O rio de janeiro e seu desenvolvimento urbano1a17

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Rodrigo de Faria Vera F. Rezende [Orgs.]

O Rio de Janeiro e seu desenvolvimento urbano

O papel do setor municipal de urbanismo


Copyright © Rodrigo de Faria e Vera F. Rezende, (Orgs.), 2017 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e expressa do autor.

Editor João Baptista Pinto

Capa e Projeto Gráfico Oficina2mais

Editoração Luiz Guimarães

Revisão Dos autores

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

R452 O Rio de Janeiro e seu desenvolvimento urbano: o papel do setor municipal de urbanismo/ organização Rodrigo de Faria, Vera F. Rezende. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2017. 282 p. : il. ; 16x23 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-562-9 1. Política urbana - Rio de Janeiro (RJ). 2. Planejamento urbano. 3. Administração municipal. I. Faria, Rodrigo de. II. Rezende, Vera F. 17-45897

CDD: 307.760981531 CDU: 316.334.56(815.31)

Letra Capital Editora Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781 letracapital@letracapital.com.br


Sumário 5 Apresentação Beatriz Kushnir 7

Introdução - O Rio de Janeiro e seu desenvolvimento urbano – o papel do setor municipal de urbanismo Rodrigo de Faria, Vera F. Rezende (orgs.)

11

PARTE A – Projetos urbanos, políticas municipais e o desenvolvimento urbano

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Capítulo 1 - Notas sobre o nascimento da rua no Rio de Janeiro - Códigos de posturas e leis sobre a rua no Rio de Janeiro (1830-1906) Pablo Benetti

38

Capítulo 2 - Gestão da Política Urbana no Município do Rio de Janeiro – Enfoque Institucional Lilia Varela Clemente dos Santos

64

Capítulo 3 - O Rio de Janeiro de Passos e Paes. As reformas urbanas de Pereira Passos no início do século XX e o projeto Porto Maravilha nas Olimpíadas Rio 2016 Paula Silveira De Paoli

85

Capítulo 4 - Preservação, participação, gentrificação: o caso do Corredor Cultural do Rio de Janeiro Thalita Pereira da Fonseca

105

Capítulo 5 - Construindo o Rio Antigo: políticas urbanas e preservação (Rio de Janeiro, anos 1970) Flávia Brito do Nascimento

119

PARTE B – Planejamento e desenvolvimento: do município à metrópole

121

Capítulo 6 - Estado, trabalhadores e território: os subúrbios como personagens na Era Vargas Nilce Aravecchia-Botas

139

Capítulo 7 - Considerações sobre o papel da produção habitacional privada para trabalhadores na estruturação da área urbana da cidade do Rio de Janeiro na Primeira República Luciana Alem Gennari

166

Capítulo 8 - A Governança da Região Metropolitana do Rio de Janeiro: a atuação dos governos Federal e Estadual pós-fusão dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro. Nathalia Azevedo

193

Capítulo 9 - Evolução espacial da região da bacia hidrográfica da Lagoa Rodrigo de Freitas: consolidação de caminhos, apropriação de espelhos d’água, saneamento e transformações urbanas Sonia Schlegel Costa

215

PARTE C – Arquitetura e paisagem urbana

217

Capítulo 10 - Arquitetura da cidade: imagens, leis e mercado no Rio de Janeiro das décadas de 1920 e 30 Clevio Rabelo

244

Capítulo 11 - O tecido urbano da cidade do Rio de Janeiro: estruturação e contemporaneidade em trechos das zonas norte, sul e oeste Maria Paula Albernaz, Fabiana Generoso de Izaga, Sergio Moraes Rego Fagerlande

261

Capítulo 12 - O desenvolvimento urbano de São Cristóvão: da APAC imperial à sua revitalização com o PEU 2004 Raquel Aquino de Araújo

279

Sobre os Organizadores, Autores e Autoras


Conselho Editorial Série Letra Capital Acadêmica Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR) Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM) Claudio Cezar Henriques (UERJ) Ezilda Maciel da Silva (FAAO) João Medeiros Filho (UCL) Leonardo Santana da Silva (UFRJ) Luciana Marino do Nascimento (UFRJ) Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ) Michela Rosa di Candia (UFRJ) Olavo Luppi Silva (UFABC) Orlando Alves dos Santos Junior (UFRJ) Pierre Alves Costa (Unicentro-PR) Rafael Soares Gonçalves (PUC-RIO) Robert Segal (UFRJ) Roberto Acízelo Quelhas de Souza (UERJ) Sandro Ornellas (UFBA) Sergio Azevedo (UENF) Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR)


