistério de Cristo e a eclesiologia – hoje outros tratados foram incluídos no estudo da Mariologia – exposta nos capítulos anteriores. Tal conexão é feita citando as seguintes fontes: - a Sagrada Escritura em Gálatas 4,4 acrescido da exegese do Antigo Testamento - o símbolo apostólico, o Credo - e os Cânones, Orações Eucarísticas da Celebração da Santa Missa, todos elementos teológicos que nos dão a conhecer de imediato a perspectiva bíblica, positiva e litúrgica12. Desse modo os padres conciliares mostram a preocupação que eles têm de tratar a questão mariana em suas instâncias ecumênicas e pastorais como é o sensus e a mens desse evento que é o Concílio Ecumênico Vaticano II realizado de 1962 a 1965. Nesta investigação propomos o aprofundamento e a intepretação dos pontos que se quer relevar desse número. De acordo com o material que pesquisado Cf. BERTETTO, 939; veja-se igualmente: BAUM, William card. “A Virgem Maria na formação intelectual e espiritual”. Documento da Congregação para a Educação Católica, dirigido aos Ordinários Diocesanos, Reitores dos Seminários e Presbíteros da Faculdades Teológicas. Foi publicado in SEDOC, vol. 21, de 26/6/1988, parág. 6. 12


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nesse campo, dois são os pontos que se quer privilegiar. São eles: - o primeiro é o da Encarnação do Filho; - e o segundo é o da atuação das Três Pessoas divinas nesse mistério. Antes porém, é fundamental aprofundar o que se entende dizer quando se fala de mistério de Cristo e mistério de Maria. Aprofundando um pouco mais essa questão ela embasará as reflexões que seguem.

1. O que se entende por mistério de Cristo Com a expressão mistério de Cristo entende-se dizer que toda a História da salvação é revelada e ao mesmo tempo realizada por Jesus Cristo13, o Enviado do Pai. A palavra mistério é um termo bíblico pouco usado por Jesus Cristo e largamente empregado por Paulo em suas Cartas. Jesus fala do mistério do Reino (cf. Mc 4,11) e Paulo fala do mistério do Pai que se realiza em seu Filho, o Cristo Jesus. Cf. BORNKAM, Günther, “Misterion”: ‘Il mistero di Cristo’ in Grande Lessico del Nuovo Testamento/VII (= GLNT), mais conhecido como o KITEL, Gèrard. Brescia: Paidea, 1971, pp. 686-716: Nas Cartas paulinas e dêuteropaulinas o termo mistério comporta sempre uma estreita relação com o kerygma cristológico: “/.../ nós porém, pregamos um Messias crucificado /.../” (1Cor 1,23), significa anunciar o mistério de Deus (cf. 1Cor 2,1) à comunidade, falar da sabedoria de Deus em mistério (cf. 1Cor 2,7). Cristo é o mistério de Deus (cf. Col 2,2). Faça-se um cf. também com os verbetes dos autores: FINKENRATH, Günter, “Mistero” in Dizionario dei concetti biblici del Nuovo Testamento (= DCBNT). Bologna: Dehoniane 1991, 1013s; BREUNING, Wilhelm, “Mistero di Dio”, in Lessico di Teologia Sistematica. (= LTS). Brescia: Queriniana, 1990, pp. 428s. 13


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