Apresentação Beatriz Kushnir1

O Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ) custodia 450 anos em documentos, nos mais variados suportes, que mapeiam a trajetória político-administrativa de uma cidade/capital da Colônia, do Império e de grande parte da República brasileira. A partir de 2007, retomamos a publicação de uma Revista, agora com os parâmetros acadêmicos e avaliada pelo Qualis/Capes, atendendo uma antiga reivindicação institucional e dos pesquisadores. A Revista do AGCRJ segue uma tradição já vivenciada pela instituição em fins do século XIX. A Revista do Arquivo do Distrito Federal, publicada nas décadas de 1890 e 1950, é muito consultada por transcrever documentos de episódios tidos como “fundamentais” no movimento da cidade, como eram as publicações institucionais daquele momento. Essa salvaguarda de “acervos escolhidos”, por um lado, constroem uma imagem a ser reverenciada. E, por outro, permitiu que em muitas instituições, documentos sobrevivessem a sinistros. A partir de 2013, instituímos na Revista do AGCRJ, o convite a dossiês-temáticos organizado por um ou mais pesquisadores e, desde 2016, publicamos dois números por ano, com uma versão anual reunindo-os, em papel. O conteúdo integral da Revista do AGCRJ está toda online a partir do site do AGCRJ (rio.rj.gov.br/ arquivo). No arquétipo da Revista composta por dossiês, se destina 100 páginas a cada um, a partir do tema escolhido, onde o/a(s) organizador/a(es) convidam especialistas. Em média, temos de dois a três dossiês por número. Foi nesse contexto que se acolheu parte das ideias que compõem esse livro. Conhecedora da tese de Rodrigo de Faria sobre José de Oliveira Reis2 – servidor da Prefeitura do Rio e, entre inúmeras atividades, o editor da Revista de Engenharia,3 e cujo acervo pessoal foi doado ao AGCRJ –, compreendemos que o dossiê “encomendado” dialogaria com a pesquisa que desenvolvemos atualmente.4 1

Diretor do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ).

2

DE FARIA, R.S. O urbanista e o Rio de Janeiro: José de Oliveira Reis, uma biografia profissional. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2013.

3 A Revista de Engenharia vem sendo digitalizada e colocada online. Para consultar: rio.rj.gov.br/web/arquivogeral/revista-municipal-de-engenharia 4

“Com régua e compasso, os traços da cidade. Engenheiros e arquitetos do Rio, sua trajetória na administração pública”, coordenado por mim e em parceria, primeiramente, com


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Afeito aos desafios e a excelência no trabalho acadêmico, certamente fruto de outro espaço que temos em comum – o Programa de Pós-graduação em História da Unicamp –, Rodrigo de Faria não só ergueu o dossiê “O Rio de Janeiro e seu desenvolvimento urbano – o papel do setor municipal de urbanismo”, incluso no número 12/2017, como antes de publica-lo, organizou um colóquio no AGCRJ para ampliar o debate. O colóquio foi organizado em Conferências (que estão publicadas no referido Dossiê n. 12/2017) e Trabalhos selecionados por Comitê Científico É a coletânea dos trabalhos apresentados nos dias 4 e 5 de maio de 2017, que compõe esse livro. Para o AGCRJ, essa sinergia – dossiê/colóquio – nos incentivou a convidar outros organizadores de dossiês a apresentarem os seus trabalhos. A circulação de ideias, documentos, hipóteses, acervos é a matriz da vontade e de todas as dificuldades que vencemos diariamente para, investindo na conservação, controle e acesso aos fundos documentais aqui depositados, encontrarmos parceiros que impulsionem as reflexões, nos retroalimentando. A parceria das práxis acadêmicas com as instituições é uma dinâmica que gostaríamos de vivenciar regularmente. Que venham outros colóquios, dossiês e parceiros! Cidade Nova, 04/10/2017

Sandra Horta e, atualmente com Luiza Ferreira. O foco é a coleta de entrevistas com Engenheiros e Arquitetos da Prefeitura do Rio, em parceria com a Sociedade de Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro (SEAERJ). O projeto, dividido em três etapas, foi gestado a partir de 2013 e ao todo já recebeu o depoimento de 17 profissionais. Nessa primeira etapa, centrou-se nos profissionais que trabalharam, sobretudo, na Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAN) e no Departamento de Estradas de Rodagem da Guanabara (DER-GB), órgãos responsáveis pelas transformações ocorridas no Rio de Janeiro nos anos 1960 e 1970, enquanto Estado da Guanabara.


Introdução

O Rio de Janeiro e seu desenvolvimento urbano – o papel do setor municipal de urbanismo Rodrigo de Faria Vera F. Rezende (organizadores)

Esta Coletânea de artigos não é resultado de um projeto coletivo previamente desenvolvido. Estranho? Pode ser, mas o fato é que o conjunto de textos publicados não foi previamente planejado, nem mesmo existia qualquer intenção em organizar um livro sobre o desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro, tendo como eixo aglutinador o papel do setor municipal de urbanismo. Sendo assim, qual a origem deste trabalho que agora está publicado pela Editora Letra Capital? Em 2015 a Coordenação Editorial da Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro sugeriu que apresentássemos uma proposta de Dossiê. Ao esboçar as primeiras ideias para um Dossiê temático sobre a história urbana e urbanística do Rio de Janeiro, constatamos que naquele ano de 2015, a publicação do livro “O Rio de Janeiro em seus quatrocentos anos” completara 50 anos: o livro foi publicado em 1965. Foi nesse livro que José de Oliveira Reis, engenheiro-geógrafo de formação e funcionário da Prefeitura do Distrito Federal, publicou seu primeiro estudo com caráter “histórico” sobre urbanismo e administração municipal. Surgiu dessa coincidência a ideia básica do Dossiê “O Rio de Janeiro e seu desenvolvimento urbano: o papel do setor municipal de urbanismo”, mas cuja proposta não passaria pela reprodução do formato do livro de 1965, ainda que o tema do desenvolvimento urbano possa ser entendido como um “elo” entre o livro e este Dossiê. O livro de 1965 foi orientado editorialmente por uma perspectiva muito ampla de análise, com estudos sobre “A Geografia”, “A História”, “A Arquitetura” e os “Aspectos e problemas urbanos”. Como na Introdução de Fernando Nascimento Silva, o livro “visa contar a história de uma cidade. Para fazê-lo, reuniram-se engenheiros, arquitetos, sanitaristas, geógrafos, geólogos e historiadores. E, como a orientação geral foi dada por engenheiros e arquitetos, este livro é, antes de mais e principalmente, o resumo da história do desenvolvimento urbano desta cidade, sob seus mais diversos aspectos” (1965, p.13-16)1.

Definida qual deveria ser a base temática geral do Dossiê, foram realizados convites para que pesquisadoras e pesquisadores - cujos trabalhos, de alguma forma, 1

GOVERNO DO ESTADO DA GUANABARA. O Rio de Janeiro em seus Quatrocentos Anos.: formação e desenvolvimento da cidade. São Paulo: São Paulo EDITORA, 1965.


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passam pelo tema do desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro – apresentassem suas propostas de interpretação. Os textos foram elaborados e o Dossiê publicado na Revista do AGCRJ como Edição N. 12, 2017.2 De forma diversa daquele livro de 1965, o Dossiê tem um eixo de análise mais circunscrito, centrado no debate urbanístico, incluindo interpretações sobre a atuação de profissionais, os debates intelectuais no âmbito do pensamento urbanístico, concepções políticas e urbanização no século XIX, a atuação das mulheres no campo profissional urbanístico, a institucionalização do urbanismo na administração municipal no Estado Novo e também sobre o Estado da Guanabara e o debate sobre a região metropolitana na década de 1960. Alguns dos autores que escreveram o livro são agora objeto das análises, entre eles o próprio José de Oliveira Reis, ou ainda, a engenheira Carmen Portinho, que não escreveu um artigo para o livro de 1965, mas cuja atuação profissional no campo do urbanismo estava vinculada ao ativismo feminino. A proposta do Dossiê teve ainda outra particularidade, de caráter editorial: autores teriam liberdade para propor análises diretamente relacionadas às suas pesquisas. Ou seja, a ideia não era a de partir de um único objeto, mas do espectro de possibilidades documentais e temáticas, inclusive temporais, pois também não foi definido um recorte temporal único. E, se por um lado, essa orientação editorial “impossibilitou” (entres aspas, pois o sentido da impossibilidade não tem uma conotação negativa) a construção de um Dossiê mais linear e homogêneo, por outro, abria a possibilidade de articularmos numa única publicação os temas, objetos e documentos que neste momento interessam aos pesquisadores que trabalham com a história urbana e urbanística sobre o Rio de Janeiro em suas mais diversas “portas de entradas” e/ou “nebulosas”. Tais particularidades estão de alguma forma, também preservadas no conjunto dos capítulos do presente livro, ainda que não expliquem as motivações para organizar esta coletânea, cujo título é o mesmo do Dossiê publicado na Revista do AGCRJ. Quais foram, portanto, as motivações ou os caminhos trilhados até aqui? O primeiro passo foi a decisão de organizar um pequeno colóquio entre autores/as que integrariam com seus textos a publicação do Dossiê, essencialmente a ideia de um encontro para que pudéssemos apresentar e debater nossos textos. Desse movimento inicial surgiu uma segunda ideia: se teríamos esse pequeno colóquio, porque não abrir espaço para que outros autores também apresentassem suas pesquisas, sobretudo trabalhos de investigação em andamento – imaginamos aqui a possibilidade de participação de mestrandos e doutorandos também apresentarem seus trabalhos, que seriam debatidos no colóquio, contribuindo para o desenvolvimento das pesquisas. O passo seguinte não poderia ter sido diferente: abrimos uma chamada, recebemos os trabalhos e o comitê científico selecionou um conjunto de 12 artigos, 2

O Dossiê publicado na Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro está publicado em versão online no seguinte endereço: http://wpro.rio.rj.gov.br/revistaagcrj/a-revista/


Introdução 9

incluindo pesquisadores de diversas instituições e diferentes níveis de desenvolvimento das pesquisas. O número relativamente reduzido de trabalhos aceitos tinha como objetivo preservar a ideia de um colóquio menor e que pudesse garantir tempo para apresentações e debates organizados em sessões específicas. Não tínhamos interesse em transformar o evento num congresso amplo e com pouco tempo para discussões e considerações, tal qual ocorre em grandes eventos nacionais e internacionais3. Além das apresentações dos autores as sessões contaram com a participação de pesquisadoras convidadas, que realizaram leituras críticas também apresentadas em cada uma das sessões com o objetivo de fomentar o debate entre os participantes. E aqui explicitamos nosso agradecimento a cada uma delas: as Professoras Fernanda Furtado (UFF), Andrea Sampaio (UFF), Elizaberth Dezouzart e Andrea Borde (UFRJ), que fizeram leituras sólidas e indagações relevantes a cada autor, ensejando assim o amplo e profícuo debate entre os participantes. Durante a realização do colóquio “O Rio de Janeiro e seu desenvolvimento urbano” nos dias 4 e 5 de maio de 2017, no auditório do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, surgiu a indagação sobre publicar ou não os 12 artigos selecionados, já que não estariam vinculados ao Dossiê. Uma segunda pergunta foi sobre o formato, seguindo o mesmo modelo do Dossiê ou alguma outra estrutura editorial. Ainda assim, certo consenso rapidamente estabelecido aconteceu em relação à importância de divulgar os trabalhos apresentados, mesmo que uns mais desenvolvidos e decorrentes de sólidas pesquisas, outros ainda em processo de aprimoramento. Seguiram-se os meses até aqui entre a busca de alternativas4 para a publicação e o trabalho de revisão que cada autor realizou em seus textos com base nas leituras críticas acima mencionadas e nos intensos e densos debates que aconteceram no colóquio. 3

É possível perceber um movimento em sentido contrário aos grandes eventos (não aos eventos propriamente ditos, mas às dinâmicas de organizações de uma grande quantidade de sessões, que se reduzem a apresentações com pouco tempo e muitas vezes sem espaço para debates). Dois exemplos desse movimento são: o Seminário Urbanistas e Urbanismo no Brasil, que já teve três edições (Brasília/2013; São Carlos/2015; Recife/2017) e o Congresso da Asociación de Historiadores de la Arquitectura y el Urbanismo (www.ahau.es), que terá seu primeiro evento nos dias 19 e 20 de outubro de 2017 (ocasião em que a Asociación será oficialmente criada).

4

Diante dos cortes orçamentários, da crise fiscal dos Estados e da deliberada política governamental federal de estrangulamento financeiro da Ciência e Tecnologia no Brasil desde o final do ano de 2016, a opção foi pela publicação em versão digital, sobretudo pela diminuição dos custos para produção editorial e distribuição dos livros. Por outro lado, essa opção tem três aspectos positivos: primeiro, preservar a qualidade visual e gráfica das imagens utilizadas; segundo, custo final de venda reduzido, pois os custos de produção são menores; terceiro, ilimitada capacidade de circulação e distribuição, pois a compra é realizada diretamente pelo site da Editora. Um último ponto diante do cenário de descaso deliberado do Governo Federal com as áreas de Ciência a Tecnologia em todas as dimensões e áreas: a publicação desse livro (e todo o trabalho que estamos e continuaremos a realizar) é um ato de resistência política e acadêmica em defesa da educação em sentido mais geral e da pesquisa para produção do conhecimento em termos mais específicos.


10 O Rio de Janeiro e seu desenvolvimento urbano - o papel do setor municipal de urbanismo

A publicação preserva a estrutura de organização das sessões, que foram concebidas durante o processo de seleção dos 12 trabalhos, inclusive e justamente porque não partíamos de um projeto coletivo prévio e que geralmente resulta em alguma publicação. Organizados em três partes (Parte A – Projetos Urbanos, políticas municipais e o desenvolvimento urbano / Parte B – Planejamento e desenvolvimento: do município à metrópole / Parte C – Arquitetura e paisagem urbana), o livro é resultado de um processo que aos poucos surgiu como decorrência de um trabalho coletivo interessado no tema geral do desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro a partir de estudos sobre o papel do setor municipal de urbanismo para esse desenvolvimento. O que, por outro lado, não inviabilizou leituras mais direcionadas ao espectro metropolitano em suas diversas escalas e temporalidades históricas, como abordagens sobre a chamada Era Vargas, sobre as reformas urbanas para as Olimpíadas de 2016 ou sobre o Corredor Cultural, entre outras entradas possíveis. Por fim, se algo de estranho – como mencionado no início dessa Apresentação – ainda permanece, isso certamente não muda o resultado final de um trabalho que começou em 2015, a partir da proposta-convite que equipe editorial da Revista do AGCRJ fez para organização de um Dossiê sobre o Rio de Janeiro. Um trabalho que cresceu e se multiplicou (um Dossiê, um Colóquio e um Livro!) graças à colaboração de todos que de alguma forma fizeram parte dos diversos projetos decorrentes daquele convite: a Direção do AGCRJ, a Equipe Editorial da Revista do AGCRJ, as autoras dos artigos no Dossiê e os participantes do colóquio cujos textos estão aqui publicados e que certamente ensejarão novas pesquisas, novas leituras e novos projetos. Para preservar aquele sentido inicial de “estranhamento”, não faremos a apresentação de cada um dos artigos, como comumente acontece em coletâneas como essa por dois motivos: o primeiro já amplamente explicitado sobre a não origem comum do projeto, o segundo, para instigar leitores e leitoras a percorrer cada um dos textos sem uma orientação prévia, pois neste livro e nos demais projetos que o envolveram, nada foi previamente formulado. Esperamos que os textos viabilizem debates críticos e que novos caminhos de interpretação sobre a história urbana e urbanística sobre o Rio de Janeiro sejam construídos. Boa leitura.


PARTE A Projetos urbanos, polĂ­ticas municipais e o desenvolvimento urbano



Capítulo 1

Notas sobre o nascimento da rua no Rio de Janeiro Códigos de posturas e leis sobre a rua no Rio de Janeiro (1830-1906) Pablo Benetti

1 As leis sobre a rua (1830-1906) A existência de uma legislação tentando normatizar a largura das ruas, os alinhamentos, a altura e o tipo de construções, e prescrevendo sobre as normas de limpeza a serem seguidas e os usos permitidos revela como, entre 1830 e 1906, era grande a preocupação com a sorte deste espaço público, e , via de regra, os conteúdos dessas leis, decretos e códigos de postura partiam de um diagnóstico que condenava implicitamente a cidade existente. As grandes capitais européias - que, no decorrer do século XIX, sofreram mudanças importantíssimas - conservavam no seu traçado resquícios, mais ou menos palpáveis, das plantas medievais. As vielas e as ruelas tortuosas constituíam um dos alvos principais das grandes reformas urbanas promovidas na Europa no século XIX. Nesse período, o Rio de Janeiro também tinha experimentado um grande incremento populacional e, sem dúvida, compartilhava de alguns dos problemas destas capitais. Apesar de o seu traçado não ter vestígios das cidades medievais, sendo bem mais retilíneo, um dos seus maiores problemas, segundo as opiniões de contemporâneos, era a estreiteza de suas ruas. Remontando às origens das cidades no Brasil, Nestor Goulart assinala que “À época do descobrimento do Brasil, as tendências geometrizantes estavam sendo adotadas em quase todas as experiências urbanísticas européias(...) A política urbanizadora colonial espanhola seria (...) codificada com ampla minúcia, nas ‘Leyes de Indias’ constituindo-se numa das fontes mais perfeitas de informação e orientação sobre o urbanismo formal (...) A aplicação desses princípios em termos práticos foi porém comum, deles se utilizando não apenas espanhóis, mas holandeses, franceses, ingleses e portugueses” (GOULART, 1968, p.128).

Goulart chama a atenção para o fato de que os colonizadores portugueses também utilizavam de alguma maneira os princípios das Leyes de Indias. O urbanismo colonial português não seguia à risca todas as suas recomendações - regularidade nas construções, destaque para as igrejas, praça localizada no centro da cidade, porém no tocante às ruas parecia concordar, adotando o princípio de ruas


14 O Rio de Janeiro e seu desenvolvimento urbano - o papel do setor municipal de urbanismo

estreitas nas cidades situadas em regiões quentes. As ruas do Rio de Janeiro eram de fato estreitas, a ponto de não permitirem a entrada do sol. As praças recebiam maior atenção. Eram elas, e não as ruas, que concentravam os elementos mais dinâmicos da vida pública, desde o comércio até as reuniões cívicas e religiosas. Conforme destaca Goulart: “Uma constante na forma de organização desses centros era a valorização, por meio de praças, dos pontos de maior interesse para essas comunidades.(...) Assim um pouco à moda da Grécia Antiga, as preocupações concentravam-se nos locais de reunião, reduzindo-se as ruas, no traçado, quase que exclusivamente às funções de ligação e vias de acesso a esses pontos” (GOULART, 1968, p.130).

Segundo esse autor, foi na segunda metade do século XVII que os colonos passaram a dar atenção às ruas: “As ruas nos centros maiores passam a adquirir uma nova importância (...) as ruas e casas começam a ser feitas para serem vistas pelos que nelas permanecem ou circulam e passam a ser objeto de cuidados, como as praças.” (GOULART, 1968, p.136).

A importância das ruas nas cidades maiores aumentou com o passar do tempo e no século XVIII “a rua já se tornara no local para o qual os colonos se voltavam cerimoniosamente, oferecendo-lhe o melhor de suas casas, de suas roupas (...) Estavam maduras as condições para a implantação de um urbanismo de caráter formal, de inspiração barroca” (GOULART, 1968, p.148).

Porém, se crescia a importância social da rua, isto não se traduzia imediatamente em seu desenho. No século XIX, o Estado ao sancionar estas leis ambicionava, exatamente modificar esta situação, fazendo com que o traçado concreto das ruas pudesse coincidir com a sua importância social. Os Códigos de Posturas da Câmara Municipal do Rio de Janeiro podem ser considerados como tentativas de normatizar certos aspectos da vida coletiva na cidade trazendo dados valiosos sobre como eram pensadas as ruas da cidade. Para efeitos de análise, procedeu-se à separação dessas informações entre aquelas relativas à delimitação do espaço físico e aquelas relativas à delimitação do uso. 1.1 A delimitação do espaço físico Para determinar o espaço físico das ruas no Rio de Janeiro no período citado três aspectos distintos são tratados nos textos das leis: l

a normatização da largura;

l

o alinhamento das edificações;

l

e as normas específicas sobre as construções.


Notas sobre o nascimento da rua no Rio de Janeiro... 15

A intenção era que, dessa maneira, viesse a ser produzido como resultado um traçado de cidade diferente daquele existente. O pensamento corrente à época foi sintetizado em 1843 pelo relatório do Visconde de Beaurepaire Rohan, diretor de Obras Municipais: “O Rio de Janeiro participa de muitos dos defeitos que são ordinários nas cidades edificadas sem plano. E um deles é a estreiteza das ruas, algumas das quais têm apenas trinta palmos de largura, o que muito dificulta o trânsito. Conviria, pois, destruir esta imperfeição(...) aproveitando-se o ensejo para dar-se a cidade uma forma mais regular, as águas um esgoto mais pronto e aos habitantes uma residência mais cômoda, aprazível e sadia” (ROHAN, 1968, p.207).

A estreiteza das ruas dificultava o tráfego e criava obstáculos para o esgotamento das águas. Além disso, também contribuía para uma habitação fora dos padrões higiênicos e estéticos. Três características básicas lhe eram consignadas como desejáveis: a) dimensão compatível com o fluxo pensado; b) seu leito ser passível de abrigar canalizações (no caso do esgotamento das águas); e c) sua largura torná-la um espaço mais apropriado para a construção de novas residências. Destes três elementos pensados para a rua, o terceiro cumpriria o papel de induzir um novo tipo de ocupação do solo urbano mais “higiênico e saudável” e também, seguramente, mais rentável. A maioria das ruas da cidade ressentia-se da ausência de pelo menos uma das três características acima citadas. Enquanto elas não eram reformadas, a preocupação do Estado era evitar que pelo menos nas novas ruas abertas fossem repetidos os erros do passado. Os Códigos de Posturas incidiriam diretamente nesse processo, impedindo que as renovações parciais promovidas no centro da cidade inviabilizassem a sua reforma completa no futuro. A intenção era negar a cidade existente, o seu traçado, os seus usos, etc., e também vislumbrar a cidade idealizada à época. Esta cidade ideal, que pode ser lida nas entrelinhas do texto, teria ruas mais largas e mais contínuas. 1.2 A largura e o alinhamento das ruas O Código de Posturas sancionado em 1830 determinava que “todas as travessas que se abrirem na cidade e no termo terão pelo menos 60 palmos de largura” (CÓDIGO DE POSTURAS, 1830, parágrafo 3º). Começava, nesse momento, a ser criado um consenso entre o poder público, sanitaristas, engenheiros e todos aqueles interessados no Rio de Janeiro de que a largura das ruas, herdada da Colônia, era incompatível com o funcionamento da cidade. Mas quais eram os inconvenientes apontados contra a exígua largura da maioria das ruas? Em primeiro lugar, as dificuldades criadas ao tráfego. Como é sabido, naquela época não havia propriamente uma separação entre passeio e faixa de rolamento. Em segundo lugar, tal “estreiteza” impedia a construção de novos prédios, mais altos e mais imponentes, pois dificultaria a visibilidade dessas construções e também a circulação do ar.


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Figura 1. Corte esquemático mostrando em linha tracejada a largura da Rua do Ouvidor (30 palmos ) e a largura proposta pelo Código de Posturas de 1830( 60 palmos). Desenho do autor

Também depunha contra a pouca largura o fato de ela não permitir o adequado esgotamento das águas. Ruas estreitas não ofereciam possibilidades de alojar as canalizações, além de dificultar a circulação do ar e a entrada do sol, aliados terapêuticos importantes no combate às epidemias. A rua do Ouvidor, endereço mais famoso à época, chegou aos dias de hoje com 6,80 metros de largura. O Código de 1830 estabelecia a largura de 60 palmos (aproximadamente 12,70 metros) (CÓDIGO DE POSTURAS, 1830, parágrafo 3º), dimensão ratificada pelo Código de 1854. Na ocasião, foi feita a ressalva de que as ruas existentes que por ventura possuíssem mais de 60 palmos não poderiam ser reduzidas (POSTURA, 29 de abril de 1854 , D. 173 - Artigos 1º e 3º). Comparadas com as dimensões existentes, essas medidas representavam uma considerável ampliação.


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Figura 2. Marc Ferrez/ Coleção Gilberto Ferrez/Acervo instituto Moreira Salles. Rua do Ouvidor com Escola polythecnica ao fundo (atual IFCS –UFRJ) Rio de Janeiro. C. 1890. Gelatina .


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